sexta-feira, 2 de março de 2018

A luta contra fantasmas

Outro dia, chamaram-me de general num desses blogs. Não me importo: são os mesmos de sempre, como diria um personagem de Beckett, depois de apanhar. O ponto de partida é minha visão positiva sobre o papel do Exército no Haiti. O que fazer? Estive lá duas vezes, vi com os meus olhos e ainda assim sempre consulto o maior conhecedor brasileiro do tema, Ricardo Seitenfus.

Não estive com o Exército apenas no Haiti. Visitei postos avançados de fronteira da Venezuela, junto aos yanomamis, em plena selva perto da Colômbia. Vi seu trabalho na Cabeça do Cachorro, no Rio Negro, cobri o sistema de distribuição de água para milhões de pessoas no sertão do Nordeste.

Não tenho o direito de encarar o Exército com os olhos do passado, fixado no espelho retrovisor. Além de seu trabalho, conheci também as pessoas que o realizam.

Nesse momento de intervenção federal, pergunto-me se o Exército, para algumas pessoas da esquerda e mesmo alguns liberais na imprensa, ainda não é uma espécie de fantasma que marchou dos anos de chumbo até aqui, como se nada tivesse acontecido no caminho.

Alguns o identificam com o Bolsonaro. Outro engano. Certamente existem eleitores de Bolsonaro nas Forças Armadas como existem na igreja, nos bancos e universidades. Mas Bolsonaro e o Exército não são a mesma coisa.


Existem várias comissões para fiscalizar o intervenção. Ótimo. Isso é democracia. Mas existem poucas articulações para cooperar com o Exército: isso é miopia.

Houve um certo drama porque os pobres foram fotografados por soldados. Quem dramatiza são pessoas da classe média que vivem sendo fotografadas, na portaria de prédios, na entrada de empresas. Por toda a parte alguém nos filma.

Há uma lei específica sobre identificação. É razoável discutir com base nela. Mas é inegável também que os tempos mudaram. Na Europa e nos EUA por causa do terrorismo, aqui por causa da violência urbana.

Não se trata de dizer sorria, você está sendo filmado. É desagradável e representa uma perda de liberdade em relação ao passado. Mas expressa um novo momento.

O Ministro Raul Jungman tomou posse afirmando que a sociedade do Rio pede segurança durante o dia e à noite consome drogas. É uma frase muito eficaz em debates e artigos. Creio que apareceu até no filme “Tropa de Elite”.

Na boca de um ministro, que considero competente, merece uma pequena análise.

Parisienses, londrinos, paulistas e novaorquinos também consomem droga, suponho. No entanto não existem grupos armados dominando o território urbano.

Se isso é verdade não é propriamente a abstinência que tem um peso decisivo, mas sim a presença do Estado que garante uma relativa paz, apesar do consumo de drogas.

Núcleos de traficantes deslocaram-se para o roubo de cargas porque o acham mais rentável. É impossível culpar os consumidores de geladeiras e eletrodomésticos não só porque é uma prática legal.

As milícias pouco se dedicam ao tráfico de drogas. Vendem segurança, botijões de gás e controlam o transporte alternativo. São forças de ocupação.

Campanhas contra o consumo de drogas, nessa emergência, têm uma eficácia limitada, apesar de suas boas intenções.

Mas assim como há gente que vê um exército fantasma, perdido nas brumas do século passado, pode ser um erro mirar no consumo de drogas e perder de vista a ocupação armada do território.

Uma das frases mais interessantes no “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, é quando o personagem diz que não sabe mais quem é o inimigo.

Há tantos combatendo exércitos fantasmas ou investindo contra moinhos que é sempre bom perguntar: afinal, qual é o foco?

Paisagem brasileira

Fazenda da Família Prado, em Campinas (1923), Antônio Parreiras

Não importa quem seja eleito em outubro, nada vai mudar na política nacional

Só quero ver quem sairá vencedor nas eleições presidenciais de outubro e com que promessas se elegerá. Tempos ainda mais difíceis virão. Estamos vivendo o fim de um ciclo. Antes da calmaria, viveremos o caos. Não importa quem vença em outubro, com o sistema que temos vai continuar havendo o toma lá dá cá com o Congresso para aprovar o que for. Antes a compra dos parlamentares era com verbas orçamentárias e cargos por quatro anos de aprovações, mas de uns tempos para cá cada votação é uma negociação.

Com um sistema extremamente pulverizado e dezenas de partidos políticos, ninguém se elege presidente da República com maioria no Congresso para aprovar matérias constitucionais. Ninguém, mesmo!



Depois que o banqueiro Henrique Meirelles voltou dos Estados Unidos e, caindo de “paraquedas”, foi o deputado federal mais votado por Goiás, parei de duvidar das forças da mídia e do dinheiro. Se a maior empresa de TV do Brasil, o mercado financeiro e os “barões” da Avenida Paulista quiserem, acho que o Meirelles tem grandes chances em outubro.

Quanto a Temer, está jogando todas as cartas para não ter que se mudar para Curitiba no ano que vem. Se o povo não cercar o Supremo Tribunal Federal exigindo justiça, a prisão em segunda instância será derrubada e Temer (além de tantos outros) ficará impune com ou sem reeleição!

O que se esperar de uma Suprema Corte escolhida a dedo por políticos, tendo o Brasil uma classe política do mais baixo nível cultural, intelectual e moral? Pior que nada! Só as piores coisas possíveis. Eles não podem ser Excelências, os ministros são apenas Excrescências!

Onde será a Terra Prometida?

Triste época a nossa! Para que oceano correrá esta torrente de iniquidades? Para onde vamos nós, numa noite tão profunda? Os que querem tactear este mundo doente retiram-se depressa, aterrorizados com a corrupção que se agita nas suas entranhas. 

Quando Roma se sentiu agonizar, tinha pelo menos uma esperança, entrevia por detrás da mortalha a Cruz radiosa, brilhando sobre a eternidade. Essa religião durou dois mil anos, mas agora começa a esgotar-se, já não basta, troçam dela; e as suas igrejas caem em ruínas, os seus cemitérios transbordam de mortos. 

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E nós, que religião teremos nós? Sermos tão velhos como somos, e caminharmos ainda no deserto, como os Hebreus que fugiam do Egito. 

Onde será a Terra Prometida? 

Tentamos tudo e renegamos tudo, sem esperança; e depois uma estranha ambição invadiu-nos a alma e a humanidade, há uma inquietação imensa que nos rói, há um vazio na nossa multidão; sentimos à nossa volta um frio de sepulcro. 

A humanidade começou a mexer em máquinas, e ao ver o ouro que nelas brilhava, exclamou: "É Deus!" E come esse Deus. Há - e é porque tudo acabou, adeus! adeus! - vinho antes da morte! Cada um se precipita para onde o seu instinto o impele, o mundo formiga como os insetos sobre um cadáver, os poetas passam sem terem tempo para esculpir os seus pensamentos, mal os lançam nas folhas, as folhas voam; tudo brilha e ecoa nesta mascarada, sob as suas realezas de um dia e os seus cetros de cartão; o ouro rola, o vinho jorra, a devastidão fria ergue o vestido e bamboleia-se... horror! horror! 

E depois, há sobre tudo isso um véu de que cada um tira a sua parte, para se esconder o mais possível.
Escárnio! horror! horror!
Gustave Flaubert (1821-1880), "Memória de um Louco"

Imagem do Dia

Love it ...

Temer já distribui até verbas de futuros governos

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A euforia deixou o processador mental de Michel Temer sobrecarregado. O presidente exagera na empulhação. Duas semanas depois de decretar intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, Temer reuniu os governadores em Brasília. Trombeteou-se na reunião a liberação de R$ 42 bilhões para que governadores e prefeitos reequipem suas polícias. O anúncio, como se verá a seguir, é ofensivo à inteligência alheia.

Em discuso, Temer declarou que o problema da insegurança “agravou-se enormemente”. Tomado pelas palavras, o anfitrião dos governadores virou uma caricatura de música popular. Assim como o tempo, a violência passou na janela ao longo das últimas décadas. Só Carolina e Temer não viram. ''A reunião é para revelar que estamos integrados nessa batalha'', disse Temer aos governadores, alguns deles perplexos.

Foram dois os atentados à inteligência da plateia. Dos R$ 42 bilhões, apenas R$ 5 bilhões serão liberados em 2018. O resto fica na conta do próximo presidente. No mais, o grosso do dinheiro vem de empréstimos do BNDES. Que, em ano eleitoral, só podem ser contratados até junho. Quer dizer: provavelmente não devem ser liberados nem os R$ 5 bilhões supostamente disponíveis.

O Brasil tem resistido a muitas tolices. Mas um presidente capaz de fazer campanha respondendo ao pânico da sociedade com lorotas indica que 2018 será um ano de tenebrosos golpes baixos.

Plano Z

O PT está com o mesmo problema de Diógenes na Grécia antiga. O filósofo, como se conta na história, andava pelas ruas de Atenas, em plena luz do dia, carregando na mão uma lanterna acesa. “Para que essa lanterna, Diógenes?”, perguntavam os atenienses que cruzavam com ele. “Para ver se eu acho um homem honesto nesta cidade”, respondia. É o que o PT está procurando hoje entre os seus grão-senhores ─ um sujeito honesto, ou, pelo menos, que tenha uma ficha suficientemente limpa para sair candidato à Presidência da República. Está difícil achar essa figura. O “Plano A” do partido para as eleições sempre previu a candidatura do ex-presidente Lula. Quem mais poderia ser? Nunca houve, desde a fundação do PT, outro candidato que não fosse ele ─ e quem achou um dia que poderia se apresentar como “opção” jaz há muito tempo no cemitério dos petistas mortos e excomungados.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Como no momento Lula está condenado a doze anos e tanto de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, sem contar outras sentenças que pode acumular nos próximos meses, sua candidatura ficou difícil. O “Plano B” previa que em seu lugar entrasse o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner ─ mas o homem acaba de ser indiciado por roubalheira grossa num inquérito da Polícia Federal, acusado de levar mais de 80 milhões de reais em propina em seu governo. O “Plano C” poderia incluir a atual presidente do partido. Mas ela também é acusada de ladroagem pesada, e só está circulando por aí porque tem “foro privilegiado” como senadora; aguarda, hoje, que o Supremo Tribunal Federal crie coragem para resolver o seu caso um dia desses. (De qualquer forma, seria um plano tão ruim que ninguém, nem entre a “militância” mais alucinada, chegou a pensar a sério no seu nome.) O “Plano D”, ao que parece, é o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Ele é uma raridade no PT de hoje ─ não está correndo da polícia, nem cercado por uma manada de advogados penalistas. Em compensação, tem de lidar com a vida real. O problema de Haddad não é folha corrida ─ é falta de voto. Na última eleição que disputou perdeu já no primeiro turno para um estreante, o atual prefeito João Doria, e de lá para cá não aconteceu nada que o tivesse transformado num colosso eleitoral.

Um “Plano E” poderia ser o ex-ministro Ciro Gomes. Mas Ciro não é do PT, os petistas não gostam dele e o seu grau de confiança nos possíveis aliados é mínimo. “É mais fácil um boi voar do que o PT apoiar um candidato de outro partido”, disse há pouco. Daí para um “Plano F”, “G” ou “H” é um pulo. Sempre haverá algum nome para colocar na roda. Resolve? Não resolve. O problema real é que o PT se transformou há muito tempo num partido totalmente franqueado ao mesmo tipo de gente, exatamente o mesmo, que sempre viveu de roubar o Erário em tempo integral. O partido, hoje, é apenas mais uma entre todas essas gangues que infestam a política brasileira. A dificuldade eleitoral que o PT encontra no momento não é o fato de que Lula foi condenado como ladrão duas vezes, na primeira e na segunda instâncias. É que, tirando o ex-presidente da campanha, nada muda ─ o sub-mundo ao seu redor continua igual. Ou seja: o partido não vai se livrar da tradicional maçã estragada e tornar-se sadio outra vez. A esta altura, o barril todo já foi para o espaço. De plano em plano, podem ir até a letra “Z” sem encontrar o justo procurado por Diógenes.

Gente fora do mapa

Savaş nedeniyle Yurdundan göç etmek zorunda bırakılan bir aile

Juízes de passeata

Durante os debates federalistas nos EUA, Alexander Hamilton anotou que, “depois da vitaliciedade no cargo, nada pode contribuir mais para a independência dos juízes que uma estipulação definitiva de seus proventos. (...) No curso geral da natureza humana, o poder sobre o sustento de um homem equivale ao poder sobre sua vontade”.

Hamilton estava preocupado com as oscilações artificiais dos vencimentos dos juízes nos Estados. Ao defender a criação da poderosa Justiça Federal, não pretendia ver a independência dos novos magistrados ameaçada pela redução “política” dos salários. Não só o pragmatismo americano sabe que a remuneração compatível com a exigência da função é o melhor cimento para vincular o cidadão ao seu dever laboral, público ou privado. O princípio é de fácil compreensão. A execução exige engenho.

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No Brasil, na reforma do Judiciário concluída com a, ainda vigente, Lei Orgânica da Magistratura (1979), os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram fixados como teto, em nome da unidade nacional do Poder Judiciário. Para além dos vencimentos, foram listadas algumas vantagens pecuniárias na Lei Orgânica da Magistratura.

Na porta das finanças públicas a tranca foi posta em dispositivo da própria lei: “É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na presente Lei, bem como em bases e limites superiores aos nela fixados”. O STF garantiu eficiência razoável ao sistema no curso dos anos, proibindo a concessão de outras vantagens, por lei federal ou estadual.

No início dos anos 2000, o Brasil fez outra reforma do Judiciário. Criou os Conselhos Nacional de Justiça (CNJ) e Nacional do Ministério Público, sem extinguir dois outros então atuantes, o da Justiça Federal e o Superior da Justiça do Trabalho. O contribuinte brasileiro passou a ser o único no mundo a sustentar o modelo dispendioso, com quatro estruturas.

Sob a inspiração da superação do autoritarismo e da consagração da atuação paritária, o CNJ foi composto por conselheiros escolhidos a partir do conceito de representação. Há representantes dos tribunais, dos juízes de primeiro grau, dos advogados, do Ministério Público e do Congresso Nacional.

Os princípios são generosos. Mas aplicados no projeto errado. O conselho de um Poder do Estado não é órgão de representação paritária, mas de gestão pública e institucional.

No sistema de Justiça, seus integrantes precisam ser os mais experientes, com a posição funcional mais estável. E a mais elevada, não apenas para enfrentar o dilema das graves decisões, mas, ainda, por questão essencial da democracia: a plena visibilidade, para a fiscalização eficaz da sociedade e da imprensa. Os cidadãos devem saber o nome dos juízes responsáveis pela alta gestão do Poder Judiciário, como em qualquer país civilizado.

O Brasil tem grupo qualificado e institucionalmente livre para a tarefa: os ministros do STF. Cometeu-se grave equívoco, todavia: só o presidente do STF foi escolhido para compor o CNJ. O dirigente máximo do Poder Judiciário pode ser constrangido a tomar decisões cercado pela inexperiência e pela instabilidade – os conselheiros têm mandato curto e precário de dois anos.

Os outros três conselhos ainda podem decidir a mesma questão ou tese. A confusão – cara para o contribuinte – é geral.

A reforma do Judiciário foi manipulada para introduzir no sistema de Justiça a mensagem da luta de classes entre “nós e eles”: juízes de tribunal contra os “da base”, de primeiro grau. Como a divisão é artificial, a conciliação, que não era necessária, veio com a acomodação realizada por meio do aumento exponencial das estruturas burocráticas sustentadas pelo contribuinte.

Grupos ditos de trabalho, gabinetes, comissões, seminários, conselhos para dar conselhos aos conselhos, laboratórios, assessorias – a nova elite burocrático-sindical da reforma do Judiciário não sabe o que é julgar processos. Tudo é permitido em nome de um mundo melhor, menos fazer sentenças. Há campeões de sinecura que não redigem uma sentença há cinco, dez anos.

A partilha dos “penduricalhos” não poderia ser feita só com as relações de compadrio. Surgiram, então, as “eleições diretas” sem povo no sistema de Justiça. A pele da democracia vestida pelo assembleísmo corporativo-sindical. O método aplicado para a ruína de nosso futuro, nas universidades públicas, veio para a condenação do presente, nas Cortes de Justiça.

A última reforma do Judiciário produziu muitos danos e, passados mais de 13 anos, com gastos públicos bilionários, não atingiu sequer um de seus poucos objetivos: a definição do sistema de remuneração da magistratura, com respeito ao teto constitucional. O mais grave dano é o mais difícil de chegar à percepção da sociedade: a sindicalização da magistratura. Era. Há poucos dias o sindicalismo de toga expôs ao conhecimento público a sua grande novidade, o juiz de passeata.

Em ato sem precedentes na História do Brasil, a caravana sindical cinco-estrelas, em dia de expediente pesado para os demais magistrados, fez “protesto” no prédio-sede do STF. Porque não tem nada com isso, consciente de que, seja qual for a adversidade, nunca é hora para realizar assembleia de marinheiros no sindicato dos metalúrgicos, a magistratura séria e trabalhadora continua a aguardar que Alexander Hamilton seja inspirador para as instituições brasileiras.

O assunto público e estratégico da remuneração dos magistrados é responsabilidade do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Não pode ser privatizado pelo descansado sindicalismo de toga.

Mudar para ficar tudo igual

Março chegou e com ele a janela de um mês para deputados trocarem de partido sem a punição da lei, que é a perda do mandato. No mercado político, o passe de um deputado está valendo entre R$ 1,5 milhão e R$ 2,5 milhões – não por acaso, o limite legal do que pode ser gasto na eleição de outubro, que pela primeira vez não contará com doações empresariais. No caixa 1, que fique bem claro.

Com as novas regras, quem vai às compras agora são os caciques partidários, que controlam o fundo eleitoral de cada legenda. Em vez de dirigir esses recursos para a renovação de quadros e a eleição de nomes novos, eles estão investindo sobretudo nos deputados que já têm mandato, apostando em sua reeleição.


Afinal, as novas (velhas) regras, com o encurtamento das campanhas e as restrições ao financiamento privado, tendem a privilegiar o status quo, ou seja, quem já é conhecido – e, preferencialmente, rico ou com acesso aos fundos partidários. As previsões são de baixo índice de renovação no Congresso, apesar do claro repúdio do eleitorado aos políticos – ou, quem sabe, até por causa da apatia gerada por ele.

Nesse raciocínio, partidos médios, como DEM, PP e PR, trabalham freneticamente para tirar deputados de legendas maiores como o MDB, o PSDB e o PT, que têm mais dinheiro no caixa para as campanhas mas precisam dividi-lo entre mais candidatos Brasil afora, incluindo postulantes aos governos estaduais e à presidência.

Os consumistas do mercado partidário esperam, com as compras, ter bancadas mais gordas no ano que vem, com tudo o que representam: poder, dentro e fora do parlamento. O DEM do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, por exemplo, já se articula para crescer e fazer de antemão as alianças para mantê-lo no posto. Nos tapetes verdes da Casa, todo mundo sabe que sua pré-candidatura à presidência da República é manobra diversionista e busca, na verdade, garantir esse objetivo qualquer que seja o ocupante do Planalto.

Este é só um exemplo, mas ilustrativo do jogo que está em curso há tempos, mas que ficou mais explícito e pesado depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff. No presidencialismo à brasileira, não basta eleger o principal mandatário do país, com 50 ou 60 milhões de votos e muitos sonhos do eleitorado nas costas. Só governa quem tem – ou conquista – o Congresso.

De certa forma, isso não é novidade. Tem sido assim desde a redemocratização pós-regime militar. Mas em grau menor e de forma menos escancarada. Houve tempo em que a base parlamentar era necessariamente, ou majoritariamente, identificada com os interesses de quem a elegeu. E, fazendo contraponto ao Executivo, ajudava a governar mas não governava.

Nos últimos anos, contudo, representantes e representados foram se distanciando cada vez mais e os interesses de uns e outros se distanciaram. A atividade parlamentar virou negócio explícito e as eleições legislativas, sobretudo as proporcionais, foram se realizando sob regras cada vez mais voltadas à sobrevivência dos políticos – e não à garantia da fidelidade da representação.

Chegamos aqui, a um passo de constatar que toda essa ansiedade em relação à eleição do novo presidente da República poderá ser desnecessária. Afinal, quem vai continuar dando as cartas – numa rotina de votação de impeachments e de arquivamento de denúncias a seu bel-prazer – é aquela turma do outro lado da rua.

Diga-se o que se disser, mas numa coisa o nosso sistema político é eficientíssimo: na aprovação de regras para assegurar sua própria sobrevivência e reprodução, na linha de mudar para ficar tudo igual.

Helena Chagas