quinta-feira, 29 de março de 2018

A falta de política estoura nas ruas

A humanidade inventou a política para que homens e mulheres não se matassem de verdade. A política inventou o Estado para que ele, e somente ele, o Estado, tivesse o monopólio da força física, da violência, o que impediria que homens e mulheres se matassem de verdade. Quando a violência assume a centralidade das relações é porque o Estado, a política e a humanidade falharam.

Os atos de violência em torno da caravana do PT não expressam apenas a contrariedade de parte da população com aquele partido e seu líder. Antes de tudo, indicam a degeneração do sistema político, incapaz de promover o diálogo e a mediação do contraditório, substituindo tapas, pedradas, ovos e tiros por algo mais sofisticado, como a comunicação e o debate de ideais.

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Culpa de quem? De muita gente. Difícil começar a explicar. O PT, é claro, cometeu muitos erros. Foi em uma de suas campanhas eleitorais que deu largada à miséria dessa política, ao lançar mão de raciocínio rude e populista, expresso na formulação simplória ''nós contra eles''. Para quem planejava representar a sociedade, dividi-la foi pouco inteligente. Negação da política e do governo, cujo objetivo é unir.

Hegemonismo e arrogância expressam insegurança. Os adversários do PT adoraram. Dava-se a eles o monopólio da interlocução de tudo o que não fosse ''nós'' — ou ''eles'', sabe-se lá —, que não se identificasse com os valores do petismo, já uma variação dentro da própria esquerda. Para quem tanto reclama respeito à diversidade, mais que contradição, foi um erro fatal.

Em junho de 2013, multidões saíram às ruas sem saber exatamente porquê — não foram, de fato, os 20 centavos das passagens de ônibus; foi talvez a busca de identidades primárias: saber, afinal, quem eram os ''nós'' e definir quem seriam os ''eles''.

Aberta a Caixa de Pandora, só a esperança é que ficou contida. O mal-estar se espalhou por toda a campanha eleitoral de 2014, empobrecida pelo predomínio de figuras pouco sofisticadas como Dilma Rousseff e Aécio Neves; desorientada pela perplexidade paralisante de Marina Silva.

Nem sempre a eleição é remédio para os males; às vezes, os agrava. O mal-estar sobreviveu à disputa de 2014 e avançou pelo processo de impeachment de Dilma, alentado pelo oportunismo fisiológico cujo emblema maior repousa na figura do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, hoje guardado em Curitiba, repousando seu ressentimento e sua bílis.

Mas, não foi apenas ele, é claro. O impeachment, cimentado com a argamassa dos erros de Dilma, fundiu uma série de outros oportunismos. Como os do PMDB (MDB), que enxergava na derrocada petista um atalho para o poder que estancaria ''a sangria'' agora exposta pela Operação Lava Jato. Foi o que pontificou Romero Jucá, o intelectual orgânico que o presidencialismo de coalizão hiperfisiológica foi capaz de gerar.

Também não fica de fora o PSDB, que, ressentido com a derrota de 2014, andou de braços dados com Eduardo Cunha; serviu de esteio ao governo do PMDB e foi entusiasta da teoria do estancamento, ideia-força de Romero Jucá, Michel Temer e Aécio Neves: ''estancar a sangria'' foi como colocar um dique à sociedade. Não tardaria, as águas romperiam esse tipo de barreira.

Feitos como expressão do equilíbrio entre a cauda e o bico, os tucanos perdem o prumo e diluem-se na geleia geral do Centrão. Geraldo Alckmin, candidato sob encomenda para reconstruir o Centro e aplainar as asperezas da desinteligência, mete-se a inoportuno analista: ''o PT colhe o que planta''. Apenas o PT? Bombeiros não apagam fogo com gasolina, governador.

Tampouco é apenas tudo isto: o conflito, que não teve mediação da política, perdeu a salvaguarda da Justiça. Naturalmente, a política se judicializaria como efeito de sua incapacidade de contornar o conflito. Mas, foi, gradativamente, a Justiça que se politizou. Isto fez com que se fragmentasse numa miríade de visões de direito, justiça e, até, de interesses políticos, perdendo a unidade e a orientação de um Pleno, no Supremo Tribunal.

Incapaz de decidir, a Justiça não contorna interesses e já não arbitra conflitos. É claro que isto tudo estouraria como violência, nas ruas. A Humanidade requer Política, Estado e Justiça. O que fazer quando ela própria já não parece capaz preservar esses instrumentos que a preservam? Não, a solução não está no despotismo esclarecido. Até porque déspotas quase nunca são esclarecidos.

Carlos Melo 

Tiros, cultura política e patrimonialismos

Depois do atentado a bala contra os ônibus que acompanhavam a viagem do ex-presidente Lula pelo sul do País, na terça-feira o governador de São Paulo Geraldo Alckmin disparou uma declaração atordoante: “Acho que eles estão colhendo o que plantaram”. Eles quem? Pelo que se pode depreender do raciocínio de Alckmin, já escalado pelo PSDB para concorrer à Presidência da República, esse “eles” aí se refere aos petistas. Sendo contra “eles”, o candidato reproduz, mesmo sem querer, o típico embate do “nós contra eles”. Acusa o PT de “sempre partir para dividir o Brasil, nós contra eles”, mas incorre no mesmo erro. E diz que a culpa é da vítima.

Esse modo de explicar a violência é antigo. Quando uma mulher é violentada por um estuprador, logo aparece alguém para dizer que ela “provocou”. Quando a redação do Charlie Hebdo, em Paris, sofreu um ataque terrorista que matou 12 pessoas, em 7 de janeiro de 2015, rapidamente se levantaram vozes estranhas para dizer que os jornalistas tinham abusado da sátira e teriam feito por merecer.

Charge do dia 29/03/2018

Culpar a vítima é uma forma pusilânime de justificar a violência. Alegar que os acompanhantes da excursão pré-eleitoral de Lula “estão colhendo o que plantaram” é justificar o atentado. Mais ainda. Como, em política, os tiros se fazem acompanhar de discursos de ódio, de intolerância, de vingança ou ressentimento, o palavrório abastece os estampidos e vice-versa. Tripudiar sobre os petistas – ou “eles” –, em vez de condenar os agressores, condená-los incondicionalmente, equivale a encorajar a violência, como veremos nos próximos dias.

Está em expansão no Brasil uma cultura que anima crimes de sangue na política. Nessa cultura, os critérios públicos e impessoais – que conferem estabilidade e segurança a uma República – cedem lugar a implicâncias subjetivas, fúrias tribais e impulsos homicidas. A disputa de ideias converte-se em guerra aberta entre famílias ou clãs, as alianças partidárias apequenam-se em conluios entre capangas, num cangaço generalizante. A violência política recrudesce no espaço deixado por um Estado que, posto a serviço de interesses extrapúblicos, perde sua capacidade de resolver conflitos com base em regras aceitas em consenso. A violência explode ali onde os valores da democracia declinam. A partir desse ponto, o objetivo da ação política passa a ser o butim, a militância se reduz a vassalagem e a defesa do interesse particular mais escancarado começa a sufocar a noção de república. Em lugar de líderes, crescem os capi.

Não é difícil constatar a expansão dessa cultura antipolítica – porque anti-pública – tanto nos flancos de esquerda quanto nos de direita, o que nos leva à conclusão lógica de que, se quisermos entender as raízes da violência política, teremos de compreender as raízes dessa cultura – que nem sempre se manifesta como violência.

Por vezes essa cultura se mostra em desvios aparentemente desvinculados da violência, como nos surtos de “absolutismo” anacrônico – um “l’État c’est moi” fora de tempo –, em que a pessoa investida de poder pretende imprimir suas marcas personalíssimas na máquina pública sob sua responsabilidade: “a máquina pública sou eu”. Foi o que vimos recentemente, quando a Prefeitura de São Paulo, proibida pela Justiça de usar o slogan “Acelera SP”, saiu-se com uma nota dizendo que tinha sido ferida em sua “liberdade de expressão”.

Mas como assim? Por acaso uma Prefeitura teria “liberdade de expressão”? O Estado teria direito à “liberdade de expressão”?

É claro que a resposta só pode ser negativa. Numa democracia, o Estado jamais poderia ser titular de nenhum dos direitos fundamentais dos cidadãos. Seria um perfeito absurdo supor o Estado (ou uma prefeitura) dotado de liberdade religiosa, de direito à privacidade ou de liberdade de expressão. Nesse campo, o Estado não tem direitos, apenas deveres: tem o dever de transparência (não o direito à privacidade), o dever da laicidade (não o direito de professar uma fé) e o dever de informar (não o direito de liberdade de expressão). Sem esses deveres do Estado o cidadão não teria garantidos os seus direitos individuais.

Não obstante, alguém dentro da Prefeitura de São Paulo acredita sinceramente que a Prefeitura foi ferida em sua “liberdade de expressão” e, talvez sem se dar conta, sai por aí alardeando um absolutismo anacrônico. O administrador público que reclama para a administração pública o direito da livre expressão antropomorfiza e infantiliza, à sua imagem e semelhança, um ente público. Esse “gestor” não entendeu que, se o Estado pudesse ser titular desses direitos fundamentais, a democracia seria impossível.

Não nos enganemos mais. A cultura política que abriga a pretensão de que uma prefeitura possa ter liberdade de expressão como se fosse uma pessoa – o que seria a mesma coisa que pleitear para a Prefeitura o direito à privacidade ou o direito de liberdade religiosa – é a mesma que acalenta a veleidade absolutista de que o Estado é um prolongamento do corpo da autoridade, é a mesma que cultiva a presunção de que o Estado pode ser o instrumento legítimo para a realização dos desejos de quem governa e a mesma, por fim, que acredita que o agente político pode fazer “justiça” com as próprias mãos.

Há nisso uma herança clara do patrimonialismo, do coronelismo e do familismo, por certo, mas, aqui, tudo isso passou por inúmeras mutações. No contexto presente, assistimos a uma ampliação das brechas para a violência e para a corrupção, pois os métodos escusos tendem a ser absolvidos pelos fins virtuosos que alcançariam (virtuosos apenas porque condizentes com o desejo pessoal do capo).

Quando alguém saca o revólver, nós deveríamos pensar sobre a nossa cultura política – desnaturada em antipolítica. O desprezo pelo o bem comum e a idolatria dos caudilhos é uma obra sólida e complexa que esta nação ergueu com suor e sangue.

Paisagem brasileira

Brasil...  Trekking na Cachoeira do Avencal, Urubici, em Santa Catarina, no Planalto Catarinense. O pequeno rio que forma a cachoeira se chama Rio do Funil, sugestivo da grande parede em semicírculo que deu origem a cachoeira que tem uma queda d’água de 100 metros.
Cachoeira do Avencal (SC)

Polícias mundiais e crimes locais

Bertrand Russel, falecido aos 98 anos em 1970, sugeriu, logo após o lançamento da segunda bomba atômica americana sobre o Japão, que os Estados Unidos tomassem para si as funções de guardião único de artefatos nucleares e de polícia mundial.

Respeitado filósofo, com reputação de pacifista convicto e nada admirador dos Estados Unidos, por que teria ele sugerido algo que hoje em dia soaria aos ouvidos de muitos como um despropósito? Seu raciocínio de então, correto ou não, contém elementos que podem ser úteis à análise da realidade brasileira atual.

Sua preocupação residia na corrida nuclear entre nações, a se dar a partir do episódio nuclear de 1945, e na suposta inexorabilidade de novo uso de armas de destruição em massa. Sua sugestão consta do texto “A bomba e a civilização”, publicado em 1945.

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Russel concluiu que, para evitar o mal maior, uma trajetória de destruição da civilização humana, o ideal seria que todos os insumos necessários para a produção de armas nucleares fossem repassados a uma “Autoridade Internacional de Controle”, ou AIC. Seu bom senso, entretanto, o levou a admitir no mesmo ensaio que, temendo perder o poder, tal solução jamais seria aceita pelos Estados Unidos, então belicamente imbatível.

Segundo Russel, uma alternativa seria então ter os Estados Unidos tomando para si, definitivamente, o papel da agência internacional de controle, constituindo a partir daí uma espécie de polícia mundial. A ação, considerada pelo autor claramente como não ideal, porém preferível a uma repetição da catástrofe nuclear, deveria se dar antes que novos países adquirissem a tecnologia de destruição em massa.

O ponto subjacente ao raciocínio de Russel é que a existência de descentralização na posse de tecnologias de destruição e violência coloca todos sob grande e permanente risco. O temor de ser o primeiro a ser atacado em um mundo de poder atômico descentralizado elevaria as chances de uma guerra nuclear. A unicidade e centralização reduziria esse risco (ainda que, é claro, colocando outros em seu lugar).

No contexto mundial, o risco decorre da utilização de armas nucleares na guerra entre nações. No contexto de uma cidade, risco congênere ocorre quando da utilização de armamento em guerras entre facções operando à margem do Estado.

Há um ponto sobre o qual não pairam dúvidas. A ameaça da descentralização de tecnologias de violência é mais facilmente solucionável no ambiente interno a uma nação do que entre nações que se querem independentes e soberanas.

Dentro de cada país, a preocupação de Russel com os malefícios da descentralização das tecnologias de violência se resolve usualmente através de contratos sociais democraticamente legitimados que definem o Estado nacional como monopolista no uso legítimo da força física. Algo congênere ao papel que a AIC (ou os Estados Unidos, como segunda opção) ocuparia internacionalmente, na proposta de Russel.

O enfraquecimento do Estado formal através da leniência para com a criação de áreas geográficas com regras e leis próprias, amparadas pelo armamento local disponível (algo como Estados informais, ou feudais), entretanto, não permite que a centralização vislumbrada por Russel se concretize. Mesmo no contexto supostamente mais fácil, aquele restrito a um único país. Tal leniência estabelece não um monopólio do Estado, mas um nocivo oligopólio no uso da força.

Através de lutas fratricidas pela posse de poder relativo, diferentes facções operando à margem da lei passam a gerar, na escala urbana ou mesmo nacional, fato congênere ao que Russel temia na escala mundial. Uma competição geradora de inquietude constante e destruidora do bem-estar coletivo. Com a diferença de trocar-se o temor algo distante de uma bomba nuclear pelo medo próximo e cotidiano da bala perdida e da bala não perdida.

A descentralização interna do uso da força legitimada traz ainda dois riscos adicionais. Primeiro, possíveis coalizões dos Estados informais contra o Estado formal. Segundo, uma crescente representação política organizada dos Estados informais junto ao Estado formal, minando-o pelas bases. Nos dois casos, contam os Estados informais com a vantagem de não terem que se ater às regras cívicas definidas pelo Estado formal, o que facilita sobremaneira a sua ação.

Rubens Penha Cysne

Estupidez não tem garantia de cura

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Como combater a estupidez? Creio que com educação, leitura, bom senso. Mas a estupidez também sempre esteve aí, então confesso que não sei. Acho que se todos aprendermos a ler, pode ser que sejamos menos estúpidos, menos preconceituosos, mas tampouco isso é uma garantia
Alberto Manguel

Por trás do verdadeiro mecanismo de corrupção do Brasil

Anões do Orçamento, Dossiê Cayman, Pasta Rosa, Máfia dos fiscais, compra de votos para a reeleição. À parte a CPI do Banestado, que voltou a ganhar destaque ao ser mencionada de forma caricata na série O Mecanismo, da Netflix, os muitos escândalos de corrupção que assolaram o Brasil após a redemocratização parecem estar fadados ao esquecimento. A sucessão de eventos, crimes, personagens, investigações, bem como as parcas condenações fazem com que a realidade brasileira de combate à corrupção seja difícil, para não dizer quase impossível, de acompanhar. Um projeto de pesquisa da USP, no entanto, aposta na ciência da computação para tirar esses casos do ostracismo, revelar o verdadeiro mecanismo de funcionamento das redes de corrupção no país e, no futuro, até prever como são formadas essas redes.

Na trama do Brasil real não há um personagem principal que lidera um grande esquema de desvio de dinheiro público, como por vezes ronda a imaginação popular. Mas, sim, uma rede bem engendrada de relacionamentos da qual foram mapeados 404 nomes – entre políticos, empresários, funcionários públicos, doleiros e laranjas –, de pessoas envolvidas em 65 escândalos de corrupção entre 1987 e 2014. “Essas redes criminosas operam de forma similar ao tráfico de drogas e às redes terroristas”, explica Luiz Alves, pós-doutorando no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos, e um dos cinco pesquisadores do projeto.

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A investigação foi feita com base em escândalos de corrupção divulgados na grande imprensa a partir de 1987. “Antes disso, não temos documentação sobre corrupção. O que não significa que não existia, mas sim, que não havia uma imprensa livre para expor os casos”, explica Alves. O resultado da pesquisa foi publicado em janeiro no artigo The dynamical structure of political corruption networks (A estrutura dinâmica das redes de corrupção política), no Journal of Complex Networks. E chamou atenção do prestigioso MIT Technology Review, que colocou o artigo na lista das publicações mais provocantes do período.

De acordo com a pesquisa, os grupos que conduzem as ações ilícitas funcionam de forma similar a descrita pela chamada teoria das "sociedades secretas", na maioria das vezes, com poucos membros, cerca de oito integrantes por “célula”, que atuam constantemente para atrair outros “talentos” e expandir seu network. O objetivo seria maximizar o potencial de ocultamento de seus crimes. “Esses grupos operam em redes modulares, algumas bem definidas e que compartilham conexões entre si”, explica o matemático (veja imagem acima).

Fazer parte deste seleto grupo não é uma tarefa fácil. A pesquisa identificou uma evolução lenta no número de participantes, um novo membro por ano de investigação - com exceção dos períodos eleitorais. A investigação aponta que, a cada quatro anos, as redes de corrupção se transformam, com aumento significativo no número de envolvidos. E apesar de não ser possível traçar uma relação direta entre eleições e corrupção, a hipótese levantada pelos pesquisadores é que o aumento nas atividades corruptas durante as campanhas eleitorais pode ser uma das razões para essa coincidência. “Uma hipótese é que cada vez que muda o partido no poder, aumenta investigação sob o Governo anterior”, afirma Alves.

Entre 1986 e 1991, cada membro da rede tinha cerca de três conexões. A primeira transição acontece entre 1991 e 1992 e pode ser associada com o escândalo Caso Collor, que levou à renúncia do então presidente emparedado por um processo de impeachment. Nesse período o número de conexões entre os participantes era de 6 pessoas cada um deles. A segunda grande transição acontece entre 2004 e 2005, quando cinco novos escândalos vem à tona - Corrupção nos Correios, Dólares na cueca, Mensalão, República de Ribeirão e Valerioduto mineiro. A partir desse período o número de relações entre participantes fica estável, com cerca de 18 pessoas em sua rede de relacionamento. O impacto da Operação Lava Jato não foi tão grande nos dados pois o recorte da investigação termina em 2014, quando apenas 21 pessoas haviam sido expostas pelo esquema.

Essas conexões não são aleatórias. Apesar de não ser possível apontar uma hierarquia, a pesquisa sugere que apenas sete hubs são responsáveis por fazer pontes com os demais 397 participantes da rede. “Esses hubs representam sete pessoas com grande influência na rede de corrupção, mas que não necessariamente detêm o controle das atividades criminosas”, afirma Alves. Esses personagens funcionam como o elo comum entre diferentes grupos denunciados em esquemas de corrupção (ver grafo). O hub mais influente tem 86 pessoas em sua rede de relacionamento.
Quem são os mais influentes da ecossistema corrupto do Brasil?

Mas quem são esses personagens? Na trama desenhada pelos pesquisadores foi revelado apenas que se trata de um prefeito, um doleiro, dois banqueiros, um diretor de empresa e um senador. Alves preferiu não identificar o sétimo participante. Isso porque, por questões jurídicas, os pesquisadores optaram por fazer uma autocensura e retirar os nomes da pesquisa. Inicialmente, a proposta incluía a lista de nomes, ano e escândalo em que esses “personagens” foram citados. A justificativa é que ter o nome citado em um escândalo de corrupção não significa que a pessoa será indiciada ou considerada culpada pela Justiça brasileira. “Procedimentos jurídicos nos grandes casos políticos de corrupção podem levar anos, até décadas, e muitos nunca chegam a um veredito final”, escreveram os pesquisadores. Alves explica, no entanto, que os dados e metodologia de pesquisa estão à disposição de quem se interessar.

Aliás, o interesse dos pesquisadores é conseguir replicar essa metodologia. “Se tivermos acesso a dados mais completos, por meio de parcerias com instituições da Justiça, por exemplo, poderemos construir ferramentas ainda mais precisas e úteis para as investigações”, ressalta Alves. No melhor estilo do filme Minority Report – A Nova Lei, os pesquisadores apostam que é possível prever crimes a partir do mapeamento de suspeitos envolvidos nas redes de corrupção. “Testamos vários algoritmos e descobrimos que é possível prever, com 25% de precisão, as novas relações que serão estabelecidas no futuro por esses indivíduos investigados. A chance de acertar as previsões em uma análise aleatória dessas conexões é de apenas 1%”, afirma Alves. Esse possível sistema “pré-crime” não é capaz de prever, como no filme, que alguém vá cometer algum delito, mas sim qual a chance de alguém que sequer está sendo investigado fazer parte de algum novo esquema. “Isso poderá ajudar a agilizar as investigações”, acredita o pesquisador.

Imagem do Dia

Bülent Kiliç.  galeria

De onde menos se espera

O Barão de Itararé, como jocosamente o jornalista e humorista político Apparício Torelly (1895-1971) se autointitulava, dizia que, “de onde menos se espera, daí que não sai nada”. Apesar de seu cunho anedótico —ou porque nós, brasileiros, escondemos nossa desesperança sob o manto da ironia e do gracejo—, essa frase resume bem o enredo da pantomima que nossa Justiça criminal oferece aos brasileiros.

Triplex Lula STF
Esse teatro de absurdos se repetiu no plenário do STF no último dia 22, pois, mesmo com a solenidade do cenário, os monólogos grandiosos de alguns de seus atores não mais fascinavam a plateia, muito mais atenta às consequências nefastas da decisão do que à erudição dos votos. Nem mesmo o seu intérprete mais experiente, o decano Celso de Mello, soava verdadeiro. Talvez acostumado a outra espécie de interpretação, plena sempre de lições morais, o mais antigo membro do tribunal se mostrava desconfortável com a obviedade do papel que se obrigou a assumir.

Como crer que ele nada tinha a ver com toda a encenação? De que se tratava de apenas mais um habeas corpus, quando fora ele próprio que colocou a presidente do Supremo perante o dilema de abrir ela mesma as cortinas do HC do condenado Luiz Inácio Lula da Silva, ou de se ver pela primeira vez na história do STF obrigada a pautar uma medida por uma questão de ordem dos demais ministros?

Como acreditar, em uma opinião sem convicção, que não se podia punir o paciente —nesse caso mais para impaciente, pela demora da Justiça— quando esse HC passou à frente de 5.000 outros? Como fazer crer que fazia o correto, quando evidente que desejava somente impedir que a Justiça criminal se tornasse verdadeiramente republicana com a pura e simples aplicação do precedente e a prisão de Lula?

Mas não apenas o seu discurso soava suspeito, mas o de todos que o acompanhavam, especialmente quando outros atores daquele plenário, mais conscientes do seu papel histórico, deixavam clara a inconsistência da retórica falsamente voltada a todos os pobres condenados deste Brasil. Tratava-se, na realidade, apenas de um pot-pourri —no sentido literal dessa expressão, “panela de carnes podres”— de colocações sem sentido que visavam apenas a resolver o problema prisional do ex-presidente.

Ao final, incapazes de levar a representação ao seu clímax, decidiram estender a ilusão de Justiça em uma novela que mantém todos nós, espectadores, presos na plateia até o seu capítulo derradeiro, não por sua excelência, mas porque não podemos abandonar este grande circo que se tornou o Brasil.

Não faltaram pretensos gestos teatrais, cômicos, não fossem trágicos, como o brandir de um cartão de check-in, como se a presença daquele julgador fosse imprescindível à decisão, para justificar o fim da discussão e a concessão de um salvo-conduto temporário para Lula.

Dessa história, contudo, sabemos o final. A trama não ilude ninguém. Ainda vão decidir o mérito, dizem os espectadores mais esperançosos com o próximo capítulo. Ainda há fé na redenção para alguns personagens, pensam. Mas, de onde menos se espera, nenhuma surpresa acontecerá. Apresentam-nos um drama em que o formalismo e o fausto das vestes não escondem um final previsível e bem ensaiado.

Entretanto, tão desacostumados à crítica verdadeira, têm eles esperança de ouvirem ao final elogios por sua atuação. “O doutor foi magnífico quando impediu que houvesse baderna em nossas ruas”, ou “Como aceitar que criminalizem a política desse jeito”, lhes dirá uma reduzida claque contratada por honorários astronômicos.

Estamos diante apenas de mais uma encenação, como a do clássico “A Revolução dos Bichos” de George Orwell. Se não deixarmos clara nossa indignação, ouviremos como a última fala do porco triunfante: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Não foi esse teatro de justiça que nossa Constituição prometeu. Será que podemos pedir nosso ingresso de volta?

Carlos Fernando dos Santos Lima

O futuro, que futuro?

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(...) Meus irmãos, somos mais unidos pelo pecado do que pela Graça:
Pertencemos à numerosa comunidade do desespero
Que existirá até a consumação do mundo

Murilo Mendes, "A destruição"

A disputa entre esquerda e direita tomou conta dos ministros do STF

Não entendia quando jovem e, agora, depois de tantas e sofridas décadas, entendo menos ainda a bestial disputa, em nosso país e também no mundo, entre esquerda e direita. Uma divisão que não leva em conta o que o homem tem de mais valioso – a inteligência. Este, sim, um dom totalmente gratuito. Entre nós, em especial, essa peleja se torna cada vez mais bestial. É difícil dizer quem aqui transgride mais o sinal da civilidade, da boa educação e da cidadania. Ou ambos os lados se equiparam? Para a direita, a expressão “direitos humanos” é só um palavrão; para a esquerda, a violência do crime organizado, que toma conta do país de norte a sul, só ocorre por motivos político-ideológicos. Um lado tenta explicar a brutal execução da socióloga, vereadora e defensora dos direitos humanos Marielle Franco; outro diz apenas que seu assassinato foi causado pela intervenção federal no Rio de Janeiro. Enquanto isso, a intolerância só faz crescer a violência, cujas vítimas não são os sobas de um ou de outro lado. São os pobres de tudo. E estes, coitados, como sanduíches, são vítimas de dentadas dos dois lados.


Curiosamente, no triste episódio ocorrido entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um deles foi nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o outro pela ex-presidente Dilma Rousseff. De uns tempos para cá, nas nomeações de ministros de nossa mais alta Corte, pesam muito mais suas convicções políticas. Foi-se o tempo em que o notável saber jurídico e a reputação ilibada, além de outras condições secundárias, eram essenciais para que o Senado Federal pudesse confirmar a escolha feita pelo presidente da República.

O mau exemplo dado ao país por dois ministros do STF traduz, com exatidão, a intolerância que tomou conta de todos nós. Não se conversa mais sobre política, e as belíssimas discussões jurídicas de outros tempos, às vezes até bastante acaloradas, tomam o mesmo rumo das discussões políticas. Ambas são substituídas pela estupidez das ofensas pessoais, como as que agora protagonizaram os dois juízes.

A ministra Cármen Lúcia, que tem tido equilíbrio e tino na condução dos trabalhos afetos à Casa que preside, em boa hora suspendeu a sessão plenária de pura baixaria entre seus dois colegas de toga. No dia seguinte, em entrevista, lamentou o episódio transmitido ao vivo e em cores pela televisão para todo o país: “Estamos lidando com seres humanos”, desabafou, numa tentativa de explicar o inexplicável.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas ações que questionam a prisão de réus condenados na segunda instância, já em mãos da presidente Cármen Lúcia (que, no entanto, se nega a botá-las em pauta), depois, talvez, de refletir sobre o horroroso arranca-rabo entre Mendes e Barroso, acabou por afirmar que, de fato, “o desgaste do tribunal está terrível”. Em seguida, fez questão de se referir à decisão do STF sobre o habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula: “Foi muito ruim julgarmos só o caso do ex-presidente. Agora, estamos pagando um preço incrível”. Um preço, aliás, para o qual o ministro colaborou quando interrompeu o julgamento para dizer, exibindo o bilhete aéreo que guardava no bolso, que precisava viajar para o Rio de Janeiro.

O Brasil inteiro aguarda o julgamento do habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula. Pelo que se viu na semana passada, Lula ainda terá uma avenida de recursos pela frente.

Em nosso país, a lei continua não valendo para todos.

Uma foto da ruína para o novo presidente

No país que desceu ao fundo do maior buraco recessivo em mais de 30 anos e ainda se arrasta para sair das profundezas desse inferno, não houve revoltas de sentido socioeconômico. Depois da falação de reformas de 2016-17, a economia está quase ausente do debate público.

As manobras de sobrevivência da elite política, a multiplicação de candidaturas aventureiras, arremedos de acordão e mumunhas da casta burocrática em geral ocupam a conversa, além das batalhas culturais nas redes insociáveis.

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Os números deste início de 2018, que confirmam a lerdeza da retomada, tampouco causam maiores protestos. Na verdade, não servem de mote nem para campanhas políticas ou ataques da oposição, na prática morta.

Um balanço rápido da economia no primeiro trimestre, no entanto, dá pano para a manga dos problemas que o próximo governo vai enfrentar daqui a nove meses ou menos, pois espera-se que os eleitos comecem a tomar conta da casa caída já em novembro.

Neste início do ano vê-se que o emprego formal reage em velocidade abaixo da crítica, mau sinal para o aumento da renda e para a arrecadação de impostos. O crédito bancário continua a encolher, como ocorre desde setembro de 2015 (em bases anuais).

A arrecadação do governo federal dá sinais de vida, embora um tanto inflada por receitas extraordinárias, depois de baixar desde novembro de 2014 (em bases anuais também). A despesa com investimento parece se estabilizar, mas caiu à metade do que era em 2014. O pessoal da Fazenda fez um esforço considerável de arrumar e explicitar as contas públicas arruinadas, mas o gasto com Previdência e pessoal ainda cresce a quase 6% ao ano acima da inflação, em termos reais, enquanto os demais gastos do governo encolhem 14%.

Trocando em miúdos. Em um ano, a despesa com Previdência e pessoal cresceu cerca de R$ 45 bilhões, o equivalente a tudo o que o governo despende, por ano, em obras e outros investimentos.

Desde o pico da crise, o país perdeu uns 2,8 milhões de empregos formais (para nem contar uns mais de 2 milhões que deixaram de ser criados). No ritmo em que por ora vamos neste 2018, vão-se recuperar uns 700 mil com carteira. Ainda teremos anos de precarização do trabalho.

Mesmo descontado o efeito do enxugamento dos bancos públicos, o crédito mal cresce. As taxas de juros, que desciam lentamente dos Himalaias, pararam de cair mais ou menos desde novembro do ano passado.
Além dos defeitos sistêmicos do crédito no Brasil (garantias, cadastros de crédito etc.), há algum problema grave nos bancos, assunto para outro dia, mas um rolo grande o bastante para figuras insuspeitas do mercado começarem a chiar em público sobre a concentração bancária, nome bonito para oligopólio daninho.

É um país em crise de emprego formal, precarização ainda crescente do trabalho, aumento real de salários que parece desacelerar, estoque de crédito em baixa de quase três anos e juros congelados nos picos altos. O Orçamento federal é progressivamente comido por gastos com Previdência e pessoal; ao final de 2019, por aí, mal haverá tostões para reparar a infraestrutura que, sempre escassa, agora vai sendo arruinada sem limite.

Onde estamos com a cabeça?