quinta-feira, 15 de março de 2018

Gente fora do mapa

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Steve McCurry 

Juízes 'explicam' greve sem citar auxílio-moradia

Juízes federais e trabalhistas realizam nesta quinta-feira uma paralisação. Presidentes de quatro associações de magistrados e de procuradores divulgaram uma nota para explicar o por quê da cruzada de braços. Do preâmbulo ao último parágrafo, o documento mede 1.245 palavras. Quem lê a peça à procura de lógica desperdiça tempo. Nela não há uma mísera menção ao “auxílio-moradia”. Ou seja: Os doutores pegam em lanças para salvar o privilégio, mas têm vergonha de chamá-lo pelo nome.

A nota oficial pode ser lida aqui. No item de número 9, está escrito: “Deve o cidadão se indagar porque todos os ataques midiáticos às magistraturas, e bem assim os esforços para submetê-las a uma progressiva asfixia, ocorrem justamente neste momento histórico, quando se intensificam as operações de combate à corrupção ─em sua imensa maioria operadas pelas magistraturas federais…”

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Nesse trecho, o que os doutores sustentam, com outras palavras, é o seguinte: a imprensa critica os juízes porque eles combatem ardorosamente a corrupção. Tolice. Excetuando-se os corruptos e simpatizantes, todos os brasileiros aplaudem a Lava Jato e operações assemelhadas. O que ninguém tolera é o esforço que juízes e procuradores realizam para transformar uma agenda sindical num processo de autodesmoralização.

Alega-se que as corporações têm “direito” a um auxílio-moradia de R$ 4.377, livre de impostos. Argumenta-se que o privilégio está na lei. Conversa fiada. A lei diz que, além dos vencimentos, “poderão” ser concedidas vantagens aos magistrados. Essa “possibilidade” virou direito adquirido graças a uma liminar do ministro Luiz Fux, do STF. Coisa de 2014. O julgamento do mérito estava há mais de três anos no depósito de assuntos pendentes do Supremo.

De repente, Cármen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal, marcou para 22 de março o julgamento que pode extinguir o auxílio-moradia. Em resposta, a corporação aprovou a paralisação desta quinta-feira. O suicídio é uma coisa íntima. Mas alguém precisa tentar impedir que os magistrados atirem contra a própria imagem. Daí os alertas da imprensa que conserva o bom hábito de imprensar.

Auxílio-moradia faz sentido quando o magistrado é transferido para outra cidade. Vira tunga quando o juiz tem casa na cidade onde trabalha. Estão nessa situação, por exemplo, os honoráveis juízes da Lava Jato Marcelo Bretas e Sérgio Moro. Ambos têm belas residências —um no Rio, outro em Curitiba.

Argumenta-se que o privilégio serve como um complemento salarial, pois os contracheques acumulam defasagem de 40% desde 2015. Tudo bem. Se é assim, os doutores deveriam guerrear por reajustes salariais, não pela preservação dos puxadinhos no contracheque. E terão de explicar por que algo como sete em cada dez juízes recebem vencimentos acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil —não raro acima dos R$ 100 mil.

Uma coisa é certa: se magistrados e procuradores desperdiçarem os recursos de suas associações numa cruzada para convencer todo mundo de que uma excrecência é direito adquirido, ela acabará assumindo a forma de salário. Embora continue sendo apenas uma excrescência.

Os verdadeiros bem-aventurados

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Bem-aventurados os filhos dos ricos, porque eles herdarão o reino dos seus
Millôr

Por que os médicos do Québec não querem que aumentem seus salários

Há vários anos, as federações de médicos do Québec solicitaram ao Governo dessa província canadense que seus salários fossem equiparados ao de colegas seus que trabalham em outras regiões do país. O sistema de saúde do Canadá é público, e sua gestão é tarefa dos Governos provinciais. No começo de fevereiro, o Governo quebequense anunciou um aumento salarial para quase 20.000 médicos da província francófona: 1,4% a mais para os especialistas, e 1,8% para os clínicos gerais, o que representaria um gasto de 1,5 bilhão de dólares canadenses (3,8 bilhões de reais) nos próximos oito anos. Um médico especialista do Québec ganha em média 367.000 dólares (930.817 reais) por ano, enquanto um clínico geral recebe 255.000 dólares (646.753 reais).

Poucas medidas governamentais foram tão impopulares nos últimos anos como esses reajustes. Jornalistas, cidadãos e políticos de oposição reagiram com veemência, por razões específicas. O sistema de saúde do Québec apresenta sérias dificuldades em aspectos como os prontos-socorros, as condições trabalhistas para o pessoal de enfermagem e o atendimento domiciliar, em decorrência de cortes promovidos pelo Governo liberal. Além disso, o custo de vida é inferior ao da maioria das províncias canadenses. Nessa avalanche de descontentamento, até mesmo um número expressivo de médicos veio a público para criticar o aumento salarial.

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“Se [os médicos] sentem que são excessivamente pagos, podem deixar o dinheiro sobre a mesa. Eu garanto a vocês que saberei lhe dar bom uso”, diz Gaétan Barrette, ministro regional da saúde

Em 25 de fevereiro, um grupo intitulado Médicos Quebequenses a Favor do Regime Público apresentou uma carta aberta para criticar a medida. Até agora, 865 médicos e estudantes de medicina assinaram o manifesto. “Estes aumentos são ainda mais impactantes porque o nosso pessoal de enfermagem, auxiliares e outros profissionais enfrentam condições de trabalho muito difíceis, enquanto nossos pacientes convivem com a falta de acesso aos serviços necessários devido aos cortes drásticos dos últimos anos”, diz um trecho do documento. “Pedimos que os aumentos salariais concedidos aos médicos sejam anulados e que os recursos do sistema sejam mais bem distribuídos, pelo bem dos trabalhadores da saúde e para assegurar serviços dignos à população do Québec”, acrescenta o texto.

Também o Agrupamento de Clínicos Gerais por Uma Medicina Comprometida se pronunciou a respeito. Simon-Pierre Landry, presidente dessa entidade, declarou numa entrevista coletiva que existe o risco de uma crise social se o reajuste for mantido. Ele propôs que o aumento aos especialistas seja congelado, e que o salário dos clínicos gerais seja reajustado de acordo com a inflação. Também criticou a atuação das federações de médicos, que, segundo Landry, não representa a opinião da maioria de seus membros. Um documento publicado em 2015 pela verificadora-geral do Québec (equivalente a uma chefe do Tribunal de Contas) afirmava que essas federações não deveriam ter um controle tão grande sobre a distribuição dos salários dos médicos. Até o momento, tanto a Federação de Clínicos Gerais como a Federação de Médicos Especialistas não se manifestaram publicamente sobre a discordância de uma boa parte de seus membros contra os reajustes.

Um estudo financiado pelo comissariado de Saúde e Bem-Estar do Québec (um órgão consultivo), publicado na semana passada, mostrou que nunca a província contou com tantos médicos, e que entre 2006 e 2015 já foram autorizados diversos aumentos salariais para eles. Entretanto, sua média de dias trabalhados havia diminuído (nove a menos para os clínicos gerais, e sete para os especialistas). Os médicos que protestaram contra o aumento salarial afirmam que uma melhoria das condições de outros profissionais da saúde e da qualidade dos serviços teria um impacto significativo em suas próprias condições de trabalho.

Um dia depois da publicação da carta de protesto dos médicos, Gaétan Barrette, ministro regional da Saúde, disse que “se [os médicos] sentem que são excessivamente pagos, podem deixar o dinheiro sobre a mesa. Eu garanto a vocês que saberei lhe dar bom uso”. Já Philippe Couillard, primeiro-ministro quebequense, comentou na sexta-feira, durante uma visita à França, que levará em conta as diferentes opiniões para a negociação de futuros acordos, mas que não cogita modificar o que assinou para o aumento de salários.

Cabe destacar que o Governo liberal recebe críticas há vários anos por seus cortes em serviços de saúde e por sua relação de proximidade com as entidades de classe dos médicos. Barrette e Couillard são médicos de profissão. O Governo diz que não cederá, embora a pressão da opinião pública esteja crescendo e haja cada vez há mais médicos apontando que um aumento nos seus salários é um gesto indigno, quando existem temas de maior prioridade no sistema de saúde do Québec.

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Ruas mais bonitas de Paris
Rue Cremieux, Paris

O sonho irrealizado da criança do Brasil

Fui acometido nesses dias a partir da leitura de um poema sem nome de Fernando Pessoa. Escrito em 2/10/1919 no livro de Outros Poemas, editora Nova Fronteira, escreve o poeta: “A criança que mora à beira do cais/Nunca andou de navios./Deseja com ânsia febril ver mais/ E ir para os mares universais,/ noturnos e frios./ Mas nunca foi mais que à beira da água,/Nunca melhor viu/ Que a ida dos barcos, e a sua mágoa, /Que os outros partirem”.

A metáfora que capto nesses versos me deixam triste, quando faço uma analogia com nossas crianças carentes do Brasil. Crianças analfabetas, várias vezes sem ter o que se alimentar, escola ficou impossível e o grau de escolarização é péssimo, um dos piores do mundo. Não têm perspectivas de conhecer outros mares, outros espaços de vida, de trabalho e de cultura que outros privilegiados adquirem.

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São crianças carentes, doentes, às vezes subnutridas, verminóticas, desidratadas, fatores esses que comprometeriam um regular rendimento escolar. Abandonadas, sem aconchego dos pais que, quando não as abandonam ficam o dia todo procurando alguma comida para trazer para casa.

“Nunca andou de navios” é a metáfora que seu espaço de terra e mar são impossíveis, são crianças mortas-vivas, sem noção do mundo a não ser um mundo hostil, ameaçador e algo como jamais proporcionasse desenvolvimento físico e psicológico. Crianças do nosso Brasil, crianças que poderiam ser os jovens e adultos do futuro procurando fazer um país civilizado e transformado numa nação de ideologia humanista social.

Essas crianças que não brincam na beira do rio, que trazem o trauma e a mágoa do abandono, amanhã provavelmente serão os menores infratores que roubam, assaltam, talvez não por perversidade, mas como instinto de sobrevivência. Crianças lânguidas, magras, caquéticas, de órbitas fundas desidratadas, de olhares carentes, mesmo que sejam meigos, mas a mostrar a angústia da vida morta, do sem futuro, da agonia de serem mortas ou de morrerem nas avenidas, nos viadutos, nas balas perdidas ou nas infecções e infestações endêmicas da falta de saúde pública.

Pobre Brasil das desigualdades e da cultura prevalente, onde o mercado e a tecnologia estão sempre a serviço dos governantes e das grandes empresas. Crianças escravizadas nos partidos da cana-de-açúcar, nas esquinas implorando esmolas, nas ruas estendidas por projéteis desconhecidos(?). Esse é o nosso país, das favelas das cidades à beira do cais! O caos!

 Carlos de Almeida Vieira

Solução do subsídio

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Governo não resolve os problemas, quer subsidiá-los 
Ronald Reagan

'Fake news', eleições e democracia

À medida que se aproximam as eleições, as fake news voltam a preocupar os observadores da cena política. Quanto aos políticos, que são os protagonistas da mesma cena, apenas procuram se valer do pretexto das fake news para abrir novas frentes de censura contra a imprensa. Tramitaram ou tramitam por aí projetos abilolados e inacreditáveis. Um desses pretendeu mandar para a cadeia autores de informações “prejudicialmente incompletas”. Trata-se de mais um delírio censório desse pessoal.

Que história é essa de incompletude prejudicial? Por acaso existiria a “completude não prejudicial”? Algum dia, um único dia que seja, alguma edição de jornal terá ido às ruas sem uma incompletude sequer? Não lhe terá faltado uma correção gramatical, um contraponto numa reportagem política ou o endereço de um restaurante? E se uma legislação desse tipo fosse adotada, quem seria incumbido de arbitrar e determinar o grau de prejuízo e o grau de incompletude numa informação “prejudicialmente incompleta”?

Bastam dez segundos de exame de uma ideia dessas para concluir que ela não tem objetivo nenhum de combater as tais fake news; sua meta real é lançar novas intimidações contra os jornalistas que reportam fatos inconvenientes aos políticos. Fiquemos longe disso, por favor. As fake news pra valer, que são elaboradas por grupos clandestinos e mal-intencionados com endereços incertos e não sabidos, que podem ficar nos confins da Macedônia ou nos porões de Moscou, não seriam alcançadas por legislações desse tipo.


Koren Shadmi NO MIRES HACIA LOS LADOS

Tenhamos bem claras as diferenças. Notícias críticas, mesmo que ocasionalmente incompletas (um jornal diário vai completando suas informações de um dia para o outro, a edição do dia seguinte é sempre um complemento da anterior), não ameaçam em nada a normalidade das eleições. Ao contrário, sem a imprensa vigilante a democracia se enfraquece. Quem é prejudicial à democracia, completamente prejudicial, são as mentalidades censórias. As fake news também são completamente prejudiciais, por certo, mas alguns dos remédios que vêm sendo prescritos a pretexto de combatê-las conseguem ser ainda mais completamente prejudiciais.

Isto posto, vale a pena olhar com menos oportunismo para as relações danosas entre fake news, eleições e cultura democrática. As notícias fraudulentas (na tradução precisa recomendada pelo professor e jornalistas Carlos Eduardo Lins da Silva) são maléficas não somente por mesclarem falsidades e verdades. O problema maior das notícias fraudulentas não está nem na mentira. Está, antes, no lugar de onde elas provêm e no seu modo de produção.

Tratemos primeiro do lugar de origem. As fake news são produzidas em espaços que não guardam relações de pertencimento com o ambiente democrático ou com os valores da democracia. Uma redação minimamente profissional, quando erra, apressa-se a corrigir (se não fizer isso, perderá credibilidade). Já um centro gerador de notícias fraudulentas, que não tem compromisso com os fatos e age com a finalidade de lesar os direitos do público, pode muito bem insistir no erro. Esse tipo de fraude constituiu uma ação proposital para sabotar os processos decisórios das sociedades democráticas e para danificar os circuitos pelos quais a vontade dos cidadãos se conforma e se projeta. Inoculado dolosamente nos organismos de sociedades democráticas (aquelas que dependem das escolhas das maiorias e da garantia dos direitos das minorias para traçar os próprios rumos), o vírus desmoraliza e ridiculariza nada menos que os ritos da democracia. Quanto mais contaminadas, mais essas sociedades ficam vulneráveis a apelos autoritários. Dessa forma, as notícias fraudulentas preparam o caldo de cultura do autoritarismo. Mais do que ajudar um ou outro candidato a vencer uma ou outra eleição, desagregam a cultura democrática e fomentam o encanto dos discursos de prepotência.

Também por isso, os melhores antídotos contra esses novos vírus digitais são aqueles que fortalecem o debate democrático, não os que levam a sociedade a buscar socorro em tutelas estatais. Leis mais ou menos censórias apenas infantilizam os cidadãos (que acabam postos no papel de crianças que precisam de pajem). Ou a democracia inventa mecanismos livres para desmontar as fraudes que pipocam nas redes sociais (por meio da checagem promovida pelas redações profissionais em rede com associações colaborativas) ou as notícias fraudulentas terão vencido a queda de braço.

Tratemos, por fim, do modo de produção dessas fraudes. Todos sabem (e não se cansam de repetir) que a mentira sempre existiu na política. A questão, agora, é que a mentira política – que antes se viabilizava como um esforço cuja compensação se limitava à eventual conquista do poder – se tornou, também, um negócio economicamente lucrativo. Esse negócio – atenção para isso – independe dos interesses partidários de seus agentes. A lógica da indústria do entretenimento instalada na internet, que remunera os criadores de “conteúdo” pelo número de “seguidores”, paga bem pelas fraudes que arrebatam as multidões.

A mesma lógica, por sua vez, está relacionada a um mercado monopolizado em escala global por megacorporações como Facebook, Twitter e Google. Não por acaso, os monopólios globais, bem como esse modo de produção de “conteúdos” mentirosos (o “modelo de negócio” das notícias fraudulentas) são incompatíveis com a ordem democrática.

Num tempo em que os valores da democracia andam em baixa, em que a popularidade de populistas segue em ascensão, os ventos parecem favorecer os forjadores de fraudes noticiosas, assim como vêm favorecendo os profetas das mágicas autoritárias. Nesta hora, só os valores da cultura democrática e o exercício da liberdade podem proteger a democracia. O resto é mentira.

Paisagem brasileira

Centro Historico Joao Pessoa Paraiba O que visitar Pontos Turisticos 4
João Pessoa (PB)

A caixinha da segurança é uma ideia velha e ruim

O ministro Raul Jungmann propôs um fundo para financiar ações de sua nova pasta. Ele anunciou que vai chamar grandes empresários ao Planalto e pedir dinheiro para projetos de segurança. A ideia não é nova e não parece boa. No Rio, deu em encrenca durante o reinado de Sérgio Cabral. Jungmann disse ao repórter Rodrigo Taves que é um ministro “sem equipe, sem dinheiro e sem teto”. Como ninguém o obrigou a assumir o cargo, ele deveria endereçar a queixa a quem o nomeou.

A negociação com os empresários tende a ser mais difícil. A recuperação da economia ainda é lenta, e o setor privado não tem demonstrado nenhuma vontade de transferir mais dinheiro para o governo.

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O ministro teve uma amostra do mau humor na segunda-feira, durante jantar em Brasília. Quando ele mencionou a proposta do fundo, um executivo de multinacional lembrou que as empresas já estão no sufoco para pagar os impostos.

Numa tentativa de dissipar o constrangimento, o empresário perguntou se haveria uma forma de colaborar sem coçar o bolso. Jungmann respondeu com generalidades e mudou sutilmente de assunto.

Antes de passar a sacolinha, o governo deveria informar o que pretende fazer com os recursos. Até hoje, não conseguiu sequer apresentar um plano para a intervenção no Rio, que completará um mês na sexta-feira.
O Estado já forneceu um exemplo de como a ideia da caixinha pode desandar. Em agosto de 2010, Cabral reuniu executivos no Palácio Guanabara e anunciou um fundo para bancar as UPPs. O discurso era o mesmo: usar dinheiro privado para turbinar os investimentos em segurança. A estrela do grupo era Eike Batista, que prometeu repassar R$ 20 milhões por ano. A CBF, ainda sob o comando de Ricardo Teixeira, também entrou no rateio.

Tempos depois, o ex-governador e o ex-bilionário foram presos, acusados de corrupção. O ex-cartola continua solto, mas não se arrisca a sair do país. As UPPs foram abandonadas, e o governo nunca prestou contas das doações que recebeu.

A superioridade da alegria

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Vocês não gostam da minha tristeza, eu sei. Vocês me dão o pão rapidamente pela fresta da porta e me aconselham a ir comê-lo tão longe quanto puder. Eu os respeito, como não respeitá-los? Vocês têm a superioridade da alegria
Raul Drewnick, "Frases por um real o quilo"

Na Suíça, sem benefícios para os deputados

Guy Mettan, deputado e ex-presidente do Parlamento de Genebra, chega à sede do Poder Legislativo do cantão suíço em sua scooter. Não tem carro oficial. Tampouco tem uma vaga reservada apenas para ele diante do prédio histórico no centro da cidade.

Por vezes, Mettan confessa que vai ao trabalho com um motorista – o que conduz o ônibus público da cidade. Deputado já por 18 anos consecutivos, Mettan levou a reportagem do Estado aos corredores do Grand Conseil, o nome dado ao Parlamento do Cantão.

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A região é uma das mais ricas do mundo, tem uma taxa de desemprego de 5,3% e é um dos pilares de um sistema financeiro que guarda em seus cofres trilhões de dólares. Genebra, de forma insistente, entra em todas as listas das cidades mais caras do mundo há anos.

Mas, para não atrapalhar o emprego dos cem representantes do povo, as sessões do Parlamento são todas organizadas no final da tarde, quando o expediente já terminou.

Não apenas o deputado ordinário não conta com um carro oficial, mas tampouco é beneficiado por qualquer tipo de transporte. Uma exceção é feita ao presidente do Parlamento que, caso esteja indo a um evento oficial, tem o direito de usar um veículo oficial. Mas apenas se ele for à reunião na condição de presidente da Câmara e não a título pessoal.

O auxílio-moradia não faz parte dos benefícios. Ao final de quatro anos de mandato, os deputados não ganham uma aposentadoria. Durante anos no “poder”, não podem contratar parentes e ganham um voucher para fazer duas refeições por mês. Cada uma delas de 40 francos suíços (R$ 137). “Dá para uma pizza e um copo de vinho”, brinca Mettan.

Na melhor das hipóteses, um deputado em Genebra vai somar um salário anual de 50 mil francos suíços (o equivalente a R$ 172 mil), cerca de 4,1 mil francos por mês. Isso se ele for o presidente do Parlamento e comparecer a todas às sessões. O cálculo de quanto Mettan e todos os demais recebem a cada mês é feito por hora. “Se você vem, você recebe. Se não, não recebe”, disse o deputado, que conta que precisa assinar com seu próprio punho uma lista de presença a cada reunião.

Transformado em reais, o valor pode até parecer elevado. Mas, hoje, o pagamento ao presidente do Parlamento de Genebra é inferior à média de um salário de um fabricante de queijo, menor que a renda de um mecânico de carros na Suíça, de uma secretária, de um policial, de um carpinteiro, de uma professora de jardim de infância, de um metalúrgico e de um motorista de caminhão. Ele, porém, é equivalente ao salário médio de um açougueiro da cidade alpina.

Para um deputado “ordinário”, o salário é muito inferior ao do presidente do Parlamento. Por ano, eles chegam a receber cerca de 30 mil francos suíços, o equivalente ao pagamento médio atribuído a um artista de circo ou a um ajudante de cozinha, postos ocupados em grande parte por imigrantes.

No Brasil, o salário de um deputado estadual chega a R$ 25.300 por mês em São Paulo, por exemplo. Além disso, os parlamentares brasileiros têm direito a uma verba mensal (o chamado ‘cotão’), que pode superar R$ 30 mil, para custeio de gastos de alimentação, transporte, passagens aéreas e despesas de escritório.

Mettan explica que a função de deputado consome apenas 25% do seu tempo de trabalho e que, por conta do salário baixo, todos são orientados a manter seus empregos originais, mesmo depois de eleitos.

“Na Suíça, a política é considerada como um envolvimento popular”, explicou. “É um sistema de milícia. Ou seja, não é um sistema profissional. Somos obrigados a ter um emprego paralelo, de ter uma profissão paralela. Não se pode viver com essa indenização”, admitiu o deputado suíço. “Não existe deputado profissional”, completou ele.