quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

A imprensa e a reforma da Previdência

Jornalistas americanos costumam brincar com uma ideia que à primeira vista parece um paradoxo: o advento de Donald Trump, eles dizem, foi péssimo para o país e ótimo para o jornalismo. Em passagem recente pelo Brasil, Steve Coll – duas vezes premiado com o Pulitzer e atualmente diretor da Escola de Jornalismo da Columbia University – lembrou a anedota em suas falas. Donald Trump, uma figura que inspira preocupações planetárias quanto à paz mundial, a neutralidade da rede na internet, o equilíbrio ecológico e os direitos das minorias, teria trazido um novo fôlego para as redações.

Entre outros indícios desse novo fôlego está o crescimento da carteira de assinantes do diário The New York Times. Depois de sofrer alguns ataques covardes do novo presidente americano e de seus assessores, o Times ganhou, em apenas um ano, quase 800 mil novos assinantes. As explicações para esse verdadeiro renascimento são múltiplas, mas uma delas nos interessa de perto: por algum motivo, cidadãos sentiram necessidade de sustentar o jornalismo crítico e tecnicamente bem feito para sustentar, também, um lugar para o registro da verdade factual. Graças a isso, equipes jornalísticas de boa qualidade (ou mesmo de qualidade excelente) vêm se mostrando capazes de prosperar enquanto o país padece.

O paradoxo, no entanto, é apenas aparente. Há por trás dele uma lógica retilínea, direta e cartesiana. Como o valor da imprensa decorre de sua habilidade (e coragem) de fiscalizar e reportar os desvios do poder por meio de reportagens confiáveis, é natural (e perfeitamente racional) que, quando repórteres competentes apontam abusos de governantes, a sociedade democrática os reconheça como imprescindíveis. Jornalismo em confraternização ininterrupta com presidentes da República não tem serventia. Jornalismo que facilita o expediente dos poderosos é o oposto do que deveria ser. O jornalismo que tem valor real é aquele que dá visibilidade aos fatos que os governos prefeririam esconder. Eis aí, enfim, uma das possíveis explicações para o crescimento do New York Times ao longo do tormentoso período do trumpismo.


E em relação ao Brasil, o que poderíamos dizer? Por enquanto, pouca coisa. Nossa imprensa apenas sofre com a crise. Nesse ínterim, muitos profetas trombeteiam fórmulas mirabolantes de marketing digital para ampliar a geração de lucro nas redações convencionais, num falatório um tanto inócuo e ininterrupto. À medida que suas promessas se frustram, outras pipocam no mesmo lugar e são igualmente vãs. Invencionices e modismos não resolverão o desafio. Convergências de plataformas, soluções transmidiáticas, sinergias com foco no mercado, reengenharias recauchutadas, etc., não darão conta de trazer novo fôlego para a imprensa.

Só o que pode salvar o jornalismo é o jornalismo. Nada de novo sob o Sol. O que o futuro espera dos jornalistas não é diferente do que o passado esperou deles: um cardápio de apurações criteriosas que trafeguem na contramão da agenda do poder (seja qual for o poder) e um painel de opiniões e análises que, em lugar de reforçar e de repisar preconceitos, ajudem o cidadão a pensar livremente em meio à diversidade.

Por certo a imprensa no Brasil tem boa qualidade, assim como tem aberturas razoáveis para o pluralismo. Mas se quiser de verdade vencer a crise, ampliando seu público numa estratégia de densidade intelectual e informativa, terá de se distanciar ainda mais do poder e de seus encantos ideológicos. Ser livre, para a imprensa, significa ser obstinadamente livre. Ser confiável significa ser radicalmente comprometida com a verdade factual. Ser plural implica a atitude de acolher e promover o contraditório. Sem isso as agendas do poder estão prontas para capturá-la, roubar-lhe a aura e, por fim, matá-la.

Nesse quadro, o maior desafio para a imprensa brasileira continua sendo o apartidarismo. Se não entender que o apartidarismo consiste numa forma de militância de método contra o partidarismo, os jornais brasileiros dificilmente superarão os obstáculos mais graves.

Para entender melhor esses obstáculos fixemo-nos num caso real do presente: a cobertura da reforma da Previdência. Será que os argumentos contrários à reforma – ou os argumentos que fazem restrição a aspectos da reforma que vem sendo proposta – têm o mesmo destaque que os argumentos a favor? Ou será que as páginas dos jornais têm funcionado como correia de transmissão da agenda do governo federal e de setores majoritários do empresariado?

Na semana passada o presidente Michel Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, candidatíssimo a suceder ao chefe, elogiaram a imprensa pelo apoio que ela, na visão deles, viria dando à reforma. Disse Michel Temer: “Não há momento melhor. Os senhores podem perceber que a imprensa toda brasileira, sem exceção, está apoiando com editoriais e notícias. Então, a hora é agora”. Meirelles não deixou por menos: “A mídia apoia integralmente”.

São palavras mais do que constrangedoras. Se Temer e Meirelles estão errados, suas declarações são um acinte. Se estão certos, o que ambos enunciam é o diagnóstico de um desastre.

Vale insistir na pergunta: nossa imprensa está comprometida em cobrir de forma apartidária, crítica e informativa a reforma da Previdência, ou “está apoiando com editoriais e notícias” a pauta que o governo quer aprovar? A nossa imprensa quer ser mesmo imprensa, ou se acomodará como uma ferramenta de propaganda governista?

Por mais justa e necessária que seja, a reforma da Previdência nunca deveria ser uma “causa” dos jornais. Na democracia moderna, a causa dos jornais é a informação. Ponto. O governismo é o pior dos partidarismos. E não há nada pior para o jornalismo que o jornalismo a favor. Não é por aí que os nossos jornais ganharão 800 mil novos assinantes em um único ano.

Imagem do Dia

Garden Of The Gods ,Colorado , USA - Travel Pedia
Jardim dos Deuses, Colorado (EUA)

Corrupção atual faz Paulo Maluf parecer amador

Uma das vítimas da cleptocracia no Brasil é a semântica. Quando celebram a prisão de Paulo Maluf como evidência de avanço institucional, você sabe que está diante de uma crise de significado ou num país de cínicos. Longe de simbolizar um avanço, a prisão tardia de Maluf representa o triunfo da conivência do Brasil com o desmando e a corrupção. Maluf ajuda a explicar como chegamos à Lava Jato.

Maluf sempre foi um corrupto notório. Sua reputação estava tão associada à malversação que seu nome desceu aos dicionários como sinônimo de roubar. Nos tempos áureos, Maluf inocentava a classe política pelo contraste —tinha-se a impressão de que ninguém malufava tanto quanto ele. A despeito de tudo isso, não faltaram votos para manter Maluf nas proximidades dos cofres.

Entre o escândalo e a prisão de Maluf, decorreram duas décadas. Nesse período, construiu-se a imensa área de manobra para a proliferação da corrupção no Brasil. A tese do rouba, mas faz prevaleceu sobre o bom senso. Deu origem a outras perversões: o rouba, mas investe no social; o rouba, mas promove reformas econômicas… Hoje, a corrupção é tão generalizada que o velho Maluf parece um amador.

Esquecer?

Uma nação deve esquecer? Um país moderno pode ser construído sobre uma amnésia geral ou uma justiça frustrada?
Kazuo Ishiguro

Vai, malandro, quebra o barraco

No ano que vem, talvez o governo federal tenha um pouco mais de dinheiro. Ainda assim, não vai dar para todo o mundo. Nem para segurar o aumento da dívida pública.

É um resumo "pop" das notícias recentes, mais sumário que os biquínis de fita isolante do clipe de Anitta. Mas um cidadão prestante deveria prestar mais atenção ao pancadão que devemos tomar em 2018, quase com certeza em 2019.

Até que havia saído micronotícia animadora, nesta terça. Foi abafada pelas artes da casta política, da casta burocrática e de seus amigos, que estão dando cabo até dos remendos menores nas contas públicas.



Vamos começar pelo menos deprimente. A arrecadação de impostos federais parece agora aumentar na mesma velocidade da economia (do PIB), 1% ao ano, descontadas receitas extraordinárias. Ainda é um nadica de nada. Mas a economia deve crescer ao menos 2,5% em 2018, quem sabe 3%, se tivermos sorte e pouco tumulto político.

Pois então. Mesmo assim, o dinheiro extra não seria bastante nem para pagar o aumento das despesas previdenciárias (INSS, servidores e assistência social para incapazes de trabalhar e idosos pobres) em 2018.

Mas tende a ser pior. Por exemplo, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo, derrubou a cobrança de contribuição previdenciária extra e o adiamento do reajuste de servidores federais. Foi uma decisão provisória, provocada pelo PSOL, um partido que se diz de esquerda.

Essa besteirada, na verdade, é de responsabilidade do próprio governo, que tomou posse em 2016 dando reajuste para o funcionalismo, enquanto no resto do país havia demissões em massa, reduções de salário, mais gente morando na rua e farrapos humanos catando o que comer no lixo.

Embora a Justiça também venha sendo objeto de suprema lambança, quem sabe o ministro Lewandowski tenha agido de acordo com o rigor da lei. De qualquer modo, é caso de rigor mortis. Ou de vestir-se a rigor para ser executado.

A elite do Estado e seus amigos fazem um mutirão para quebrar o que ainda não foi arruinado. PMDB e centrões, partidos de esquerda de fancaria, castas e empresas amigas do dinheiro público estão todos de mãos dadas na ciranda da falência.

Majoritariamente governista, temeriano e pendurado em prebendas ministeriais, o Congresso não votou o aumento de impostos para fundos de aplicações financeiras de ricos. Enrola a volta da cobrança de certos impostos de empresas, perdoados por Dilma Rousseff. Deu perdão extra para dívidas empresariais diversas.

Metade dos parlamentares rejeita a reforma da Previdência, com apoio e lobby geral do funcionalismo, das castas do Ministério Público e, em particular, do Judiciário, aquele pessoal que estoura o limite do valor do salário do funcionalismo e reage "chatiado" às críticas recorrendo a argumentos de Maria Antonieta de folhetim.

Obviamente, essa gente também não quer aumentar impostos. Fala de cortes "na carne" do governo. De fato, tem carne dos outros nesse açougue. O dinheiro federal para educação e pesquisa científica será menor em 2018. O investimento em obras de infraestrutura estará à míngua, com o que o país continuará regredindo à roça tosca que, em espírito, nunca deixou.

Vão quebrar o barraco.

Prefeitos globetrotters

Estranho país este. Em plena crise, com falta de dinheiro para milhões de pessoas na ou à beira da misérias, os prefeitos continuam em suas maratonas turísticas pelo mundo. João Doria, de São Paulo, não se cansa de dar um rolê pelo mundo. Agora Marcelo Crivela é flagrado em Orlando (EUA), paraíso brasileiro na Flórida, em uma de suas inúmeras viagens que já resultaram no recorde de quase três voltas ao mundo em metade do governo. 


A prática não é nova nem mesmo privilégio de prefeitos. Quase todos os políticos e membros dos governos nos mais variados escalões são campeões em milhagens internacionais. Recentemente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, liderou um bonde turístico. A paixão política pelas viagens supera em muito a demagógica paixão pelo país, que só interessa mesmo pelo que pode lhes oferecer.

Esse vírus turístico, "em nome do país", se alastrou de tal maneira pelos canais políticos não de hoje, mas a partir das gestões petistas. Mesmo prefeitinhos de cidades de beira de estrada fazem circuitos turísticos internacionais para angariar investimento internacional, que logicamente nunca chega. Prefeitos em entourage circulam pela China, Espanha, França, Itália, Cuba e outros de bolso cheio do dinheiro público correndo uma pseudo sacolinha para angariar dólares estrangeiros com que possam anunciar o falso grande desenvolvimento.

As viagens em pouco tempo se tornaram uma fonte inesgotável de votos e de desfrutar dos prazeres turísticos com o dinheiro público. Uma das versões do "corruptoduto" nacional que tem abastecido todos os escalões governamentais sedentos de mamar nas tetas da esquálida República seja para o que for. E se for para viajar de graça com tudo pago, com eles não há quem possa.
Luiz Gadelha