quinta-feira, 26 de abril de 2018

Boulos: o florescimento da 'ideia' à sombra silenciosa das autoridades

Então atire a primeira cobrança quem nunca deixou de cumprir uma promessa. Volto a falar de Lula tendo prometido a mim mesma que não mais o faria depois de comentar a prisão dele. Não previ isso, mas, como diz Genoveva, quando prometi era verdade. Pertence à fase madura de Machado de Assis o famoso conto Noite de Almirante (publicado pela primeira vez em 1884, no Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro) que me traz Genoveva para minha defesa e refúgio. Nesta fase, praticamente extinguiu-se o verniz sutil de sofisticada ironia que nosso magnífico autor derramava sobre a superfície das coisas e que, num prazer adicional da leitura, o leitor mais lapidado o penetra e descobre, como num palimpsesto ─ e a cada nova leitura, novas camadas interpretativas se revelam ─, o profundo das coisas na fundura da galhofa apenas residual e da melancolia predominante. Exemplo máximo disso entre os contos, acho eu, é o duro “Pai Contra Mãe” em que a linguagem exata e a sintaxe enxuta agudizam a crueza de uma realidade sem concessões e em que os personagens fazem escolhas como a pedra que, lançada, decidisse onde cair, segundo a imagem com a qual Espinoza define o livre-arbítrio.

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Assisti ao vídeo em que Guilherme Boulos destampa um trololó aparentemente delirante sobre a invasão do prédio do triplex do Lula comandada pelo sem-teto de boutique, aterrorizando moradores. Aí, sabe como é: uma coisa desagradável leva à outra coisa desagradável, então acabei revendo o último discurso de Lula em liberdade para averiguar nexos no palavrório de Boulos. Naquele discurso, o caudilho dialogou com os próprios afetos e desordens (essencialmente, a horrenda “ideia” Lula), ainda que numa fala racional, coesa e coerente para determinada essência política ─ e, nesse sentido, dirigiu-se à militância, que é o que os consubstancia externamente. Inertes, MPF e demais autoridades deixam um bando autoritário colonizar o espaço no noticiário sem lhe fazer um contraponto nesta que é também uma guerra de valores. E a militância chafurda na sua libido deformada. É para a sustentação do moral dela que Boulos e seus bandidos amestrados continuam delinquindo já que a pátria dos petistas não é o Brasil, mas o petismo. Seus habitantes, alheios à realidade exterior, não são apenas aquelas poucas centenas que se entrincheiraram no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo (aliás, a legislação proíbe atividade político-partidária de sindicatos, não é, Ministério Púbico?) ou os acampados em Curitiba emporcalhando tudo em volta e infernizando o cotidiano dos moradores.

Eles são também “a ideia” no palimpsesto de certa imprensa escrita e falada que ainda escolta o triplex de Lula com um “suposto”, mantendo a mentira, substância última dessa porcaria toda, na crônica dos fatos. São a “ideia” que aparelhou o MPF (que, muitas vezes, me lembra um PSOL concursado) e porções do Judiciário, desde antes de o PT assumir a presidência, que silenciam diante da carreira criminosa de Boulos. À sombra desse frondoso silêncio, o PT sustenta seu enredo embusteiro também pela omissão de agentes da lei que decidiram participar politicamente do debate público ─ sobretudo procuradores do MPF ─, desrespeitando os limites de suas funções institucionais, atacando todos-os-políticos, mas, nominalmente, quase sempre apenas contra aqueles opostos ao campo ideológico da “ideia”. A choldra deita e rola.

O Brasil ordeiro merece um gesto das autoridades repudiando o terrorismo de Boulos, não pode mais ficar à disposição das patologias ideológicas da súcia terrorista nem das “patologias de consciência” dos representantes da lei que se calam. Integrantes do Judiciário/MPF não são todos lulopetistas, claro, mas predominam entre eles teses caras ao PT dos anos 1980, de um PT limpinho que, grosso modo, reencarna no PSOL. É a “ideia” lavada a jato. Imunda, ela ainda lidera as pesquisas eleitorais de dentro da cadeia (o Brasil vai me intrigar para sempre), seguida pelas versões higienizadas: Marina Silva (que sugere a PMDB, PSDB e PT que se aposentem para que ela governe com a Rede e o PSOL), Joaquim Barbosa (o candidato da agenda policial) e Jair Bolsonaro (o autoproclamado liberal que aplaude agressões ao estado de direito quando elas não o atingem, conduta que nega a essência do liberalismo). Três figuras autoritárias revigoradas no lixo tóxico produzido pela criminalização da política como via institucional para encaminhar as demandas da sociedade, criminalização esta promovida pelos mesmos agentes que, em nome do combate aos políticos corruptos, aproveita para combater também os políticos de que não gosta inspirando na população o desejo de eleger alguém-que-ponha-ordem-em-tudo-isso-que-está-aí. Enquanto isso, Boulos não é incomodado e nem sequer agradece, ele quer é mais, pois essa gente não deseja participar democraticamente da disputa legítima pelo poder, mas se impor pela truculência e pela mentira, chegando ao limite do grotesco e dando mais um passo sem ativar o ativismo blogueiro do MPF. Autoritários do bem e os do mal debocham do Brasil ordeiro.

O marujo Deolindo partiria numa viagem de 10 meses e trocou promessas de fidelidade com a mulata Genoveva. Quando os amantes se reencontraram, Genoveva se apaixonara por outro. Deolindo, do fundo de seu desencanto, ainda balbuciou uma cobrança que era menos isso e mais uma verbalização de seu choque: “mas você prometeu, Genoveva”. “Ah, Deolindo, deixe disso, quando eu prometi era verdade”. Depois de ouvir Lula, me sinto suja da voz roufenha excretando senhas para a barbárie e, para lidar com essa realidade incessante, faço um tipo de profilaxia com algum humor ou ironia, alguma literatura, música ou poesia porque a beleza ─ em qualquer forma ─ é, para mim, revestimento pessoal para sobreviver às mazelas do mundo. Por isso afirmei que o conto é um refúgio, essa encantadora narrativa de um desencanto amoroso com toda a breguice de uma ilusão amorosa ─ claro, não é todo amor que é brega, só os verdadeiros, ou você nunca ouviu Roberto Carlos ou Billie Holiday (cuja morte completa 50 anos em 2019) se acabando em “I’m a fool to want you”? ─ tratada com a genialidade de Machado para falar da volubilidade do coração humano, de fidelidade, inconstâncias e a imprevisibilidade da vida, que a faz menos perigosa. Já pensou que perigo uma vida sem imprevistos? A vida acontece à nossa revelia. Uma “ideia”, não. Portanto, senhores e senhoras agentes da lei, ajam.

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Supremo vira ioiô e perde a própria supremacia

Marcado por suas idas e vindas, o Supremo tornou-se o epicentro de um fenômeno que corrói o prestígio da Justiça brasileira: a insegurança jurídica. A Suprema Corte virou um ioiô. Ora joga a delação da Odebrecht sobre Lula para Sergio Moro, ora manda o material para São Paulo. Num instante, aprova a prisão na segunda instância. Noutro, ameaça rever a novidade. Afasta Eduardo Cunha do mandato e delega ao Senado a palavra final sobre o afastamento de Aécio Neves. Cede poder aos senadores e, depois, ressuscita Demóstenes Torres, devolvendo-lhe direitos políticos que o Senado havia cassado. Nesse vaivém, o Supremo-ioiô perde a própria supremacia.

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Há no Brasil uma sólida e inquestionável certeza: o Judiciário é lento, concordam todos, do advogado de porta de cadeia até a presidente do próprio Supremo. Pois na decisão sobre a delação da Odebrecht, três ministros da Segunda Turma —Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes— transferiram provas contra Lula da azeitada engrenagem de Curitiba para a São Paulo, onde a Lava Jato caminha na velocidade de uma lesma tetraplégica. Ofereceram matéria-prima para a defesa de Lula enfileirar recursos, embargos e todo tipo de petições contra decisões de Sergio Moro.

Poucas vezes o Brasil teve um Supremo tão desatento com suas responsabilidades institucionais. Há de tudo na Suprema Corte —de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado que mantém negócio privado. Decisões colegiadas são solenemente desrespeitadas. Há na prática não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte. O Brasil perdeu as esperanças de ter no topo do sistema judicial um tribunal que seja Supremo. Mas merece ter pelo menos um Supremo que tenha lógica.

Justi$$a?

No Brasil, juízo de exceção é quando a Justiça funciona contra poderosos delinquentes
O Antagonista 

Um MP para os ratos

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Não sei o nome pelo qual atende entre os seus, os da sua praia ou tribo, mas o que sei é que, embora não saiba o seu nome, já estamos na terceira rodada e agora estou sem saber se eu o venci ou se ele me venceu.

Os médicos deram para receitar banana porque descobriram, enfim, que os macacos nunca se deprimem. Estão sempre alegres, bem dispostos e salientes. A razão de tanta exuberância é o potássio que na banana está em maior quantidade.

Manhã bem cedo quando vou à bacia de frutas pegar minha banana noto que uma delas está comida até a metade. Separo-a das outras e me detenho examinando. Por duas ou três manhãs, a mesma coisa.

Se não foi dente de gente nem de macaco, dente de que bicho seria? A Iraci, que sabe tudo desses meandros, lança a suspeita – isso é coisa de rato.

Ora, se rato gosta tanto assim de banana então ele se aparenta dos macacos, por conseguinte também dos homens, todos necessitados de doses e mais doses de potássio.

Daí, fico a imaginar querendo encontrar razões para o fato de ter homem tão parecido com rato e também com macaco e de ter homem com atitude de rato ou com atitude de macaco.

Se tu reparas bem, o macaco não é larápio. Ele te surrupia a banana em gestos engraçados, não espera tu dares as costas para o objeto do desejo dele, não age nas caladas da noite. O macaco é transparente.

O rato, não. O rato que nem algumas categorias de homens sem categoria não age às claras, prefere sempre as caladas da noite para suas práticas deletérias.

Então, a banana que amanhece mordiscada até quase pela metade na bacia de frutas na cozinha é coisa de rato. Mas que calhorda!

Se eu continuar leniente ele vai espalhar out-dor pelas esquinas da ilha, num rasgo de bom mocismo, me agradecendo as quase vinte bananas que ele comeu pelas beiradas nas madrugadas lá em casa, enquanto todos dormiam.

Estou sabendo sobre uma senhora Karen Robbins que mantém uma ONG nos Estados Unidos voltada para a proteção dos ratos, os quais são tratados com estima e carinho.

Aqui também nesta quase França Equinocial, incluindo a do Amor, tem pessoas com seus ratinhos de estimação, tratados como leais companheiros, gordinhos, rechonchudos, alguns até lembrando gorgulho, aquele bicho que ataca sacas de feijão.

Os ratos, aliás, ajudaram os romanos num sentido inverso a conquistarem muitos territórios.

Muitos lugares tinham ratos demais, os povos em meio a tantas doenças não sabiam o que fazer. Àquelas alturas, os romanos já haviam descoberto o gato como invencível devorador de ratos.

E levavam centenas de milhares de gatos famintos em suas expedições. Muitas vezes nem precisavam fazer guerra. Era soltar os gatos atrás dos ratos e os povos, aliviados, se entregavam logo aos romanos.

Voltando ao rato devorador de bananas aqui de casa, já estou na terceira rodada e não sei quem venceu a parada.

Na primeira, misturei bifinho da Miúcha com chumbinho. O danado comeu tudo. Na noite seguinte peguei apara de pizza e fiz sanduíche de chumbinho. Não amanheceu nada. Sinal de que comeu tudo. Na terceira eu deixei só caroços de chumbinho espalhados no roteiro dele. Amanheceu tudo do mesmo jeito. Mas a banana sempre mordiscada.

No reino animal deve ter um ministério publico para ratos. Não é possível. Deve ter.

Edson Vidigal

É simplesmente ridículo

Estamos perdendo a noção do ridículo. Só pode ser isso. Estamos tratando como normais certas situações - na política, na economia, no judiciário - que são simplesmente ridículas.

Querem começar pelo judiciário? Serve. Observem esta ementa do Superior Tribunal de Justiça, emitida em 20 de junho de 2012. Depois de repetir que se tratava da análise de embargos de declaração, um sobre o outro, conclui negando o último deles, "embargo de declaração no agravo regimental no recurso especial". Não é gozação.

Tratava-se de um caso simples. Um servidor aposentado do governo de Goiás que pretendia voltar ao trabalho na mesma administração estadual. O primeiro recurso chegou ao STJ em abril de 2008, negando a volta ao emprego. Seguiram-se oito embargos de declaração e três recursos e agravos, todos negados por unanimidade nas turmas. Mas a coisa só terminou em agosto de 2012.

Ocupou tempo de magistrados, a burocracia dos tribunais, para repetir a mesma decisão 11 vezes.

Esqueçam os termos jurídicos, o formalismo. É simplesmente ridículo.

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Vamos para a política? É até difícil escolher, mas considerem o presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira. Na terça, a Polícia Federal deu uma batida no gabinete, na casa e nos escritórios do parlamentar. Entre outras coisas, encontrou 200 mil reais em dinheiro vivo. O senador tem três inquéritos no âmbito da Lava Jato e é acusado de ter ameaçado uma testemunha, um ex-assessor.

O partido, o antigo PP, é o principal freguês da Lava Jato. Lembram-se do Paulo Roberto Costa, o primeiro diretor da Petrobras a ser apanhado no petrolão? Pois então, era indicação do PP.

Joesley Batista diz ter a gravação de uma conversa em que combina entregar uma mala de 500 mil para o senador.

E sabem o que aconteceu com o PP nesse tempo todo? Mudou o nome para Progressistas e, no troca-troca partidário, recebeu o maior número de deputados federais. Chegou a 50.

Ocorre que o partido controla três ministérios, mais a Caixa Econômica. Ou seja, vagas e verbas. O senador Ciro Nogueira ainda distribuirá o dinheiro do fundo partidário que vai financiar as campanhas eleitorais.

Progressistas? Ridículo, não é mesmo?

Pode um partido assim e um senador assim continuar no controle de boa parte do governo? Dizem: qual o problema?

No dia das batidas, o senador, acompanhado da esposa, estava em "missão oficial" no exterior, o que significa pago com o seu dinheiro, caro leitor. E sabe o que ele mandou dizer ao advogado? Fica tranquilo.

Aí já não é mais ridículo, é gozação com a gente.

Mas certamente foi ridícula a decisão de três ministros da Suprema Corte - Suprema! - ao determinar que as delações da Odebrecht a respeito da compra do prédio do Instituto Lula e da reforma do sítio de Atibaia sejam retiradas dos processos que correm em Curitiba sobre o que? O prédio e o sítio.

Dizem os ministros Gilmar Mendes, Lewandowski e Dias Toffoli que essas delações não têm nada a ver com a corrupção na Petrobras, caso que está na corte do juiz Moro. Logo, as delações devem ir para a Justiça Federal de São Paulo, onde não corre nenhum processo a respeito.

Reparem: na delação, o pessoal da Odebrecht afirma ter participado do petrolão e que os recursos ilícitos ali gerados eram distribuídos, entre outras pessoas, a Lula, propina materializada no prédio e no sítio. Os dois casos foram apurados pela Lava Jato de Curitiba, processados na Justiça Federal de lá, depoimentos tomados, provas colhidas - e aí vêm os três magistrados dizer que os processos ficam lá, mas não as delações que tratam exatamente daquela corrupção.

Tentam recuperar um formalismo jurídico cuja função é simplesmente anular processos. Assim: a prova existe, todo mundo sabe, mas a justiça não pode considerar.

Na delação, Emílio Odebrecht diz que preparou o sítio para Lula, que estava na conta da propina. Nada a ver, decidem os três juízes.

Esqueçam o Direito. É simplesmente ridículo.

Querem uma na economia? Temos. O cadastro positivo, a relação dos bons pagadores, cuja função, provada em outros países, é aumentar as garantias na concessão de crédito. E, pois, reduzir os juros ao tomador final.

Tem um projeto tramitando no Congresso, há anos. Opositores dizem que o cadastro é contra os pobres, as pessoas mais simples, que ficarão excluídas.

De onde tiram que "gente simples" é caloteira? O cadastro, onde existe, exclui, principalmente, os ricos caloteiros, os que dão grandes calotes.

Mas estão dizendo que o cadastro positivo é coisa da direita neoliberal. O Congresso está nisso há anos. E ainda esgoelam contra os juros altos. Ridículo.

A Ilha

Nossas elites odeiam o Brasil, que só serve para que façam fortunas

O Brasil é um país muito estranho, não há nada igual sobre a face da Terra. Tem todas as condições para ser o melhor do mundo, seu potencial é incomparável, mas está sempre refugando, não consegue decolar. Faltam-lhe governantes que saibam identificar quais são os verdadeiros interesses nacionais.

Daqui a cinco meses teremos nova eleição, é recomendável que os brasileiros raciocinem sobre isso, porque nem sempre as necessidades nacionais se confundem com os interesses dos países que disputam a liderança mundial, como Estados Unidos, Rússia e China.

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Muito pelo contrário, no Brasil os interesses nacionais quase sempre não têm nada a ver com as diretrizes preconizadas pelas grandes potências, é preciso encontrar um caminho próprio, embora este tema suprapartidário jamais seja discutido cá entre nós.

Em termos de debate político-institucional, na verdade estamos sempre rastejando. Ao invés de identificar os interesses nacionais, nossas lideranças se perdem em discursos inconsistentes sobre direita e esquerda, chega a ser ridículo e até patético.

O Brasil é diferente. Em relação a seu território contínuo, é o quarto maior do mundo, somente superado pelos EUA quando incluem o Alasca e o Havaí. Quanto à população, estamos na quinta posição, com quase 209 milhões de habitantes, atrás da China (1,384 bilhão), Índia (1,296 bilhão), Estados Unidos (329 milhões) e Indonésia (263 milhões), e à frente do Paquistão (208 milhões) e da Nigéria(195 milhões).

Logo seremos suplantados por Paquistão e Nigéria, porque nossa população está parando de crescer e tende a ficar estacionária, o que pode ser bom ou ruim, depende do ponto de vista. População crescente evita problemas com a Previdência, mas população estacionária pode significar melhor qualidade de vida. Os países europeus, com população estagnada ou decrescente, não precisam investir em novos hospitais, escolas, estradas, saneamento, energia etc. Pense nisso.

Aqui no Brasil é diferente e muito há a ser feito, mas as elites não querem esperar. Para elas, o Brasil só serve para fazer fortuna e ir viver lá fora. Foi modificado, portanto, o slogan do regime militar. Naquela época era “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Agora é “Brasil, explore-o e deixei-o”.

É nesse clima de baixa-estima que a nação vai às urnas para escolher o menos pior. Pretendo votar no candidato que apresente os melhores planos para conter a dívida pública e aprimorar a Previdência, com uma reforma que não mantenha privilégios de nenhuma classe profissional.

Gostaria que esse candidato retomasse os CIEPs de Brizola, Darcy e Niemeyer, transformar os presídios em colônias agrícolas e polos industriais e prestadores de serviços às comunidades. Que investisse em energia solar e eólica, ferrovias, portos e rodovias, para diminuir o custo Brasil. E que adotasse um plano de carreira no serviço público, com progressões por mérito e produtividade.

Cynara relembra Millôr e nos dá uma lição

Depois de ler a entrevista de Fernando Henrique Cardoso à última revista “Época”, em defesa do novo na política, e após refletir sobre as respostas do ex-presidente às perguntas formuladas pelos repórteres Daniela Pinheiro e Plínio Fraga, passei à leitura do excelente depoimento a Sílvio Essinger, na mesma revista, da cantora Cynara Faria.

Cynara foi responsável, ao lado de Cybele, Sonya e Cyva, pela criação do saudoso Quarteto em Cy. Ele gravou, desde 1964, mais de 30 discos e conquistou, com a canção “Sabiá”, uma composição de Tom Jobim e Chico Buarque, na noite de 26 de setembro de 1968 (tempos brabos!), o 3º Festival Internacional da Canção (FIC). O público que lotou o Maracanãzinho se revoltou com o resultado e lhe despejou tremenda vaia pelo fato de haver batido, na final, a bela canção de Geraldo Vandré “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”.

No depoimento prestado a Essinger, Cynara, que ficou revoltada com as vaias não apenas em razão da qualidade da canção vitoriosa, mas, sobretudo, porque Jobim e Chico não mereciam aquele tratamento, concluiu dizendo que aprendeu muito naquela noite: “O que aprendi ali, com a vaia do Maracanãzinho, pode ser resumido numa frase do Millôr Fernandes: o importante é nada. Tudo passa mesmo, e essa raiva que está aí, rondando todo mundo, vai passar”.

Nesta antevéspera de eleições, que se espera que sejam efetivamente livres, o Brasil vive o agravamento de uma crise política que fez retornar à cena essa raiva à qual se referiu Cynara Faria. Tanto os partidos quanto os políticos, de modo geral, perderam credibilidade e, hoje, são objeto de puro ódio. Mesmo assim, pelo menos para mim, e exatamente por isso, por mais paradoxal que lhe possa parecer, leitor, o momento por que passa o país, em razão das eleições que vêm por aí, deveria ser considerado por todos nós rico de oportunidades.

O jornalista, dramaturgo e escritor Millôr Fernandes foi muito bem lembrado por Cynara Faria. Na verdade, Millôr disse muito mais em seus famosos textos e frases. Uma delas poderá nos servir de estímulo e, ao mesmo tempo, de alerta: “Tudo passa. Chuva passa, tempestade passa, até furacão passa. Difícil é saber o que sobra”.

As eleições, essa real oportunidade que, mais uma vez, se abre a nossa frente, com certeza acontecerão e, obviamente, passarão. A ocorrência delas, por si só, não basta ao país. O importante depende do que vai sobrar delas. Teremos, a partir de 2019, um país dividido? Ou, ao contrário, lutaremos para debelar o ódio que parece ter tomado conta da sociedade brasileira? Ou, enfim, por meio do diálogo, proporcionaremos às gerações novas um futuro realmente esperançoso?

Esse futuro esperançoso a que me refiro depende de nosso voto. Temos que escolher, com responsabilidade e conhecimento de causa, os que nos representarão na Presidência da República, nos governos estaduais, no Senado, na Câmara e nas Assembleias legislativas. Só nosso voto terá o condão, leitor, de torná-lo realidade.

O paradigma, a conduta e o comportamento adotados há muitos anos por grande parte de nossos políticos e, em menor escala, pela sociedade brasileira terão que mudar. Essa mudança, com certeza, nos livrará desse pântano no qual o país afunda a cada dia que passa. Lembremo-nos, por fim, mais uma vez, de Millôr Fernandes: “Ser feliz é tão simples, mas tão simples, que todo mundo esqueceu como é”.