terça-feira, 17 de abril de 2018

As execuções à luz do dia na Grande Natal, as quarta região mais violenta do mundo

Fábio caiu às 18h40 do sábado, 10 de março. Àquela hora, a praça do bairro de Bom Pastor, na periferia de Natal, capital do Rio Grande do Norte, estava lotada. Seu corpo teve 12 perfurações de bala: cinco na cabeça, uma na mão, uma na perna, duas no abdômen e três nas costas. Os assassinos agiram rápido, assim que ele desceu da moto. No chão, já sem vida, ele deitava ainda de capacete na calçada, ao lado de aparelhos de ginástica da Prefeitura usados como brinquedo pelas crianças do bairro. Diversão interrompida, elas agora rodeavam o cadáver.

Anderson foi mais uma vítima do sábado. Foi assassinado a 40 quilômetros de Natal, no município de Macaraíba, por volta de 18 horas. Dois homens chegaram ao bar onde ele estava e anunciaram um assalto. Mas não levaram nada. Apenas atiraram nele seis vezes.
A esperial da morte em Natal - Fotogaleria
“Foi pá-pá. Pápápápápá”, reproduz um dos moradores enquanto olha corpo no chão. Neste espetáculo macabro, encenado em uma região com poucas opções de lazer, a sonoplastia serve para explicar que os criminosos usaram dois tipos de armas, que faziam barulhos diferentes. Por ali, os tiros fazem parte do cotidiano e são reconhecidos pelo som.

À margem dos holofotes da intervenção militar na segurança pública no Rio de Janeiro, onde a vereadora do PSOL Marielle Franco foi executada há um mês, o Rio Grande do Norte também amarga estatísticas de violência sombrias. No ano passado, o Estado bateu seu recorde histórico de homicídios. E a Grande Natal chegou ao posto de quarta região mais violenta do mundo, com uma taxa de 107 mortes para cada 100.000 habitantes, segundo dados divulgados no mês passado pela organização mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça. A região perde apenas para Los Cabos (México), Caracas (Venezuela) e Acapulco (México). O ranking é contestado pelo Governo do Rio Grande do Norte (leia abaixo).

Apenas no ano passado, foram assassinadas, em média, quase quatro pessoas por dia nesta área, que envolve a capital e 12 municípios do entorno. Um número alto, se considerada a pequena população de 1,3 milhão de habitantes (um nono do tamanho da capital paulista, por exemplo, onde nove pessoas foram assassinadas ao dia no ano passado). A alta das mortes na região metropolitana é impulsionada pela combinação entre uma inflamada guerra de facções pelo controle do tráfico de drogas — de um lado está a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e, de outro, a potiguar Sindicato do Crime RN— e o pouco investimento em segurança pública.

Tudo é escasso ali. "Para começar, faltam políticas sociais para atacar as taxas de evasão escolar e resolver os bolsões de pobreza. Falta um sistema penitenciário menos vulnerável, de onde não fujam mais de 500 presos, como ocorreu no ano de 2016. Falta efetivo, especialmente da Polícia Civil. E faltam equipamentos para as provas técnicas", afirma Ivenio Hermes, coordenador de pesquisa do Observatório da Violência Letal Intencional no Rio Grande do Norte, instituição ligada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), que mapeia os homicídios no Estado.

Em todo o Rio Grande do Norte só há 28% dos policiais civis necessários, segundo determina uma lei estadual. São 176 delegados, 2.934 agentes de polícia e 612 escrivães a menos. “É como se estivéssemos em permanente estado de greve”, afirma Nilton Arruda, presidente do Sindicato da Polícia Civil (Sinpol). A Polícia Militar também tem menos homens do que o necessário: são 8.200, quando o ideal seria um efetivo de 12.000.

Além disso, muitas vezes faltam até salários, mesmo em meio à escalada da violência. Com o pagamento atrasado por dois meses, policiais chegaram a paralisar as atividades entre 19 de dezembro do ano passado e 10 de janeiro deste ano. “Não fizemos greve. Paramos porque faltou dinheiro para pagar a condução para ir trabalhar e para comer”, afirma Arruda. “Como se coloca na rua um policial que está com problemas de pagamento, com dívidas em casa? Um psicológico desequilibrado pode levar a escolhas incorretas”, complementa. Em 6 de janeiro deste ano, o Governo chegou a decretar estado de calamidade no sistema de Segurança Pública, devido ao aumento de violência ocorrido em meio à paralisação. O Governo federal enviou homens do Exército para reforçar a segurança —a ajuda federal já aconteceu por três vezes no Rio Grande do Norte.

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