quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A esperança é o único meio de salvação à disposição do humano

Apesar da situação medonha por que passa o país, sobretudo, o Estado do Rio de Janeiro, continuo insistindo no tema: a esperança é o único meio de salvação à disposição do ser humano. Ela é o contrário da depressão, e esta é a negação da vida. Não me refiro à esperança estática ou estéril, mas à que faz da ação sua rotina diária.

As eleições de 2018 estão aí bem a nossa frente. Elas poderão funcionar como remédio a nossa decadência moral. Nossas escolhas serão responsáveis pelo futuro de nosso país. Ele está (sempre esteve) em nossas mãos. É com as eleições, portanto, que, com urgência, devemos nos preocupar. Pouco importa que o caminho escolhido para alcançá-las não tenha sido o melhor. Agora, temos uma oportunidade de ouro a nossa disposição. Imperdível. Brevemente, o presidente Michel Temer não passará de uma lembrança ruim. A história não o perdoará.

Nosso país não é diferente nem um pouco do resto do mundo. Coisas até piores acontecem com frequência lá fora. Não difere nem mesmo do que diz respeito à falta de lideranças políticas. As de cá, com raríssimas exceções, não nos representam, mas sabem muito bem cuidar de seus próprios interesses. Nisso são mestres pós-graduados.

Quando me sinto extremamente revoltado com o que tenho assistido em todo o país, ao longo de minha já longa vida (era feliz e juro que não sabia...), e para conter uma nova investida da depressão, lembro-me da figura de Donald Trump – um governante capaz, sozinho, de incendiar o universo. Pergunto-me: como pôde o povo norte-americano, um povo tão poderoso, além de curtido no exercício do regime democrático, eleger alguém tão despreparado e arrogante?

Não somos, pois, exceção no mundo – uma verdade que, dependendo do modo que a encaremos, pode ser boa. Os maus tempos, como os bons, vêm e vão. Deixam-nos desgostos e saudades, mas também grandes lições. Nosso futuro depende da confiança que depositarmos em nossas instituições democráticas. Aí está o caminho.

Já vivemos, leitor, com certeza, situações piores. No governo Sarney, por exemplo, de trágica memória, a inflação alcançou 84% ao mês. Achávamos que o país, finalmente, havia sido tragado pelo abismo. Nenhum jovem de hoje tem condições de imaginar o sofrimento por que passaram os brasileiros nessa época. Só sabem avaliá-lo os que penaram e sentiram na carne o mal que a grande megera fez ao país.

Não temos mais a inflação como nossa primeira e grande inimiga. A guerra contra ela foi, enfim, vencida, e já faz alguns anos. Diria que, atualmente, os piores inimigos do regime democrático podem estar nas redes sociais. Lula e Bolsonaro, nos dois extremos, têm-se valido delas. Precisam manter-se vivos e ativos. Mas os dois nunca aparecem como verdadeiramente são. Usam-nas para enganar o povo com mentiras e meias-verdades. Não caiamos nessa canoa furada.

Sobre o ex-presidente Lula, o historiador e sociólogo Francis Fukuyama, professor de Stanford, em entrevista recente ao jornal “O Globo”, afirmou que “o Brasil precisa se tornar capaz de processar uma pessoa que, embora tenha beneficiado os pobres, violou as leis”. Sobre o ex-militar Bolsonaro, ressaltou que “ele parece ser um populista genuinamente perigoso. Seu histórico mostra que ele não defende a democracia e está usando esta oportunidade para tomar o poder”.

Qualquer dos dois nos levará ao pior dos abismos. Ambos representam o que se chama “utopia regressiva”. Uma tolice!

Gente fora do mapa

Steve MaCcurry

Morram, em nome de Deus

O senador capixaba Magno Malta (PR) age no Congresso com uma espécie de procuração de Deus. Pastor evangélico, em nome de Deus votou contra a criminalização da homofobia. Cantor gospel, em nome de Deus é a favor da flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Em nome de Deus, defende a chamada “escola sem partido” e o cerceamento da liberdade de expressão artística. Em nome de Deus, pretende impor regras mais rígidas à já rígida legislação sobre o aborto... Estranho Deus esse, o do senador Magno Malta...

Resultado de imagem para aborto em caso de estupro charge

Atualmente, o Estado permite o aborto, somente pelo SUS, nas primeiras doze semanas de gravidez, em casos de violência sexual comprovada, risco de morte da mulher ou anencefalia fetal. Em 2015, foram realizados pouco mais de 1.600 procedimentos de aborto legal — enquanto ocorreram, apenas no sistema público, cem vezes mais curetagens pós-aborto. Dados da Pesquisa Nacional do Aborto, realizada pela Anis - Instituto de Bioética e Universidade de Brasília, mostram que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez pelo menos um aborto.

As complicações ocorridas por procedimentos clandestinos — hipertensão, hemorragias ou infecções — causam uma média de quatro mortes por dia, e as internações, pelos mesmos motivos, chegam a 200 mil por ano. A quase totalidade das mortes atinge mulheres pobres, que recorrem a expedientes caseiros como remédios e chás abortivos ou perfuração do útero com objetos cortantes, ou a clínicas ilegais que realizam curetagens e aspiração intrauterina em péssimas condições de higiene.

Pela proposta do senador Magno Malta, que chama o aborto, sob qualquer circunstância, de “assassinato”, e afirma que só Deus tem poder e direito de tirar a vida, nem mesmo as mulheres que sofreram estupro, que correm risco de morte ou gestam um bebê sem cérebro, terão direito a aborto legal pelo SUS. A Proposta de Emenda Constitucional nº 29, que altera o artigo 5º da Constituição, explicitando que o direito à vida é inviolável “desde a concepção”, está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Ou seja, ao invés de ampliarmos o direito à informação, com aulas de educação sexual no sistema público de ensino, e garantir métodos contraceptivos mais seguros, como o Dispositivo Intra-Uterino (DIU) e implantes hormonais, ou mesmo a distribuição da chamada “pílula do dia seguinte”, preferimos fechar os olhos à tragédia que se abate sobre as mulheres brasileiras, sob a hipocrisia falaciosa de argumentos moralistas religiosos.

O curioso nisso tudo é que, sendo o Brasil um país essencialmente machista — temos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres —, a discussão sobre a legislação do aborto é travada por um Congresso maciçamente masculino — são 55 deputadas e 12 senadoras, que representam 11% da Câmara e 15% do Senado. Pior ainda: os principais defensores da total criminalização do aborto apegam-se a pontos de vista não de saúde pública, mas de leituras fundamentalistas, e, portanto, equivocadas da Bíblia.

Estudo realizado pelo Instituto Guttmacher e OMS concluíram que, nos países onde a prática é legal, as taxas de aborto caíram significativamente, já que foram acompanhadas por estratégias de planejamento familiar e acesso à saúde pública. Ao contrário, nos países onde a prática é considerada crime, não houve recuo no número de abortos — eles apenas se tornaram clandestinos. O estudo indica ainda que o aborto é um fenômeno tipicamente terceiro-mundista: 88% do total de abortos feitos no mundo ocorrem em países em desenvolvimento.

Passo a passo nos distanciamos dos ditames da civilização ocidental. Em nome de Deus — seria o caso de perguntar “qual Deus” — por ano condenamos à morte 343 homossexuais, 43 mil pessoas (a maioria homens, jovens e negros) são assassinadas por armas de fogo, 1.700 mulheres morrem em decorrência de complicações de aborto clandestino. Um Estado laico que, ao invés de proteger seus cidadãos, submete-se às chantagens de fundamentalistas com obscuros interesses, definitivamente não representa a coletividade.

Populismo na cadeia

É, meu filho, na Antiguidade as pessoas já diziam que a riqueza gera a arrogância e a arrogância, a insensatez
Tchinguiz Aitmátov, 'O navio branco"

Cenas explícitas de miséria que não deixarei de ver até morrer

Tenho um medidor particular da perene e obscena miséria brasileira: são os baixos de um viaduto na Avenida Rubem Berta, que salta o cruzamento com a avenida José Maria Whitaker. Moro por ali, na mesma casa, faz exatos 40 anos. Passar pela duas avenidas é caminho indispensável para praticamente todos os destinos.

A paisagem humana sob o viaduto acaba sendo uma cena explícita do fracasso de um país: há pelo menos 25 anos, farrapos humanos, sujos e andrajosos, amontoam-se nos baixos do viaduto (perdoe a dureza dos termos, mas a realidade é que dura, não a descrição dela).

No domingo, uma jovem, sentada na calçada, tentava equilibrar nas pernas um bebê, para poder trocar as fraldas. Mãe jovem e recém-nascido, mas já condenados, talvez pela eternidade, a serem “famélicos da terra”, que jamais se levantarão, ao contrário do que pede a “Internacional”, o hino que caiu em desuso.

A cena bastou para me convencer de que vou morrer antes de que esse peculiar pátio dos milagres desapareça. Afinal, já passaram pelo governo, nesses 25 anos de exposição cotidiana da miséria, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff/Michel Temer. Ou praticamente todas as principais cores do arco-iris político. Ia dizer político-ideológico, mas será que esse pessoal tem mesmo alguma ideologia ou é apenas uma questão de ocupação do poder?


Depois desses governos todos, o sítio oficial do Ministério de Desenvolvimento Social (ainda no governo Dilma) informava que o Brasil contava, em janeiro de 2015, com 73.327.179 pessoas pobres — o que dá cerca de 36% de sua população total.

O número aparecia no Cadastro Único para Programas Sociais, que “reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda — aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa”.

Famílias de baixa renda é um piedoso eufemismo para pobres ou, até, para miseráveis, conforme se pode ver quando se separam os cadastrados por faixa de rendimento: de R$ 0 até R$ 77,00 – 38.919.660 pessoas; de R$ 77,01 até R$ 154,00 – 14.852.534 pessoas; e de R$ 154,01 até meio salário mínimo –19.554.985.

O total é um estoque infernal de miséria e pobreza. Pode até haver mais, porque o cadastro inclui 7,8 milhões de pessoas que ganham mais que meio salário mínimo. Mas não especifica quanto mais.

É natural, portanto, que um presidente após o outro, farrapos humanos continuassem sob o viaduto. Às vezes, há menos gente, às vezes mais, na dependência da conjuntura econômica.

Eu disse natural? Não, não deveria ser natural. Deveria ser causa de uma indignação coletiva, um urro nacional para pôr fim à chaga aberta na pele da sociedade. Nunca foi. Naturalizou-se a miséria, como tantas outras desgraças da pátria.

Algum prefeito, não me lembro qual, até que tentou solucionar o, digamos, problema. Não, ingênuo leitor, não providenciou abrigo digno para os deserdados da fortuna nem montou um programa que lhes permitisse sair da miséria. Apenas colocou grades junto ao canteiro em que se assentam as colunas do viaduto.

Tirou, portanto, o precário encosto dos miseráveis. Eles mudaram de calçada, e a vida continuou, os carros continuaram passando ao lado dessas criaturas, invisíveis para todos nós. Vê-las nos acusaria a todos de um tremendo fracasso civilizatório.

Mau presságio

A medirem-se as chances de a reforma da Previdência ser aprovada pelo número de deputados que atenderam ontem à noite ao convite do presidente Michel Temer para jantar no Palácio da Alvorada, adeus reforma. Sequer será posta em votação.

Temer havia convidado o que chama de base aliada do governo. Seus porta-vozes formais e informais adiantaram que o jantar deveria reunir cerca de 300 deputados. Ao fim do regabofe, alguns deles estimaram que pelo menos 200 marcaram presença.

Conversa mole. Deputados saíram de lá dizendo que não havia mais de 170 num cálculo otimista. Aliado de Temer, o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), não foi. “Iria para quê? Não votarei a favor da reforma”, disse ele a este blog.

Ramalho admite que a reforma é necessária, mas que não será “louco” de ajudar a aprová-la a menos de um ano das próximas eleições”. E garante: “Esse é o sentimento predominante na Câmara hoje. Ninguém, ali, concorda em se suicidar. O povo é contra”.

Para aprovar a reforma na Câmara, o governo precisará de um mínimo de 308 votos de um total de 513. “Se ele tiver 150, 180 votos, que comemore”, aconselha Ramalho. O relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), não discorda de Ramalho.

“Nada está garantido. Quem dará a palavra final é o plenário da Câmara. Não sou eu que vou garantir a aprovação”, ditou Maia depois do jantar. Se a reforma não for votada na Câmara até o próximo dia 15, Maia acha que ela ficará para o próximo governo.

Temer está fazendo o que lhe cabe fazer. Imagina que se a reforma não passar a culpa não será sua. Mas será dele também. Foi Temer que enfraqueceu Temer por tornar-se alvo de duas denúncias de corrupção.