segunda-feira, 16 de abril de 2018

A sangria que não mais estanca

O ex-presidente Lula está preso. Foi guardado por Sérgio Moro numa cela especial, onde há de permanecer pelo tempo que ninguém ousa determinar. O país não virou ao avesso, o tal do ''exército do Stédile' não ocupou as ruas. Caos não houve. Mas, após uma semana da rumorosa sexta-feira do prende não prende, pode-se afirmar que Lula ainda é a mais importante figura do processo político e da cena eleitoral. Sua imagem, ou espectro, ocupará o centro do debate. O mal-estar de sua prisão permanecerá por bom tempo.

Muita gente duvidava que a prisão, pudesse ocorrer, mas se deu o inevitável. O processo de quatro anos de Operação Lava Jato forçosamente levaria ao encarceramento de um peixe realmente grande na política nacional. E não há maior que Lula. Bobagem argumentar que o trancafiamento de José Dirceu e Antônio Palocci seriam marcos; que a longa cana de Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e que tais bastariam como compensação. Perto de Lula, são sardinhas.

A prisão do ex-presidente tem superlativo valor simbólico, mas não guarda em si a vitória final sobre a corrupção. Inocência ou má-fé pensar assim. Justamente por sua dimensão é que exigirá continuidade e compensações em outros partidos, para cima de outros bambambãs. E ombreá-la não será para qualquer um. Serão exigidos antagonistas de primeiro time.


Mesmo que quisessem Sérgio Moro e os promotores do Ministério Público de Curitiba, a sessão não termina aqui. As cortinas permanecerão abertas até que o público se decida se o espetáculo foi drama ou será farsa. No centro do palco, entre as grades, estará Lula; mas, nos bastidores, há todo um elenco cuja expectativa geral é que mais cedo ou mais tarde entrem em cena.

Primeiro porque bem ou mal Lula soube vender caro sua prisão. Mais bem aquinhoado com tino político que qualquer membro do PT ou da política nacional, o ex-presidente dominou os símbolos do que seria sua pior hora, fazendo a politização de sua desgraça. Enquanto, ao antecipar a ordem de prisão em alguns dias, Sérgio Moro pensou num gesto cirúrgico; o ex-presidente transformou seu fardo num ato litúrgico, com missa e tudo.

De sua retirada para a simbólica sede do Sindicato do Metalúrgicos do ABC, abrigo de seu passado, até o momento em que militantes impediram sua passagem para fora dos domínios daquele mundo, Lula controlou o tempo. Esteve por ininterruptas 48 horas no ar, em quase todas as rádios e emissoras de TV; em toda a Internet. Em que outro momento conseguiria isto? Sua sorte e sua hora foram definidas por Moro e mais tarde pela Polícia Federal, mas o timing do filme e o ângulo da foto foram dele, Lula.

O PT, acertadamente do seu ponto de vista, estica a corda. Em sua narrativa política e em seus cálculos eleitorais, Lula é preso político. Mártir do processo de acirramento de conflitos que tem se dado pelo menos desde 2013. Petistas afirmam que irão de Lula até o fim; já se cunhou a palavra de ordem: ''eleição sem Lula é farsa''. É do jogo. Em idênticas circunstâncias — um líder encarnado e uma base social fiel; militância fundamentalista —, qualquer partido faria o mesmo.

Ainda que no Brasil nada seja impossível, é improvável que o PT mantenha Lula candidato, até às urnas, última fase do pleito. Se, por qualquer recurso legal, vier a ser libertado já estará no lucro. A libertação e a candidatura, juntas, seriam overdose; o sistema não resistiria à pressão dos contrários. Mais tarde ou ainda mais tarde, o PT se definirá por um Plano B dentro ou fora do partido. Contudo, o fato é que a figura de Lula e sua prisão pautarão a eleição e a cena política de modo mais amplo.

E este é o segundo importante ponto: as pressões para que outros peixes graúdos, no PSDB e no MDB, sejam igualmente recolhidos já estão por toda parte. A semana foi rica, nesse sentido: Paulo Preto, Alckmin, a revelação de reformas feitas na casa da filha de Michel Temer…

Grandes no PSDB seriam peixes do porte de Aécio Neves, Geraldo Alckmin, José Serra — dar Eduardo Azeredo como oferenda não bastará. No MDB, é claro, Michel Temer, sua turma de amigos e seus ministros do peito. Pode não ser para já. Mas, a plateia permanecerá ávida por um enredo que se desenvolva nesse campo. Essa expectativa será como que a trilha sonora da eleição.

Até porque, convenhamos, há elementos para isto: indícios, provas, imagens, depoimentos… Vasto acervo. Maior do que, pelo menos, o tríplex que complicou a vida de Lula. Certo ou errado, inocentes ou culpados, isso para a dinâmica política e eleitoral pouco importará. O mais provável será a busca de alguma compensação, no espírito ''pau que dá em Chico dá em Francisco''. E esse processo já começou.

Sem isto, se elevará sobre as nuvens o discurso da sanha persecutória ao PT e ao seu líder. E, claro, a vitimização terá apelo eleitoral.

Pouco adiantará explicar que nada é bem assim, veja bem, data vênia, noves fora… Que a Justiça de primeira instância é uma coisa, que a do foro privilegiado é outra. Que Curitiba adotou posturas e ritmos que destoam dos tribunais superiores. Discutir quem está certo, quem está errado. Paradoxalmente, a prisão de Lula libertou o direito de exigir Justiça como igualdade de tratamento. Para o eleitor tudo é uma Justiça (ou injustiça) só.

E pouco proveito terá um Gilmar Mendes, agora moderado e cordato, votando contra o relator; acusando posturas, apontando excessos que antes não viu; exigindo garantias, direitos, bom senso, comedimento. Parece tarde. O creme saiu do tubo, difícil será conte-lo. Não há como estancar. E o melhor será deixar sangrar.

Carlos Melo 

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