terça-feira, 24 de outubro de 2017

Opinião pública impõe um freio ao Poder

Jean-Jacques Rousseau foi quem concebeu a expressão “opinião pública”. Em sua teoria sobre o Contrato Social, sustenta que não há nada mais perigoso do que a influência dos interesses privados nos assuntos públicos, destacando que a opinião pública é uma instância legitimadora do poder e constitui um freio ao seu exercício.

Na Era Medieval, não havia imprensa, e a opinião das massas não ocupava posição institucional alguma. E foi Rousseau, um dos grandes expoentes do Iluminismo, que deu base ao ideário da Revolução Francesa.

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A opinião pública nasce como uma instituição moderna, que funciona dando legitimação e impondo limites ao poder político. Seus elementos e sua composição não deixam de ostentar, no entanto, elevada complexidade.

O pensador francês Benjamin Constant, no século XIX, concebeu a “opinião pública” a partir de outros elementos, especialmente ligados a conteúdos mais específicos, como a interdição à arbitrariedade e a presunção de inocência.

Para o liberalismo político, os pilares da segurança, liberdade e propriedade deveriam ser garantidos pelo Estado. Constant dizia que, se houvesse arbitrariedade dos poderes ou da opinião pública, golpeando sem escrúpulos as pessoas, mesmo os suspeitos, não se atingiria apenas o indivíduo em si, mas sim a nação inteira, corrompendo-se a moral social e o sistema político.

No mundo de hoje, a liberdade dos meios de comunicação configura um dos alicerces imprescindíveis à livre opinião pública. Todavia, quando surgem novas distorções, através da proliferação das fake news ou das guerras virtuais, seja no campo político ou no econômico, põe-se em questionamento o modelo liberal e democrático.

CRISE DE LEGITIMIDADE – Emerge, assim, uma “crise de legitimidade” da opinião pública, ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais dinâmico e veloz o balizamento crítico das decisões de múltiplas instâncias de poder.

Ainda no século XIX, a propósito de distorções da opinião pública, Alexis de Tocqueville preocupava-se com a ditadura da maioria, que representaria a falência do reino da crítica. Nas democracias, o princípio majoritário é um pilar estruturante, mas tem de encontrar barreira nos direitos fundamentais e na própria Constituição, que se funda num pacto democrático.

A democracia dá base à “opinião pública” como fator de legitimação do poder político, porém, dentro dos marcos normativos fixados pelo sistema. Aliás, o próprio Tocqueville, ao estudar a democracia nos EUA, constatou que o juiz era uma das principais forças políticas.

Atualmente, ampliou-se o espaço de ativismo também dos advogados e membros do Ministério Público, até mesmo de outras instituições fiscalizadoras. Em tal contexto, imagina-se que o espectro amplo da categoria “opinião pública” se infiltre em numerosos espaços normativos abertos e influencie esses atores designados pela Constituição como “agentes políticos”.

Mas qual é o limite para a atuação de magistrados, policiais, advogados ou membros do Ministério Público, entre outros, à luz do que possa vir a ser considerado “opinião pública”? O limite há de ser a lei, a Constituição, o sistema normativo. Ainda na lógica liberal, a interdição à arbitrariedade será sempre possível a partir da jurisprudência ou de parâmetros utilizados, inclusive a partir dos precedentes.

E quanto aos veículos de comunicação? Há que se aprimorar, cada vez mais, o devido processo de produção das notícias, com qualidade, liberdade e contraditório. Também aqui, recordando o clássico Benjamin Constant, deve-se coibir a arbitrariedade.

Uma sociedade plural, liberal e democrática deve cultivar instituições fortes e expostas ao princípio da responsabilidade social. Mas isso não pode justificar, de forma alguma, qualquer tipo de cerceamento ao jornalismo investigativo e ao direito à informação.

Lula e o populismo

A entrevista que Luiz Inácio Lula da Silva deu ao jornal espanhol "El Mundo" não nos faz vislumbrar uma campanha eleitoral muito auspiciosa em 2018.

Nem tudo, porém, são más notícias. É positivo o fato de Lula admitir que o governo Dilma Rousseff cometeu erros. O maior deles, segundo o petista, foi ter "exagerado" nas desonerações dadas a empresas. Tal reconhecimento me pareceu um avanço, porque ainda vejo petistas que defendem a política econômica de Dilma, atribuindo o desastre ocorrido sob sua gestão só a fatores externos.


Lula, entretanto, se trai ao afirmar que o segundo maior erro de Dilma foi ter tentado, em 2015, promover o ajuste fiscal, contrariando tudo o que afirmara na campanha de 2014. O problema de Dilma não foi propor o ajuste (eu diria até que foi um de seus raros acertos), mas sim ter prometido o que ela sabia que não poderia entregar. Nesse particular, Lula errou junto com Dilma, pois ele também tinha conhecimento da encrenca fiscal e isso não o impediu de participar ativamente da campanha.

O que me preocupa, contudo, não é tanto o passado, mas o futuro. É especialmente inquietante que o petista tenha falado em "referendo revogatório" das medidas aprovadas por Michel Temer. A atual gestão é um horror. É impopular, fisiológica e patologicamente conservadora. Ainda assim, teve o mérito de começar a pôr ordem na barafunda econômica legada por Dilma. É justamente isso que o ex-presidente ameaça reverter.

A situação é estranha, pois, se Lula vencesse com esse discurso, ou cometeria estelionato eleitoral, como Dilma, ou cumpriria suas promessas, mas aí dificilmente conseguiria governar. Outra possibilidade é ele próprio achar que terá a candidatura cassada, hipótese em que flertes com o populismo se tornam mais compreensíveis, ainda que não justificáveis. Em qualquer caso, não teríamos, de novo, uma campanha eleitoral honesta, o que pode ser desastroso.

Temer reservou a terça-feira para o fisiologismo

O toma-lá-dá-cá passou a ser tão acintoso em Brasília que Michel Temer já não se preocupa em disfarçar. Num jantar que ofereceu a líderes partidários e ministros, na noite desta segunda-feira, no Alvorada, o presidente colocou-se à disposição para receber deputados que condicionam sua fidelidade à obtenção de vantagens do governo. Informou ter reservado sua agenda desta terça-feira para o fisiologismo. Na véspera da votação da denúncia em que a Procuradoria o acusa de integrar uma organização criminosa e obstruir a Justiça, Temer opera no modo “vale-tudo”.

A agenda eletrônica do presidente, disponível no site do Planalto, anota: “Despachos internos.” Os operadores políticos do governo foram liberados para organizar uma romaria de deputados com códigos de barras na lapela ao santuário do gabinete presidencial. A julgar pelas decisões mais recentes do governo, Temer talvez devesse encontrar seus aliados não no gabinete, mas numa encruzilhada. De preferência acompanhado de um ministro tranca-ruas, com poderes para livrá-lo de urucubacas.


No jantar do Alvorada, o presidente mastigou com seus comensais a lista dos votantes. Ao farejar o risco de obter no sepultamento desta segunda denúncia menos do que os 263 votos amealhados no enterro da acusação anterior, Temer mostrou-se disposto a fazer qualquer negócio para se manter no cargo. Na saída do repasto, o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), disse que o governo age dentro da normalidade. O incremento na distribuição de emendas orçamentárias, o rateio hipertrofiado de cargos, as decisões administrativas esdrúxulas… Nada tem relação com o velório da denúncia contra Temer, diz Moura.

Considerando-se as palavras do seu líder no Congresso, o país pode estar sendo injusto com Temer quando lhe atribui uma popularidade ridícula de 3%. Talvez o presidente visse a flexibilização do combate ao trabalho escravo como uma prioridade desde a primeira mamada. A portaria que praticamente ressuscitou a escravidão é parte de uma agenda secreta do presidente, que incluía também o perdão de 60% das multas aplicadas pelo Ibama contra desmatadores. Nada a ver com a votação da denúncia.

Os críticos talvez devessem reler o documento batizado de ‘Ponte para o Futuro’ atrás de alguma referência. Deve estar escrito no programa do PMDB, em algum rodapé, na margem de alguma folha, em letras miúdas: “Para enterrar denúncias de corrupção, fazemos qualquer acerto. Se necessário, trocamos o ‘Ordem e Progresso’ da bandeira para uma inscrição mais condizente com o momento. Algo como ‘negócio é negócio’.

Música na rua

A ironia bumerangue de Gilmar Mendes sobre o trabalho escravo

É possível que o polêmico juiz do STF e presidente do TSE, Gilmar Mendes, esteja se perguntando por que a sua ironia sobre o trabalho escravo acabou virando um bumerangue que colocou as redes sociais contra ele.

A sociedade brasileira, desta vez sem opiniões divididas, caiu com tudo sobre o magistrado. O que ele disse para suscitar tanta ira? Lembremos. O governo conservador de Temer está tentando atenuar a legislação que pune, no Brasil, o trabalho realizado em condições de escravidão, o que significa um retrocesso grave na luta contra os novos senhores de escravos. A sociedade se rebelou a tal ponto que Temer acabou prometendo rever alguns itens da nova lei.
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Diante de uma sociedade indignada com o governo, ocorreu ao magistrado a ideia de tratar do assunto com uma ironia barata. “Eu me submeto a um trabalho exaustivo, mas com prazer, e não considero que isso seja trabalho escravo”, comentou, e, insistindo em sua ironia, perguntou se também seria trabalho escravo “o dos motoristas dos juízes do Supremo que ficam esperando no subsolo da garagem”. Era como dizer: não exageremos querendo ver como escravo todo e qualquer trabalho.

O que o juiz não entendeu é que a ironia e a sátira compõem um dos gêneros literários mais difíceis e perigosos de se usar. É preciso uma inteligência aguçada para adotá-lo. Caso contrário, ele se transforma, como neste caso, em um bumerangue.

Gilmar Mendes não entendeu que, desde os gregos até os nossos dias, passando pelos romanos, a sátira deve ser dirigida contra os carrascos e não contra as vítimas. Por isso ela é libertadora. Com sua ironia, o magistrado mostrou não entender — ou será que entendeu, sim? — que o que ele estava fazendo era apoiar a flexibilização da legislação contra o trabalho escravo.

Mendes não entendeu que o que ele fez foi ofender não só os milhões de trabalhadores que ainda hoje vivem em situações degradantes, mas também os milhões de trabalhadores comuns, como são aqueles que não têm a sorte, como ele, de trabalhar com algo que “lhe dá prazer” e, além disso, uma remuneração elevada, quando se sabe que o trabalho é muitas vezes alienante, burocrático, mal remunerado, que as pessoas aceitam não por gosto ou por prazer, mas porque precisam viver e sustentar uma família. E esse é o caso da grande maioria.

Muito sangue dos antigos escravos ainda corre nas veias do Brasil, assim como corre muita dor, a dor dos milhões de trabalhadores que, por culpa de gigantesca desigualdade social que castiga o país, se veem obrigados, tantas vezes, a realizar um trabalho que traz consigo as marcas da velha escravidão. Faz sentido fazer humor com eles?

Nada contra o uso da sátira, que é o sal que dá sabor à dureza da vida e aos abusos de poder. Nada mais eficaz do que uma charge inteligente para colocar de joelhos um canalha ou desinchar o ego de quem se acha acima dos outros. Ninguém se incomoda mais com a sátira do que os poderosos. Muitas vezes, uma boa charge acaba se transformando no melhor editorial de um jornal.

Todos os autoritários sempre tiveram pavor da ironia, e continuam tendo. Em uma charge que vi reproduzida dias atrás no Facebook e que certamente se referia à ironia feita pelo magistrado brasileiro, aparece um trabalhador baixinho com uma corrente de ferro no pescoço. Seu chefe, alto, vestido de preto, olha para ele e diz: “Se a corrente está frouxa não é trabalho escravo”. O título da charge é: FLEXIBILIZOU. Isso sim, Excelência, é uma sátira inteligente.

Cara do Brasil

Os partidos políticos lamentavelmente fracassaram, não souberam ouvir o que lhes dizia o povo.Eles passaram ao largo disso. Tenho raiva principalmente dos socialistas, que acreditaram numa mudança do governo, que jogaram o jogo do poder e nada fizeram para que a coisa mudasse.
 
É intolerável que um doente que se dirige aos hospitais do Estado seja abandonado porque o hospital está sem recursos. É por isso que intervimos concretamente nos lugares onde o Estado é falho. Nossa solidariedade não é seletiva. É preciso que este país seja salvo; está com comprometimento demais, corrupção demais, injustiça demais e desigualdades. Não pretendo resolver todos os problemas, mas não fazemos outra coisa senão ficarmos de braços cruzados esperando que o governo se ponha a serviço dos cidadãos
Tahar Ben Jelloun, escritor franco-marroquino, "Partir" 

A lógica do medo

Na política a unidade dos contrários é mais comum do que se imagina. Por exemplo, por trás do debate sobre a denúncia do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, que tem por base a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, nem os governistas, nem a oposição, em sua maioria, querem que haja o afastamento e a continuidade das investigações. Daria muito trabalho reorganizar o governo tendo à frente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a um ano apenas das eleições de 2018; de igual maneira, um governo com 3% de aprovação, desgastado pela crise ética, sobre o qual pode-se jogar a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela população, interessa à oposição.

A mesma “unidade dos contrários” ocorre na relação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que parecem manter um acordo tácito quanto à estratégia de campanha. Exploram o medo da população em relação a um suposto retrocesso político e social, o que é facilitado pelo fato de a continuidade do governo não ser uma alternativa de poder para 2018, nem ter condições de construí-la a partir de seu núcleo principal, seja por meio da candidatura à reeleição do próprio presidente Temer, seja lançando outro nome do governo, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que não consegue esconder essa ambição.

Essa estratégia é facilitada pela crise do PSDB, que vive um dos seus piores momentos na política brasileira, mesmo que o impeachment da presidente Dilma Rousseff parecesse pôr tudo a seu favor. Aécio Neves (PSDB-MG), que chegou a bater na trave em 2014, está fora da sucessão presidencial, assim como o senador José Serra (PSDB-SP), ambos desgastados pela crise ética. A bola da vez é o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, que ocupa o vértice do sistema de poder sob controle do PSDB, mas não tem o mando do partido. Presidente licenciado da legenda, Aécio sobreviveu às medidas cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF), que foram rejeitadas pelo Senado, é o aliado principal de Temer e tem uma carta na manga, a eventual candidatura de Luciano Hulk, de quem é compadre, correndo por fora da legenda. Para complicar ainda mais, o prefeito de São Paulo, João Doria, pode ir à luta se estiver em melhores condições do que Alckmin.


Com Temer e Alckmin neutralizados, Lula e Bolsonaro nadam de braçada, cada qual ampliando a influência eleitoral à custa do medo que o outro provoca em parcelas do eleitorado que se vê sem alternativas robustas na disputa. Até agora, Lula explorou principalmente a resiliência dos militantes do partido e da base eleitoral cativa, sobretudo os 13 milhões de famílias beneficiadas por seu programa de transferência de renda. Isso o manteve à tona, mesmo já estando condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, na Operação Lava-Jato. Agora, Lula parte para a ofensiva, restabelece conexões com as oligarquias nordestinas e explora o crescimento de Bolsonaro, para reagrupar os setores de esquerda que haviam se descolado do PT na crise ética e que começam a vê-lo novamente como alternativa de poder e “um mal menor”.

Bolsonaro também se aproveita dessa recidiva de Lula, se colocando como a única alternativa capaz de barrar a volta de Lula ao poder e o bolivarianismo, ao mesmo tempo em que adota um discurso autoritário e moralista, seja em relação aos costumes, seja quanto aos métodos de combate à corrupção. Também resgata velhas bandeiras nacionalistas, que já estiveram nas mãos de Lula, mas foram perdidas por causa dos escândalos, como a defesa da Petrobras e do pré-sal, além da Amazônia e suas jazidas minerais. Mas do ponto de vista da narrativa eleitoral, está funcionando. Candidato dos setores que defendiam uma intervenção militar, Bolsonaro inverte a equação: seria um militar no poder eleito por um regime civil. Isso seduz setores que deixam de vê-lo como ameaça à democracia, sem considerar que o golpe pode vir depois, mas que também não estão muito preocupados com isso, desde que seus interesses econômicos imediatos sejam atendidos.

O discurso único da elite política contra a Lava-Jato facilita muito a vida de Lula e Bolsonaro. Nada disso significa, porém, que ambos cheguem juntos ao segundo turno das eleições, isso é muito difícil, porque o medo que ambos disseminam pode convergir para outro candidato, com perfil ético e democrático, no decorrer do debate eleitoral.

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O custo Temer

O mandato do presidente postiço Michel Temer está precificado. O valor final não foi fixado, pois o vergonhoso taxímetro que percorre o trajeto de sua sobrevivência política ainda roda. Segunda denúncia, bandeira dois.

A culminância – ainda que sempre possa vir um “tiro” mais alto – foi a portaria que cria dificuldades para o combate ao trabalho escravo. Agora, flagrante de trabalho análogo à escravidão, só acompanhado de policial, e quando estiver comprometendo o direito de ir e vir. Empresa espoliadora em lista suja apenas duas vezes ao ano, e mesmo assim com autorização ministerial. Tudo para atender ruralistas escravocratas, com seus cerca de 200 votos na Câmara. Reduzir em 60% suas multas ambientais também fez parte da negociata.



Para defender essa aberração, Temer mente: diz que a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, “fez sugestões sobre a portaria” ao Ministro do Trabalho. Nota da PGR o desmente, ao afirmar que o Ministério Público quer a revogação da medida. O clamor contra o mais recente retrocesso é nacional e internacional. Mas, até esta quarta-feira, quando a Câmara decide se autoriza ou não o processo penal contra Temer e seus ministros Moreira e Padilha, o Exterminador de Direitos nada fará. Sem essa de prejudicar o degenerado “toma lá, dá cá!”

O preço para salvar Temer da mera apuração de obstrução à Justiça e participação em organização criminosa (e seus ministros de processo por corrupção passiva), também é composto pela liberação de emendas parlamentares, pelo alongamento do pagamento de dívidas empresariais (no novo Refis) e pelo preenchimento de cargos no governo. Segundo pesquisa da FGV, 668 no alto escalão em junho, 731 em agosto, em crescente que agora pode chegar a mil! A qualificação técnica não importa: o que conta é a indicação partidária. Porta aberta à corrupção.

Até o que é positivo fica comprometido. A coalizão de investigados, serviçais do mercado total e do Estado mínimo, adiou a privatização dos aeroportos. Não porque tenha compreendido a importância de manter o controle público sobre vários desses espaços estratégicos para a soberania nacional, mas porque o loteamento de cargos na Infraero assim o exige. Razões nanicas, mesquinhas. Pistas abertas à corrupção.

É tragicômico esse método carcomido. José Simão descreve a oração temerária: “Belzebu, Lúcifer, Forças do Mal! Me ajudem a derrubar a denúncia porque o dinheiro para comprar deputado tá acabando” (Folha de S. Paulo, 21/10/2017)

A CCJ da Câmara aprovou a “certidão de nada consta” do tucano Bonifácio de Andrada, mas o governo perdeu votos em relação à denúncia anterior. Para vencer por 39 a 26, obteve a fidelidade (de amor remunerado?) do PMDB, PP, PSD, PR, DEM, PRB, PTB, SD, PSC e PROS, o que deve se repetir no plenário.

A Câmara, ao se posicionar assim um dia depois do retorno de Aécio Neves decidido pela maioria dos senadores, disputa com a outra casa do Congresso Nacional o indigno campeonato da autodesmoralização do Parlamento.

“Nada como um dia depois do outro, com uma noite no meio e Deus em cima”, diz a sabedoria camponesa. Os que se empenham em “estancar a sangria” e preservar a intocabilidade da casta política ainda correm riscos na Justiça. E certamente receberão o troco nas urnas. O voto de cada um hoje será relembrado amanhã, quando o povo for chamado a votar.

Em tempo (de tragédia): mais que o bullying, a ser pedagogicamente enfrentado, o que ceifa vidas é o armamentismo e a barbárie da eliminação de quem incomoda – que demanda combate cultural e político.

O vazio

O horror ao vazio é uma parte essencial da natureza humana. A organização social, política, econômica e até mesmo mística ou religiosa baseia-se, desde tempos imemoriais, em proteger-se do nada; no fundo, em conjurar o medo da morte. No entanto, o mundo agora vive em um vazio que, na minha opinião, não tem precedentes.

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O sinal dos tempos é que este novo vazio está agora cheio de emoções. O elemento emocional prevalece sobre todos os outros e se transformou em um instrumento político de primeira ordem, na possibilidade de uma reação em tempo real ao alcance de todos, graças à revolução das comunicações e ao novo império das tecnologias, o que explica fenômenos como a chegada de Donald Trump à Casa Branca.

Antes, a garantia, a ordem, os limites e os referentes baseavam-se no fato de que a organização social primeiro se impunha pela moralidade, depois recorria à reflexão e, finalmente, forçava, seja pela violência, uma série de soluções para dar um eixo de continuidade à organização dos povos.

Hoje, no entanto, esse enorme e permanente choque do emocional com o quadro legal questiona a própria validade das leis e produz situações tão surpreendentes quanto presenciar que Washington, principal garantidor da ordem mundial, entrou em um processo suicida baseado em impulsos viscerais, perdendo além disso o senso de responsabilidade e liderança sobre o resto dos países.

Existem muitos exemplos no mundo que comprovam o vazio que estamos experimentando, mas há três casos paradigmáticos que merecem destaque. Por um lado, a Venezuela, cujas eleições regionais no último dia 15 de outubro foram caracterizadas por agressões, tumultos, manifestações e ilegitimidade. Embora, no final, aquele que resiste ganha e, depois de um processo questionado pela ausência de garantias legais, tanto nas eleições para a Assembleia Constituintequanto nas últimas, o chavismo, isolado no gueto de sua própria câmara de ressonância, de seu eco com ausência de partitura, pode dizer que ganhou. Neste momento, não há eleição mais legítima do que aquela que consegue encher mais ruas e gritar mais alto nas redes sociais.

Outro caso é o de Trump, que decidiu governar à margem da maioria de seu partido no Senado e na Câmara dos Deputados. Quem sabe se, para preencher seu próprio vazio interior, repetidamente se dedica a criar o vazio institucional, usando o Twitter e enfrentando o resto do mundo para demonstrar que o quadro legal e as instituições já não são o que marca o sustentáculo do governo das pessoas.

E, finalmente, a Catalunha e a Espanha que, apesar de contar com uma Constituição e com uma sentença do Tribunal Constitucional absolutamente claras -- uma vez que delimitam claramente o que se pode e o que não se pode fazer --, não puderam evitar que a provocação permanente e o império das emoções obriguem o Governo espanhol a lutar contra as dúvidas que esse grande vazio institucional provoca diante do clamor das ruas e das redes sociais frente à clareza das leis.

O mundo vive no vazio, e seu destino está nas mãos das emoções. No imediatismo do momento, descobrimos que não há para onde olhar e tudo é um tumulto onde é difícil separar as vozes dos ecos.

Projeto Brasil

Numa entrevista dada à imprensa dias atrás, um destacado homem público mineiro alertou para a necessidade de que a sociedade reflita e afrouxe suas resistências à classe política, sinalizando o óbvio: “É na política que se encontram os espaços para se tornarem realidade as ideias e as demandas da nação. Sem eleitos para serem executivos e parlamentares, não se viabilizam políticas públicas corretamente concebidas e democraticamente dosadas em sua oferta à população”. Não há dúvida disso.

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Mesmo vivenciando um clima de absoluta desesperança e na mais grave crise de tudo – de trabalho, de dinheiro, de mudanças econômicas, de segurança, de crédito, de serviços públicos adequados e de decência, especialmente –, são os políticos que elegemos, com raríssimas exceções, para serem nossos representantes, que se aplicaram em descer tanto a régua que os mede e os (des)qualifica, gerando um sentimento de tamanha má sorte como o que hoje nos acomete. Que infortúnio, que miséria essa que tem sido a nossa realidade; que incapacidade tivemos em outorgar poder (todos têm mandatos que o voto do povo lhes concedeu) a tanto bandalho, tanto vagabundo, tanto ladrão, como os fatos revelam que são ou foram presidentes da República, senadores, deputados, prefeitos e vereadores. Estes se serviram das mais grosseiras e imundas práticas de crime através da corrupção, da fraude, de desvios de recursos públicos, da mentira, que lhes possibilitaram a descarada propriedade de fortunas, em imóveis de luxo, aviões, lanchas, em depósitos no exterior, em robustas malas de dinheiro. Recursos afanados das obrigações que o Estado tem para com seus cidadãos.

Demos – porque, com o voto, assim podemos – autonomia a quem muitas vezes não tinha responsabilidade para o que se candidataram a ser e fazer.

Não é muito querer que cada um de nós tenha a obrigação de resgatar, de agora em diante, como dever republicano, a análise do comportamento daqueles que escolhemos nas últimas eleições; vamos comparar as atitudes de cada um deles, o que fizeram como os representantes que aspirávamos quando neles votamos.

Sem querer nomear alternativas dentro das que já se apresentam como disponíveis e pretendentes, especialmente os que já se oferecem como candidatos à Presidência da República, imaginarmos que a outra solução para o Brasil está em um golpe militar é o reconhecimento de nossa incapacidade de escolher, de nossa ignorância, de nossa indigência como eleitores. Nomes vão se apresentar. Para conhecê-los, haverá uma infinidade de recursos, que o eleitor saberá operar. Discutir, denunciar, gritar, com responsabilidade, é o nosso projeto. Um projeto para um Brasil melhor.