segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A proclamação da vadiagem

Só no Brasil um feriado na quarta-feira, a Proclamação da República, enseja o enforcamento de dois dias úteis, quinta-feira e sexta-feira, numa vadiagem emendada com o feriado de segunda-feira, o Dia da Consciência Negra, e muito sol, calor, feijoada, churrasco e caipirinha, para só voltar a trabalhar na terça-feira, como se navegássemos numa economia abundante, com alta produtividade e pleno emprego.

Temos feriados para todo gosto, de nacionais a municipais, datas comemorativas, homenagens a minorias e categorias, carnavais oficiais e facultativos, revoluções, celebrações religiosas, tudo para endeusar o ócio. Neste ano, “emendamos” nove feriados. Em 2018, serão dez. A classe que mais folga é, claro, a classe política, que também desfruta os recessos. Quando não estão em férias, os senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento, o contribuinte e o cidadão comum.

Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB. 


A enorme pressão popular para que a decisão da Justiça seja respeitada não sensibiliza, porém, quem já vive em águas turvas. São aliados e afilhados da turma que asfixiou o Rio sem pena nas últimas décadas. O governador Pezão é um exemplo dessa lealdade canina: fez tudo nos últimos dias para empossar Edson Albertassi no Tribunal de Contas do Estado, até demitiu seu procurador-geral, que era contra a nomeação. E agora, Pezão?

O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões.

Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?

Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral, no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.

O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade [no Rio de Janeiro]. Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.

Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos. Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.

Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”.

Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra.

O caminho do governo e o pó da estrada

A depender do entendimento de política, pode-se aceitar como um determinado tipo de política os caminhos que o governo Temer tem percorrido. Seus cúmplices, apoiadores e torcedores traçam uma rodovia para chegar a 2018; ok, há alguma estratégia. Mas omitem todo o pó da estrada que o país ainda terá que engolir para fazer sua travessia para além da eleição.

O presidente é fraco e impopular; não tem carisma, é omisso e comete erros primários. Todavia, o grupo que o rodeia — o PMDB, o Centrão e parte do PSDB —, mais que vivo, se articula; calibra bússolas e define sua direção com vistas ao próprio futuro. Mesmo desgastado, opera o cenário de 2018: não quer ser o José Sarney, de 1989.

Conta com a possibilidade de apresentar um candidato que o represente, sendo competitivo; vencendo ou não a disputa, mas com relevância no jogo de composição da eleição de dois turnos. Para, ao final, dar abrigo aos principais personagens da atual coligação, protegendo-os de riscos jurídicos ainda tangíveis e visíveis no horizonte.

É desse modo que aposta na recuperação econômica: bate o bumbo, com as expectativas de crescimento significativo no ano eleitoral; diz-se o mais reformista da história, ressalta a economia e esconda a política. Ainda assim, com efeito, é preciso reconhecer que, somadas, pequenas alterações já aprovadas implicam em transformação importante para o ambiente de negócios.

Houve, sim, iniciativas que já incentivam alguma confiança econômica ou pelo menos descomplicam o emaranhado legal para investimentos no país. E mesmo uma pequena reforma da Previdência, seja no valor e ao custo que for, terá sentido simbólico para o governo capitalizar apoios e mostrar que ainda pulsa. Mesmo que mantenha intacta e se valha de estruturas velhas e carcomidas do sistema político.
***

Analistas econômicos independentes projetam crescimento do Produto Interno em torno de 3,5%, em 2018. Não é certeza, mas será significativo, sobretudo, comparado aos últimos anos. E não haveria governo que alardeasse isto. Numa palestra, ouvi do ministro da Fazenda, como só poderia ser, uma análise positiva do processo.

Ainda assim, Henrique Meirelles deixou escapar que grande parte do crescimento contratado se dará em função da capacidade ociosa, já instalada, da economia, além de incentivos ao consumo. A conclusão é minha: não se pode falar em aumento de produtividade ou da remoção de gargalos estruturais que dariam longevidade de voo, para além do salto da galinha — uma quimera hoje, diante da resignação geral.

O processo é de recuperação e é razoável minimizar seus efeitos políticos. A melhora será sentida, mas, sem ilusões, ficará distante do bem-estar percebido em anos recentes, como 2010. Não se pode imaginar o desemprego despencando. E, quando se sabe que no último ano o número de motoristas no Uber saltou de 50 mil para mais de 500 mil, compreende-se a precarização que ronda a tal retomada. O sujeito sai da estatística, mas a vida continua dura. Há sinais de melhora, mas nada para o eleitor sair às ruas comemorando o Plano Real ou o Plano Cruzado.

Imagino que o país haveria de engolir muito pó de estrada para voltar à euforia de 2010 — se é que voltará um dia. A sustentabilidade política do crescimento não foi discutida lá e tampouco é aqui. Não se admite que a mentalidade e os métodos de condução do processo estão esgotados. Sua preservação e renovação, pelo caminho governista, tende a resultar em pouco avanço; mesmo na economia. Mudanças estruturais, mais profundas, no entanto, ainda são imprescindíveis.

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O bloco governista conta com a melhora do cenário econômico como a única bala na agulha. Despreza — ou prefere esconder — questões fundamentais no campo da política: a ética, a funcionalidade de um sistema exclusivamente fisiológico; um país desconcertado, dividido em agrupamentos indispostos ao diálogo, a crise das políticas públicas, principalmente na Segurança dos centros urbanos; o potencial de caos político e social. Não leva em conta esse caldeirão.

Os limitados caminhos do governismo parecem pouco para estabelecer paz e previsibilidade de longo prazo. Mesmo na oposição não se fala do pó da estrada que o país há de engolir. Os atalhos resolvem — ou simplesmente adiam — questões que afligem o próprio sistema; ainda que mitiguem, circunstancialmente, efeitos da crise econômica. O desconcerto geral ainda está no caminho; nada é mais urgente que o pó da estrada.

(Para Sá, Rodrix & Guarabira, que fizeram uma linda canção sobre ''O Pó da Estrada'').

Carlos Melo

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janetmillslove:  Oregon ✿⊱╮ moment love                                                                                                                                                     Mais
Oregon (EUA)

Com brasileiro não há quem possa

Compreensível que poucos cariocas tenham cercado o prédio da Assembleia Legislativa do Rio para protestar contra o que ali ocorria na tarde da última sexta-feira – uma sessão convocada às pressas com o único propósito de libertar os deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB, presos e acusados de receber milionárias propinas. Perderam um espetáculo e tanto de sordidez.

É bem verdade que sexta-feira foi dia imprensado entre o feriado da Proclamação da República e o sábado da preguiça para quem pode. A temperatura bateu os 35 graus. Deu praia.

A três meses da folia, as escolas de samba costumam promover ensaios técnicos. É tempo de trabalho insano nos barracões, de tirarem-se medidas para as fantasias e de fazer-se provas de roupas incompletas. 

De resto, multidão alguma reescreveria o que se sabia escrito desde que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão unânime, mandou Picianni, Melo e Albertassi para o xilindró. 

Estava escrito que a prisão seria revogada porque na Assembleia mandam eles. Estava escrito também porque a Lei Cármen Lúcia diz que político só fica preso se seus colegas quiserem.

Estranha, pois, a reação do ministro Marco Aurélio Mello. Ele disse ter visto com “perplexidade” a decisão da Assembleia Legislativa do Rio.

Mas foi dele o quinto voto na sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) rendeu-se ao Congresso no caso de prisão de parlamentar e de suspensão de mandato. O ministro Celso de Melo empatou a votação. Cármen Lúcia desempatou.

O que valeu para devolver o mandato ao senador Aécio Neves, e livrá-lo do recolhimento obrigatório noturno, passou a valer para qualquer parlamentar. Meliante federal é igual à meliante estadual.

A não ser que os portadores das togas mais ilustres da República mudem de opinião outra vez. Parecem prontos a fazê-lo no caso de prisão em segunda instância. Lula agradece.


Quem sabe não darão depois o dito pelo não dito no caso da homologação de acordos de delação premiada? Por ora, segundo entendimento da maioria deles, cabe ao Ministério Público acertar a pena e as restrições de direitos com os delatores.

Mas Ricardo Lewandowisk, voto derrotado na ocasião, recusou-se a homologar um acordo. O STF virou Casa de Mãe Joana. Ou de Mãe Cármen.

Para que serve uma Justiça que não se faz respeitar? Diante de nossos olhos, e graças à nossa passividade, a Lava Jato (leia-se: o combate à corrupção) vem sendo liquidada à prestação.

Antes com um pouco de vergonha ou de medo da parte dos interessados. De uns tempos para cá, vencidos o medo e a vergonha, com a desfaçatez dos temerários.

O novo diretor da Polícia Federal, nomeado por indicação do PMDB de José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá, antecipou o desejo de concluir até o início do processo eleitoral todas as investigações que envolvam políticos. 

Pode ser bom ou mau. Uma vez que a Lava Jato respira por meio de aparelhos, a pressa servirá fatalmente para salvar quem não deveria ser salvo.

Sem estresse, porém. Sigamos protestando nas redes sociais. É mais seguro e confortável. Não atrapalha o lazer.

O fim do ano dos fogos de artifício está às portas. Depois, ziriguidum, oi!, que ninguém é de ferro. Em seguida, a Copa (“A taça do mundo é nossa, com o brasileiro...”).

Por fim, o ansiado reencontro com as urnas. Com o caldeirão das caras de sempre, e com as falsas novas caras.
Ricardo Noblat

Escorpiões na política

              I
Na Câmara dos Deputados,
Dentro e fora dos salões,
No plenário principal
E também nas comissões,
A coisa que mais se vê
são levas de escorpiões.

               II
Tem escorpião laranja,
preto, branco e avermelhado,
À direita e à esquerda,
No centro, acima e de lado,
Se brincar o ferrão come
Nas costas do condenado .

              III

Há horas que eles se juntam
Pra combinar o malfeito,
Fazem uma maloca no canto,
O escorpião prefeito
Fala para o deputado:
- A emenda tá no jeito!

             IV
Ia passando uma jornalista,
Com o rosto puro carmim,
O escorpião subiu
E ficou dizendo assim:
- Pico essa devagar
Que ela fala bem de mim.

             V
Tinha escorpião bem velho,
Comandando um bloco novo,
Propôs que se disfarçassem
(Nova casca e velho ovo),
Que é para no próximo ano
Lascar os quibas do povo!

Casa legislativas viraram tribunais de exceção

Ao livrar da cadeia três parlamentares soterrados por evidências de corrupção, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro consolida um fenômeno ruinoso. Está entendido que o Congresso Nacional e os legislativos estaduais tornaram-se tribunais de exceção.

Elaborada nas pegadas da queda da ditadura militar, a Constituição de 88 cercou os parlamentares de imunidades que pretegiam o exercício do mandato. Os autores do texto constitucional não poderiam supor que o antídoto da imunidade viraria no futuro o veneno da impunidade. O Supremo Tribunal Federal poderia colocar ordem na gafieira. Mas preferiu atravessar o samba ao omitir-se no caso de Aécio Neves. Uma maioria de cúmplices e de compadres devolveu ao senador tucano o mandato e a liberdade noturna que a 1ª Turma da Suprema Corte havia cerceado.


Estabeleceu-se a partir de Brasília uma atmosfera de vale-tudo que anula o movimento benfazejo inaugurado pela Lava Jato. Tinha-se a impressão de que o Brasil ingressara numa nova fase —uma etapa em que todos estariam submetidos às leis. Devagarinho, o país foi retomando a rotina de desfaçatez. Brasileiros com mandato continuam se comportando como se não devessem nada a ninguém, muito menos explicações.

Congelaram-se as investigações contra Michel Temer. Enfiaram-se no freezer também as denúncias contra os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha. Enquanto Curitiba e Rio de Janeiro produzem condenações em escala industrial, a Suprema Corte não sentenciou um mísero réu da Lava Jato. Em vez disso, preferiu servir refresco a Aécio Neves, instalando nas Assembleias Legislativas um clima de liberou-geral que resulta em absurdos como o que se verifica no Rio.

Transformados em tribunais de exceção, os legislativos conspurcam a democracia. Neles, políticos desonestos livram-se de imputações criminais não pelo peso dos seus argumentos, mas pela força do corporativismo. Simultaneamente, a sociedade é condenada ao convívio perpétuo com a desonestidade impune. Fica-se com a impressão de que a turma do estancamento da sangria está muito perto de prevalecer.

Paisagem brasileira

Andorinha, Guttman Bicho

Coisa de preto

Nesta segunda-feira, será comemorado o Dia da Consciência Negra. A data foi criada para lembrar a luta contra a escravidão e a desigualdade que ainda separa brancos e negros no Brasil. Quem pensa que este debate é desnecessário deveria dedicar alguns minutos do feriado à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE.

A nova versão do levantamento informa que pretos e pardos somam 63,7% dos desempregados. Isso equivale a um exército de 8,3 milhões entre os 13 milhões de brasileiros que procuram trabalho. Apesar da leve melhora da economia, a taxa de desemprego de pretos e pardos ainda alcança 14,6%. É um índice muito superior ao registrado entre trabalhadores brancos: 9,9%. A média nacional está em 12,4%.

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As diferenças também persistem entre a população ocupada. De acordo com os números da PNAD Contínua, pretos e pardos ganham menos, ocupam vagas piores e têm menos estabilidade no emprego.

O rendimento médio desses brasileiros é de R$ 1.531, enquanto o dos brancos chega a R$ 2.757. Pretos e pardos somam 66% dos trabalhadores domésticos e 66,7% dos vendedores ambulantes, mas representam apenas 33% dos empregadores.
Em setembro, a Oxfam Brasil informou que o país ainda levaria sete décadas para equiparar o rendimento dos negros ao dos brancos. Segundo o estudo, os dois grupos só devem se igualar em 2089 – mais de dois séculos depois da Lei Áurea. Agora a projeção parece ter sido muito otimista. De acordo com a PNAD, a desigualdade voltou a crescer nos últimos 12 meses.

Na semana passada, o Brasil debateu o caso do apresentador de TV que foi afastado após se referir a um buzinaço como “coisa de preto”. O episódio mostrou que discutir o racismo ainda é importante e necessário. A pesquisa do IBGE nos lembra que também precisamos cobrar políticas públicas para combater a discriminação e tornar o país menos desigual.

Objetos perdidos

Babushka – Russiapedia Of Russian origin
O século XX, que nasceu anunciando paz e justiça, morreu banhado em sangue e deixou o mundo muito mais injusto que o que habia encontrado.

O século XXI, que também nasceu anunciando a paz e justiça, está seguindo os passos do século anterior.

Lá na minha infância, eu estava convencido de que tudo o que na terra se perdia ia parar na lua.

No entanto, os astronautas não encontraram sinhôs perigosos, nem promessas traídas, nem esperanças rotas.

Se não estão na lua, onde estão?

Será que na terra não se perderam?

Será que na terra se esconderam?

Eduardo Galeano

O infeliz Dia dos Pobres

Lee Jeffries
Comemorou-se neste domingo, 19 de novembro, o infeliz Dia Internacional dos Pobres.Há um ano,no encerramento do Jubileu da Misericórdia, o Papa Francisco instituiu a data como forma de motivar a Igreja para combater a indiferença das pessoas diante das desigualdades do mundo e dos sofrimentos dos mais pobres.Ironicamente, na mesma semana o quadro “Salvador Mundi”,retratando o Cristo com um globo de cristal na mão,atribuído a Leonardo da Vinci, foi arrematado por 380 milhões de euros na casa leilões Christie’s.

Poucos dias antes,um menino de oito anos desmaiou com fome numa escola pública de Brasília, próxima ao Congresso,onde a maioria dos seus ocupantes locupletou-se dos recursos públicos que poderiam evitar essa situação escandalosa.Podemos fingir que não vemos,ou que não reparamos,mas é impossível não ver e denunciar os dois chocantes acontecimentos , revelando que a concentração de riquezas tornou o mundo um local onde os valores humanos fundamentais foram depreciados e predomina o dinheiro,venha de onde vier.

Ao lado do Parlamento,crianças da periferia de Brasília são obrigadas a viajar quilômetros com a barriga vazia para freqüentar precárias escolas públicas.O que não é prerrogativa do Distrito Federal,pois comum em todo o país.Ironicamente,nenhum parlamentar ou dirigente político se deslocou até ao local para ver o que se passava.Foi uma modesta professora, Ana Carolina Costa, com seu minguado salário e dos demais membros da escola ,que organizou uma vaquinha para comprar uma cesta básica para a família da criança,com mais três irmãos esfomeados.

É impossível não se perguntar para que alguém necessita ter um quadro desse valor,ou milhões e milhões de dólares à disposição.A mais simples explicação aponta para o desejo e não para a necessidade.Muitos acreditam que a necessidade é a mãe do crime.Contudo,com poucas exceções,o crime decorre mais do desejo do reconhecimento,da acumulação ,da vaidade, da ganância e da posse de bens materiais que não são necessários para a sobrevivência humana.

Pode ser chover no molhado, mas não custa insistir que as fortunas devem ser divididas para investimento na educação,na cultura e na formação profissional dos mais carentes.Talvez isso tornasse os acumuladores pessoas melhores.Terá sido por essa razão que Bill Gates deixou a presidência da sua bilionária empresa capitalista para se dedicar à filantropia?Quem sabe isso dá mais sentido à sua vida e o torna uma pessoa mais paz na sua relação com o mundo que tanto lhe deu,mas poucos acreditam ou querem imitá-lo.

O governo e as elites brasileiras assistem de braços cruzados ao estado de pobreza em que se encontra a maioria da sua população.A coisa pública está entregue a um bando de ladrões formado por dirigentes políticos e parlamentares para enriquecer cada vez mais.Não existe nenhuma preocupação em garantir um mínimo de justiça e equidade na sociedade,com a adoção de regras que possam abranger todos os cidadãos,sem exceção.E sem elas,não pode haver confiança na classe dirigentes, respeito pelos outros e espírito de colaboração que permitam a coexistência democrática capaz de promover o bem-estar de todos.

Gente fora do mapa

Os inseparáveis poderes

As denúncias contra o presidente Picciani são por atos continuados. Atos que vêm sendo cometidos há muito tempo. As denúncias contra Cabral também. São por atos de muito tempo. Há muito tempo é a inação do Tribunal de Contas do Estado. Igual muito tempo são as denúncias que não vieram do Ministério Público Estadual. E por aí vamos.

No Rio, o tempo tem sido o senhor dos silêncios. Continua, com a decisão da Alerj.

Carlos Drummond tudo explica em sua poesia: “João amava Tereza que amava Raymundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém e ... casou com João Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.

Ou seja, o governador amava a cúpula da Alerj, que amava o governador, ambos amavam um Ministério Público Estadual necessário mas inerte, e um Tribunal de Justiça preocupado com aumentos salariais. Todos amavam o Tribunal de Contas do Estado, que por si próprio inexistia.

Apareceram então Lava-Jato, Ministério Publico Federal e Justiça Federal que não tinham entrado na história. E não amavam nenhum.


Quando os poderes e órgãos de controle do estado são dominados por um mesmo grupo de interesses, inexiste separação de poderes. Ou estado democrático de direito.

O regime de 1964, por exemplo, resultou de um pacto entre os militares, grandes empresas, setores dos trabalhadores industrializados, que passaram a controlar os três poderes. Acabaram com a democracia.

Poderes constitucionais podem ser formalmente separados, e politicamente inseparáveis. É o que aconteceu e acontece no Rio de Janeiro.

Quem apenas escuta a forma, não vê o batimento do coração.

No Rio, impera ainda o pacto de há muito tempo entre os três poderes do estado, órgãos de controle, empresas fantasmas, grandes empreiteiras, joalherias.

A meta foi o controle do tesouro e cargos do governo. O cimento foi, no setor privado, a substituição da competição empresarial pelo ineficiente compadrio capitalista. A fraude nas licitações.

No setor público, aumentos salarias, adicionais ilegais, cargos desnecessários expandindo as corporações do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

Este pacto esconde o pior. Ele resultou, direta ou indiretamente, do voto do eleitor. Será que assim continua em 2018?

O eleitor será apenas o observador da decadência do Rio? Ou seu agente de transformação moral, indispensável para recuperar sua competitividade econômica?

A propósito. O nome da poesia de Drummond é: Quadrilha.

O lugar do caos

A cada fato novo, segue-se uma situação tumultuosa, confrontos, confusão de conceitos, trombadas e agressões às regras vigentes. Quem ainda se importa com esse estado de coisas transita entre a perplexidade e o desalento, indagando aqui e ali, indagando-se, sempre em vão. Quem nunca se importou, ou cansou de se importar, com a apatia dá a mais eficaz contribuição para a continuidade, senão o aumento, do país desgarrado. E não está menos inquieto do que aqueles outros, porque seus olhos e seus ouvidos não estão imunes ao que se passa, no transtorno inquietante e indiscriminado.

Uma decisão do Supremo desprovida de coragem e de reflexão, por exemplo, dá um novo poder ao Senado, com a preservação imprópria da presença de um senador que, assim rearmado, cria uma crise no seu grande partido, racha-o, e abala a composição do governo. Acaba aí? Não. Nem é certo que venha a ter fim em tempo previsível.


 A decisão insatisfatória do Supremo permite, ou requer, a extensão judicial do que deu a Aécio Neves: políticos do Rio presos e acusados de corrupção são libertados pela Assembleia fluminense, em imitação ao decidido no Senado. Desponta novo braço da crise, entre Assembleia, Judiciário fluminense, partidos e o Supremo. Um círculo perfeito.

O governo faz das “reformas” um meio de picaretear apoio de “quem tem dinheiro”, como diz a crueza do neoliberal Gustavo Franco, para o Michel Temer de 3% de aceitação pública, recordista planetário negativo. A legislação do trabalho, nos seus 77 anos, tem o que ser melhorado, para patrões e empregados. Mas o governo amontoa alterações a granel, com a parcialidade esperável, e manda ao Congresso, que apenas remexe a salada.

Ninguém sabe como aplicar aquilo: a inquietação está nos beneficiados e nos prejudicados. O governo emite medida provisória com as correções mais prementes. Piorou: houve troca de erros por erros. Os assalariados continuam sem saber como e quanto perdem, os empregadores sem saber usar seus novos meios de ganhos. E como a população ativa compõe-se dos dois segmentos, a “reforma” é uma imensa perturbação. A idiotia do governo não relaxa.

Há mais de três anos discute-se a delação premiada. Seu uso descriterioso, em numerosos casos, deu ao pagador da extorsão ou do suborno sentença muito mais pesada que a do recebedor, o qual, ainda por cima, deliberou provocar o desvio de centenas de milhões, ou bilhões mesmo, da Petrobras e de outros cofres da riqueza pública.

Os prêmios fixados por procuradores da Lava Jato foram avalizados pelos dois relatores do Supremo, sem dificuldades, até que a imunidade judicial dada aos bilionários Joesley e Wesley Batista causou escândalo. A Procuradoria-Geral da República, ao tempo de Rodrigo Janot, e os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin e Cármen Lúcia, pelo Supremo, deram à lei da delação frequente flexibilidade.

O ministro Ricardo Lewandowski negou-a, relatando agora o acordo de delação do marqueteiro Renato Pereira, do grupo de Sérgio Cabral. Devolveu-o à Procuradoria-Geral, por nele encontrar desacordos com a legislação. É o papel que a lei da delação lhe atribui. O acordo, a despeito das trapaças financeiras que o motivam, concede ao “sentenciado” até o direito de viajar quando quiser. A restrição é só dormir casa durante um ano – se não estiver em viagem.
A devolução do acordo não impede a delação nem prejudica o inquérito, apenas exigindo a correção. Apesar disso, Rodrigo Janot, que encaminhou o acordo, lança suspeita sobre a atitude de Lewandowski:

“Será que as investigações foram para rumos indesejáveis?”. Maldade por maldade, há outra pergunta possível: será que Rodrigo Janot, com sua generosidade de premiador, queria combater ou mostrar que a corrupção vale a pena? Por hora, com o desastre para o país e os prêmios a quem o prejudicou, a melhor resposta é a pior das duas.

Bleque Fraidei

Liquidação! Liquida tudo. Que negocinho chato e intrometido. O que era para ser um dia, na tal sexta fraidei, virou bleque semana, mês e já já teremos o Bleque 2018, que estará mais para Blague 2018, se for mantida essa atual lista de candidatos. Vão liquidar as nossas esperanças em parcelas com juros e juras de mudança.

A cada dia que abrimos a janela para o mundo das informações damos de cara com um espanto. Seja a aparição de um candidato novo – e todos os tipos mais estranhos essa hora aparecem, como o tal Dr. Rey, o melhor exemplo. Na plataforma que o indivíduo do bisturi apresenta vem a promessa de trazer de volta a nossa “sensualidade” e “levantar o Brasil da miséria”, o “free market society”, fazer o Hino Nacional ser tocado todas as manhãs com todos levantando e colocando a mão direita no lado esquerdo do peito.

Ninguém merece. Nós não merecemos. E ele vai ganhando o espaço para as suas bobagens e clínicas que espalha por aí.

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No meio da enxurrada de ofertas estapafúrdias que vêm nos soterrando há dias por todos os meios, enchendo todas as caixas postais e nossa paciência, surgem ainda as pesquisas. Pesquisas para saber o que achamos ou não da tal sexta-feira que, essa sim, podia e devia cair em algum dia 13, porque é azar danado acreditar nos tais descontos miraculosos.

Tão miraculosos como são as promessas – algumas quase ameaças para quem tem o espírito livre e deseja um país – que jorram da mente dos que tem aparecido na frente em pesquisas siderais para a Blague 2018. Um carcomido e bravateiro líder ex-operário-trabalhador faz muito tempo e um ex-militar, político de quinta categoria, metido a ditador que quer endurecer tudo, sem ternura, e sem prazer. Dois primeiros de arrepiar, seguidos por outros rojões … Só falta inventarem algum bicho como os tais cavalinhos horrorosos e chatos do futebol, que ficarão correndo no programa de domingo na tevê com suas lamentáveis vozinhas. Sugestões?

Senhor! É como se brincássemos alegremente em um campo tão sério, a forma como vêm sendo levadas as coisas em torno das eleições daqui a menos de um ano. Ano que pode passar rápido ou continuar se arrastando na lama.

Com ofertas de nomes liquidados como na tal invenção importada para vender mais agora perto do Natal, são postos no mercado de apresentadores de tevê a políticos alguns que, se a gente perguntar rápido em qual partido estão, capaz deles errarem tanto que trocaram, tão “firmes” são em suas ideias; os de sempre a musas amazônicas que só saem da toca para pedir voto como aqueles seres da floresta que ninguém vê na hora que mais precisa; de boquirrotos literais cheios de frases feitas ditas com forte sotaque a desconhecidos do grande público e do pequeno também. As novidades até surgem, mas como gordura para ocupar os tracejados, prontos a se jogarem em qualquer panela velha que os convide quando chegar mais perto a hora da fervura.

Toma bleque fraidei pela frente, usado por quem pode.

Quem não pode se sacode. E ficará só aguardando as notícias sobre fraudes e descontos imaginários, entregas não realizadas, protestos, reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

Mas na Blague 2018, marcada para o dia 7 de outubro, com segunda chamada dia 28 de outubro todos, obrigatoriamente, terão de participar e comprar um pacote que incluirá presidente, governador, deputados.

Teremos para quem reclamar depois?