quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Criminalidade e democracia

O que leva o ser humano ao crime é uma questão controvertida, mas a da segurança pública é bem mais objetiva. Nós com 29,5, eles com 4,2 assassinatos por 100 mil habitantes, apesar de todas aquelas armas, as idas e vindas dos Estados Unidos no tratamento desse problema podem ter algum valor didático.

Na esteira da luta pelos direitos civis nos anos 50 e 60 a Suprema Corte, refletindo a “narrativa” política dominante na época, aprovou medidas para reforçar os direitos dos condenados. Sendo o crime “consequência da má distribuição de renda” e a política penal “enviesada por preconceitos de classe e raça”, era hora de o sistema se voltar precipuamente para a reabilitação das “vítimas da sociedade”.

A nova orientação resultou num declínio acentuado da população carcerária, mas a partir do meio da década as taxas de crimes violentos (incluem mais que assassinatos) começaram a subir. Foram de 200,2 por 100 mil em 1965 para 363,5 no fim da década e 487,8 por 100 mil em 1975.

O movimento pelos direitos das vítimas do crime decolou junto com o de libertação feminina, que denunciava as Cortes por culparem as vítimas nos crimes de estupro. Mas muito mais gente se sentiu embarcada nessa inversão. Surgiam associações por todos os lados exigindo o fim do prende e solta do Judiciário. Os “Pais de Crianças Assassinadas”, as “Mães Contra a Direção Alcoolizada”, a “Organização Nacional de Assistência às Vítimas do Crime” (NOVA)...

No mesmo 1975, Robert Martinson, do New York City College, publicou a primeira pesquisa nacional séria de resultados de programas de reabilitação. Eram praticamente nulos. Os fatos diziam que era impossível prever racionalmente a periculosidade futura de alguém pelo seu comportamento na prisão e que a reincidência era praticamente a norma para os criminosos que tinham tido penas encurtadas. Àquela altura, com todos os mecanismos de redução e de “penas alternativas” os condenados estavam cumprindo apenas 37% de suas sentenças na média nacional. O movimento focou, então, no conceito de “Veracidade das Sentenças”. Tanto para dar satisfação às vítimas quanto para desincentivar o crime, dizia-se, era necessário deter o prende e solta e o faz de conta do Judiciário e fazer com que as sentenças expressassem as penas que de fato seriam cumpridas.

Mas a execução foi mais difícil que a formulação da ideia. A discussão arrastava-se ainda quando em 1981, com Reagan presidente, os instrumentos de democracia semidireta, que andavam meio esquecidos, voltaram triunfalmente à cena com a revolta nacional contra impostos iniciada pela Proposition n.º 13 (dê um google que o caso é ótimo), uma lei de iniciativa popular contra um aumento abusivo do imposto sobre propriedade (IPTU) na Califórnia. Rapidamente o exemplo migrou para a área da segurança pública. Em 1982 os eleitores da Califórnia aprovaram, com a Proposition n.º 8, uma “Carta dos Direitos das Vítimas do Crime”. Ela começava por afirmar oficialmente que “a prisão serve para punir os criminosos”. Além de baixar a idade para tratar como adultos os criminosos juvenis violentos, ela estabelecia o conceito “Três Crimes e Você está Fora” (“Three Strikes and You’re Out”), dobrando a pena para o segundo e dando prisão perpétua a quem cometesse o terceiro. Na sequência, 21 Estados passaram leis populares impondo sentenças mínimas e critérios rígidos para a progressão de penas. “Comitês de sentença” independentes e instâncias de recurso contra reduções determinadas por juízes foram tentados. E a população carcerária começou a aumentar.

Com a “Epidemia do Crack”, que lá ocorreu nos anos 80, a situação tornou-se explosiva. Antigos hospitais, quartéis e depósitos foram transformados em presídios, às pressas. Estados como Michigan e Iowa passaram problemas tão graves que acabaram por criar mecanismos de “progressão de pena de emergência”, libertando prisioneiros escala de crimes acima toda vez que os níveis máximos de lotação dos presídios eram ultrapassados.

O movimento de refluxo teve início com a diferenciação entre traficantes e usuários e o estabelecimento de penas alternativas só para estes. Passo a passo, anos 80 afora, a nova tendência – “a segurança da sociedade vem em primeiro lugar e a conveniência do infrator deve estar subordinada a ela” – foi-se firmando com as penas de reclusão aumentando para crimes violentos e as alternativas se generalizando preferencialmente para crimes contra a propriedade.

Reconhecendo que o pêndulo tinha ido longe demais na volta do excesso de leniência, os californianos, em reformas sucessivas, também acabariam por revogar definitivamente a regra dos três crimes, em 1996. Mas com as experiências acumuladas o país chegou, em 1994, ao Violent Crime Control and Law Enforcement Act, assinado por Joe Biden, que recomendava 60 reformas incorporando o conceito de “Veracidade das Sentenças”, criando restrições mais bem definidas para a progressão de penas, institucionalizando os comitês de condicional para substituir a solitária discrição do juiz nessa tarefa, criando um fundo nacional para a construção de prisões e contratação de policiais, definindo crimes de ódio e dando outras providências.

As reformas nos Estados e nos municípios prosseguiram, então, a partir de um novo patamar mais claro e seguro para todos, pois o sentido do sistema de democracia semidireta é imitar a condição humana de mobilidade e ajuste permanente. O que ele tem de melhor é a força para trazer de volta à Terra as autoridades que o poder sem limites põe voando na estratosfera e obrigá-las a atacar os problemas que afligem a população pela vertente que lhes for indicada por ela. O resto acontece por ensaio e erro, como é adequado à nossa espécie, que, para além de estar sempre mais propensa ao erro do que ao acerto, vive num ambiente tão dinâmico que cada “solução” é sempre apenas o início do próximo problema.

Fernão Lara Mesquita

Sem direito à vida, o que resta?

Está dito no artigo 1º da Constituição que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos, entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

O artigo 6º diz que são direitos sociais assegurados a todos os brasileiros a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer e a segurança pública.

O monopólio do emprego da força pertence ao Estado. Por isso, é obrigação dele proteger os cidadãos de qualquer perigo estrutural. Se é assim, e mesmo que não adiantasse...

Por que o Ministério Público, ou a Ordem dos Advogados do Brasil, ou o Congresso ou os partidos não batem à porta da Justiça contra o Estado a propósito da calamitosa situação de insegurança pública que vive o país?

Régis Soares charge da segurança

É mais do que calamitosa. A situação é de falência e só faz agravar-se, como fica demonstrado mais uma vez com os dados divulgados no 11° anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Somente em 2016, o país registrou 61.619 mortes violentas intencionais, como assassinatos. Foram 171 casos por dia e um crescimento de 3,8% em relação a 2015, chegando a uma taxa de 29,9 por 100 mil habitantes.

Matou-se por aqui em um ano tanto ou até mais do que matou a bomba atômica lançada sobre a cidade japonesa de Nagasaki em 9 de agosto de 1945, no desfecho da 2ª Guerra Mundial.

O número de mortos por aqui em um ano foi maior do que o total de soldados e civis americanos mortos durante toda a guerra do Vietnam. Em sete anos de guerra no Iraque, os Estados Unidos perderam 5 mil homens.

Em 2016, somados os gastos de todos os estados e da União, a despesa do poder público, dividida pelo número de habitantes, caiu 14,2%. Só no Amapá, o número de mortas violentas aumentou 52,1%. No Rio, 24,3%.

Lançado às pressas no início deste ano no rastro das rebeliões que provocaram mais de uma centena de mortes nos presídios, o Plano de Segurança Pública do governo federal não saiu do papel até agora.

Com o medo que nos obriga cada vez mais a uma vida de reclusão, a tudo assistimos bestificados e impotentes. Os mais afortunados tratam de abandonar o país. Os menos, imploram por socorro e não são escutados.

Ricardo Noblat

Vivandeiras petistas

“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”

Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.

A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.

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O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.

A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.

Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.

Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?

Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.

Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.

A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.

Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.

Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.

Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.

Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.

Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.

Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.

Gente fora do mapa

.1938 hobo during the Great Depression. All his earthly possessions fit in a bag.

Setor público criou quase 200 mil vagas entre julho e setembro

Apesar da frágil recuperação da economia e das dificuldades de caixa, o setor público voltou a contratar com tudo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, apenas entre julho e setembro deste ano, prefeituras, governos estaduais e Executivo federal contrataram 191 mil pessoas, um aumento de 1,7% no quadro de servidores, que atingiu 11,5 milhões de trabalhadores.

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Esse forte crescimento surpreendeu os analistas, uma vez que todas as esferas de governo vêm reclamando da falta de recursos e muitas unidade da Federação estão com os gastos com servidores acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Acredita-se que muitas das contratações têm a ver com acertos políticos em troca de apoio. É um perigo para a máquina pública, cuja burocracia consome cada vez mais recursos que poderiam estar sendo destinados para as áreas sociais.

No Distrito Federal, a contratação está a todo vapor. Depois da aprovação do novo sistema de previdência dos servidores distritais, foram liberados R$ 170 milhões por mês. Com isso, o governador Rodrigo Rollemberg decidiu convocar aprovados em concursos, sobretudo para a área de saúde. Somente na semana passada, foram mas de 100 convocações.

Mesmo no governo federal, que vinha mantendo o discurso de que os concursos estavam suspensos, o quadro mudou. O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, ressaltou que, pelo novo projeto de Orçamento de 2018, encaminhado ao Congresso, a União terá R$ 700 milhões disponíveis para contratar servidores. Mas só serão preenchidas vagas que estejam aberta ou que sejam liberadas por meio de aposentadorias de servidores.

O governo vinha usando o discurso da austeridade para aprovar o aumento das metas fiscais deste ano de 2018, ambas de deficit de até R$ 159 bilhões. Para não rasgar todo esse discurso, o Palácio do Planalto encaminhou ao Congresso medidas provisórias adiando o reajuste de servidores do ano que vem para 2019 e elevando a contribuição previdenciária deles de 11% para 14%.

Rio: Crime organizado X Estado esculhambado

O ministro Torquato Jardim, da Justiça, disse em voz alta o que era apenas murmurado por todas as autoridades que lidam com a área de segurança no governo federal. Torquato declarou, em essência, que a PM do Rio é controlada pelo crime organizado, não pelo governo estadual. Os criminosos participam da escolha do comando da Polícia Militar. E os chefes dos batalhões da PM são “sócios do crime”, disse Torquato. Registrei as manifestações do ministro. E isso abriu uma crise entre Brasília e o Rio.


Esse assunto não diz respeito apenas aos habitantes do Rio. Interessa a todos os brasileiros em dia com o fisco, pois o dinheiro dos impostos federais tem custeado o socorro das forças federais à segurança do Rio. O esforço envolve Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Força Nacional de Segurança. Quem paga a conta, merece a verdade.

O ministro da Justiça não é um qualquer. Dispõe de informações privilegiadas. Reagir aos ataques com outros ataques, como fizeram as autoridades do Rio, não resolve o problema. A crise do Rio é um terremoto de verdades. A verdade mais cruel chama-se Sérgio Cabral. Desceu do governo para a cadeia. Quem supõe que num Estado que chegou a esse ponto o crime não se infiltrou na máquina de segurança é ingênuo ou cínico. Se não consegue lidar com as verdades que saltam aos olhos, não conseguirá lidar com a crise. Só uma coisa é pior do que o crime organizado: o Estado esculhambado.

Comprada por FHC, a reeleição se tornou a mãe da corrupção

Há 2.500 anos, na Grécia, Péricles chamou o povo para a praça pública e mandou decidir tudo pelo voto. Começava ali a civilização. Cada um valendo um. O voto é o homem como um animal igual. É a mais antiga e duradoura invenção social da humanidade. Com a roda, a pólvora, a eletricidade, o rádio, a televisão, a Internet, o homem mudou o mundo. Mas quem mudou o homem foi o voto. O voto fez o homem ser e se saber igual. Não enche barriga, mas derruba as tiranias.

A emenda da reeleição de Fernando Henrique foi comprada. A imprensa provou. Todo mundo sabe. Deputados renunciaram ao mandato com a boca na “botija” de Sergio Motta. A reeleição é uma rima de cão. É a vitória irrefreável da corrupção em todos os níveis: presidência, governadores e prefeitos.

Quando Fernando Henrique comprou a reeleição, Paulo Brossard, deputado, senador, ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, escreveu:

“A reeleição é um insulto à Nação, aos 150 anos do Brasil independente, a todos os homens públicos que passaram por este país. Se os generais tivessem querido, também teriam sido reeleitos. Não faltariam apoios.

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Pois bem. Foi preciso que chegasse à presidência da Republica não um militar, não um general, mas um civil, não um homem de caserna, mas um professor universitário, para que o Brasil regredisse ao nível mais baixo da América Latina em matéria de provimento da chefia do Estado.

A Constituição brasileira, na sua sabedoria, proibiu a reeleição dos presidentes. Sempre se vedou a eleição de Presidente para o período imediato.

Bastou um presidente ambicioso e sem senso de respeito à visão histórica nacional, para que a Constituição mudasse a favor de seu intento”.

 Josafá Marinho, senador, foi para a tribuna mostrar o crime da reeleição:

– “A Constituição de 88 instituiu a inelegibilidade absoluta, para os mesmos cargos, inclusive o presidente da Republica. Estipula a inelegibilidade relativa para os titulares que pretendam “outros cargos”, obrigando-os a renunciarem até seis meses antes do pleito.

– “Se o titular dos postos executivos está obrigado a renunciar para habilitar-se à eleição de “outro cargo”, por maior razão lógica há de ser compelido ao afastamento definitivo para a reconquista do “mesmo lugar”.

– “O fundamento moral e político de resguardo da liberdade do voto e de igualdade entre os candidatos, que o força a deixar o cargo pretendendo “outro”, cresce se seu propósito é ser reconduzido ao “mesmo” posto, de onde pode exercer influência preponderante no processo eleitoral”.

Não adiantou a reação dos dois ilustres juristas e da maioria da Nação. Fernando Henrique “ronivonou” o Congresso e a reeleição foi comprada.

(O ex-deputado ROnivon Santiago (ex-PFL, PMDB e PP) foi mascate da reeleição. O ex-deputado e delator da Lava Jato Pedro Corrêa (PP-PE) revelou que Ronivon admitiu ter recebido R$ 200 mil para apoiar a reeleição).

A reeleição é o princípio e o fim de todo tipo de corrupção por um motivo claro: no exercício do poder governadores, presidente e prefeitos têm muito mais força para negociar obras, superfaturar projetos e multiplicar apoios com dinheiro público. O Mensalão mostrou isso e o Petrolão tirou a prova dos nove, comprovando que reeleição rima com corrupção no mais alto grau de depravação.

Voto e alternância de poder são a mais antiga e duradoura invenção social da humanidade.

Sebastião Nery

Paisagem brasileira

Archimedes Dutra, Paisagem rural, 1939, osm, 22 x 26 cm
Paisagem rural (1939), Archimedes Dutra

'Esta é uma sociedade de órfãos de pais vivos'

Estaremos criando uma sociedade de jovens de pais ausentes, distraídos demais com a Internet, à qual Leonardo Calembo, de 41 anos, pai de um dos adolescentes mortos a tiros no colégio de Goiânia por um colega de classe, chamou, enquanto enterrava o filho, de “órfãos de pais vivos”, de pais já mortos para eles, porque ignoram seus problemas?

O eco da tragédia de Goiânia, que se revela a cada dia com informações mais alarmantes sobre a personalidade complexa do jovem de 14 anos que disparou na sala de aula contra os colegas, levará tampo para se dissipar, já que despertou o alarme em não poucas famílias. É como se, de repente, nos perguntássemos se realmente conhecemos nossos filhos e o que estão vivendo sem que saibamos.


O sociólogo Jorge Wertheim, que foi representante da Unesco no Brasil, acaba de escrever no jornal O Globo, comentando o caso do jovem assassino da escola de Goiás, que é significativo que em um país como o Brasil, “com um dos maiores índices de violência do mundo, se despreze a necessidade de investigar por que esses níveis inaceitáveis de violência assolam as escolas”.

Enquanto escrevo esta coluna, o jornal Folha de S. Paulo publica o que chama de “o mapa da morte”, com os dados de homicídios no Brasil em 2016, com um aumento de quase 4% em relação ao ano anterior. No total foram 61.689 homicídios, o que equivale a sete a cada hora, algo que supera muitas guerras juntas. É como se o Brasil sofresse a cada ano a explosão de uma bomba atômica. A de Hiroshima matou pouco mais do que se mata no Brasil todos os anos.

Algo que agrava esse mapa da morte é que metade desses homicídios é de jovens, o que significa que mais de 30.000 pais e mães tenham que enterrar filhos, algo que fere as leis da natureza. O normal é que os filhos enterrem os pais. A matança desses milhares de jovens conduz à aberração de que os pais se sintam órfãos dos filhos, sem poder desfrutar deles em vida.

A violência aumenta em todos os estratos do Brasil, dentro e fora dos lares. Também nas escolas, e com ela o fascínio dos rapazes pelas armas. Uma professora de ensino secundário me escreve para expressar sua surpresa ao perguntar a seus alunos o que desejariam ser quando adultos. Quase todos sonhavam em ser policiais. Por quê?, indagou a professora. “Para poder usar uma arma”, responderam em coro, o que poderia ser traduzido como “para poder matar”

Permitir ou não que as crianças e jovens vejam todo o tipo de violência virtual nos jogos, nos filmes, na televisão e nos celulares? Quando eu era estudante de psicologia em Roma, tive uma discussão com um de meus professores que defendia que as crianças deviam familiarizar-se com a violência para poder administrá-la quando adultas. É o que pensam ainda hoje até mesmo ilustres sociólogos. Para mim, porém, a vida real de hoje já oferece doses de sobra de violência, desde que se nasce, dentro e fora das casas, para que seja preciso acrescentar-lhe a violência virtual. Que as famílias tenham mais medo que seus filhos vejam cenas de sexo que de violência, que se assustem mais que vejam um nu do que uma execução é um sintoma que deveria nos levar a pensar, em um mundo cada vez mais fascinado pelas armas.

Jovens órfãos de pais vivos, pais que se veem sujeitos a enterrar filhos em flor e, se fosse pouco, desde 1980 até hoje segue aumentando no Brasil o número de suicídios juvenis, segundo o IPEA. É o ápice da tragédia da sociedade. Um jovem que se priva voluntariamente de uma vida que deveria estar repleta de esperança e projetos é uma chicotada na consciência dos adultos. Não são apenas órfãos virtuais, mas também jovens aos quais a vida se revela pior que a morte.

Mais do que saber se têm mais votos Lula, Doria ou Bolsonaro, os institutos de pesquisa deveriam se interessar em descobrir por que a juventude de uma sociedade como a do Brasil, que sempre teve como vocação a felicidade e os encontros festivos, se vê de repente representada por um triplo drama de orfandade. Quem salvará o Brasil não será, de fato, nenhum caudilho, herói ou messias, mas a tomada de consciência da sociedade de que as famílias precisam apostar para que seus filhos voltem “a ser sonhadores”, como pedia o jovem de outra escola em Olinda.

Quando um jovem pede aos pais que lhe dediquem mais tempo que a seu celular, ele lhes está suplicando mais afeto, ou está tentando contar-lhes que algo se está rompendo dentro dele. Quando lhe dizem: “depois, agora estou ocupado”, esse “depois” poderia ser tragicamente tarde.

Jetons já renderam R$ 16,4 milhões a autoridades

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Servidores do alto escalão e outros privilegiados já receberam este ano R$16,4 milhões na forma de honorários (jetons) pela participação em conselhos de administração de estatais, fundações, bancos públicos. A farra é ainda maior porque jetons não contam para o teto constitucional. O ministro Dyogo Oliveira (Planejamento) também tem seu jeton de R$18 mil mensais pagos pelo Senac. Embolsa R$41 mil líquidos. 

O conselho do BNDES, banco investigado em CPI no Congresso, paga mais de R$40 mil de jeton para seus integrantes.

O governo federal possui mais de 635 mil servidores, mas os R$16,4 milhões pagos em jetons foram distribuídos a cerca de 400.

Preso na Lava Jato, o ex-presidente do BB e Petrobras nos governos do PT Aldemir Bendine ganhava jetons da petroleira e do BNDES.

As delações dos corruptos de Mato Grosso rondam o Supremo

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A releitura do tiroteio verbal entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes revela uma diferença essencial. Gilmar improvisou. Barroso tinha na cabeça uma fala memorizada, cuidadosamente construída para que os golpes retóricos atingissem o adversário no limite da linha da cintura. Em vez de acusá-lo explicitamente de mentiroso e parcial, por exemplo, Barroso disse que Gilmar “normalmente não trabalha com a verdade” e “vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”.


Barroso também qualificou o misericordioso tratamento dispensado aos corruptos de estimação pelo ministro da defesa de culpados com um linguajar enganosamente polido: Gilmar teria estabelecido “uma parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”. O golpe mais rude, contudo, foi o menos notado pela plateia nacional. Ao ouvir que o Rio de Janeiro hoje não serve de exemplo para nada, Barroso replicou com uma alusão ao estado natal do oponente: “Vossa excelência deve achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso”.

Gilmar foi à tréplica: “E no Rio, não estão?” Existem semelhanças entre os dois Estados, mas as diferenças são mais relevantes e, sobretudo, mais perigosas. O ex-governador fluminense Sérgio Cabral e outros figurões do seu reinado estão na cadeia. Da mesma forma, o ex-governador mato-grossense Silval Barbosa ficou um ano preso e só deixou a gaiola graças a um acordo de delação premiada. Foi esse o caminho que devolveu o direito de ir e vir ao ex-deputado José Riva, eterno chefão da Assembleia Legislativa.

A mais robusta diferença é que Barroso não tem nada a ver com Sérgio Cabral. Além de contemplar Silval com sucessivas demonstrações de amizade, Gilmar libertou José Riva com um habeas corpus. Os dois corruptos mato-grossenses só começaram a contar o que sabem. Logo estarão tratando de bandalheiras que envolvem o Poder Judiciário. É certo que as incontáveis patifarias não se limitam à primeira instância.
Augusto Nunes