domingo, 22 de outubro de 2017

O eleitor e Diógenes, o Cínico

Diógenes de Sinope, filósofo grego, nada tinha de cínico, conforme o uso corrente da palavra. Adepto do cinismo, corrente filsófica, fundada por Antístenes, ele pregava a virtude do despojamento, o completo desapego aos bens materiais, e uma vida a ser vivida em conformidade com a natureza.

Diógenes morava num barril. Seria o equivalente aos nossos desvalidos moradores de rua. Com uma diferença fundamental: Diógenes fez opção por uma cosmovisão e estilo de vida que afrontavam o establishment e era um incansável pregador de suas convicções.

Curiosamente, a origem do vocábulo cinismo vem da palavra grega que significa "cão". Dos cães, os cínicos extraíram o valor da lealdade ao amigo homem e a bravura com que enfrentavam o embate da ideias. E como arma, Diógenes andava com uma lamparina em busca, segundo relatos históricos, da verdade, do conhecimento e de um homem honesto.

A rigor, a lamparina reflete a variada simbologia da luz; a mesma luz solar que Platão usou no mito da caverna; a mesma luz que inspirou o movimento iluminista e fez raiar os tempos modernos.

Lenda ou fato histórico, conta-se que, ao tomar conhecimento de criatura tão excêntrica, o mais poderoso homem da Grécia, Alexandre, o grande, movido por incontrolável curiosidade, foi ao encontro de Diógenes, disposto a atender qualquer pedido e, qual não foi a surpresa, quando o filósofo pediu que não lhe tirasse o que não poderia lhe dar: os raios do sol, interceptados pela sombra do ilustre visitante.

Pois bem, em menos de um ano, o eleitor brasileiro vai precisar de uma lanterna para encontrar, não um homem providencial capaz de seduzir com apelos messiânicos uma sociedade desiludida e desencantada; mas para encontrar um rumo, um caminho iluminado pela sabedoria e pelo espírito público daqueles que vão governar o país. Basta de mistificação populista. A escolha está em nossas mãos. Aprendemos a duras penas: o voto tem consequências. E como!

As eleições estão na ordem do dia. As regras estão postas (e que regras!). Pesquisas pululam; ambições fervem na incerteza dos cenários; projetos de poder, mais do que projetos de nação, se movimentam freneticamente. Fazem parte do jogo assim como o imponderável e os cisnes negros.

Trata-se de uma decisão coletiva que, como nunca antes na história deste país, afetará o futuro da nação. Neste sentido, a lamparina de Diógenes apontará para onde não devemos ir.

Imagem do Dia

Fotografia China Paisagem Imagens Feng Jiang Cor
China (Feng Jiang)

'Se'

Aqui sou colunista, mas sou também prefeito, aliás, hoje mais prefeito que colunista.

Quando decidi embarcar nessa “adventure” pública, rasguei dentro de mim uma amarra, aquela que deixa o indivíduo de espectador e crítico das humanas alternâncias e tragédias. Fui assim catapultado na arena.

Não teria acontecido isso sem violentos estímulos. Passei por anos de privações e sofrimentos, amadureci, nas horas solitárias de meditação.

Este mundo poderia ser melhor “se”... é o que mais se escuta.

E quantos outros “se” encontram-se nas rodas com amigos, na mesa de jantar, na sombra de uma varanda, lendo e indignando-se com os noticiários.

“Se” no lugar de fulano, que apronta coisas do arco da velha, estivesse alguém mais probo, justo e sábio, a vida de todos seria melhor. Quanto sofrimento aparentemente inútil poderia ser evitado? Quantos seres “esquecidos” passando por faltas absurdas. Pois é.

Recebi agora a mensagem: “Sou mãe de três filhos, dois deles nascidos com graves insuficiências neurológicas, em estado vegetativo. Preciso de fraldas, de dietas, de apoio... não tenho onde morar e, mesmo na fila do Minha casa, Minha vida, nunca me chamam...”. De casos assim na cidade que me escolheu como prefeito existem centenas. Pessoas que nesta terra e neste momento passam por provações de origem distante e velada, contudo “permitidas” como algo necessário. E cabe a quem enxerga dar o que puder. Haja pena de nós, pecadores!

Isso é um quase engano, em certo sentido é um engano mesmo imaginar que não exista sentido. Na vida a cada momento acontece algo inefável, justo desfecho que traz à tona duas distintas sentenças, uma relativa ao mérito, ou recompensa, e outra ao ensinamento, ou lição, para que nosso livre-arbítrio, admoestado, se enriqueça.

Diziam os latinos: “Cada um é artífice de sua sorte”. Disso não se escapa. O destino de um grupo é o somatório dos méritos gerados pelo conjunto. Um edifício de tijolos, quando estes são preparados na olaria, desmoronará.

Imaginemos agora que apareça um condutor de um rebanho, empurrado no pedestal e enxergado como salvação pelo povo. Ele, ao vencer, será exatamente o fator de um inefável destino. E, se esse ungido for um egoísta irresponsável, um demagogo barato, um safado da pior espécie, um despreparado irresponsável e vaidoso, a razão de sua ascensão gerará o merecimento dos governados.

As “parcas romanas”, Clotho, Lachesis e Atropos, explicavam e continuam a certificar que o destino tem guardiões que permitem que seja feita justiça, mesmo que aparentemente tardia. Sempre será feita em algum lugar do universo no momento mais oportuno.

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Pode aparecer de repente um “messias”, um herói, um profeta, um líder carismático, assim como um lobo em pele de cordeiro, um cruel ditador, mas sempre aparecerá o que é imprescindível ao cumprimento dos merecimentos. Nossa labuta altera nossa individualidade e acelera a melhoria do conjunto. Se uma folha que cai na selva tem o poder de mudar o universo, nossas ações mais ainda. Importante cada um, mais que reclamar, fazer o que lhe for possível.

A suposta esperteza de um ou outro dos candidatos, suas estratégias aparentemente conscientes não passam de engendração de fios que se entrecruzam atendendo o inelutável merecimento coletivo.

O sofrimento é útil para a mudança mais que a felicidade. Um presidente lastimável acelera o fim de um ciclo. A podridão, embora triste, abre espaço para uma renovação.

Li ontem que uma nave extraterrestre teria descido num lote da Baixada Santista, em Peruíbe (SP), numa missão que visaria não permitir um mal maior. Que loucura! Outros fenômenos alienígenas se intensificaram para evitar a deflagração de uma guerra nuclear e um retrocesso de milhares de anos.

Nossa situação é desesperadora; quando aparece uma luz no fim do túnel, alguém a apaga. Só um milagre, só uma força alienígena para fazer esquecer nossos egoísmos?

O resgate da Europa encardida de conservadorismo se deu com a Segunda Guerra Mundial, que sacudiu os indivíduos em seus alicerces, que fez amadurecer a consciência coletiva.

Mas de bom hoje aparece uma recuperação, um distanciamento das desventuras políticas. A economia nacional reage livrando-se daquela outra, anabolizada por estádios, empréstimos malucos, que escondiam a corrupção.

Participar da vida pública é uma atitude de responsabilidade. Apagando os “se” e colocando o “sim” com a responsabilidade que temos uns com os outros.

Mistério em 2019

O horizonte da economia é curto. As projeções de crescimento para depois de 2018 são apenas o cálculo linear feito pelos economistas. Eles sabem, e dizem quando perguntados, que o que vai acontecer em 2019 é um mistério
Míriam Leitão

Multas eleitorais poderão ser pagas em até 700 anos

Sem perspectiva de conseguir quitar dívidas de multas eleitorais acumuladas por anos, dirigentes partidários afirmam que pretendem recorrer às novas regras de parcelamento aprovadas no projeto de reforma política para renegociar os pagamentos. A nova lei prevê que a parcela mensal não ultrapasse 2% dos repasses do Fundo Partidário. Há casos em que o parcelamento pode se alongar por até 698 anos, o que, na prática, representa quase uma “anistia” dessas dívidas.

Segundo levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), feito a pedido do Estado, o total das débitos eleitorais inscritos na dívida ativa da União, chega a R$ 81,4 milhões. O campeão é o diretório paulista do PSB, que acumula R$ 3,7 milhões em multas. Caso a nova regra de parcelamento seja aplicada com base no que o partido recebeu do Fundo Partidário em 2016 – média de R$ 380,2 mil ao mês –, as multas poderiam ser quitadas em mais de 40 anos, em 486 parcelas mensais de R$ 7,6 mil.

O presidente do PSB-SP, o vice-governador do Estado, Márcio França, admite que vai aproveitar a nova lei para quitar o débito. “Mas só faremos isso depois de julgamento de uma ação de nulidade que aguardamos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, afirma. O argumento do partido é a prescrição da cobrança, uma vez que o valor inclui multas que vão desde a campanha municipal de 2004, quando o partido lançou a deputada federal Luiza Erundina, hoje no PSOL, como candidata.



Também constam no “top 5” dos maiores devedores os diretórios sergipanos do DEM (R$ 3,1 milhões) e do PPS (R$ 2,9 milhões), além dos diretórios paulista do PTB (R$ 2,4 milhões) e do PSDB (R$ 1,8 milhão).

O presidente do Diretório Estadual do PPS de Sergipe, Clóvis Silveira, disse que tentará resolver a questão com base na nova lei, uma vez que hoje a dívida é impagável. “O PPS não tem condições de pagar”, disse. Segundo ele, o diretório vem sobrevivendo de contribuições dos filiados locais. O dirigente admitiu que nunca se preocupou em pagar o débito simplesmente porque o partido não tem como quitar a dívida. “Uma dívida que não tem como se pagar, não tem como se preocupar com ela”, disse. “É claro que (o parcelamento) é bom. Se não houver o parcelamento, nunca se paga essa dívida.”

Segundo dados do TSE, o PPS-SE recebeu R$ 210 mil do Fundo Partidário no ano passado – média de R$ 17,5 mil ao mês. Com o parcelamento, poderia alongar a dívida por 698 anos, pagando R$ 350 ao mês.

Ele disse que assumiu a presidência da sigla no Estado em 2015 e desconhece com exatidão a origem da dívida de R$ 2,9 milhões porque migrou para o partido recentemente. Segundo o dirigente, o valor é proveniente do início dos anos 2000 de uma campanha no município de Nossa Senhora do Socorro e vem se arrastando ao longo dos anos porque o partido não tem condições de pagar o débito.

Já o presidente do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi, que também preside o diretório paulista, disse que o partido já havia negociado o pagamento dos débitos com a Justiça Eleitoral e, por isso, ao menos por enquanto não deve renegociar. “Já estamos pagando. Todas já foram parceladas”, afirmou Lupi.

O diretório paulista do partido deve, segundo a PGFN, R$ 1,7 milhão. A lei atual permite o parcelamento de multas eleitorais em até 60 meses (5 anos). 
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O fim de um sistema político

Questão colocada para mim no Twitter: o que responderia sobre o Brasil de hoje, se alguém me perguntasse: “O que é isso, companheiro?” Responderia que isso que estamos vendo é o fim de um sistema político partidário. A própria palavra companheiro, diante da derrocada moral da esquerda, já não tem mais da conotação de afeto recíproco, mas de cumplicidade com um projeto desastroso.

Com a decisão do Supremo de entregar para o Congresso a decisão final sobre medidas cautelares, que favorecem as investigações, criou-se, para o sistema agonizante, uma blindagem dentro da blindagem, um upgrade do foro privilegiado. Nada mais distante de que as esperanças despertadas nos últimos anos de que a lei vale para todos. O STF favoreceu a indiferença, de um lado, de outro, a crescente aspiração por um regime autoritário.

Não só diante do fracasso da esquerda, como do próprio curso da do mundo, pressinto que uma perspectiva liberal em economia deve prevalecer nos próximos anos. No caso brasileiro, ela aparece junto com uma visão conservadora, numa combinação talvez parecida com as ideias do Partido Republicano nos EUA.


Não há dúvida de que o embate nos últimos anos não se travaram apenas em torno das questões econômicas mas também no plano cultural. Exposições, performances, versões de Machado de Assis para os mais pobres, ocupação ideológica de universidades — tudo isso fermentou também um sentimento defensivo, aspectos defensivos, como os de 64, quando se marchava por Deus, Família e Propriedade.

Mas é uma ilusão supor que o avanço do liberalismo venha precisamente fortalecer o credo religioso e os laços de família, apesar de garantir o direito de propriedade. Digo isso porque, ao contrário do que se pode pensar, a batalha cultural não se dá apenas no contexto da polarização esquerda e direita. Muitos dos temas que inquietam as famílias decorrem precisamente do avanço do capitalismo.

O escritor inglês John Gray fez uma avaliação interessante sobre essa hipótese. Segundo ele, na medida em que a economia cresce, os desejos são satisfeitos; a economia não se move apenas para produzir coisas mas também para combater o tédio. É um tipo de economia que não depende apenas da demanda dos consumidores mas cria necessidades. Ela não teme apenas a saturação do mercado de objetos mas também a saturação das experiências.

Como nas sociedades tradicionais, afirma Gray, a virtude não pode passar sem o consolo do vício. No século XXI, sexo e drogas são produzidos por designers. Um gigantesco setor produtivo se volta para aliviar o peso de uma vida de lazer, diz Gray, e cita J. Ballard:

“Restou apenas uma coisa que pode excitar as pessoas. Crime e comportamento transgressor — e com isso quero dizer todas as atividades que não são necessariamente ilegais mas que nos provocam e satisfazem a necessidade de emoções fortes, estimulam e fazem saltar as sinapses amortecidas pelo lazer e a inação.”

Esse papo meu parece estar pra lá de Marrakesh. O que isso tem a ver com o Brasil de hoje, com mais de 13 milhões de desempregados? Considero esse nível de desemprego um dado provisório, assim como é provisório esse sistema político partidário agonizante. Logo logo, estaremos discutindo os caminhos do futuro. E, no momento, vejo no horizonte apenas alternativas que não respondem à complexidade dos novos tempos. Sou uma espécie de observador nem nem. Só que, diferente dos jovens que nem trabalham nem estudam, não consigo ver saída numa esquerda sepultada no século passado nem na visão liberal que, ao mesmo tempo, queira impor valores abalados com um mundo em transformação.

Não sei se posso responder completamente à pergunta, quando falamos de Brasil de hoje. Creio que é um país em movimento, apenas não posso precisar ainda sua trajetória. Sei apenas que os acontecimentos desta semana, a blindagem de Aécio e nova blindagem de Temer, são muito perigosas. Elas nos remetem a uma tarefa preliminar. Convencer os indiferentes a não abandonarem o barco e, aos adeptos de uma intervenção militar, de que as eleições de 2018 são a grande oportunidade de mudança.

Só então, num contexto de 2018, poderíamos passar à segunda etapa. Em vez apenas de atenuar os choques entre posições extremas, aí teríamos pela frente a produção de um conjunto de ideias do tipo ganha-ganha, dessas que realmente podem unificar um país em reconstrução. Por exemplo: há gente a favor do aborto, gente contra. Por que não se juntam numa campanha de informação contra gravidez indesejada? Ela pode reduzir o problema, sem prejuízo do debate.

Se conseguirmos êxito em alguns temas, poderíamos achar um acordo na educação. Foram anos de bombardeio ideológico. Ele não apenas irrita as famílias mas também escandaliza os especialistas pela sua ineficácia. Num país em que a educação suba ao topo da agenda, teremos de suprimir ilusões de formar revolucionários ou santos de qualquer outra igreja.

O que é isso, como será isso? Para mim, é o enigma de cada dia. Obrigado pela pergunta.

Fernando Gabeira

Gente fora do mapa

JESUS CRISTO A LUZ DO MUNDO:  Os que creem em Deus se empenhem na pratica de bo...

Aécio vira farinata

Eles são Aécio amanhã. Livres, leves e soltos. Há tempos não se via tamanho assanhamento em Brasília. Senadores, deputados e ex-presidentes, investigados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, deram um suspiro de alívio. Tucanos, peemedebistas, petistas. Todos acima da lei.

Companheiro nosso a gente salva. Mesmo que o deixemos falando sozinho. Assim os senadores fizeram com Aécio Neves. O mineiro mais carioca do Brasil, o segundo nome mais votado à Presidência, que posava de bastião da moralidade e da ética, não teve coragem de subir à tribuna em seu retorno. Só falou dois minutos, junto à cadeira. Os colegas nem olharam. Não aplaudiram nem vaiaram. Mas vários adiaram cirurgias para votar a favor dele.

Aécio reagiu como à retomada de seu mandato? “Com serenidade.” E ainda se disse dono do “voto de mais de 7 milhões de mineiros”, que devem se sentir para lá de ludibriados. Abandonou a calma para esbravejar contra “os bandidos” Batista, aqueles mesmos empresários amigos a quem ele havia pedido “um empréstimo” de R$ 2 milhões para pagar seus advogados de defesa. Contra essa versão, qualquer outra tem mais credibilidade.

Tucano depenado, Aécio foi pressionado a deixar a presidência do PSDB. Seu ex-amigo Tasso Jereissati tenta a todo custo evitar a septicemia generalizada no ninho. Resistiu, dizendo a jornalistas que “não discute questões partidárias pela imprensa”. E se colocou como vítima de “ardilosa armação”.

Os senadores e deputados estancaram a sangria, como previa o então ministro do Planejamento Romero Jucá, em março do ano passado. Estancaram a sangria com a ajuda do Supremo Tribunal Federal, que deixou às raposas a tarefa de julgar a si mesmas. O Congresso passou a ser mestre de seu destino, sem ingerência dos ministros de toga.

É sintomático que todos os políticos indiciados na Lava Jato digam “confiar na Justiça”. Estão certos. Confiam na impunidade. Não podem ser presos, não podem ser recolhidos a suas casas, não podem ser punidos com medidas cautelares diferentes da prisão... a não ser que seus pares consintam. Quase 30 senadores podem se beneficiar da mesma condescendência. Na Câmara, um quarto dos deputados está sob investigação. A Lava Jato não tira mais o sono deles. Câmara e Senado viraram casas de tolerância.

Armação. Conspiração. Complô. Perseguição. Traição. Temos visto, da plateia, um desfile de senadores, deputados, governadores, prefeitos, empresários se dizendo vítimas de delatores, da Polícia Federal, do Ministério Público e do juiz Sergio Moro. Nós nos tornamos uma plateia bem-comportada, só enraivecida nas redes sociais. Malas de dinheiro. Cavernas de dinheiro. Propinodutos.

A semana que passou contribuiu muito para a sensação de nocaute na sociedade. É Temer ajudando Aécio que ajuda Temer a se livrar da segunda denúncia – e todos recebendo visitas e ligações de solidariedade do supremíssimo Gilmar Mendes em dias decisivos. E Rodrigo Maia fazendo a dança do passinho entre uns e outros, contorcendo não só o pescoço, mas a palavra e o olhar. Todos mirando 2018. Até Eduardo Cunha pergunta, em artigo no jornal Folha de S.Paulo: “Quem me quer como troféu?”.

Já se rediscute até uma medida saneadora e tão celebrada pela sociedade: a prisão após condenação em segunda instância, que havia sido decidida pelo STF. Uma discussão patrocinada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes. A turma dele não descansará enquanto não revogar esse julgamento do próprio Supremo. Parece incrível, mas é possível.

O senador tucano, neto de Tancredo, é apenas o símbolo do momento da desmoralização da classe política. Não pode culpar a ninguém senão a ele próprio e a suas brincadeiras funestas e gravadas, como a sugestão de “matar antes da delação”. Se existe uma ardilosa armação, não é contra ele, mas contra seus eleitores.

Aécio virou uma espécie de farinata. Um composto feito à base de produtos prestes a perder a validade. Proibido para menores, vetado em escolas. Um senador que seu partido não deseja mais como líder – só como álibi. E como ração humana, destinada à sobrevivência política.

Entrevista para a geladeira

Abriu a porta da geladeira, viu a luzinha acesa e logo saiu a dar entrevistas, falando pelos cotovelos aos rabanetes, cenouras, potes de manteiga, compotas e sobras de comida. Anunciou que faria coisas sobre as quais não tinha exatamente a ideia ou informação organizada. Muito menos explicações razoáveis, ou um discurso com cabeça, corpo e membros…

Foi atropelado pelas batatas e quanto mais tentava se explicar mais muitos nós deu no pulôver do pescoço e se enrolou inteiro. As palavras pobre, ração, lixo, pó, alimento vencido, o pote com a imagem de Nossa Senhora Aparecida (deixem-na em paz, fora da política!) se misturaram e tornaram o assunto bem pouco palatável. Aliás, ficou até bastante indigesto, inclusive por misturar alho e bugalhos em biscoitinhos e com a Igreja. Se a ideia era boa, ninguém soube, ninguém viu.

O governo anda assim. O governo, não. Os governos. Todos os níveis. Calados seriam poetas. Perdem as batalhas da comunicação e isso cada vez mais impressiona. Meu bom coraçãozinho não quer pensar que é de propósito, não posso acreditar que lançam esses torpedos polêmicos e mal ajambrados quando precisam mudar o foco de alguma coisa, nos distrair. Impressionante: da boca deles brotam, jorram, incongruências.

Ah, seria bom se a comunicação fosse mais respeitada, e que a profissão de jornalista, particularmente falando por mim que trabalho nessa área, assessoria, crises, fosse mais honrada e responsável, que as coisas não fossem assim jogadas ao vento para ver até onde ele leva, porque já estamos bem dentro de um furacão. Não estamos querendo vulcões em erupção.

Os dias têm sido bastante pródigos em outros bons exemplos. Vamos lá, na linha manchetes que eles próprios nos deram e depois precisaram sair correndo para remendar, em geral chegando atrasados e metendo ainda mais os pés pelas mãos. “Governo libera mineração em área de preservação ambiental na Amazônia”. “Fiscalização do trabalho escravo vai acabar”. “Merenda escolar será de ração feita de alimentos que iam para o lixo”.

Seguido pelo festival de “não era bem assim”, “vocês não entenderam”, “tirem o viés ideológico”, “é golpe, é golpe”, “não querem que eu concorra”.

Mas o problema é que pode ser ideia boa e que pode acabar sendo desperdiçada, o que não é o caso, claro, nem da Amazônia nem do trabalho escravo. Mas da tal farinata, se tivesse sido apresentada direito. Um suplemento alimentar, nutritivo, produzido com bons e selecionados alimentos que são desidratados e podem integrar vários pratos em várias formas. Ideia antiga, inclusive, e que se bem desenvolvida já teria melhorado a miséria e a fome. Todo mundo come um monte de coisas que a gente não tem a menor ideia e vêm nos produtos.

Lidar com a imprensa não é simples, não é igual fazer selfie pelo celular, snap que se apaga. Outro dia, em um desagravo a um grande advogado, este fez em discurso uma ótima comparação, que aponta a dimensão do perigo, e a diferença – e até rixa – de tratamento entre as profissões, ambas com direito indiscutível a sigilo profissional. “Nunca vi no noticiário mostrarem gravação entre um repórter e a fonte, mesmo com acusação. Mas já vi várias gravações de advogados com seus clientes”.

Por outro lado, já há alguns anos os advogados têm assumido o papel de porta-vozes. Daí, tantas laudatórias e assinadas notas com palavras incompreensíveis e jurídicas ao grande público.

Enfim, considerem “Em boca fechada não entra mosquito”, uma das expressões mais objetivas e fundamentais para lembrar agora.

Tem outra boa: o peixe morre pela boca; essa lembra o anzol que o peixe corre a abocanhar a isca. Nós, jornalistas, dispomos sempre de várias minhoquinhas para jogar ao mar. Junto com as pretensões de muitos políticos por aí.

Marli Gonçalves

A lei é para os outros

Estou furioso. O que é péssimo para escrever uma crônica de jornal, que exige um mínimo de serenidade. A vontade é de xingar, ofender, esculachar o que Roberto Athayde chama de “alta ralé” brasileira.

Uma tabelinha maligna entre Judiciário e Legislativo escancarou as portas da impunidade para os bandidos travestidos de políticos. Perdeu, Brasil! No nosso surrealismo político, ou realismo absurdo, 44 senadores, sendo 17 réus e indiciados na Justiça, atacam a “parcialidade” da PGR e dos juízes e livram o colega Aécio Neves da lei — de viva voz, cínica e deslavadamente, para salvar a pele quando chegar a sua vez. Se é que vai chegar..



Ninguém vai votar pela criação de sua própria câmara de gás, ou Senado de gás. Aécio vai ser levado ao Conselho de Ética? Presidido pelo patusco João Alberto, fiel serviçal de Sarney e lépido arquivador do que lhe for ordenado? Risos! Gargalhadas! Vontade de chorar. É mais fácil o Marcelo Camelo passar pelo buraco de uma agulha do que alguém ser cassado.

Eles nunca tiveram tanta certeza da impunidade: se forem condenados pelo Supremo, contam com a bancada da bandalha, com direita, esquerda e centro unidos na privatização do dinheiro público e na defesa de seus colegas de crime.

Ser defendido com veemência por Jader Barbalho, Romero Jucá e Renan Calheiros já é uma condenação. Assim como Temer ser garantido como 101% honesto por Maluf equivale a um atestado de maus antecedentes. Cala a boca, Maluf, devem ter pensado no Planalto. Quem sabe lhe damos uns cargos para ele parar de falar bem do Temer?

Eduardo Cunha está se sentindo injustiçado e discriminado. Por que só ele? A bancada que ele bancou e elegeu se acovardou e o traiu, mas se fizerem uma nova votação, com as novas garantias de impunidade, é bem provável que o inocentem.

Delcídio do Amaral já está todo animadinho preparando recurso contra sua cassação pelos mesmos colegas que absolveram Aécio. Afinal, todos são iguais perante a transgressão da lei, pelo menos no Senado e na Câmara. Como queria Romero Jucá, a sangria foi estancada, a Lava-Jato agoniza, os bandidos comemoram.

Nelson Mota