domingo, 21 de janeiro de 2018

Da mentira com torcida ao esplendor da verdade

Todos têm direito à própria opinião, mas não a seus próprios fatos
Daniel Patrick Moyniham

Em 1980, a jornalista Janet Cooke trabalhava na seção de temas "Semanais" do Washington Post. Para ali ingressar, inflara significativamente seu nível de formação profissional. Nessas condições, escreveu um artigo - "Jimmy's World" - no qual relatou a surpreendente história de um menino de oito anos que se tornara dependente de heroína, levado a tal condição pelo namorado da mãe. A história causou comoção nacional. Enquanto ela "preservava sua fonte" (o caso inteiro era uma invenção narrada com extraordinário talento), as autoridades se empenhavam, inutilmente, em procurar pistas que levassem à criança. Dentro do próprio jornal surgiram dúvidas sobre a veracidade do relato. A direção, porém, bancou a funcionária e sua matéria. Candidatou-a ao cobiçado "Pulitzer Price for feature writting" (textos de especial interesse humano). Eram negros, o menino, o namorado da mãe, a mãe e a jornalista. O principal postulante do prêmio para a autora de Jimmy's World dentro da comissão de seleção era um militante negro, interessado em revelar aos brancos a realidade das drogas na comunidade negra.

'Strings' by Jeff Treves.                                                                                                                                                                                 More
Janet Cooke ganhou o mais cobiçado troféu do jornalismo norte-americano, mas foi desmascarada, dias depois, porque a divulgação de seu perfil profissional fez com que a universidade onde obtivera o bacharelado suspeitasse de tudo mais que ela dissera sobre si mesma. E a teia das mentiras foi se rompendo. O Post divulgou o que ficara sabendo, extraiu a confissão da moça, e pediu a retirada do prêmio.

Há mentiras muito mais graves sendo contadas em nosso país. Estão acobertadas pelo direito de mentir conferido aos acusados e são referendadas pela multidão que depende fisiológica, financeira, psicológica, política e ideologicamente de que elas sejam acolhidas e se propaguem. São mentiras tão relevantes que poderiam ser classificadas como institucionais. Determinam fatos políticos. Geram enorme círculo de conexões cuja ruptura põe em risco sistemas e esquemas. Estimulam uma densa solidariedade que, primeiro, sai a pichar muros e colar cartazes e, depois, atiçada a adrenalina, passa a prometer fogo e fúria.

Poderia estar relatando qualquer item de um verdadeiro catálogo de mentiras envolvendo a corrupção do ambiente político em nosso país. E isso, certamente, não surpreenderá o leitor. Nenhum corrupto desses de mala de dinheiro, conta na Suíça, offshore no Caribe, chegou a tal estágio sem, antes, ter sido um competente mentiroso. E a mentira, à qual damos tão pouco valor, é gravíssima forma de degradação moral por corromper esse bem precioso que é a verdade.

A infame corrente de males desencadeada pela mentira é bem mais sinistra do que se possa depreender da simbologia infantil representada por Pinóquio. Ela se agrava com os reforços retóricos construídos mediante sofismas (que corrompem a razão) e com calúnias e difamações que lançam sobre a honra alheia as indignidades do mentiroso.

Felizmente, a exemplo do que aconteceu com a senhora Janet Cooke, o que se esconde na penumbra das conspirações um dia chega às manchetes e a verdade vem à tona. E não como flutuante achado lúgubre de filme de terror, mas esplendente como um anjo dourado no alto de seu campanário.
Percival Puggina

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