quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Paisagem brasileira

Joaquim Miguel Dutra (Brasil, 1864-1930)Fábrica em Piracicaba, 1903, ost, 60 x 100cm
Fábrica em Piracicaba (1903), Joaquim Miguel Dutra

Alhos com bugalhos

A insana luta entre os Poder Executivo e Judiciário em torno da posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho justamente nos dez meses que restam a Temer para debelar o máximo que puder a crise do desemprego, ainda renitente, é insana, injustificável e burra. Da mesma forma que completamente disparatadas têm sido as tentativas dos juízes federais de justificar a decisão imoral, apesar da alegação de sua legalidade, de manter o auxílio-moradia.

A indicação da sra. Brasil para o primeiro escalão começa de forma absurda, continua de modo incoerente e parece não ter fim, sem que se possa definir se é filme de terror ou cena de sugestão pornográfica. Comecemos pelo começo, para evitar previsões impossíveis de serem feitas. Tudo começa com Temer tentando indicar o deputado federal maranhense Pedro Fernandes (PTB-MA) para o posto. O preferido da bancada foi vetado por Sarney porque abandonou as hostes do bigodudo para nomear um filho secretário do inimigo do clã Flávio Dino, atual governador. Temer é um presidente tão mal informado que o ex-presidente e correligionário teria contado a “novidade” de que o filho do ex-futuro ministro exibe na parede do escritório foto de Dilma Rousseff.


O segundo ato de comédia-bufa virou um filme de gângsteres quando o ex-presidiário Roberto Jefferson, dono do PTB, fundado por Getúlio Vargas, aceitou com emoção a lembrança do presidente de uma eventual nomeação da filha Cristiane Brasil. Aí, o roteiro rumou para a luta de classes quando a preferida (de quem, afinal, ninguém sabe, ninguém viu) foi condenada por violar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), excrescência populista da ditadura do Estado Novo. Logo esta, que resistiu à democracia superliberal de 1946, à intervenção militar de 1964, à Nova República (que Sarney herdou do getulista Tancredo Neves) e à Constituição “cidadã” do dr. Ulysses, que data de 1988.

A paródia política da Viúva Porcina da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, proibida pela censura na ditadura e liberada para exibição na democracia atual, deu todas as razões possíveis e imagináveis às intervenções de juízes de primeira e segunda instâncias no direito defendido pelo presidente de nomear o ministro que lhe aprouver. De fato, a intervenção da Justiça é estapafúrdia e justifica os argumentos governistas de que se trata de uma intromissão indevida do Judiciário no Executivo. Mas a teimosia de Temer em manter a herdeira do delator do mensalão parece mais suicida, do ponto de vista político, do que “sincericida”. Não seria o caso de agradecer aos juízes pela chance de se livrar das trapalhadas da sra. Brasil? Decerto, não é racional que as absolva.

A filhota do advogado que se consagrou no programa O povo na TV do SBT no Rio insiste em se dizer processada, quando ela foicondenada pela Justiça do Trabalho. No mínimo, ela mente e, embora não chegue a ser um delito grave, certamente não é uma das virtudes teologais que a população exige de um ministro de Estado. Ela usou o refrão até quando teve a insânia de divulgar em redes sociais um vídeo em que aparece ao lado de quatro descamisados, no qual misturou desconhecimento do vernáculo com impropriedade jurídica, produzindo este primor de patacoada ao se defender das acusações a que responde na Justiça: “Não sei quem passa na cabeça dessas pessoas que entram na Justiça contra mim” (sic). O deslize gramatical não consegue esconder a pretensão da deputada, que transmite ao distinto público a própria versão do foro de prerrogativa de função: a imunidade total perante a lei.

Talvez por ter sido o único brasileiro que tenha conseguido entender o que a moça quis dizer, seu colega na Câmara Carlos Marun encarnou seu lado de valentão de circo na defesa da ex-futura colega de Ministério, concentrando sua atenção apenas no desempenho cafajeste de mandar um recado desafiando a lei. em trajes de banho, o que não era bem o caso. O próprio pai, que atacou os “moralistas” que não aceitaram a intervenção dos descamisados da sra. Brasil no debate político nacional, substituindo o “eia sus” de antanho pelo “vai, ministra!”, puxou-lhe a orelhinha pela constatação evidente de que não se trata de negócios públicos al mare. Tendo-a introduzido na discussão da reforma de Previdência, para cuja vitória foi nomeado secretário de governo, Marun considerou o à-vontade dos participantes do vídeo em questão adequado, pois, segundo o próprio, nem ele mesmo, um ilustre varão do Pantanal, frequenta praia de terno.

Nessa dita ocasião, o encarregado de pacificar as forças políticas para o bem do País e salvação dos cofres públicos misturou os alhos da lancha usada como tribuna com os bugalhos do auxílio-moradia dos juízes. “Dois auxílios-moradia para quem vive em casa própria é moral?”, perguntou, referindo-se ao fato de o casal Simone e Marcelo Bretas receber duas vezes o auxílio-moradia, embora conviva sob um único teto.

A verdade pela metade foi logo apropriada pela turma do lema “eleição sem Lula é fraude”. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, não perdeu a oportunosa ensancha de tentar desqualificar a condenação de Lula por Sergio Moro porque foi exarada por um juiz federal que, como informou a Folha de S.Paulo, recebe o mesmo auxílio-moradia de Bretas, embora disponha de um apartamento próprio na sede da comarca que dirige, em Curitiba. A meia-verdade é que auxílio-moradia é lícito, não é crime, mas privilégio, o que não é ético e é feio. Corrupção é crime e Lula, o ídolo de Glesi, é criminoso com papel passado na primeira instância e repassado na segunda, por três a zero, um fato consumado que não terá mais como ser corrigido no futuro.

Os juízes Bretas e Moro defenderam-se, mas não se livraram do constrangimento. Bretas ironizou a própria opção pelo direito de requerer um privilégio que custa caro à Nação (R$ 800 milhões por ano, conforme reportagem do Estado no último fim de semana) só porque a lei o permite. Esse é um truísmo salvador, mas pior fez Moro, e duas vezes. Na primeira, disse o seguinte ao Globo: “O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”. A que lei ele se refere? Faltou registrar. Não se espera de um juiz que julgue algo ilegal sem citar os termos exatos da lei que ele acha que está sendo violada. Por que, em vez de recorrer a um penduricalho como se fosse um drible da vaca na ordenação jurídica das remunerações funcionais do serviço público, ele não recorreu aos tribunais de praxe, como qualquer zemané? Aliás, há muito tempo vozes indignadas contra os privilégios da alta casta funcional federal denunciam esse truque de carta escondida na manga de complementar vencimentos com auxílios de todos os gêneros. E ele acabou de confessar. Moro não contrariou o STF, pois o ministro Fux de fato decretou que esses dribles podem ser classificados na categoria de gols. Isso não evita o fato de ele achar normal seu privilégio abusivo, negado ao cidadão vitimado por um déficit habitacional brutal e, não tendo casa para morar, obrigado a bancar o aluguel do funcionário que dispõe de imóvel próprio, recorrendo ao truque mandrake para ter no holerite um total acima do limite constitucional.

Moro também vacilou ao não dissuadir a mulher de disparar contra a impresa – que trata seu marido a pão-de-ló e o fez herói nacional – no Instagram, em que respondeu à notícia da Folha de S.Paulo de que o casal tem apartamento próprio na sede da comarca da qual ele é titular: “Imprensa… para o bem e para o mal. Separam o joio do trigo e publicam o joio”. O barbarismo aproxima seu post da frase de Cristiane, que adicionou um eme ao “que” e este, virando “quem”, perdeu o nexo. Rosângela execrou a imprensa, sujeito singular, e pôs o verbo no plural (o mesmo eme a mais): “separam” em vez de “separa” e “publicam”, de “publica”. Barbarismos à parte, a frase não é dela, mas de outro mal agradecido, o brilhante advogado, orador e político democrata americano Adlai Stevenson II, que foi governador de Illinois e duas vezes derrotado por Eisenhower em seguidas disputas eleitorais para presidente. Chumbo grosso queima e fulgura no disparo, mas repetido torna-se duro e opaco.

Essa mistura de alhos com bugalhos na vida pública nacional em nada engrandece seus estrategistas, apenas lhes expõem os defeitos.

José Nêumane

Noites no sítio

Depois de argumentar que Lula não poderia ser o proprietário do famoso tríplex no Guarujá por nunca ter dormido nele, sua defesa se prepara para provar que Lula também não poderia ser o proprietário do não menos célebre sítio em Atibaia justamente por ter dormido nele e o desaprovado.

Na verdade, Lula precisou dormir no sítio por 111 noites em quatro anos para ter certeza de que não era o que ele queria. Os marrecos fazendo qüem-qüem sob a sua janela ele era obrigado a aturar, por serem uma exigência de dona Marisa. Mas junte a cacofonia de sapos, grilos e cigarras azucrinando-o dia e noite e as picadas de pernilongos, pulgas e carrapatos e qualquer juiz deduzirá que a vida agrária, campestre e pastoril não é para um animal urbano como Lula. Para piorar, nada de muito emocionante acontece num sítio, exceto talvez a inauguração de um alambique ou o abate de uma leitoa.

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Quer saber? Lula sempre teve a maior antipatia pelo tal sítio, e com razão. Quando Marisa povoou o lago com os pedalinhos em forma de cisne, ele achou aquilo de uma cafonice atroz. E para quê aquela cozinha faraônica que ela não parava de reformar? Já não bastava a churrasqueira ser maior do que duas ou três unidades do Minha Casa, Minha Vida? O pesqueiro que ele mandou construir também nunca deu peixe. Uma jararaca mordeu seu cachorro. E sua fabulosa adega vivia sendo saqueada por gente que não respeitava o fato de ele ter levado 50 anos para degustar sua primeira garrafa de Romanée-Conti.

E não lhe falem da torre gentilmente instalada pela Oi para ele poder conectar-se. O sinal caía a toda hora, bem no melhor das conversas com os companheiros Delcídio, Cunha, Renan, Sarney ou Sérgio Cabral. Quem ia querer uma tranqueira como aquele sítio?

Esse sítio roubou a Lula muitas noites de sono, isso, sim.

Deputados presos pagam advogados com nosso dinheiro

Contribuinte, já parou para pensar que, entre salários e verba de gabinete, você paga quase 400 mil reais mensais a dois deputados presidiários que hoje moram na Papuda? Sabia que é com esse dinheiro que eles pagam parte dos honorários dos advogados que os defendem do roubo do dinheiro público? Pois é, Paulo Maluf, de São Paulo, que embolsou 1 bilhão de dólares (valores corrigidos) da prefeitura de São Paulo estaria para receber benefício de prisão domiciliar. E quem pode soltá-lo é o STF que analisa esta semana habeas corpus que pede a sua libertação. O outro deputado é Celso Jacob, do Rio, ex-prefeito de Três Rios, preso por falsificação de documentos e fraudes em licitação, mas que recebe seus salários e os penduricalhos integrais.

Jacob foi condenado a sete anos de prisão, mas cumpria a pena em regime semiaberto. De dia dava expediente na Câmara dos Deputados e à noite recolhia-se ao presídio da Papuda. Um dia cometeu uma indisciplina grave, foi flagrado, ao voltar ao presídio, com biscoitos e queijo provolone na cueca. Sofreu castigo de uma semana no isolamento e teve o semiaberto suspenso pela justiça. Agora, ele cumpre a pena em regime fechado. O crime cometido por Jacob em relação ao do Maluf equivale ao de um trombadinha. Os dois estão no mesmo presídio na companhia do ex-senador Luís, Estevão, de Brasília, e do ex-ministro Geddel Vieira Lima, da Bahia.

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A diferença das prisões é que o contribuinte continua pagando salários de cada um dos deputados enquanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, faz cara de paisagem, e não pauta a cassação dos dois parlamentares que já cumprem pena. Os dois parlamentares custam ao contribuinte uma grana. Eles recebem salário de R$ 33.736 cada um e mais R$ 102 mil mensais para pagar assessores, além de uma verba que oscila entre R$ 30,8 mil a R$ 45,6 mil para custear despesas como aluguel de escritórios, combustível, alimentação, etc. Pois bem, a lógica é a seguinte: se os deputados estão encarcerados e recebem todo esse dinheiro, certamente a grana está caindo nas mãos dos advogados que tentam tirá-los da cadeia. Assim, contribuinte, você é quem paga os honorários dos defensores dos dois meliantes.

Como eles se protegem lá dentro do parlamento nem a esquerda, nem o centro e nem a direita se manifesta para pedir a cassação dos deputados. E o presidente da Câmara não toma iniciativa porque já se lançou candidato a presidente da república, portanto, não quer brigar com os partidos, seus prováveis futuros aliados. A dúvida – e isso deve ser apurado – é se os dois deputados presidiários também estão recebendo auxílio moradia como seus colegas que tem imóveis em Brasília e se beneficiam dessa excrecência. Hoje, com residência fixa dentro da Papuda, seria uma heresia pagar auxílio moradia ao Maluf e ao Jacob, mas se tratando do legislativo tudo é possível. Até o condenado petista Zé Dirceu conseguiu uma aposentadoria de R$ 10 mil da Câmara.

Maluf agora está nas mãos de Dias Tofolli a quem cabe julgar o habeas corpus que pode beneficiá-lo com a prisão domiciliar. Se o ministro se deixar levar pela encenação barata do deputado pode livrá-lo da cadeia. Se considerar as agressões que o tribunal vem sofrendo por parte dos defensores do deputado vai deixá-lo mofando mais um tempo na cela. Mas se leu a nota publicada pelo colunista Lauro Jardim, do Globo, de domingo (28.01), estará convencido de que Maluf, além de larápio, é também um farsante quando interpretou para o Brasil a cena bufão de um senhor doente, sustentado por uma bengala, trôpego, a caminho da cela. Veja o que diz a nota com o título Última Ceia: “Na véspera de ser preso, em dezembro, Paulo Maluf jantou no Fasano de São Paulo. Dono de uma das mais reluzentes adegas do Brasil, bebeu um Château Latour, safra 1929. Uma garrafa que, no barato, sai por uns 4 mil euros — na França”
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