sábado, 10 de março de 2018

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Canal Bridge, Annecy   France
 Annecy (França)

Por que a liturgia bélico-religiosa de Bolsonaro me dá calafrios

Muitos jovens brasileiros terão dificuldade em entender o arrepio que me produziu a cerimônia de filiação do deputado e ex-militar Jair Bolsonaro ao PSL e a liturgia que o acompanhou, em que se mesclaram orações, armas, alusões ao derramamento de sangue, gestos fascistas e a autoproclamação: “Eu sou o Messias”. É preciso ter sido filho de uma ditadura militar de 40 anos, aquela que vivemos os espanhóis sob o cristianíssimo general Franco, para analisar friamente essa cerimônia.

Na Espanha, durante a ditadura, os republicanos e antifranquistas eram chamados de “vermelhos”. Na quarta-feira passada, Bolsonaro, que se apresenta como paladino da antiesquerda, tomando a bandeira do Brasil nas mãos, declarou: “Só tem uma maneira dessa bandeira ficar vermelha: com o meu sangue.” Ao seu lado, o Delegado Waldir profetizou: “Quando este homem subir a rampa do Planalto, as crianças voltarão a cantar o hino nacional nas escolas e o Brasil voltará a ser um país cristão”. Jair Messias Bolsonaro, fazendo um jogo de palavras com seu segundo nome, proclamou: “Eu sou o Messias”. E todos se puseram a rezar.

Se o único vermelho que Bolsonaro suporta é o do seu sangue, e sendo o PSL o nono partido pelo qual já transitou, caberia perguntar quais são as cores de sua bandeira e de seu deus. Sabemos que, no pensamento de Bolsonaro e seus satélites, a ideia de crianças cantando o hino nacional nas escolas e o Brasil “voltando a ser cristão” significa nostalgia de uma teocracia em que se governa mais com a bíblia que com a constituição. Durante o franquismo dizia-se que se era espanhol “pela graça de Deus” e também o único vermelho suportado era o do sangue dos torturados e fuzilados.

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Bolsonaro, que sonha em colher alguns despojos do PT de Lula, mas prefere morrer a ver a bandeira brasileira se tornar vermelha, poderia, por um cruel paradoxo, estar reforçando essa esquerda que ele demoniza. A esquerda brasileira, de fato, apesar de suas corrupções e do afastamento dos ideais, acaba sendo menos indigesta que essa mistura explosiva de extrema direita com a Bíblia em uma mão e a metralhadora na outra. E, no meio, o desprezo pela mulher e o pânico ao que aparenta ser diferente.

Também durante o franquismo, o generalíssimo Franco, por privilégio concedido pelo Vaticano, saía de manhã em procissão pelas ruas, cercado de bispos e cardeais sob o baldaquim litúrgico usado para levar a Eucaristia, e à tarde preparava a lista dos que deviam morrer por serem “vermelhos”. Nas escolas, como na de meus pais, as crianças, fazendo a saudação fascista, cantavam obrigatoriamente o hino nacional enquanto se hasteava a bandeira e gritavam o nome de Franco. É aquela lúgubre lembrança de uma Espanha que eu sempre quis esquecer que gostaria de evocar aos jovens brasileiros a quem desejo que nunca tenham de bater continência a nenhum messias e a nenhuma outra bandeira que não a da democracia. Nem a outras cores que não as da liberdade.

A última esperança

Ninguém sabe o seu nome real.

Conheci pelo apelido do bar, que pegou: Brasílio.

Brasílio é o último brasileiro que ainda tem esperança no Brasil.

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Esperança mesmo. Inabalável.

E não é de hoje, vou dar uns exemplos.

Quando Tancredo foi internado, Brasílio garantiu:

– ‘Ces sabem o que é isso? Apendicite. Meu primo teve. Em uma semana está de volta à ativa. — explicando porque tinha comprado uma passagem para Brasília para assistir à posse.

O bar, alias, é o palanque do Brasílio.

É ali que, nos finais de tarde, ele divide sua esperança infindável no País.

Os amigos, claro, já sabem e se divertem.

Fazem perguntas justamente para provocar.

Como o dia que perguntaram para ele o que achava do período da ditadura militar.

– Olha, a gente tem sempre que ver o lado bom, por exemplo…

Percebem?

Brasílio é assim. Tem esperança no futuro e até no passado!

Tem fé. Não só em Deus, mas nas coisas e nas pessoas.

Nas diretas já, Brasílio dormiu com a cara pintada por duas semanas.

– Tem de apostar, gente. Tem que se comprometer. Senão a vida não muda!

Foi fiscal do Sarney.

Tanto que o gerente do supermercado do bairro proibiu sua entrada, de tão chato que era.

Na época do Collor, quando a Zélia arrancou o dinheiro de todo mundo, ele mandou essa:

– Se precisam de dinheiro, nada mais justo que nós colaborarmos.

Quando a inflação era de quatro dígitos, Brasílio foi visto comprando uma geladeira à prazo.

– É simples: se a gente parar de consumir, aí é que o País para mesmo.

Desemprego, corrupção, segurança não é problema para o Brasílio.

– Sabe o que é isso tudo? Dores do crescimento. Um sinal de que o País está crescendo.

Não importa o assunto, Brasílio sempre tinha uma palavra de otimismo.

De crença num futuro melhor.

No Maracanã, quando estava cinco a um para a Alemanha, ele, na arquibancada, levantou para puxar o coro:

– Vai virar! Vai virar! Vai virar!.

Tomou um copo de urina na nuca.

No dia que Lula afirmou que a crise de 2008 era só uma marolinha, Brasílio comprou ações da Petrobras.

Mas não achem, por isso, que Brasílio é petista ou mesmo de esquerda.

Brasílio nunca teve uma posição política clara.

– Eu voto no candidato que está na frente das pesquisas. Eleição não é jogo. Se o povo aposta, eu aposto também.

Veio o Mensalão e o Petrolão.

Veio a Dilma.

Nada do Brasílio desanimar.

Para ele o importante não eram os problemas.

– Mas gente, não estão investigando? Não estão prendendo? Então, pô. Democracia é isso mesmo. Um processo. Leva tempo mas a gente chega lá.

Faz um tempão que eu não via o Brasílio.

Essa semana meio desanimado com tanta bandalheira e principalmente com a frase que mais se ouve: “o pior é que não tem em quem votar, é ou não é?”, resolvi passar pelo bar para ouvir o que ele tem a dizer.

Quem sabe, né?

Cheguei lá e encontrei a turma toda reunida, como sempre.

Menos o Brasílio.

Sentei, pedi uma cerveja, esperei uma brecha no papo e perguntei:

– E o Brasílio, hein pessoal? Por onde anda?

– Como assim? Você não sabe o que aconteceu com o Brasílio??? — o Gordo perguntou.

– Nossa…não sei…coisa grave, morreu?

Não tinha morrido.

O Gordo mesmo respondeu.

– Quem dera tivesse morrido. Muito pior. Mudou para a Argentina.

Aí complicou.

Onze candidatos e nenhuma ideia

Será que somente o reduzido grupo dos que defendem e valorizam a necessidade de uma nova pactuação democrática consegue ver o tamanho do buraco em que caiu o País?

A fragmentação continua a avançar, trazendo consigo a sensação de que o próximo governo será marcado pela inoperância, pelo artificialismo da concorrência político-partidária e pela tensão ideológica. Ninguém parece se preocupar com o quadro e todos continuam a correr rumo ao precipício, que a cada dia fica mais próximo.

Cada candidato faz de conta que o problema não é com ele, mas com os outros, sempre tidos e havidos como “inimigos” e adversários.


Por enquanto são onze, que a preguiça analítica distribui entre esquerda, centro e direita, mas que a rigor pouco se diferenciam entre si, a não ser pelo tamanho da língua e pela volúpia de chegar ao poder. Outros mais deverão aparecer e embolar ainda mais a corrida. Como não há ideias postas na mesa, a atribuição do lugar que cada candidato ocupa no tabuleiro político e ideológico não passa de exercício classificatório desprovido de sentido. Serve tão-somente para que se delineie uma situação “ideal”, com polos que se contradizem. As contradições, porém, não são explicitadas. Nem as diferenças.

Dizem que é cedo para que pense em coligações. A incerteza geral, a fragilidade das postulações e a inexistência de conteúdos programáticos claros impediriam que se cogitasse, no momento, da formação de frentes políticas desenhadas para maximizar o poder de fogo de propostas perfiladas no mesmo espaço político-ideológico. A hora é de cada um testar sua densidade.

Pode ser. Mas nunca é cedo para se fazer o certo. A ideia de se levar o eleitor ao limite e de conclamá-lo a pensar no país só no segundo turno é uma opção suicida, que pode implicar a organização de uma disputa desconectada dos interesses populares e nacionais: daquilo que precisa ser feito.

A sociedade não merece ser tratada como se fosse uma coisa qualquer, menos importante que os caprichos, os interesses e as manias dos políticos.

A articulação dos democratas entre si, feita com generosidade, sem vetos e com programas claros, é uma saída tão evidente e tão plena de possibilidades que chega a surpreender que poucos se deem conta dela.

Paisagem brasileira

Amazônia
Revoada de guarás

Nada para nada

Dia desses lia - em publicação estrangeira - uma notícia que deveria nos encher a todos de orgulho. Uma brasileira, Nadia Ayad, venceu uma competição de nível mundial, a "Graphene Challenge". Trata-se de um certame destinado a selecionar os melhores projetos de uso de um novo material, o grafeno.

Trata-se de uma forma cristalina do carbono, cuja utilização pode promover uma revolução tecnológica superior até à que a humanidade alcançou com o plástico e o silício. Até onde estudei, o grafeno é mais forte que o aço, porém muito leve e quase transparente, além de excelente condutor de calor e eletricidade.

Nadia, estudante de engenharia de materiais do IME (Instituto Militar de Engenharia), foi convidada a visitar centros de pesquisa sobre o grafeno em funcionamento na Suécia. Seu projeto, qual o de utilizar este material para filtrar e dessalinizar a água do mar, tornando-a potável, certamente renderá boas conversas durante as visitas.

Meu primeiro pensamento, ao ler esta notícia, foi o de lamentar o quão pouco divulgado foi este feito aqui no Brasil! Coloquei o nome da nossa conterrânea no "Google", e na primeira página de resultados apenas apareceram, quanto ao Brasil, referências quase que pessoais - nenhuma matéria de grande envergadura por um grande veículo. Passei para a segunda página, e nada! Somente lá pela terceira página começaram a aparecer algumas poucas reportagens.

Minha segunda reflexão foi dirigida ao Professor César Grisólia, do Departamento de Genética da Universidade de Brasília. Há alguns anos foi adquirido, para o laboratório daquele instituto, um potente microscópio norte-americano - os recursos vieram do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Tão logo aportou por estas bandas, o instrumento foi retido pela alfândega. Ao longo de cinco meses, o professor tentou liberá-lo, sem sucesso. Houve a necessidade de se contratar um despachante - que o professor teve que pagar do próprio bolso, pois a universidade não dispõe de verba para tal fim.

Dizia Câmara Cascudo que o melhor produto do Brasil é o brasileiro. Quão bom seria que, do governo à imprensa, da burocracia às instituições, todos percebêssemos isso - à semelhança dos estrangeiros, que tantos cérebros brilhantes levam daqui, junto com nosso futuro.

Pedro Valls Feu Rosa

Cravos da nossa cruz

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A ditadura calou à baioneta a liberdade.
A demagogia populista roubou a riqueza e a dignidade
A república dos investigados reescreve a Justiça segundo o Privilégio
Luiz Gadelha

Gleisi prova que, no Brasil do PT, é o bandido que procura o juiz

Bandidos profissionais guardam distância de camburões, delegacias, tribunais e outros veículos ou imóveis que abrigam homens da lei. É assim em qualquer país. Mas o Brasil não é um país qualquer, confirmou a segunda invasão do Supremo Tribunal Federal por Gleisi Hoffmann, afundada até o pescoço em maracutaias descobertas pela Lava Jato.

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No mundo inteiro, são os juízes que fecham o certo aos delinquentes. Aqui, meliantes protegidos pelo foro privilegiado sitiam juízes, desembargadores ou ministros de instâncias superiores. Na terça-feira, ao aparecer no STF à caça de uma reunião com a ministra Cármen Lúcia, Gleisi mostrou que nem a mais alta autoridade do Judiciário está livre da inversão inverossímil.

Afundada em bandalheiras multimilionárias, a tuiteira sem cérebro, conhecida nos meios policiais pelos codinomes Amante e Coxa, deveria estar concentrada na busca da vaga no Congresso que talvez adie por alguns anos aquelas batidas na porta às seis da manhã. Mas Gleisi prefere fazer o diabo para livrar Lula do “boi” e do beliche.

No dia seguinte, Gleisi reincidiu no espetáculo da insolência e tornou a invadir o STF, de novo à procura de Cármen Lúcia. Como a ministra tinha mais o que fazer, a visitante sem convite teve de contentar-se com Dias Toffoli, o ex-advogado do PT permanentemente à disposição dos antigos e eternos chefes.

A dupla transformou o que deveria ser uma audiência num animado reencontro de discípulos de Lula. Trocaram lembranças, trocaram elogios, trocaram gentilezas. Só não trocaram ideias. Nenhum deles tem ideias para trocar.