terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Charge O Tempo 30/12/2017

A cada ano sua história

Nesta época sempre tento ver as coisas com a simplicidade Drummond: o ultimo dia do ano/não é o ultimo dia do tempo/outros dias virão.

O ano de 2018 nasce numa segunda exatamente 50 anos depois de 2018. Esse aniversário não deveria ofuscar o ano que entra mas sim ajudar a entender esse meio século.

Em 68, nem tudo aconteceu da mesma forma. Na Praça de Tlatelolco, no México, mais de 200 estudantes foram assassinados. Luther King, assassinado, Robert Kennedy, assassinado.

Nem todas as lutas eram idênticas. Hoje, 68 é associado às românticas revoltas da juventude, aos sutiãs queimados e expectativas de mais liberdade sexual.


No Brasil, esses fatores só chegam mais tarde. Era basicamente uma luta estudantil contra um governo militar , embora tenham ocorrido duas greves de metalurgicos no período,em Osasco e Contagem.

Na verdade, eles eram um subenredo. Lembro-me que ao dissolver o congresso da UNE, em Ibiuna, a policia fez questão de exibir todas as pilulas anticoncepcionais encontradas no sitio.

A intenção era sugerir promiscuidade sexual. Hoje, talvez fosse um indicio apenas de precaução.

Quase nunca falo de 68 porque já me cansei do tema. No entanto, faz alguns anos que sempre me pergunto: até ponto a mudança de comportamento foi influenciada pelos jovens até que ponto o instrumento realmente decisivo partiu de um salto científico com a disseminação da pilula?

O ano de 2018 apesar de começar na segunda como 1968 enfrenta uma conjuntura bastante desafiadora. Apesar dos 50 anos de lutas por direitos civis nos EUA, a eleição de Trump representa um golpe na ilusão de um progresso linear.

As ondas migratórias, com o crescimento da extrema direita, colocam em xeque as teses do multiculturalismo que estimulou as lutas identitárias dos imigrantes.

No Brasil, a lembrança mais próxima é a um longo periodo de dominação da esquerda que alem de falhar nos campos da ética e da economia revestiu esses temas culturais de uma estreiteza partidária lamentável. Os direitos humanos foram as primeiras vitimas: são vistos hoje com desconfiança.
Em toda a parte, nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil tornam-se mais fortes as linhas conservadoras que questionam esse possivel legado de 68.

Talvez fosse um momento para refletir com a experiência da juventude. Quando se quer o mundo você pensa apenas no seu objetivo e esquece um pouco dos outros.

De repente, descobre que a maioria prefere outro caminho. É hora de dialogar. Em 68, o traço de união era lutar contra um regime ditadorial. Em 2018 é de reconstruir um pais, sob muitos aspectos, arrasado.

Mas 2018 acontece 50 anos depois. As lutas continuam se desenvolvendo. As feministas queimavam sutiãs em 2018. Hoje, com a entrada maçica das mulheres na força de trabalho, elas questionam o assedio sexual nas empresas. E não só nas de Hollywood mas também nas grandes montadoras.

De la para houve a revolução digital e um processo continuo de mudanças que nos envolvem. É nesse quadro amplo de transformações que precisamos achar um rumo.

O fator nacional de referência é a reconstruçao do tecido democrático, mudanças no sistema politico partidário, recuperação da economia.

Grandes debates sobre costumes, alguns fundados, outros artificiais, vão seguir acontecendo. O importante é saber em que lugar e em que ano estamos. Reconheço que mesmo nesses quesitos não há unanimidade: as pessoas vivem em tempos diferentes.

Dai a importância das eleições, como troca de ideias, uma oportunidade real de saber para que lado a maioria quer levar o Brasil.

Sempre desejo feliz 2018 lembrando que sera um ano dificil. Mas não os vejo como termos antagônicos. 1968 também foi um ano dificil. E muitos o viveram com alegria.

Cada época com seus fantasmas. O importante para quem viveu algumas é não confundi-los. Como Drummond,de copo na mão esperar o amanhecer,sabendo que...
Para ganhar um Ano Novo/Que mereça esse nome,/Você ,meu caro, tem de merecê-loTem de faze-lo de novo, eu sei que não é fácil/ mas tente, experimente consciente./ é dentro de você que o Ano Novo/chochila e espera desde sempre.
Um país também não escapa dessa lógica. Para ganhar um Ano Novo terá de merecê-lo. Ainda que 2018 desapareça na névoa do história e ninguém se lembre dele ao completar meio século. Mas é o ano que temos, o tempo presente . tão grave no Brasil que nos convida a andar devagar e, se possível, de mãos dadas.

À espera de 2018

Esqueça o calendário gregoriano. Na vida real, não é ele que marca o fim ou início de um ano ou mesmo de um século – são os fatos, os teimosos fatos marcantes ou extraordinários que se encarregam disso.

Foi a eclosão da 1ª. Guerra Mundial em 28 de julho de 1914 que deu início ao Século XX. Ele acabou quando a União Soviética deixou de existir em 26 de dezembro de 1991.


O século XXI só começou para valer em 11 de setembro de 2001 com os ataques terroristas aos Estados Unidos que custaram a vida de 2.996 pessoas. O ano de 2001 estendeu-se por mais uma dezena de meses.

Se nada de relevante acontecer até lá, 2018 para os brasileiros começará de fato apenas no próximo dia 24 quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidir a sorte do ex-presidente Lula da Silva.

Se absolvido, ele será candidato à sucessão de Temer na condição de favorito. Se o tribunal, por unanimidade, condená-lo, Lula ficará impedido. Se a condenação não for unânime, ainda restará alguma esperança a ele.

Temer seguirá fingindo que governa até 31 de dezembro. Mas 2018 por estas bandas chegará ao fim em 28 de outubro com a eleição em segundo turno do futuro presidente.

2019, portanto, está logo ali. 2018 sequer começou.

2018, ano claramente escuro

O presidente Michel Temer, usando sem parar a máquina do Governo, prometendo ampliar ainda mais as vantagens oferecidas a quem o apoia, mantendo-se ao lado de cavalheiros amplamente conhecidos como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Moreira Franco, atraindo para seu grupo mais pessoas vocacionadas para integrá-lo, como o deputado Carlos Marun, tem o apoio de 6% do eleitorado – um número como o ostentado, veja só, por Dilma. Por que usar maneiras tão discutíveis de fazer política, para ter resultados tão frustrantes? Por que, com tão pouco apoio, ensaia tentar a reeleição?

Simples: porque a primeira obrigação de um político é sobreviver. Vale tudo, portanto, para manter-se no cargo, mesmo tendo de chamar de Vossa Excelência alguns cavalheiros que só agora aprenderam a usar talheres às refeições (e a devolvê-los no final do banquete). Sobreviver não quer dizer que continue dando as ordens – que essas, mesmo em seus melhores tempos, dava em voz tão baixa que o gravador de Joesley não pôde captá-las direito. Sobreviver significa ficar livre de juízes de primeira instância, como Sérgio Moro. Tentar a reeleição segue a mesma lógica: findo o mandato, Temer perde o foro privilegiado e cai nas mãos dos juízes de primeira instância, como Moro. Temer só não tentará a reeleição se houver um acordo que lhe garanta foro privilegiado ou indulto. Sem isso, não perguntem a Temer se prefere o demônio ou Moro. E se ele responde?

Indulto é decisão privativa do presidente da República. O Supremo não deveria se intrometer no assunto, mas se intrometeu (e, cá entre nós, foi bom). O presidente decide, mas decidir aumentando ainda mais as regalias dos delatores é meio muito. Pense num dedo-duro bem safado, que trocou amigos e cúmplices por uma pena que é quase um prêmio. Ganharia mais um prêmio, ficando livre de cumprir outro pedaço daquela pena de mentirinha com a qual foi premiado, e sem pagar multa nenhuma? Dá inveja dos bandidos que roubam o Tesouro e, sem dó, entregam até a mãe.

Temer, mestre de Constituição, sabe que foi além do razoável. Se sabe, por que fez? Para indicar a aliados que, se apanhados, terão apoio, pois alguém lá em cima gosta deles. Que sigam votando com Temer. A arma de Temer para a reeleição é a economia. Se tudo der certo e ele ficar, será bom para o bando todo. Bando, claro, no bom sentido; é sinônimo de “grupo”.

Por falar em Carlos Marun, uma pessoa nova no grupo sempre é alguém que ainda não se acostumou a narrar os fatos da maneira que agrade os companheiros. Pois não é que Marun, agora ministro da Secretaria de Governo, acaba de admitir que está pedindo apoio à reforma da Previdência especialmente para quem recebe recursos oficiais?

“Não vamos abrir mão de pleitear o apoio dos agentes públicos brasileiros e, especialmente, daqueles beneficiados por ações do Governo”, disse. Ou, em linguagem menos rebuscada, é recebendo que se dá. É bom aproveitar a verdade antes que o ministro Marun aprenda a dizê-la.

Gente fora do mapa

greenjaydeep:    SLEEP  in Calcutta  By Steve McCurry

Na largada, sucessão é um museu de novidades

2018 começou na segunda-feira, 1º de janeiro. Abre-se a temporada eleitoral. As opções presidenciais conspiram contra a ideia de Ano Novo. A oligarquia política oferece ao eleitorado algo que Cazuza chamaria de um museu de grandes novidades. Considerando-se as vísceras expostas pela Lava Jato, a piscina dos partidos políticos está cheia de ratos. Levando-se em conta o lero-lero dos candidatos, suas ideias não correspondem aos fatos. E o tempo não pára.
Resultado de imagem para eleição 2018 charge

O favorito nas pesquisas pode ir para a cadeia. O segundo colocado surfa uma onda conservadora de coloração verde-oliva que tem tudo para morrer na praia. Os outros pretendentes se acotovelam na franja inferior das sondagens eleitorais. Por ora, o protagonista da disputa é o ponto de interrogação. Não surgiu um nome capaz de empolgar quem foi às ruas ou bateu panelas na janela.

O ano supostamente novo começa sob os escombros do velho. Tudo parece seguir a lógica de um conhecido preceito bíblico. Está anotado no livro de Eclesiastes, capítulo 1, versículo 9: “O que foi tornará a ser; o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol.” A conjuntura é um convite ao surgimento de novidades. A boa notícia é que o eleitor tem o poder de virar a página. A má notícia é que, se não tomar cuidado, pode virar a página para trás.

O que faz crianças de áreas pobres do desenvolveram traumas similares aos de guerras

"Às vezes, tenho dificuldades para dormir porque posso escutar os disparos, como se estivessem grudados na minha orelha", conta Laquita Duvall, mãe de dois pré-adolescentes.

Ela vive em um subúrbio da cidade de Atlanta, capital do Estado da Geórgia, uma das 20 cidades mais violentas dos Estados Unidos, segundo dados do FBI de 2016.

Resultado de imagem para áreas pobres dos eua
Periferia de Nova Iorque
A cidade foi foco de um dos maiores estudos científicos nacionais sobre o transtorno de estresse pós-traumático em centros urbanos, uma condição tradicionalmente associada a traumas de guerra.

Segundo os resultados da pesquisa, entre os moradores de bairros pobres de Atlanta a prevalência do transtorno de estresse pós-traumático era de 46%, muito maior que a identificada entre os veteranos das guerras do Iraque e do Afeganistão (entre 11% e 20%).

Para as crianças em particular, os bairros mais pobres de Atlanta podem parecer um verdadeiro campo de batalha, como constatou o repórter da BBC Aleem Maqbool, enviado à cidade.

Basta um passeio de carro pelas zonas mais desfavorecidas para se deparar com ambiente hostil - no qual crescem muitas crianças.

"Abuso de drogas, atividades de grupos criminosos, disparos, tiros de carros em movimento... há muitas coisas com as quais as crianças precisam lidar e que não são experiências típicas para essa idade", afirmou a tenente Shavonne Edwards, do escritório do xerife do Condado de Fulton.

"Para eles, 'a guerra' pode ser desde um tiroteio entre gangues rivais, até caminhar pela rua e pisar em uma seringa ou ver alguém usando drogas. Isso é 'a guerra'", acrescentou.

"Estas crianças veem essas coisas diariamente e podem pensar que é normal, mas nós sabemos que não é."

Algumas dessas experiências potencialmente traumáticas são comuns em muitos bairros da América Latina. Mas chama a atenção que isso também ocorra nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo.

O índice de assassinatos com arma de fogo nos Estados Unidos é muito maior do que em qualquer outro país desenvolvido.

Por isso, nas periferias das cidades americanas, é comum o contato com a violência urbana.

Na realidade, faz pouco tempo que o transtorno de estresse pós-traumático foi reconhecido como uma condição mental também entre os civis.

Agora, vários pesquisadores estão estudando o impacto que este transtorno tem sobre o desenvolvimento de crianças.

"No bairro, as crianças podem escutar um foguete e isso pode soar como um disparo, gerando nelas uma resposta de pânico", explica Tanya Jovanovic, diretora do projeto Grady Trauma.

"Podem experimentar um aumento do suor e das palpitações... na linguagem médica, chamamos isso de hipervigilância: a incapacidade de sentirem-se seguros", afirmou.

"Tanto seus cérebros como seu corpo crescem em ritmo mais acelerado. Seus cérebros estão se adaptando a esses disparos e a esta violência na cidade, e podemos ver isso nos scanners", acrescentou.

Segundo a especialista em trauma, as experiências às quais as crianças estão expostas fazem com que seus cérebros cresçam mais rapidamente.

Como consequência, elas têm mais dificuldades de aprendizagem e para construir relacionamentos. Além disso, são mais propensas a desenvolver depressão e se envolver com drogas.

"Ao contrário dos soldados, que voltam para casa e deixam de estar em um ambiente perigoso, muitas das crianças do nosso estudo continuam vivendo nesse ambiente", disse Jovanovic.
'No chão'

Angel e sua mãe participaram por acaso no estudo do projeto Grady Trauma. Sua experiência de vida é típica do bairro onde vivem.

"Estávamos na cama e começaram a disparar. Então, minha mãe entrou e falou para nos deitarmos no chão e não nos levantarmos até que (o tiroteio) acabasse", lembra Angel, pré-adolescente, com um meio sorriso, que contrasta com a gravidade da história que está contando. "Depois pararam e morreu uma pessoa. Aí, veio a polícia."

"Às vezes, quando as crianças descem do ônibus escolar, escutamos disparos que vem do complexo de apartamentos ao lado", relata sua mãe, Laquita Duvall.

Segundo os pesquisadores, os níveis de transtorno de estresse pós-traumático nos bairros de periferia dos Estados Unidos são comparáveis aos encontrados em acampamentos de refugiados de muitos países do mundo.

Mas, por outro lado, passam despercebidos. E aqueles que sofrem com isso precisam lidar com a situação por conta própria.

Perdão

A turma da Lava-Jato tem razão em estar chateada com os indultos de Natal, com o Gilmar Mendes e com outras evidências de coração mole que desfaz o seu trabalho. São todos jovens idealistas que ainda não tinham se deparado com uma antiga tradição nacional, a do brasileiro bonzinho.

Estão descobrindo que o Brasil corrigiu Marx: aqui a história não se repete como farsa, se reinventa como farsa.E o tempo é um revisor camarada. Cada nova versão da nossa história é mais benevolente do que a anterior.

O tempo brasileiro é conciliador, não guarda rancor. Na verdade, não guarda nada.

Quanto mais distante fica no tempo, menos conta o fato. O fato é neutralizado pelo tempo, emasculado como um gato.

Quando, finalmente, desaparece por completo no grande sumidouro da memória nacional, pode ser recriado à vontade. O Collor decretou que sua deposição foi uma farsa.

Ninguém o contradisse. Faz tanto tempo. Quem se anima a mergulhar no sumidouro para resgatar uma verdade hoje irrelevante?

A prisão do Maluf surpreendeu justamente por ser tão anacrônica. Maluf tinha uma estranha forma de impunidade, a que vem com o tempo camarada. Transformara-se, com o tempo, num corrupto folclórico, até simpático. E por que tocar num folclore, depois de tanto tempo?

O cara já não pagou pelo que fez (segundo ele, nada) com os anos em que foi nosso corrupto-mor sacramentado? Mas o tempo brasileiro, cedo ou tarde, inocenta todo mundo. É só o Maluf esperar sua vez.

Essa garantia tácita de absolvição é um velho hábito do nosso patriciado.

Nunca na história do país, mesmo com as oligarquias se entredevorando pelo poder e querendo a ruína do inimigo, alguém caiu totalmente em desgraça no Brasil. Desgraça profunda, irrecuperável, de se trancar no quarto e receber comida em marmita por uma portinhola, pelo resto da vida.

O tempo brasileiro sempre assegurou a remissão. E aí estão vilões do passado represtigiados, corruptos repaginados, banidos reeleitos e ninguém envergonhado. Collor chegou à Presidência como símbolo de combate à corrupção, saiu da Presidência como símbolo da hipocrisia do poder e volta como símbolo da inconsequência de tudo isto. O que só prova o que ele disse, se não a intenção do que disse. Tudo é uma farsa.

É de se ver se daqui a 15 anos (eu não vou mais estar aqui, mas podem me contar depois) Lula e seus governos terão a mesma deferência que o tempo brasileiro dá ao nosso patriciado. Acredito que sim. Lula não quer outra coisa desde o seu primeiro mandato a não ser se legitimizar como um membro confiável do clube que manda, com direito a todos os seus privilégios. Inclusive os do estatuto que trata do perdão implícito da história, não importa o que ele faça.
Luis Fernando Veríssimo

Paisagem brasileira

-As obras aqui disponibilizadas,servem apenas para visualização da obra deste artista,sendo desautorizado a qualquer fim de lucro com impr...
Benedito Silva

Quem vive mais, é claro, também consome e paga impostos por mais tempo

Pessimamente assessorado por empresas de propaganda que nada entendem de política da informação, o presidente Michel Temer vem defendendo a reforma da Previdência, cujo orçamento seria intensamente afetado pela longevidade de homens e mulheres. Falso argumento. Temer esquece que os que vivem mais tempo também durante maior período consomem mais e contribuem com mais impostos tanto para a União quanto para os estados e municípios. O presidente da República esquece esses aspectos e se concentra no déficit de 149 bilhões de reais por ano para o INSS.

Esquece também que os aposentados que continuam trabalhando, na escala de 20% do total permanecem contribuindo para o INSS sem receber nada em troca. Mas esta é outra questão.

O fundamental é que o déficit apontado para o INSS não chega à metade dos encargos do Tesouro Nacional com o pagamento de juros para rolagem da dívida interna. Reportagem de Bárbara Nascimento, O Globo desta sexta-feira, destaca que o endividamento pode atingir em 2018 a elevada parcela de 80% do Produto Interno Bruto, caso o BNDES não devolva ao Banco Central recursos da ordem de 130 bilhões de reais que recebeu do Tesouro. Portanto, como o PIB oscila em torno de 4,5 trilhões de reais, se não houver ingresso na receita dos adiantamentos recebidos pelo BNDES o montante da dívida atingirá 4,8 trilhões de reais.

Sobre esse total incidem os juros da Selic na escala hoje de 7% a/a. Basta comparar o desembolso com juros de aproximadamente 300 bilhões ao ano com o alegado déficit da Previdência Social. O governo, porém, não parece considerar importante o que ele paga à mão de tigre do mercado financeiro.
Pelo contrário. As agências de propaganda do governo não veiculam uma palavra a respeito da despesa com juros e só focam na despesa com o pagamento dos aposentados e pensionistas. Um erro tremendo. As agências tão eficientes em anunciar produtos aos consumidores, tornam-se um desastre em matéria de comunicação política. A culpa, aliás, é mais do governo do que delas. Porque elas desempenham contratos financeiros que foram firmados e não podem escolher as mensagens.

Uma pena. Porque, se pudessem escolher as mensagens, chegariam à conclusão de que a comunicação exige um oferecimento positivo aos consumidores. No caso da Previdência, os consumidores são a própria população brasileira . Cem milhões de brasileiros e brasileiras que trabalham, no caso da reforma da Previdência, em vez de receberem notícias positivas, ao contrário, são abastecidas por matérias negativas. Um desastre.
Ainda por cima, o governo e o PMDB, reportagem de Vera Rosa, O Estado de São Paulo de 29, anunciam para 2018 uma agenda social que inclui a possibilidade de Michel Temer vir a ser candidato à reeleição. A hipótese é defendida pelo ministro Aloysio Nunes Ferreira. Ele considera que as urnas do próximo ano, se não incluirem Lula, a realidade passará a ser outra.

Mas, afirmo eu, com a reforma da Previdência a realidade política para Michel Temer terá batido no fundo do poço. Aloysio Nunes Ferreira está vivendo um sonho. O eleitorado está vivendo um pesadelo.

Política, democracia e ética pública

Os escândalos de corrupção inaugurados com o “mensalão” e elevados à enésima potência nos últimos cinco anos demonstraram que as deficiências da democracia brasileira são muito maiores do que pensávamos. Antes deles, nosso relativo otimismo se estribava em cinco pilares, cuja importância não pode ser subestimada, mas que agora se mostram claramente insuficientes.

Ao longo de várias décadas, até mesmo durante o regime militar, nosso processo eleitoral se tornou altamente inclusivo, com um eleitorado superior a 70% da população total, a mesma proporção das democracias mais desenvolvidas. Entre 1985 e 1988, restabelecemos pacificamente o regime civil e constitucional. Em 1989, a vitória de Collor sobre os partidos tradicionais e sobre a esquerda inaugurou a alternância pacífica no poder, consolidada com a vitória de Lula em 2002. Instituímos um sistema mais robusto de monitoramento e promoção da legalidade, notadamente pela autonomia institucional do Ministério Público, obra da Constituição de 1988. Por último, mas não menos importante, domamos, finalmente, uma inflação que se prolongara por três décadas e aprovamos no Congresso a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras medidas relevantes no campo econômico.


Mas as deficiências se revelaram por um conjunto de problemas intimamente ligado à corrupção, que anula, na prática, grande parte dos avanços realizados. Proclamamos, como é usual no Primeiro Mundo, que o essencial da democracia é a exigência de que o acesso de cidadãos particulares a posições de autoridade se faça por meio de um processo competitivo, ou seja, mediante eleições limpas e livres. Mas não atinamos para o fato de que, mesmo num eleitorado de grandes proporções, os procedimentos criados para garantir eleições “limpas e livres” podem ser fraudadas por práticas em princípio lícitas, mas desleais ao espírito da democracia e, portanto, imorais. Entre estas, um exemplo egrégio é o clientelismo de larga escala, infinitamente mais pernicioso que o antigo “voto de cabresto”, que se pode embutir em políticas públicas e programas sociais.

Tampouco nos demos conta de que “eleições limpas e livres” podem transformar-se em mera aclamação simbólica, sem dentes e garras, onde não haja transparência – ou seja, onde inexista acesso efetivo do cidadão, das empresas e da sociedade civil a informações referentes às ações governamentais, notadamente no tocante ao emprego dos recursos financeiros. E mesmo onde tal acesso esteja devidamente previsto e estipulado nas leis, ele não passará de letra morta onde não exista accountability – ou seja, onde os titulares da autoridade, nos três ramos do Estado, se comportem de forma acomodatícia, ou se acovardem, não aplicando com o rigor preceituado as medidas profiláticas prescritas na Constituição e nas leis.

Eleições limpas e livres, transparência e accountability – no mundo atual, essas três condições definem o espaço válido de reflexão sobre as conexões entre a ética – a busca do bem comum – e a política. De fato, a ninguém ocorrerá avaliar o status ético de países governados por celerados e genocidas como Hitler, Stalin ou Pol Pot.

O agente do juízo ético é o indivíduo, ou seja, o cidadão que trabalha, paga impostos e mata ou morre na guerra, se convocado para tal. Ele é também o destinatário do bem comum. Decorridos dois milênios de Aristóteles, não faz sentido pensar no bem comum como um todo homogêneo, unitário e consensual. O que para um é um bem, para outro pode ser um mal. O que existe é, portanto, uma grande variedade de bens comuns ou, melhor dito, de bens coletivos, aqueles que o Estado não pode prover a um cidadão se não puder provê-los nas mesmas condições a todos os demais cidadãos compreendidos na mesma categoria. O que importa, por conseguinte, é investigar a emergência ex parte de um consenso, ou da aquiescência sempre precária, de todos, ou da maioria, a uma dada distribuição de bens coletivos. O orçamento nacional é essencialmente isto: a distribuição de bens coletivos que o Estado é capaz de prover em dado momento. Esse conjunto é a resultante do embate entre os interesses que soem existir em toda sociedade, mas que só na democracia são devidamente delimitados e regulados pelas instituições. Buscar o consenso pela via da política, o entendimento por meio de uma pugna constante, eis o notável paradoxo que as democracias consagram em suas regras de jogo.

Voltando ao início, podemos, pois, afirmar que a crise ética e econômica para a qual o Brasil foi arrastado se deve ao falseamento, ainda não superado, do processo eleitoral, da transparência e da accountability. É óbvio que a democracia tem muito que ver com as condições sociais gerais de um país, daí a existência de importantes diferenças de qualidade entre elas. Desigualdades sociais extremas são negativas para a democracia e a ética pública.

Nos limites deste artigo, cabe-me concluir apenas reiterando o que tenho insistentemente afirmado: justiça social, socialismo, social-democracia e similares devem ser entendidos tão somente como ideais abstratos de sociedade. Não são indicações concretas dos meios necessários para melhorar o padrão de vida dos indivíduos reais ou de como reduzir desigualdades de renda. Em pleno século 21, o que importa investigar é qual o melhor caminho para romper “relações de produção” peremptas a fim de liberar as “forças produtivas”. No Brasil, parece-me fora de dúvida que isso significa quebrar de vez a tradição patrimonialista, irmã siamesa da corrupção, e instaurar uma verdadeira economia de mercado.

Ao invés de 'Retrospectivas', o Brasil precisa de 'Perspectivas', mas estão em falta

Todo final de ano é a mesma coisa. Jornais, revistas e emissoras de TV perdem espaço e tempo fazendo enfadonhas retrospectivas do ano, que poucos se interessam em ler ou ver. Em minha opinião, seria interessante fazer o contrário e tentar as perspectivas do próximo ano, que será importantíssimo para o país, com a campanha eleitoral se travando justamente numa fase em que os partidos políticos, de modo geral, estão completamente desmoralizados.

Deveríamos estar vivendo um momento de intensos debates, mas a opinião pública parece ter mergulhado num entorpecimento profundo, as pessoas simplesmente cuidam da própria vida, em primeiro lugar, e depois se preocupam com os parentes e os amigos. Depois da ressaca das manifestações populares que agitaram o país entre 2013 e 2016, não há um interesse maior pelo bem comum.


É claro que não faltam motivos para esse desânimo nacional. Um governo incompetente foi derrubado, mas o sucessor não melhorou em nada a qualidade de vida do brasileiro. O badalado teto de gastos, implantado por Henrique Meirelles para resolver a crise econômica em duas décadas, fracassou logo no primeiro ano.

O respeitável público esperava que houvesse um choque de gestão, com redução da máquina do governo, corte de gastos públicos supérfluos, extinção das mordomias, dos penduricalhos salariais, dos carros chapa-branca e dos cartões corporativos, mas não aconteceu nada.

O presidente Temer comporta-se como se estivesse no melhor dos mundos. Enquanto a dívida pública bruta (governos federal, estaduais e municipais) aumenta assustadoramente, ele investe no sonho ensandecido de ser reeleito, inundando de anúncios oficiais a grande mídia, que agradece, penhoradamente, o presente de Natal.

A mídia se acomoda, apoia incondicionalmente a reforma da Previdência, sem discutir os prejuízos causados ao INSS pela crescente transformação de empregados em pessoas jurídicas (pejotização), que propicia também alta sonegação de Imposto de Renda e FGTS. Aqui na sucursal Brasil, todo empregado que ganha mais de R$15 mil é pejotizado, para sonegar impostos, nos moldes dos artigos da Globo. Na matriz EUA, isso não existe. O ator Wesley Sinpes foi sonegar, passou sete anos na cadeia e agora está em prisão domiciliar.

Para se fortalecer junto ao governo, a mídia também apoiou o avanço da terceirização, que é outra fonte de sonegação e corrupção, abrangendo agora até as atividades-fim. Imaginem a Petrobras contratando engenheiros terceirizados, por indicação de deputado ou senador.

Quais são as perspectivas para o próximo ano? Ninguém sabe, mas o governo já anuncia crescimento superior a 3% do PIB em 2018, sem reparar que o desemprego voltou a aumentar. É uma desfaçatez absurda.

Alardeia-se que a inflação caiu para menos de 3% ao ano e há até quem acredite, certamente porque não frequenta supermercados e feiras. O fato concreto é que vivemos uma realidade virtual na mídia, que nada tem a ver com a crueza do dia-a-dia dos brasileiros.

Embora a inflação oficial seja de 3%, as autoridades permitam que os bancos operem juros de cerca de 400% nos cartões de crédito, e isso acontece até mesmo no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, que foram criados para financiar o povo, jamais para explorá-lo.

O Brasil está de cabeça para baixo (ou ponta-cabeça, como dizem os paulistas. E o ex-governador Francelino Pereira morreu na semana do Natal, sem jamais ter conseguido resposta para a inquietante pergunta que fez há exatos 40 anos: “Que país é esse?”

Imagem do Dia

Oasis Oásis no deserto de Sonoran (EUA), Steve Sieren

Novo tubaronato

Dia desses meditava sobre como as coisas neste planeta poderiam ser mais simples. Bastaria que, dentro daquele conceito clássico de Ulpiano, cada um recebesse o que lhe fosse de direito. Simples assim.

Qualquer criança, por exemplo, compreende que pescar clandestinamente em águas pertencentes a outros países não está certo. Mas veja só: um monte de gente - adulta, claro - aparentemente ainda não entendeu algo tão óbvio.

Há poucos dias, por exemplo, a Oceana, maior organização mundial de defesa dos oceanos, denunciou ter monitorado navios oriundos da União Europeia pescando ilegalmente em águas africanas. Foram nada menos que 32.000 horas de pesca ilegal entre abril de 2012 e agosto de 2015.

O pior é que estes navios, segundo a denúncia, invadiram as águas de diversos países africanos devidamente autorizados pelos governos da Grécia, de Portugal, da Itália e da Espanha! A Oceana alertou para o fato de que este tipo de pesca é especialmente danoso por sua opacidade - não se sabe quanto ou que tipo de peixe foi pescado, e nem com qual instrumento, ensejando-se verdadeira atividade predatória.

Cálculos realizados recentemente indicaram que este tipo de pesca sangra a África em nada menos que US$ 2 bilhões a cada ano.

Enquanto isso, do outro lado do planeta, nos idos de 2014, a Coreia do Sul anunciou que a pesca ilegal praticada por embarcações chinesas superou 675 mil toneladas, causando perdas diretas estimadas em um bilhão de Euros.

Perto dali, entre 2014 e 2017, a Indonésia afundou nada menos que 317 navios estrangeiros, utilizados em pesca clandestina no seu mar territorial.

No que toca ao nosso país, um cálculo modesto, datado de 2001, indica que perdemos anualmente uns US$ 500 milhões sob esta rubrica. A propósito, bem resume a situação uma frase pronunciada por um funcionário graduado do Ministério da Pesca: "Há casos em que o peixe é pescado ilegalmente na nossa costa, levado para outros países e depois importado". Deve ser por isso que importamos 1/3 do pescado que consumimos - algo difícil de entender em um país que tem uns 8.500 km de litoral.

Cheguei a uma conclusão: já distantes os velhos tempos nos quais somente causavam medo aqueles tubarões que vivem no mar - vejo que uma nova espécie, infinitamente mais perigosa e voraz, nos ronda em terra.

Pedro Valls Feu Rosa

A frase do ano

A grande frase de 2017, “Tem que manter isso, viu?”, cometida pelo presidente Michel Temer ao ouvir de um amigo poderoso que este estava subornando um deputado preso para impedir que o dito deputado contasse os podres que sabia sobre eles, costuma ser classificada como “pouco republicana”. Nem todos entendem o significado dessa expressão. Sabem vagamente que tem a ver com “República”, que entendem como uma forma de governo oposta à monarquia. Pode ser, mas, no caso, aplica-se à “res publica”, a coisa pública, aquilo que diz respeito a todos nós.
Resultado de imagem para tem que manter isso charge

Ao afirmar “Tem que manter isso, viu?”, a autoridade está endossando um cala-boca para encobrir o esclarecimento de crimes contra o interesse público — crimes que, em primeira e última análise, desviam dinheiro destinado a ocupar os 20% de brasileiros entre 14 e 29 anos que não estudam nem trabalham, abastecer de gaze e esparadrapo os hospitais públicos e devolver as ruas do Brasil aos seus cidadãos.

Daí a vergonha de muitos, outro dia, ao constatar que dependemos dos EUA para cuidar dos nossos criminosos. Ao levar apenas dois anos para investigar, julgar, condenar e prender o ex-presidente da CBF José Maria Marin, os americanos nos deram uma aula do que entendem por “res publica”. Por ser uma decisão em primeira instância, cabe recurso — mas Marin foi preventivamente engaiolado, para não restar dúvida de que não fugirá para o Brasil, onde passaria o resto de seus dias assobiando no azul.

Como, aliás, acontece com a maioria dos nossos ex-presidentes e atuais governadores, deputados e senadores soterrados por montanhas de processos e que, graças às leis brasileiras, apostam que seus crimes cairão de maduros antes que se chegue a uma decisão.

Decisão esta que, caso os desfavoreça, sempre terá um juiz leniente a anulá-la.

Se a democracia fracassa, o fracasso é de todos nós

No ano que está para começar, nós brasileiros vamos para a oitava eleição presidencial direta consecutiva, desde o fim da ditadura. Não estaremos sozinhos: votarão também paraguaios, colombianos e mexicanos. Nem incluo a Venezuela na lista, embora também esteja prevista eleição presidencial, porque é uma fraude democrática completa —e ainda por cima fracassada.

Muito para festejar em 2018, portanto. Ainda mais para quem, como eu, deve ter o recorde mundial de cobertura de transições do autoritarismo para a democracia (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Portugal, Espanha, África do Sul).
Nem sempre fui só testemunha ocular, mas também participante da festa, porque acho que, contra ditaduras, não cabe neutralidade. Ou se está com a civilização ou com a barbárie.

Na noite do plebiscito de 1988 que acabaria assinalando o fim da ditadura de Augusto Pinochet, estava tentando avisar a Folha de que o resultado atrasaria quando, por trás, se aproximou minha amiga, a valorosa jornalista Patrícia Verdugo, prematuramente morta, e sussurrou no meu ouvido: “Ganamos”.


Alguns anos antes (1983), Raúl Alfonsín, candidato presidencial na Argentina que igualmente saía das trevas da ditadura, vendeu a democracia com “spots” televisivos que diziam que, com ela, tudo iria melhorar (saúde, educação, a vida enfim). Não foi bem assim, mas todos os países acima citados estão hoje melhor do que durante as respectivas ditaduras. Até o Brasil, pode acreditar.

O que talvez tenha murchado é a ilusão revolucionária, como demonstra o depoimento à sempre brilhante Sylvia Colombo do escritor nicaraguense Sergio Ramírez, admirável amigo: “Permaneceu (na Nicarágua) apenas a retórica revolucionária, com seu discurso anti-imperialista e anticapitalista. Mas nada disso é verdade, porque o governo de Ortega [Daniel Ortega, líder histórico do sandinismo] tem uma aliança profunda com os grandes empresários. (…) A Nicarágua não mudou estruturalmente em quase nada. Metade da população vive na pobreza aguda, e mais de 70% dos empregos são informais”.

Troque Nicarágua por, digamos, Brasil, Argentina dos Kirchner, a Venezuela chavista, e a avaliação não seria muito diferente (o IBGE acaba de mostrar que 64,9% dos brasileiros vivem em situação de “pobreza multidimensional”, quando se inclui na medição, além da renda, a educação e as condições de habitação).

Na Venezuela, é muitíssimo pior. Trata-se de um desastre social e econômico sem paralelos na história da América Latina.
No conjunto do subcontinente, dá, pois, para entender o desânimo dos eleitores. Mas lembro-me de um diálogo no elevador que me levava à antiga sede do Partido Socialista Operário Espanhol, nas vésperas da eleição de 1977, a primeira do pós-franquismo. O elevador era antigo, lento, rangia a cada movimento.

O ascensorista, mal-humorado, talvez franquista, comentou: “É lento como a democracia”. Alguém do fundão devolveu: “Lenta pero segura”.

Vamos, pois, erguer a cabeça e lembrar que “demo” vem de povo. Se a democracia fracassa, o fracasso é de todos nós.