sábado, 16 de dezembro de 2017

No submarino, estamos todos

 A tragédia do submarino argentino vai muito além do horror da morte coletiva por sufocação. O que me atordoa não é só aquele lento despedir-se da vida por faltar o ar, literalmente, na brutalidade perversa de um sarcófago de aço no fundo do mar. Cada um dos 44 tripulantes deve ter aguardado o instante final na angústia de ver morrer o saudável companheiro ao lado sem poder socorrê-lo, consciente de que a próxima vítima seria ele, em segundos ou minutos.

O dramático perpassa, porém, esse horror. Tudo tem uma origem e a tragédia (que o mundo inteiro acompanhou perplexo e comovido) nos obriga a certas indagações e observações que vão além da antevisão de morte anunciada.

Indago: nas Américas do século 21, em tempos de paz e mercado comum, em que um país consome o que o outro produz e o diálogo marca o entendimento ou a cooperação e até os bancos são os mesmos em ambos lados das fronteiras, será necessário manter sofisticadas armas de guerra, com os perigos que delas derivam?

A pergunta parecerá ingênua, mas nunca descabida. Já não há disputas territoriais. A visão geopolítica abandonou os quartéis de fronteira e passou ao diálogo diplomático. Somos “hermanos” no comércio, na ciência e até nos acordos militares e na patrulha de fronteiras. Só o futebol nos separa, mas o furor nas relações se resume a isso.

Se essa é a realidade, para que submarinos, essas onerosíssimas armas de ataque, que pouco servem à paz?

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Submarino esconde-se e ataca, guerreia pelo terror traiçoeiro. É arma para surpreender o inimigo. Na 2.ª Guerra Mundial submarinos alemães e italianos afundaram 33 navios mercantes ou de passageiros do Brasil, matando mil pessoas antes de declararmos guerra a Hitler e Mussolini.

Semanas atrás, no extremo sul do Continente, o submarino argentino havia brincado de guerra e (juntamente com a frota desse país) concluído um exercício naval “contra o inimigo”. Mas que inimigo? Paraguai e Bolívia, vizinhos sem mar? Ou Brasil, Uruguai e Chile, unidos à Argentina por tratados de cooperação que incluem o vasto mar? Ou Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, sem fronteiras com a Argentina?

Estamos no século 21, longe das estúpidas lutas territoriais dos séculos 18 e 19. Hoje a violência é interna e extensiva, não externa.

Os inimigos já não são as fronteiras. Ao vigiá-las, não buscamos os vizinhos estrangeiros, mas o crime, o contrabando, a droga e o narcotráfico, que não têm pátria e são o mar multinacional da violência, acima da razão e da ética.

A pujança dos nossos países não está no poder do armamento, nas bombas, nos mísseis, nos aviões, submarinos, navios ou tanques. A não ser que pensemos como o extravagante Kim da Coreia do Norte, que age como um “Kim-Kong” tecnológico, a pujança nacional não é militar. É organizar a sociedade para que a economia, a educação e a ciência conduzam ao bem-estar coletivo.

Nas Américas, a pequena Costa Rica não tem exércitos, não teve ditadores nem se viu ameaçada pelos vizinhos sob ditaduras. Nossa situação histórica é diferente (tal qual a da Argentina) e não podemos prescindir dos exércitos. Vale recordar, porém, que o auge de prosperidade no Japão, após a 2.ª Guerra, ocorreu no período em que aboliu os exércitos e os armamentos, dedicando todo o avanço tecnológico à paz e ao conforto da vida em sociedade.

Nas Américas somos diferentes. Sociedades ainda em formação, não temos a milenar sabedoria oriental. A Argentina, por exemplo, dos anos 1900 a 1960, foi admirada no mundo inteiro como potência pela riqueza agrícola-industrial. A partir de 1976, contudo, passou a sofrer os malefícios de seis anos de férrea ditadura militar direitista, que criou um tosco eufemismo – os “desaparecidos” –, agora aplicável ao submarino.

De 1976 até a derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, a Argentina viveu uma carnificina interna em que “desapareceram” de 15 mil a 30 mil opositores do regime. Algumas centenas, guerrilheiros que desafiavam a ditadura. A imensa maioria, apenas críticos ou “suspeitos” de serem “perigosos” para a continuidade da ditadura.

Esse imenso volume de cadáveres “sumidos para sempre” nunca pôde ser medido com precisão – tudo era oculto e nem os pais se animavam a procurar os filhos. Não havia prisão formal, nem interferia a Justiça. O Estado sequestrava, torturava e matava. Logo incinerava as vítimas nos fornos da Escola de Mecânica da Armada, em plena cidade de Buenos Aires. Ou as lançava em alto-mar – ainda vivas, mas sedadas –, na mesma área em que o submarino sumiu com 44 tripulantes, hoje “desaparecidos”.

Além de tudo, o drama do submarino é uma imagem destes tempos de paz impregnados de violência e corrupção, lá e aqui, em que cultivamos o horror, mesmo indiretamente e até sem o perceber.

Do assalto de rua (com ou sem tiros) à corrupção que domina o poder no conluio entre políticos e grandes empresas, aturamos viver num mundo drogado, subornados pela mentira, sem reagir. O novo chefe da Polícia Federal, já ao tomar posse, se atreveu a dizer que “uma única mala” com meio milhão de reais, carregada por um assessor do presidente Michel Temer, não é motivo para denúncia por corrupção, e apenas rimos do absurdo…

Não vemos que nos deixam sem ar, submersos no infecto mar de um sistema partidário dirigido por pigmeus. E tão sufocados como os 44 tripulantes do submarino argentino, vítimas de uma guerra de mentira.

No Brasil, a guerra é real, por milhõe$ de reai$ e contra 207 milhões de habitantes.

Flávio Tavares

Será?

A sociedade se tornou consciente de que somos liderados pelos piores
Luís Roberto Barroso, ministro do STF

A indústria das eleições

Estamos nos aproximando do oitavo pleito presidencial sob a égide da Constituição de 1988. Não há nada que comemorar. Basta acompanhar o elenco de pré-candidatos apresentados até o momento. É desesperador. Isso é produto da desmoralização da política. Não custa repetir que a sucessão de escândalos envolvendo políticos de quase todos os partidos, as regras eleitorais, que restringem a participação cidadã, e o alto custo das candidaturas transformaram o processo eleitoral em uma repetição enfadonha, a cada dois anos, do mesmo espetáculo, sem tirar nem por. É a reprise daquele filme que não gostamos e, até o momento, não podemos alterar o enredo, o roteiro, os atores. Resta assisti-lo com desinteresse. E, vez por outra, dormir.

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A eleição é uma indústria. Hoje tem pouca relação com o funcionamento da democracia. Sua permanência está relacionada com os ganhos obtidos pelos mercadores da ilusão popular. E uma ilusão cara, muito cara. Envolve milhares de pessoas. Muito dinheiro circula — parte ilegalmente e a Lava Jato intimida os contraventores. Especialistas em ilusionismo — conhecidos como marqueteiros — vão dissertar sobre a importância da democracia para o País. Evitam tratar sobre a ética dos seus candidatos. Consideram um tema inconveniente. Querem é louvar seus clientes, transformá-los em estadistas tupiniquins, os Winston Churchill de chanchada, que não distinguem a coisa pública da coisa privada.

Esperava-se que a redemocratização de 1985 fosse edificar uma República digna do nome. Porém, o processo histórico acabou seguindo outro caminho. Hoje, a eleição – parte da democracia – virou um instrumento de proteger corruptos. Muitos dependem do mandato para garantir o foro privilegiado. Encontram nesse instrumento um mecanismo que permite mantê-los à salvo da ação da Justiça. Sabem que nas Cortes superiores de Brasília é possível operar para postergar ad eternum um processo. E assim podem manter-se à solta cometendo novos e rendosos crimes.

O sistema está esgotado. Assistimos à sua agonia. Pode ser lenta. Mas pode também ser abreviada. O que é inequívoco é a falência do Estado democrático de Direito edificado pela Constituição de 1988. Será substituído, é inevitável. Mas como? Por quem? Nem os falastrões dos marqueteiros conseguem prever.

Gente fora do mapa

Children of the Dust.  Lugging bricks, inhaling clay dust, India’s untouchable boys trade their health for pittance in primitive brickyards. With no future besides work, they are victims of a society too poor to enforce child labour laws.  by Eric Valli

Um sistema previdenciário imperito, imprudente e negligente

Sistemas públicos de aposentadoria frequentam o centro de colossais encrencas fiscais, políticas, econômicas e culturais porque propagam a ideia de que todos podem garantir seu futuro não à própria custa, mas à custa dos demais. Exceções à parte, a regra mais ampla deveria ser a da prudência pessoal, da previdência individual, da iniciativa privada, da difícil, mas imperiosa, poupança dos próprios meios.


Ao abraçar a função, o poder público sinaliza para a sociedade o comportamento inverso, ou seja, orienta para o desejo de contribuir na menor proporção possível, obtendo o máximo resultado futuro, pelo menor tempo que der. E o Estado, arrecadador das contribuições, sofre dois assédios principais. De um, cede (e no caso brasileiro cedeu mesmo) à tentação de usar para urgências de curto prazo os recursos originalmente poupados na implantação do sistema, deixando de formar o fundo que irrigaria a economia com investimentos produtivos e atenderia os benefícios a serem concedidos no futuro. De outro, cede (e no caso brasileiro cedeu mesmo) à tentação de conceder privilégios que realizam, para tantos, o sonho de contribuir menos, por tempo reduzido, e obter ali adiante, magicamente, o desproporcional benefício.

Há quem creia que uma situação assim possa ser mantida indefinidamente. Há entidades sindicais gastando dinheiro em anúncios publicitários para proclamar que o sistema é bom e o paraíso, aqui e agora, não se rende às trivialidades da aritmética. Há congressistas especializados no mercado das ilusões. Para estes, votar a favor de uma reforma da Previdência corresponderia a um recall de montadora de automóveis para trocar motor e chassis de todos os seus veículos. É a ruína. Há cidadãos, convencidos pelos fatos. Mesmo que não conheçam os números, têm uma ideia de proporção e de grandeza, aprenderam a tabuada do 10, e sabem que a conta não tem como fechar. Mas querem que tudo se resolva após estarem concretizadas suas próprias expectativas de direito. Há quem esteja se lixando para o país no pior sentido possível: o universo inteiro, com todas as suas galáxias, cabe no próprio umbigo. E que tudo mais vá para o inferno.

Para viver do dinheiro que entra, um sistema previdenciário precisa de economia aquecida e de larga proporção de jovens em relação aos idosos. E, mesmo assim, não convive com remunerações desproporcionais, como as que se registram no Congresso Nacional. Matéria da revista Exame do dia 2 de agosto passado informou que “enquanto a proporção entre contribuintes e beneficiários do INSS é de dois por um (apenas!), na Câmara e no Senado ocorre o contrário – há dois aposentados para cada servidor na ativa. Dos 987 analistas legislativos da ativa do Senado, 471 estão no nível máximo do cargo, com salário de R$ 26,8 mil. Na Câmara, 1.036 analistas em atividade (56%) estão no nível máximo”. Entre arrecadação previdenciária e pagamento de benefícios, as duas casas têm um déficit anual de R$ 2,4 bilhões, suportados pelos pagadores de impostos.

Perpetuar situações assim, com a extensão que tem em todos os poderes de Estado, é imprudência, imperícia e negligência, ou seja, todas as características de culpa criminosa.

Percival Puggina

Candidato condenado não existiria sem o eleitor

O PT reuniu o seu diretório nacional para reafirmar que a candidatura presidencial de Lula será mantida na base do vai ou racha. Ele será candidato mesmo com a reputação rachada por uma eventual sentença condenatória emitida pela segunda instância do Judiciário brasileiro. Lula continuará no páreo ainda que a rachadura moral o leve para a cadeia. Não há Plano B, diz a ré Gleisi Hoffmann, presidente do PT.


Em discurso, Lula, com uma condenação de nove anos e meio de cadeia nas costas, reiterou que não seria candidato se fosse culpado. Em privado, ele diz ter a convicção de que será condenado em outros processos. Mas considera-se uma inocente vítima de perseguição política. Lula atingiu o ápice da perfeição. Ele mesmo comete os crimes, ele mesmo se julga e ele mesmo se absolve.

Não faz sentido pensar mal de Lula e alisar a cabeça dos eleitores. Assaltado e vilipendiado, o Brasil é presidido hoje por um denunciado criminal, cercado de ministros e aliados que não têm biografias, mas prontuários. E o primeiro colocado nas pesquisas é um condenado que flerta com a cadeia. Num cenário assim o problema não é os políticos tentarem fazer o eleitorado de idiotas. O grande problema é que eles ainda encontram material.

Gilmar, O Libertador, sonha com a captura do governo de MT

Pela afrontosa misericórdia que o anima a livrar da cadeia delinquentes em geral — e, em particular, gente a quem é ligado por laços de amizade, de sangue ou tecidos em festas de casamento — o ministro Gilmar Mendes merece o epíteto que lhe foi conferido pelos companheiros do Supremo Tribunal Federal: O Libertador. É a versão brasileira da homenagem semântica que escolta o nome de Simon Bolívar, El Libertador.

Comandando tropas munidas de armas de fogo e espadas, El Libertador livrou do domínio espanhol um punhado de colônias sul-americanas. O Libertador só precisa acionar sua usina de habeas corpus para devolver o direito de ir e vir a colecionadores de pecados veniais, mortais ou irremissíveis. Estupradores compulsivos como Roger Abdelmassih, corruptos sem remédio como José Dirceu, meliantes de nascença como Antonio Palocci — eis aí três exemplos de que, para Gilmar, ninguém é tão culpado que não mereça seguir vivendo fora da gaiola.


Paradoxalmente, o ministro tão compassivo com figuras detestáveis, desprezíveis ou desavergonhadas é impaciente, irascível ou insolente com quem ousa violar o primeiro dos seus mandamentos particulares: discordar do que pensa ou diz o advogado autopromovido a Juiz dos Juízes é crime. Se praticado por um colega do STF, é crime hediondo, devidamente castigado com repreensões públicas, pitos formidáveis, ironias ferozes ou insultos que removem a fronteira que separa o plenário da mais alta Corte de uma rinha de briga de galo.

O menos tolerante dos 11 doutores venceu vários confrontos. Mas sofreu pelo menos três derrotas que figuram na antologia dos piores bate-bocas ocorridos no Supremo. Nesses tiroteios retóricos, sobraram para Mato Grosso estilhaços de balas endereçadas ao brigão de Diamantino. Foi assim em abril de 2009, quando Gilmar declarou-se acusado por Joaquim Barbosa, durante o debate em torno de um processo sem maior importância, de “sonegar informações” sobre o caso. Joaquim negou ter dito isso, mas a alma beligerante não sossegou. A temperatura só parou de subir quando o futuro relator do Mensalão perdeu a paciência.

“Vossa Excelência está destruindo a Justiça do nosso país!”, exclamou Joaquim. A réplica ensaiada por Gilmar estacou na continuação da contra-ofensiva: “Dirija-se a mim com respeito! Vossa Excelência não está falando com seus capangas de Mato Grosso!”. A pronta intervenção dos sensatos encerrou a sessão (e a troca de desaforos). Quando os trabalhos recomeçaram, nem Joaquim nem Gilmar acharam necessário esclarecer se existiam mesmo, e em caso afirmativo por onde andam, os misteriosos capangas de Mato Grosso.

O segundo revés ocorreu em 27 de outubro deste ano, quando algumas considerações de Roberto Barroso sobre a possível extinção do Tribunal de Contas do Ceará foram interrompidas pelo aparte debochado de Gilmar:

— A gente citar o Rio como exemplo…
— Vossa Excelência deve achar que é Mato Grosso… — devolveu o carioca Barroso. — Onde todo mundo está preso.
Era uma clara alusão ao aumento da população carcerária provocado por revelações feitas pelo ex-governador Silval Barbosa e pelo ex-deputado José Riva, até poucos anos atrás o ex-presidente perpétuo da Assembleia Legislativa.
— Ah, no Rio não estão? — replicou Gilmar.
— Aliás, nós prendemos. Tem gente que solta — golpeou Barroso, que em seguida levou o adversário às cordas com uma saraivada de consoantes e vogais. — Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade. E está fazendo um comício que nada tem a ver com a extinção do tribunal do Ceará.
A palavra comício não apareceu por acaso. Comício rima com candidato. E, como a maioria dos ministros, também Barroso está convencido de que Gilmar Mendes sonha com a captura do governo de Mato Grosso nas eleições de 2018. Decisões amparadas em conveniências políticas, como a absolvição de Aécio Neves, conversas noturnas e fora da agenda oficial com o presidente Michel Temer, acrobacias jurídicas concebidas para evitar a cassação da chapa Dilma Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral — para os colegas de Gilmar, todas essas estranhezas, somadas, confirmam que há uma candidatura em gestação.

Como ensinou a frase famosa atribuída a Garrincha, falta combinar com os russos — no caso, os responsáveis pelo cumprimento das legislação eleitoral e, sobretudo, os mato-grossense que votam. No universo dos brasileiros bem informados, o ministro é tão conhecido quanto hostilizado pelos amplamente majoritários defensores da Lava Jato. Nos grotões do país, ninguém sabe quem é Gilmar Mendes. Não lhe será difícil ampliar a taxa de conhecimento, mas quem sai do semianonimato não cai necessariamente nos braços do povo.

Saber quem é Gilmar, o que fez e o que provavelmente fará pode manter em níveis siberianos sua taxa de popularidade. Esse risco foi reiterado neste 7 de dezembro, quando se deu o terceiro duelo verbal, agora opondo o irrequieto mato-grossense ao também carioca Luiz Fux. Em busca de saídas para a distorção constitucional que concede a deputados investigados o direito de libertar deputados presos, Gilmar ressuscitou seu fla-flu obsessivo.

— Mato Grosso é um Estado progressista e o Rio de Janeiro está em falência — comparou.

— Um Estado progressista? — corrigiu Fux. — Sinceramente, desde que eu li a delação daquele governador Silval Barbosa…

Depois da leitura, Fux resumiu seu conteúdo com um adjetivo hiperbólico: aquilo é “monstruoso”. O ministro não é dado a superlativos. Mais: certamente imaginou, em algum momento da Lava Jato, que já vira o suficiente para não se surpreender com mais nada. Compreendeu que se enganara ao ver um monstruoso acervo de bandalheiras que os mato-grossenses, por enquanto, mal vislumbraram.

Até as aves do Pantanal sabem que Gilmar e Silval são amigos, e que é tarde para fingir que se conhecem só de vista. Se o ministro insistir na aventura política que passeia por sua cabeça, ambos estarão no mesmo barco. O naufrágio pode consumar-se antes do início da travessia.

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Buddhist Monks - U Bein's ancient teak bridge - Amarapura, Myanmar
 Amarapura (Myanmar)

Brincando de apartheid

Sérgio Cabral chegou para depor ao juiz Marcelo Bretas com uma biografia de Nelson Mandela nas mãos. Estratégia corretíssima. Está mais que provado que o Brasil ama delinquente fantasiado de coitado. Mandela morreu durante o julgamento do mensalão. Antes mesmo de ser enterrado já tinha virado alter ego de mensaleiro preso. Se ele aguentou a cadeia, nós também aguentaremos – bradava a bandidagem companheira. E assim surgiu uma dinastia de mandelas carnavalescos, que terá seu apogeu com a prisão de Lula.

Quando a Justiça deixar de fricote e puser o filho do Brasil na cadeia, se sucederá o espetáculo mais folclórico já visto na pátria do folclore. A Marquês de Sapucaí parecerá um corredor de escritório em dia de feriado perto do que se verá no país. Nada de revolta, insurreição ou multidões em polvorosa – porque o brasileiro é distraído, mas nem tanto. Vida normal. O que explodirá é o carnaval da lenda – um tsunami abstrato, simbólico, covarde, que já mobiliza um batalhão de defensores da ética de butique.

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Nesse conto de fadas altamente lucrativo para um pedação do Brasil (cada vez maior), Lula será o Mandela brasileiro – e poderá até ser esquecido na prisão, porque na realidade ninguém está nem aí para ele. As obras completas da ladroagem do messias foram esfregadas na cara do país, e a relação da população com a alma mais honesta virou uma espécie de síndrome do Papai Noel: há os que querem acreditar, os que fingem acreditar e os que querem que os outros acreditem. Lenda é lenda.

E assim como o bom velhinho natalino, a lenda do ex-­operário que enfrentou as elites movimenta um mercado gigantesco – no caso, de altruísmo contrabandeado e bondade de aluguel. É como um conto de Natal pornô: vai tudo muito bem, até que você é obrigado a tirar as crianças da sala quando o herói da pobreza fica milionário com o dinheiro do povo. Aumenta o som do “Jingle bell” (também serve algum hino canastrão da MPB) e segue o baile, que se fantasiar de progressista revolucionário está dando um vidão para muita gente. Viva o Lula. Dane-se o Lula.

A planilha da propina na Odebrecht revelou uma série de desembolsos para as reformas do sítio que não é do Lula, totalizando R$ 700 mil em menos de duas semanas – por uma coincidência atroz, exatamente as duas últimas do governo Lula. Sergio Moro já sabe das contas de propina abertas na Espanha pela Engevix para Lula e Dirceu. E por aí vai. Ou foi. São só duas novidades de uma epopeia caudalosa (o maior assalto governamental já perpetrado na história da democracia), mais do que suficiente para prender o grande líder por várias encarnações. Mas Luiz Inácio está soltinho da Silva – graças à lenda.

Ele, Dilma workalcoolic e grande elenco bandoleiro. Janot, que protegeu a gangue se fingindo de justiceiro, conspirou com o laranja bilionário do PT às sombras do STF e nem investigado é. Assim como o padre pedófilo, valeu-se da autoridade de guardião da virtude para montar a operação mais obscura envolvendo a Presidência da República desde a ruptura institucional dos militares. Um procurador blindado até hoje por essa mesma lenda progressista que lhe permitiu agir ao arrepio das instituições (leiam suas denúncias no original), exatamente como faziam as autoridades nos anos de chumbo.

E aí você dá de cara com a notícia de um aeroporto-fantasma em Moçambique, construído pela Odebrecht com dinheiro do BNDES – enfim, o mesmo DNA, a mesma tecnologia, o mesmo know-how de rapinagem que o governo do PT, apenas o governo do PT, como nunca antes do governo do PT alguém ousou fazer. Porque ninguém jamais teve a ditadura da lenda, a mágica de ser governo e coitado ao mesmo tempo. Um habeas corpus vitalício.

Essa praga de transformar qualquer disparate na internet em escândalo hediondo contra os direitos humanos e as minorias S.A. – uma histeria fashion que não ajuda em nada as causas verdadeiras – é a disputa por esse legado hipócrita. Lula irá em cana fingindo ler os ensinamentos do companheiro Mandela, e os mandelas de carnaval continuarão à solta cafetinando a boa-fé.

A não ser que a plateia passe a vaiar o teatrinho. E mostre ao Cabral que nem um Maracanã repleto de diamantes é tão fraudulento quanto brincar de apartheid.

STF custará R$ 2 milhões por dia em 2018

No centro de discussões importantes, como a decisão de sobre prisão em segunda instância, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem um orçamento de R$ 714,1 milhões previsto para o ano que vem. O montante representa um custo de quase R$ 2 milhões por dias para os cofres públicos.

A maior parcela dos recursos é destinada ao pagamento de pessoal: R$ 455,7 milhões estão previstos para despesas com pessoal e encargos sociais no ano que vem. Essa natureza de gastos destina-se à despesa com o pagamento pelo efetivo serviço exercido de cargo/emprego ou função no setor público, quer civil ou militar, ativo ou inativo, bem como as obrigações de responsabilidade do empregador.

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Nessa rubrica estão incluídos os salários dos ministros do STF. Dos 11 ministros da Corte, quatro ganham R$ 33.763,00, o teto do funcionalismo público. Os outros sete recebem o salário bruto de R$ 37.476,93, graças ao chamado "abono de permanência". Trata-se de uma quantia adicional (neste caso, de R$ 3.713,93) paga mensalmente aos servidores que já podem se aposentar, mas optam por permanecer em atividade.

As despesas correntes somam o orçamento de R$ 216,5 milhões em 2018. No valor estão inseridos gastos com a manutenção das atividades dos órgãos, cujos exemplos mais típicos são: material de consumo, material de distribuição gratuita, passagens e despesas de locomoção, serviços de terceiros, locação de mão de obra, arrendamento mercantil, auxílio alimentação etc.

Já os investimentos, que são as obras e equipamentos a serem realizados no ano que vem, somam a previsão de R$ 41,9 milhões.

Cabe ressaltar que os ministros do STF possuem cerca de 90 dias de recesso durante o ano. Só as férias coletivas dos 11 integrantes do tribunal somam 60 dias. No final do ano, os ministros param de trabalhar em 20 de dezembro em razão do recesso forense, segundo determina lei de 1966. Retornam apenas em 1º de fevereiro, após as férias coletivas. O calendário é próximo ao praticado por universidades e outras instituições de ensino.

Quanto custaram

Dia desses, lendo um jornal lá de Moçambique, deparei-me com uma interessante matéria: "Cada novo milionário custou pouco mais de 2.000 pobres". Curioso, decidi lê-la.

O texto, em resumo, trazia uma interessante manifestação do economista Nuno Castelo-Branco: "A forma particular como o processo de reorganização e expansão do capitalismo acontece em Moçambique é determinada pelo foco do processo político e econômico nas duas últimas décadas, que consiste em formar uma classe de capitalistas. Revistas especializadas, como a Forbes, mostram que Moçambique é um dos países africanos com uma taxa mais rápida de crescimento do grupo de milionários. Entre 2002 e 2014, o número de milionários moçambicanos duplicou, aumentando em um milhar, e o número de pobres aumentou em cerca de 2,1 milhões. Isto é, cada novo milionário custou pouco mais de 2.000 pobres".


Fiquei curioso. Qual seria, neste sinistro contexto, a realidade brasileira? Comecei pelo número de milionários: eles eram 162 mil em 2015, e, a despeito da crise econômica que se abateu sobre nosso país, passaram a ser 172 mil em 2016, conforme dados coletados pelo banco Crédit Suisse. Enquanto isso, o número de famílias em situação de pobreza extrema voltou a crescer: elas eram 8% em 2014, e passaram a ser 9,2% em 2015.

E o mundo? A quantas andaria o planeta? Alemanha, um passo à frente: "Julgando pela taxa de desigualdade, a Alemanha já pode se comparar com os países do chamado Terceiro Mundo. Por um lado, existem várias famílias com a renda de 30 bilhões de Euros, sendo que sua fortuna continua crescendo. Por outro, 20% da população não tem quase nada, enquanto 7% tem mais dívidas do que renda" (jornal "Sputnik").

Encontrei dados praticamente similares relativos ao restante da União Europeia e aos EUA, todos demonstrando um quadro absolutamente preocupante. Coroei minha pequena pesquisa com uma constatação da Oxfam, no sentido de que os níveis de desigualdade alcançaram um ponto tal que apenas oito bilionários possuem a mesma riqueza da metade mais pobre de toda a população do planeta.

Fiquei a recordar uma célebre frase de Max Nunes, que, malgrado relativa ao Brasil, aplica-se já a todo o planeta: "o Brasil precisa explorar com urgência a sua riqueza - porque a pobreza não aguenta mais ser explorada".

Pedro Valls Feu Rosa