domingo, 8 de outubro de 2017

Imagem do Dia

21 pontes antigas (Foto: bbe022001/Reprodução)
Ponte da Lua, em Taipei (Taiwan)

O furacão conservador e outras tragédias artificiais

A natureza anda mesmo implacável com a gente.

Está decidida a nos varrer da face do planeta com seu espanador de catástrofes.

Nós, brasileiros, demos a sorte.

Estamos a salvo de erupções vulcânicas, raramente temos terremotos e não há registro de nevascas nos livros de História.

Em compensação, o que nos falta em tragédias naturais, compensamos criando tragédias artificiais.

Desastres criados pela mão do homem, sem nenhuma relação com as forças do meio-ambiente.


A primeira dessas tragédias é o Tsunami de Corrupção.

Uma onda de roubalheira que vai se formando aos poucos nos subterrâneos, nos quartos de hotel, nos porta-malas, nas repartições públicas do segundo escalão.

A marolinha, então, cresce até invadir o Congresso Nacional e as salas de estar do Executivo com uma força de dimensões inimagináveis.

No rastro do Tsunami de Corrupção vêm sempre crises econômicas, desemprego e destruição de sonhos e esperanças.

Tal qual o tsunami natural, que apaga ilhas inteiras e arranca árvores centenárias pela raiz como se fossem de brinquedo, o Tsunami de Corrupção arranca de seus tronos os empresários e políticos enraizados à gerações.

Afunda empresas que pareciam sólidas como rochas.

Outra tragédia artificial criada aqui em nossas terras é a Inundação de Incompetência.

Começa com uma garoa ininterrupta de equívocos e má fé.

O despreparo, a burocracia, o nepotismo e o corporativismo vão se acumulando até atingir um nível alarmante.

Um dia a barragem política não aguenta e rompe causando uma inundação de prejuízos e devastação sem precedentes.

A Inundação de Incompetência ocorre em áreas específicas do país, notadamente na saúde pública, saneamento e educação.

Tem mais: a virulenta Epidemia Evangélica.

Em sua variante não agressiva, a Epidemia Evangélica surgiu nas igrejas e cultos espalhados pelo país.

Em pouco tempo se propagou — com fúria bíblica — para as Assembléias. Legislativas.

A contaminação do Congresso Nacional foi instantânea.

Aí adeus.

A Epidemia Evangélica mandou para a UTI o Estado Laico.

E não existe cura conhecida.

Todas essas tragédias já seriam suficientes para nos apagar do mapa.

Mas o pior guardei para o final: o Furacão Conservador.

Tenho até medo de descrever.

Começa como uma brisa as vezes confundida com um refresco de ideias.

De uma hora para outra os ventos da mudança começam a girar no sentido anti-horário.

E quando nos damos conta, é tarde demais.

O olho do Furacão Conservador é a ignorância.

É de lá que emanam rajadas terríveis de nacionalismo, xenofobia, preconceito e até militarismo.
O Furacão Conservador não poupa ninguém.

Escolas, museus, minorias, movimentos sociais são todos arrancados de seus direitos mais fundamentais.

E olha só: não quero ser alarmista nem nada, mas estudiosos dizem que existe um terrível Furacão Conservador em formação.

Não garantem, mas à boca pequena dizem que vai atingir categoria 5 em outubro do ano que vem.

Espero que estejam errados senão, meu amigo, a gente vai implorar por um meteoro.

Mas já não dorme!

 
Se brasileiro soubesse tudo que sei, seria muito difícil dormir
Cármen Lúcia, presidente do STF

A vez dos oportunistas

Ideológicos, por motivação religiosa ou, principalmente, por oportunismo, o Brasil tem registrado nos últimos tempos constantes ataques à liberdade de expressão em praticamente todos os setores. No fundo, são ataques à Constituição. Por consequência, ao estado democrático de direito. Diz o artigo 220 da Carta que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição. O parágrafo primeiro afirma que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e o parágrafo segundo estabelece que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Para que a coisa não corresse frouxa, os constituintes de 1987/88 tiveram o cuidado de tornar também regras constitucionais a proibição do anonimato, exceto para resguardar a fonte de informação e o direito de resposta e à indenização quando houver dano moral. Observe-se que o direito de resposta e à indenização só pode ser pedido depois de publicada a informação, pois não há censura prévia.

Portanto, não passou de puro oportunismo a emenda do deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ) à reforma política e eleitoral que permitiria a retirada, sem necessidade de decisão judicial, de conteúdo na internet que possa ser interpretado como discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido, coligação, candidato ou de habilitado a se candidatar. Por estar carregada de inconstitucionalidade, o presidente Michel Temer decidiu vetar a emenda.

Charge O Tempo 07/10/2017

Também foram oportunistas as manifestações do prefeito de São Paulo, João Doria, em vídeo postado no dia 30, no qual condena a performance de um artista que ficou nu, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, e a “Queermuseu”, realizada pelo Santander Cultural em Porto Alegre, mostra essa encerrada depois de ameaças porque alguns setores a consideraram herege ou um tributo à pedofilia. “Afrontam o direito, a liberdade e, obviamente, a responsabilidade.” Ele ainda qualificou a performance do artista de “libidinosa” e de “absolutamente imprópria”. No momento da performance, uma mãe entrou com uma criança no recinto e a induziu a interagir com o artista. Daí, a gritaria. Na entrada havia uma observação sobre o fato de o artista estar nu. Por sua vez, no Rio, o prefeito Marcelo Crivella decidiu dificultar a montagem da mostra “Queermuseu”.

Vale repetir o que diz a Constituição, em seu artigo 220, parágrafo segundo: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. 

Ainda nesta semana, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, foi procurado por um grupo de deputados, liderado por Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), pastor da Assembleia de Deus. O grupo, oportunista, pressionou o ministro a dizer que a performance havia sido um crime. O ministro escorregou aqui e ali e acabou por dizer que, em sua opinião pessoal, houve desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sá Leitão é ministro da Cultura num Estado laico. Ele pode até ter uma religião. Mas, como ministro, cabe a ele insistir no distanciamento entre uma coisa e outra. Como ministro, ele não tem de tomar partido e deve respeito à Constituição. Tem é de defender a arte como instrumento de subversão cultural e de manifestação libertária.

Quando ministro do STF, Carlos Ayres Britto costumava dizer que, por ser um direito pleno, a liberdade de expressão não permite regulamentação por parte do Estado nem pode ser objeto de emenda constitucional. É uma expressão dos direitos e garantias individuais, o que é uma cláusula pétrea.

Nem por isso está livre dos oportunistas.

Gente fora do mapa

fruits and flowers

Um dos maiores problemas do país é a promiscuidade institucional em Brasília

O advogado e economista Celso Serra tem reiterado aqui na “Tribuna da Internet” que a construção de Brasília teve alguns reflexos altamente negativos, devido à promiscuidade institucional que acontece na capital, e ninguém tem a menor dúvida a respeito. Basta assinalar a intimidade verdadeiramente incestuosa entre o presidente Michel Temer e o ministro Gilmar Mendes, membro do Supremo e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que tem impunemente afrontado a legislação e participado de julgamentos que envolvem direitamente o chefe do governo, seu amigo, irmão, camarada.

Outros integrantes do STF também agem assim, como Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, amigos pessoais do ex-ministro José Dirceu, que também não se declararam impedidos de julgá-lo e de gentilmente lhe concederem liberdade, podendo circular livremente em Brasília. Toffoli, aliás, também não se sentiu constrangido em determinar a soltura do ex-ministro Paulo Bernardo, seu amigo há anos, que chefiou uma quadrilha no Ministério do Planejamento para desviar dinheiro de empréstimos a aposentados e servidores ativos.


Da mesmo forma, o ministro Marco Aurélio Mello também libertou Aécio Neves, seu amigo há muito anos, e até elogiou “os serviços prestados ao país” pelo senador flagrado em gravíssimos atos de corrupção, envolvendo a própria irmã e um primo, que foi filmado pela Polícia Federal ao receber uma mala de dinheiro para entregar ao presidente licenciado do PSDB.

Diante de tantos exemplos nada republicanos, não causa surpresa que também o neoministro Alexandre de Moraes, nomeado por Temer, de quem é amigo pessoal há muitos anos, esteja participando de julgamentos que envolvem diretamente o chefe de governo, em afronta à legislação em vigor.

Como o exemplo vem de cima, em breve não haverá mais suspeição ou impedimento de magistrados e membros do Ministério Público, pois os dispositivos legais entrarão no rol das leis tipo “vacina”, que não pegaram.

 A propósito da crise do Supremo, o advogado Antonio Pedro Pellegrino escreveu artigo em O Globo, na última quinta-feira, dia 5, em que reitera teses antigas que precisam ser adotadas o quanto antes, como a mudança da sistemática de escolha dos ministros dos tribunais superiores e a necessidade de restringir ao máximo a subida de processos para exame pelo Supremo, como ocorre em todos o país minimamente organizados.

O mais interessante no artigo é o exemplo da Alemanha, onde a Suprema Corte está convenientemente instalada em Karlsrule, a 750 km da capital Berlim, e este afastamento é proposital, justamente para evitar a promiscuidade entre os Poderes da República.

Em seu artigo, Pellegrino lamenta o alto custo que teria a retirada estratégia do Supremo para bem longe do Planalto Central, mas este argumento não tem validade. Um país que dispõe de R$ 1,7 bilhão para gastar a cada dois anos no custeio de campanhas eleitorais, além de consumir R$ 900 milhões anuais para distribuir entre os partidos, com certeza este país tem condições de instalar o Supremo em qualquer lugar do território nacional.

Engana que o Brasil gosta

O que chama a atenção no caso da prisão de Carlos Arthur Nuzman, o eterno cacique do Comitê Olímpico Brasileiro, não é apenas a corrupção exposta, mas o grau de empulhação que as autoridades — as políticas e as esportivas — conseguem vender para o público, que, por sua vez, a aceita bovinamente.

Um pouco de memória: quando o Brasil foi escolhido para ser, sucessivamente, sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, a tese vendida pelos dirigentes políticos e esportivos era a de que o país mudara de patamar, estava encaixado entre os grandes do mundo.
Não era apenas a nação alegre e musical que o mundo admira, mas também uma potência perfeitamente capaz de organizar os dois eventos que mais atenção concitam no planeta.

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O então presidente Lula, no discurso em que defendeu a candidatura do Rio, disse que havia participado fazia pouco da cúpula do G20, na qual havia sido desenhado “um novo mapa econômico mundial”. Completou: “O Brasil conquistou o seu lugar” (nesse suposto novo mundo). Escolhido o Rio, Lula chorou, Sérgio Cabral, então governador do Rio, chorou, a delegação brasileira emocionou-se, Nuzman também chorou.

Pena que, como se vê agora, o Brasil não conquistou seus Jogos Olímpicos por ter entrada em um suposto novo mapa-múndi econômico, mas por ter praticado seu ancestral esporte favorito, a corrupção. Comprou os jogos, para ser breve.

Como se fosse pouco, a compra dos Jogos abriu a porteira para uma série de obras nas quais, como aparece na investigação em curso, houve o tradicional superfaturamento e as propinas, esquemas em que o prisioneiro Sérgio Cabral ganha medalhas de ouro — mesmo em um país em que elas são mais comuns do que arroz-com-feijão.

O povo alegre e musical divertiu-se, no entanto, com a dupla escolha. Desandou a cantar “sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor”.

Passados apenas oito anos do que Lula chamara de “momento mágico”, os dois máximos dirigentes do esporte brasileiro (Nuzman e José Maria Marin, da CBF) estão presos, o que só comprova o óbvio: os caciques do esporte não poderiam ser diferentes dos caciques políticos, uma penca destes também na cadeia ou denunciados ou condenados, mas ainda soltos (caso de Lula, por exemplo).

O “muito orgulho” da canção foi substituído pela vergonha, mostrou o Datafolha em junho: 47% dos brasileiros entrevistados à época afirmaram ter vergonha de serem brasileiros.

Na noite de quinta-feira (dia 5), cruzei nos corredores da ESPN com Juca Kfouri, um Quixote quase solitário na denúncia dos desmandos das cúpulas do esporte. Juca acaba de lançar um livro de memórias cujo título diz tudo: “Confesso que perdi”.

Disse-lhe: “Ânimo, Juca, você ainda é novo o suficiente para ver um dia um país melhor“. E ele: “Nem meus filhos verão. Quem sabe os netos“.

Que pelo menos os netos, os meus e os dele, não sejam tão facilmente enganados já seria um progresso.

Dias de amargura

Enfrentamos na última semana acontecimentos assustadores e que não espantaram mais por estarmos numa época de calamidade generalizada, em plena overdose de notícias aterrorizantes. Leva ao espanto: será verdade? A que ponto chegamos?

A semana iniciou-se com 59 pessoas exterminadas e 527 baleadas em Las Vegas, pior que filme de terror. No país que não sabe conter e disciplinar a compra de armas, dá nisso mesmo.


Aqui, até as Olimpíadas do Rio de Janeiro, que se encerraram aplaudidas no mundo todo com o discurso de Carlos Nuzman, mostrou tratar-se de um evento inserido nos propinodutos e no mar de corrupção. Parece que, como em outros fantasmagóricos projetos do quilate do pré-sal, do Mundial de futebol, da transposição, dos aeroportos no deserto e de inúmeras obras públicas, por detrás a motivação é criar vórtices, entre urgências patrióticas, para tragar montanhas de recursos públicos. Mais uma do aloprado Sérgio Cabral.

O império da corrupção onipresente revelou mais essa faceta até então desconhecida. Atrás da fachada “Olimpíadas”, mais um esquema para desviar bilhões em recursos amputados das contas de alívio à miserabilidade.

Abateram-se sobre os cidadãos mais revelações e gravações de acertos criminosos que apresentam figuras sem escrúpulos e sem moral, comungando o deslumbre para riqueza e luxo, absolutamente incompatíveis com suas funções públicas.

Não bastasse isso, o incorrigível Congresso Nacional aprovou, e o presidente sancionou, o financiamento público de campanhas eleitorais com R$ 1,7 bilhão. Isso para os partidos bancarem suas eleições de 2018 e sem adotar qualquer medida que diminua os gastos e enquadre em regras austeras as eleições. Coloca-se o povo a bancar as eleições retirando R$ 500 milhões das emendas orçamentárias dos parlamentares, ou seja, recursos destinados às obras aguardadas pelo povo dos Estados e dos rincões. Outro acinte foi não possibilitar o voto nominal de uma matéria dessa importância.

O que se consumou foi a perda de um recurso para inserir mais de 700 mil crianças, hoje excluídas das creches, entre os milhões de não atendidos, exatamente por falta de verbas.

A criação de mais esse fundo é execrável, aprovado anonimamente no apagar das luzes de uma semana sofrida. Mas ficou claro que os mesmos demagogos que condenavam o “distritão misto”, como solução de país subdesenvolvido, conseguiram fazer muito pior: dar a cada um dos parlamentares R$ 2 milhões para se perpetuarem no cargo em 2018 ou levar bolada para casa.

Ainda proibiram as candidaturas avulsas, que constituem um direito nas mais livres democracias, para não se submeter aos esquemas das organizações partidárias. Isso, sim, de país de Terceiro Mundo que tem uma casta incrustada no poder.

Outro capítulo da semana: Cesare Battisti, interceptado tentando atravessar os confins do Brasil. Um assassino que matou pelas costas quatro pessoas e deixou um rapaz paraplégico na Itália. Uma figura que foi protegida, pelo governo brasileiro, para ser subtraída à Justiça de seu país. O Brasil mostrou ser generoso com assassinos perversos, e ao mesmo tempo cruel com sua população mais carente, privando-a de R$ 1,7 bilhão.

Isso tudo para os desavisados não tem relação com a tragédia de Janaúba, com o extermínio de criancinhas queimadas vivas por um desgraçado que se suicidou em seguida.

Entretanto, cada sociedade constrói seu destino com suas energias positivas e infelizmente negativas, seus vícios e egoísmos. Produz os efeitos e seus méritos. Não há evento que não tenha um peso direto no conjunto e especialmente as ações de seus membros mais importantes, dos líderes, das elites da nação. Daqueles que, elevados às alturas, são responsáveis por dar um exemplo.

Nessa época se artificializa e se dissimula, e nosso povo é vítima assim de desleais, de seres vorazes e sem sentimentos. E, quando isso acontece, o destino se apresenta, a Gomorra se aproxima da destruição.

Tirando os poucos parlamentares que prestam, os partidos dominados pela ganância devem ser enfrentados com as armas da democracia. Cassados pelo voto popular. Criando uma corrente que se negue a votar em quem destrói a nação e quem faz uso da verba tirada dos inocentes.

Vittorio Medioli