domingo, 17 de setembro de 2017

Temer na história dos vices do Brasil

Temer, Corrupto, corruptor, farsante, delinquente, acumulando denúncias de roubalheiras, caçado pelos Três Poderes e pela Policia Federal. Aos pés do cadafalso, acredita e se imagina um redivivo Robespierre, mas será enterrado politicamente no Departamento de Limpeza Pública
Desde que o vice Floriano Peixoto derrubou Deodoro e se apoderou arbitrariamente do poder, muitos vices assumiram, usando o mesmo subterfúgio. E a mesma tática e estratégia da conspiração das madrugadas. Em apenas três anos, de 1951 a 1954, levaram Vargas a um fim glorioso e histórico, desprezando o poder, preferindo deixar a vida para entrar na História. O vice, articulador de tudo, assumiu mas não governou, porque queria mais poder. Foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal em 22 de novembro de 1955.

Rapidamente, para lembrar e comparar com o Supremo de hoje. O advogado do vice em exercício, Café Filho, entrou no Supremo pretendendo que ele continuasse no poder. Sorteado relator, o notável Nelson Hungria levantou e, mesmo de pé, improvisou um voto magistral, afirmando que “o vice conspirador não pode continuar”. Seguido por unanimidade o voto de Hungria, Café Filho foi afastado, Juscelino assumiu sem susto em 31 de janeiro de 1956, depois de viajar 32 dias pelo mundo, como presidente eleito e ainda não empossado.

Assisti a essa sessão histórica, sentado na primeira fila, entre os extraordinários Milton Campos e Dario de Almeida Magalhães. Alguns ministros de hoje, não todos (mas a maioria) poderiam rever os anais. Que diferença. Talvez agissem de outro modo, recuperando o prestigio do Judiciário e salvando o país.

Agora, 57 anos depois desse episódio,um outro vice usurpador está no poder. Café Filho tinha apoios isolados, era conspirador desde 1935, mas não roubava. Antes da vice, morava num apartamento modestissimo. Como vice continuou morando ali, no Rio, só o presidente da Republica tinha palácio.

Vargas tinha dois: o Catete para trabalhar, o Guanabara para morar. Achou um exagero, eram vizinhos, ficou morando e trabalhando no belíssimo Catete, doou o Guanabara para o então Distrito Federal. (Temer, logo vitoriosa a conspiração, se apossou de três palácios).

Michel Temer preparou e consumou a conspíração parlamentar que o levou ao poder, com apoio ostensivo, enrustido ou escondido dos Três Poderes. E dentro deles, o que havia de mais podre em toda a História Republicana. Os que não participaram se acumpliciaram coletiva e pessoalmente pela omissão. Estão sendo recompensados até agora pela bandalheira comandada diária e diretamente, pelo maior LADRÃO da Republica. O próprio Temer, na acusação publica do ex-amigo tambem LADRÃO, Joesley Batista.

Depois de mais de 16 meses da elevação do vice a presidente, caiu para 3% de popularidade.. Presidentes, ditadores, vices em exercício, se exibiam e gostavam da comemoração do 7 de Setembro. Temer foi o primeiro que assistiu de longe, não participou,teve medo da repulsa geral. Não vai a lugar algum, se apavora com a possibilidade ou a expectativa de uma simples vaia, que ele sabe que virá.

Sua realidade, quase certeza, que transmite a áulicos e cúmplices, pelo menos os que ainda estão em liberdade, apesar de vastamente denunciados: “Nosso mandato vai até 2018, conto com vocês”. E não abandona aquele sorriso melífluo, blandicioso, dúbio, supérfluo, cansativo. Sua outra ideia fixa e repetida: se comparar com Robespierre e com a Revolução Francesa.

Temos que nos livrar de Temer, nada a ver com a Revolução de1789. A bela “Marselhesa” (que era para ser o hino da oposição mas não da Revolução), em determinado momento chama e conclama: “Ás armas, Cidadãos”. Não queremos as armas e sim os cidadãos.

Temos que expulsar Temer. Com apoio do Legislativo e do Judiciário se for possível. Sem eles, se for necessário.

O terceiro fantasma

Espectros e assombrações, de acordo com sua natureza evanescente, costumam rondar cenários de terra devastada, como é o caso da política brasileira, trazendo presságios e reminiscências mais ou menos distantes e, no entanto, úteis para nossa ponderação. De fato, a devastação é grande demais: líderes e partidos, de governo ou da oposição, parecem dissolver-se no ar, arruinados por denúncias às vezes imprevistas ou transformados em alvo de acusações que os tratam, respectivamente, como delinquentes ou “organizações criminosas” imprestáveis para o funcionamento de uma democracia normal.

Tendo em vista as prosaicas malas abarrotadas de dinheiro ou os sofisticados softwares de propina, não se pode dizer que se trata de calúnias saídas do nada. Mas o fato é que, ao lado do aspecto investigativo-judicial, é preciso voltar os olhos para toda a imensa crise de representação que assim se estabelece, dando ouvidos à assombração italiana dos anos 90 do século passado e à argentina da virada de século. A evolução política daqueles dois países é o que nos interessa de perto; judicialmente, respeitado o processo legal, que os mortos enterrem os mortos. De todo modo, não haverá muito a fazer se e quando condenados, sejam eles quem forem e seja qual for a narrativa persecutória que preferirem.

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O impacto da Mãos Limpas na história italiana foi de tal monta que assinalou o ocaso da Primeira República, estruturada em torno de dois grandes partidos de massa, a Democracia Cristã e o Partido Comunista. O primeiro deles ainda tentaria reviver com o nome de seu longínquo antecessor, o Partido Popular, mas sem muito sucesso. E deixaria o campo da centro-direita livre para o surgimento fulminante de um personagem egresso do mundo dos negócios, Silvio Berlusconi, a seduzir cidadãos-consumidores, numa peculiar telecracia, com a retórica da antipolítica. Empresário, estaria comprometido só com a eficiência; rico, não precisaria valer-se da corrupção intrínseca à atividade política.

Em síntese extrema, o que levou à ruína a Democracia Cristã – e o Partido Socialista de Bettino Craxi, morto no exílio – foi a construção de um complexo sistema de poder, que excluía por definição a alternância. Impensável um partido comunista chefiar um governo nacional na Itália daquele tempo. Excluído do poder central e, portanto, só marginalmente atingido pelas investigações, o PCI, já mudado em partido de esquerda democrática, se lançara havia alguns anos em busca de uma identidade distinta da matriz bolchevique, busca evidentemente necessária para a formação de governos alternativos ao de Berlusconi.

Esta função cumprida pelos pós-comunistas italianos é algo que hoje nos falta à esquerda, se for verdade – do ponto de vista estritamente político – que o comportamento do petismo terá significado pelo menos o início da constituição de estruturas de poder avessas à alternância e voltadas para a cooptação bruta de aliados, chamados para ocupar predatoriamente, em posição subordinada, os lugares disponíveis em órgãos de Estado e empresas públicas. E esta falta de protagonismo de uma esquerda forte e responsável pode se arrastar por vários anos, penalizados que seremos pelas contradições e ambiguidades do lulismo e do petismo.

O fantasma argentino também traz sua mensagem para nós. Após a década neoliberal de Menem, uma das mais surpreendentes metamorfoses do peronismo, e do fracasso de seu sucessor “radical”, Fernando de la Rúa, as praças do país vizinho foram invadidas por intensos protestos populares. E até houve quem os tomasse, confundindo a nuvem com Juno, por um processo revolucionário à moda de Lenin, no qual uma eventual invasão da Casa Rosada significasse, quem sabe, a tomada do Palácio de Inverno.

Também aqui a antipolítica ressurgiu com virulência. O lema que se vayan todos, que no quede uno solo, condenatório de toda a “classe política”, correu mundo como expressão da vontade popular de fazer tábula rasa de representantes e instituições representativas. Alguns terão sonhado novamente com a “democracia direta”, a ser exercida nas praças, dispensando mediações e dando voz ao verdadeiro soberano. A ilusão de começar do zero, em meio à instabilidade provocada pela sucessão alucinante de governos brevíssimos, haveria de desembocar paradoxalmente na era Kirchner, manifestação desta feita do peronismo de esquerda, cujo apelo “nacional-popular” nem sempre, ou quase nunca, ocultou o desígnio de uma democracia iliberal e tendencialmente carente de contrapesos republicanos.

Pode ser que um terceiro fantasma tenha, agora, aparecido em nosso relato. Ambíguo, multiforme, o populismo será um espectro capaz de variadas encarnações e, por isso mesmo, de difícil apreensão conceitual. Há mesmo um bom argumento que rejeita seu uso por causa destas suas múltiplas figuras, que vão dos governantes “nacional-populares” da América Latina até Berlusconi ou mesmo Trump. O fato é que, em nossos dias, importantes teóricos voltaram a pôr em circulação a “razão populista”, que invariavelmente tenta desagregar, segundo a lógica feroz de amigos versus inimigos, o consenso em torno das instituições democráticas. O que diferenciaria o populismo progressista daquele reacionário seria a escolha atilada dos inimigos: as elites em vez dos imigrantes, por exemplo.

Em tempos difíceis, como os que temos vivido aqui e agora, o que se requer é uma esquerda que majoritariamente não pense só na afirmação de suas próprias razões, mas seja capaz de levar em conta o conjunto da sociedade, aceitando a espinhosa – e interminável – missão da persuasão permanente. E reconheça, por isso, que apostar na cisão simplória entre o povo e seus inimigos pode acarretar tragicamente “a ruína comum das classes em luta”. Como temos visto, construir esse tipo de esquerda não é nada fácil.

Gente fora do mapa

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Dewan Irawan

Quem se importa com a 'organização criminosa'?

O Brasil tornou-se um país paradoxal. Em nova denúncia contra Michel Temer a Procuradoria sustenta, com base em indícios consistentes, que o grupo político que governa o país é uma “organização criminosa”. Simultaneamente, o mercado financeiro comemora altas históricas. A Bolsa de Valores está eufórica com a notícia de que não há a mais remota chance de a Câmara autorizar o Supremo Tribunal Federal a investigar a quadrilha que a Procuradoria enxerga no Planalto.

Agarrado à poltrona, Temer alardeia que o pior da crise já passou. Além da alta na bolsa, há a inflação baixa, os juros de um dígito e um ambicioso programa de privatizações —coisa igual não se via há uma década e meia. Quer dizer: exceto pelos 13 milhões de desempregados que não sabem o que é Bolsa de Valores, nenhum brasileiro pode deixar de ser otimista.

É claro que uma delação do Geddel Vieira Lima pode reverter o otimismo. Mas, por ora, ninguém parece se importar com o fato de que os personagens que a Procuradoria denuncia como criminosos são os mesmos que conduzem, a partir do Planalto, os negócios bilionários do Estado.

Denunciados junto com Temer, os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha têm voz ativa, por exemplo, na venda estatais e na concessão de aeroportos e rodovias. Mantê-los em posições tão estratégicas sem uma sentença que os redima é mais ou menos como colocar gato para vigiar sardinhas. Mas quem se importa?

Maduro, coelhos contra a fome

A mais recente patuscada do ditador venezuelano Nicolás Maduro: o "Plano Coelho", que viria a ser a criação em casa de coelhos que, uma vez crescidos, serviriam para alimentar os famintos venezuelanos.

A tolice, sejamos justos, não é ideia de Maduro, mas lhe foi soprada pelo ministro Freddy Bernal, da Agricultura Urbana (haverá nessa patética Venezuela um Ministério da Agricultura Rural?).

Reação instantânea do poeta Leonardo Padrón, autor de algumas das mais celebradas telenovelas do país: "Bernal diz que aos coelhos já não há que vê-los como mascotes mas como dois quilos de carne. Em quanto tempo dirá o mesmo sobre os cachorros?".

O plano tem uma origem óbvia: a Venezuela bolivariana tornou-se incapaz de produzir proteínas, seja carne bovina, ovina, de frango ou de porco. Ou qualquer outro alimentos na quantidade necessária para atender a uma população levada à miséria.

O "Plano Coelho" seria apenas patético, não fosse a dramaticidade da situação venezuelana. Tão dramática que consegue ser pior do que a Síria, essa Síria cujas ruínas você vê regularmente em telejornais.

A comparação é feita por um brilhante repórter, Yan Boechat, colaborador desta Folha, com a experiência de quem conhece ambas as situações. Passou um tempo no meio da guerra na Síria e está agora na Venezuela. De ambos os países, produziu um conjunto admirável de reportagens.

Consultei Yan sobre a possibilidade de fazer alguma analogia entre Síria e Venezuela. Sua resposta foi chocante: "Acho que a situação aqui [na Venezuela] é mais caótica. Na Síria, o Estado não consegue controlar todo o território. Não tem capacidade de controlá-lo fisicamente. Mas, onde está instalado, os serviços básicos mal ou bem funcionam".

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Já na Venezuela, "o Estado consegue controlar bem seu território, mas é incapaz de abastecê-lo com itens muito básicos. Não consegue suprir a demanda de papel moeda, de alimentos, de itens de higiene e principalmente de remédios".

Consequência inexorável: "As pessoas estão morrendo porque não há um antibiótico, dos mais simples. Já na Síria, há comida, há dinheiro físico, há medicina, principalmente na área comandada pelo governo, que é a que conheço um pouco".

Conta Yan que uma médica venezuelana lhe disse: "Estamos fazendo medicina de cem anos atrás".

É um retrocesso chocante em qualquer circunstância, mas para um brasileiro deveria ser ainda chocante por se tratar de um vizinho com o qual há relações mais que centenárias.

Há um segundo ponto de contato entre Síria e Venezuela: a comunidade internacional fracassou rotundamente em encontrar soluções para a guerra, no primeiro caso, e para o desastre econômico, político e social na Venezuela.

Agora, a diplomacia americana está anunciando que Donald Trump pretende cobrar de seu colega Michel Temer, no encontro previsto para este mês, alguma iniciativa capaz de ajudar a resolver o problema venezuelano. Duvido que saia algo.

Tão inacreditável como o desastre venezuelano é o inoxidável apoio de quase toda a esquerda brasileira a esse fracasso. Já não é só cegueira ideológica.

É estupidez.

Economia à brasileira

‘Graças a Cairu, deve-se a entrada no Brasil da ciência econômica clássica, constituindo-se aqui uma doutrina liberal que, ao invés de cosmopolita como a de Adam Smith, é nacionalista, comercialista e industrialista.

E essa doutrina especificamente brasileira, solidamente alicerçada em uma justa apreciação das condições e das necessidades do meio, manter-se-á subjacente nas mais variadas expressões do pensamento econômico do Brasil até os nossos dias”, afirmou Paul Hugon em 1942. O professor da USP testemunha que o Brasil nunca teve chance.

A doutrina que Hugon menciona foi enriquecida por outras teorias específicas, como a da dependência e a do projeto nacional. “Por volta de 1955, começou a se difundir no Brasil uma espécie de euforia nacionalista-desenvolvimentista, acompanhada de crescente aparelhamento do Estado como planejador”, escreveu Diva Pinho. E o intervencionismo estatal foi ainda maior em Direito do que em Economia.


Vozes cosmopolitas da época foram abafadas. Como a de Eugênio Gudin. Eram seus amigos Ludwig Erhard, Jacques Rueff, Luigi Einaudi, todos gestores do milagre europeu do pós-guerra. Gudin convenceu Bulhões e o ministro Mariani a deixar o cruzeiro flutuar nove anos antes de tal realidade se impor no mundo. Mas a política reverteu tal decisão. Talvez evitássemos as crises dos anos 60.

Escolhemos imergir no pântano dos mercados internos fechados; substituição das importações; energia, petróleo, subsolo, indústrias, bancos como monopólios estatais; setores privados reservados e incentivados. Capitalismo de Estado e de compadrio. Políticas monetárias teatrais e inflação alta.

Abafamos vozes mais novas. Dos 64 prêmios Nobel em economia, mais de 60 concordam que o papel do Estado é indireto, de garantir infraestrutura e estabelecer regras do jogo claras e iguais para todos.

E que monopólios estatais e empresas privadas protegidas não se tornam competitivas e contribuem negativamente para a produtividade da nação.

Krugman zombava de produtividade “empurrada por governos” e de políticas protecionistas que “escolhiam ganhadores”. Stigler explicava por que empresários comprariam proteção “com dinheiro e votos.”

Tivemos avanços institucionais nos anos 90, mas perdeu-se enorme oportunidade quando o mundo se desestatizou. Crenças uspianas pesaram, como mostram os diários de FHC. E também pesou nossa mania de originalidade, refletida em romanescos planos anti-inflacionários.

Repetimos experiências devastadoras. Uma foi a obsessão de manter artificiais os preços da energia. Geisel nos jogou na crise da dívida externa e década perdida e Dilma na crise da dívida interna e recessão profunda. Outra foi com o setor naval. Geisel com a Sunamam. O escândalo dos “navios de papel”. Lula com plataformas para o pré-sal. O escândalo das “plataformas de papel”.

Geisel e o PT governaram com estatização e BNDES hiperativo, ambos governos com pastores das crenças uspianas. Entende-se tal harmonia quando se leem as memórias de Geisel e o livro de Mantega “A economia política brasileira”.

E depois de 60 anos continuamos pobres, mas com Estado que compra ou manda comprar 60% do PIB e mesmeriza o mundo com nossa corrupção.

Se perdermos a liberdade de imprensa, a nossa democracia irá para o brejo. FHC notavelmente queria lançar as bases de um Estado não varguista, mas a doutrina de Cairu prevaleceu.

O mundo pós-1989 notou que os economistas políticos estavam nus. A grande reforma foi a extinção do Estado-empresário. Perdemos o momento e pode parecer inviável agora desestatizar como na Alemanha ou República Tcheca.

Mas seria palatável doar as ações e cotas para os funcionários das estatais e trabalhadores brasileiros. Eles são os verdadeiros donos. Minimiza-se assim gigantescos problemas políticos. E desperdício de talento humano perpetrado pelas estatais. Consolidaria nossa democracia.

Só com leis ou reformas políticas, não iremos conseguir.

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 Chittorgarh (Ìndia)

A Orcrim e a democracia no Brasil

O funcionamento da Orcrim está descrito nesta parte da nova denúncia encaminhada no último dia 14 pelo Procurador Geral da República contra o presidente Temer:
“A organização criminosa objeto da investigação no âmbito da Operação Lava Jato foi constituída em 2002 para a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula Da Silva — Lula à presidência da República, quando integrantes do PT uniram-se a grupos econômicos com o objetivo de financiar a campanha de Lula em troca do compromisso assumido pelo então candidato e outros integrantes da organização criminosa do PT de atender interesses privados lícitos e ilícitos daqueles conglomerados. 
“Com isso, Lula foi eleito e a organização criminosa passou a ganhar corpo após a sua posse, quando então se estruturou um modus operandi que consistia em cobrar propina em diversos órgãos, empresas públicas, sociedades de economia mista controladas pela União e Casas do Congresso Nacional, a partir de negociações espúrias com as empresas que tinham interesse em firmar negócios no âmbito do governo federal e na aprovação de determinadas medidas legislativas (…) 
Todo este estratagema não foi desenvolvido para beneficiar indevidamente apenas os integrantes do PT que constituíram a organização criminosa, serviu também para atender interesses escusos de integrantes de outras agremiações partidárias que, ao longo do governo Lula, aderiram ao núcleo político desta organização criminosa com o objetivo de comandar, por meio da nomeação de cargos ou empregos públicos chaves, órgãos e entes da Administração, um verdadeiro sistema de arrecadação de vantagens indevidas em proveito, especialmente, dos integrantes da organização criminosa. Em contrapartida aos cargos públicos obtidos junto aos integrantes do PT envolvidos no esquema ilícito, os integrantes do PMDB e do PP que ingressaram na organização criminosa ofereceram apoio aos interesses daqueles no âmbito do Congresso Nacional.”
Como se vê, nada que até o semanário de Burundi já não tenha noticiado. No entanto, a organização descrita passou ao largo e o TSE fez que não viu algo muito relevante sob o ponto de vista político e institucional. Refiro-me à propagação sobre o baixo clero dos efeitos políticos e éticos da atividade criminosa desenvolvida pelas cúpulas das organizações partidárias.

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Os caciques que comandavam os negócios da tribo supriam suas tropas de recursos para custeio das respectivas campanhas eleitorais. O motivo é evidente: quanto maior o número de fieis seguidores, mais valiosa se tornava sua posição política e mais bem remunerada a participação nos negócios. Sabe-se, hoje, que o topo da cadeia alimentar, o ápice da carreira consistia em ter apelido e arquivo próprio no departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht.

O tipo de ganância que essa organização permitiu prosperar gerou e ainda preserva um efeito político devastador. Não fossem as coisas assim, a representação da sociedade brasileira, a proporcionalidade entre as diferentes bancadas e muitos daqueles a quem hoje chamamos deputado e senador estariam em outras atividades, longe dos centros de poder. Devem seus mandatos aos caciques em cuja cisterna beberam água e, hoje, se empenham, juntos, em encontrar uma regra de jogo eleitoral que os agasalhe da rejeição do eleitorado.

A distorção causada pelo crime virou o país pelo avesso, influenciou o Direito e a Justiça, a economia, a moral nacional e a doutrinação nas salas de aula. A próxima legislatura, porém, não pode ser uma cópia carbonada da atual; a ORCRIM não pode continuar reproduzindo seus efeitos na representação política. A democracia é muito mais do que um conjunto de normas e formalidades; o que lhe dá vida é a adesão da sociedade política a elevados princípios e valores.

Percival Puggina

Quem 'matará' os facínoras?

Ainda nos machuca os ouvidos a frase “nós não vai ser preso”. Não é pelo maltrato ao idioma não, nem pela aberração da conjugação do verbo, porque isso até que passa e vira formalidade num País de treze milhões de analfabetos, quando o mais grave (muito mais grave) é o conteúdo da frase mesmo. E também ainda nos machuca as retinas o cariz de pretensão de impunidade com os quais o “nós não vai ser preso” nos foi lançado na cara. O dono da pérola, isso todo brasileiro com um fio de barba de vergonha sabe quem é, porque em gente boa dói mais, muito mais, coisas desse tipo: o senhor Joesley Batista, ex-todo-poderoso dono da J&F. As voltas que o mundo dá, e ele agora está trancafiado, por irônica cilada do destino, juntamente com o seu interlocutor no tosco diálogo que gerou a frase. O nome do parceiro de corrupção é Ricardo Saud, ex-alto diretor da empresa. O irmão de Joesley, Wesley, seguiu o mesmo caminho, aquele que tem levado muita gente a sair de suas mansões, por ordem judicial, e ir morar contrariado em cubículos de nove metros quadrados, sem vaso sanitário e sem água quente. Wesley está preso sob acusação de manipular o mercado financeiro.

Falou-se de retinas. E as nossas retinas absorvendo malas e caixas de dinheiro escondidas num apartamento em Salvador, como olhos nus olhando eclipse? Igualmente isso nos fere, igualmente isso nos dói: são os R$ 51 milhões do senhor Geddel Viera Lima, ele mesmo, o bebê chorão, que chora para o juiz, que chora para o carcereiro quando vão lhe raspar a cabeça na cadeia, mas não chora quando gatuna dinheiro do povo, quando conta dinheiro do povo, quando deixa suas lombrosianas digitais no dinheiro do povo. Ah, a dor de treze milhos de desempregados olhando a dinheirama roubada nos tempos em que ele foi vice-presidente do departamento de pessoa jurídica da Caixa Econômica Federal. Bom, muito bom, Geddel também está trancafiado.


Falou-se de povo. Eta povo, o quanto que essa palavra passa de boca em boca na turma do PT, como dela se apropriou a boca de Lula, do chefão da organização criminosa Lula et caterva – Lula, hoje réu em seis processos e com uma linha de montagem de denúcias e inquéritos contra si. A boca da coxa fala em povo, e não enlouquecemos não, não estamos falando que coxa tem boca, estamos dizendo é que essa coxa, apelido da presidente nacional do PT e senadora Gleisi Hoffmann no submundo da corrupção, também ela anda e desanda a falar de povo. E parece padecer de episódios persecutórios, acha agora que o lingua-nos-dentes Antonio Palocci entregou tudo o que sabia de podridão de Lula porque está a serviço da CIA (chora não, leitor; ou, pelo menos, chore de rir). Pois é, Lula e Palocci eram amigos até debaixo d’água ou debaixo de milhões de dólares, e hoje é o salve-se quem puder – depondo a Sergio Moro, Lula declarou que Palocci é “frio e calculista”. Como diz a população carcerária feminina, “quando o bicho abraça playboy, a língua de playboy não tem osso” – ou seja, um deda o outro, só falta fazê-lo por ordem alfabética. Palocci, o super agente secreto americano (tem mais jeito de KGB), não honrou o ensinamento do santo que inspirou sua mãe na hora de seu bastismo: Santo Antonio de Pádua. Pregava Antonio, o santo, não o Palocci: “se não puder falar bem de alguém, não fale nada”. Claro que é impossível falar bem de Lula. Então Palocci, mesmo sendo católico, resolveu falar para tentar aliviar a sua prisão. Eis, aqui, outro trancafiado.

Falou-se de organização criminosa. Inacreditável, as quadrilhas se entrelaçam, nunca se viu tanta corrupção, nunca se viu tantos milhões e bilhões desviados de cofres públicos. A impressão que dá, tamanha é a lama, é que se todas as cédulas de dinheiro pego da Viúva fossem colocadas lado a lado, com paciência de Jó se conseguiria organizá-las por sequência numérica. Como se disse, tudo se entrelaça, é um novelo. Olhe! É lama mesmo! Olhe! De onde saíram tantos facínoras? Na semana passada, Michel Temer disse que “facínoras roubam a verdade” no País. Ele se referiu apenas aos que o denunciam. ISTOÉ elege a expressão facínora em outro contexto bem mais amplo: refere-se a todos, todos mesmo, os predadores que assaltam politicamente o Brasil. É como se Temer falasse de alguns músicos; ISTOÉ fala da orquestra interira. E toda essa corrupção enoja. Tudo isso é obsceno. Tudo isso, machadianamente, “exaure” e “cansa”. Bom Machado de Assis, bom “bruxo do Cosme Velho”, o teu Simão Bacamarte, de Itaguaí, faria um belo trabalho de internação de muitos e muitos políticos dessa “Pindorama, hoje Brasil!”, de muitos e muitos empresários, de muitos e muitos empreiteiros, não fosse ele médico mas, sim, delegado da Polícia Federal. E a Casa Verde seria a Papuda. Reais e dólares, aos milhões, aos bilhões, viraram troco para corruptos e corruptores das mais diversas cores ideológicas e partidárias. Ok, bom e sábio “bruxo”, você avisou: no dia em que fosse proclamada a República, do jeito que tal proclamação estava sendo alinhavada, se veria no País uma quantidade de corruptos que o “sol jamais alumiou”.

Falou-se de corrupção. Como o poder no Brasil parou nas maõs desses delinquentes? De onde vem esse Irma de malversação do dinheiro público? Genética, a causa não é, porque a esmagadora maioria dos brasileiros é honesta, basta olharmos para os olhos da honestidade que se sabe roubada naqueles que bocejam à espera dos sobretolados metrôs e trens e ônibus às seis da matina. Só em São paulo, oito milhões de sonolentos todos os dias. E é mão de mãe com calo puxando filho para creche, é mão de mãe com calo indo para o batente de arrumar casa dos outros, é mão de mãe com calo seguindo para a fábrica. Não, o povo brasileiro é íntegro sim. Mas há um ponto de partida para todo o nó. A República!

Falou-se de República. Não pelo fato de a República ser República, mas, isso sim, por ter sido decretada e não proclamada. Aristides Lobo, arguto observador, escreveu com maestria que o povo, atônito, pensou que se tratava de uma parada militar. Ao saber que um desafeto seu (dera em cima de sua mulher) poderia ser o chefe do novo gabinete do império (boato nascido da boca de Benjamin Constant), Deodoro da Fonseca decidiu assinar a mudança de regime, sequer em praça pública, mas nas dependências do que seria hoje uma câmara de vereadores. Aí, deu ruim para o Brasil. A chamada classe política nasceu e cresceu e espichou e engordou sem o menor compromisso popular – conceito desenvolvido pelo signatário, tristemente no Brasil “o povo é nota de rodapé, o povo é nota de pé de página”. Daí nasce o patrimonialismo. A maioria dos políticos misturando o público com o privado, o que significa, em bom português, avançar no dinheiro dos outros e receber propina para utilizar a máquina pública a favor de interesses privados.

Falou-se de tudo que anda por aí. E a saída, onde fica a saída? (antiga indagação do genial dramaturgo Oduvaldo Vianna Filha). Um dos maiores classicos do cinema, em todos os tempos, chama-se “O homem que matou o facínora” (1962). Nele, o personagem Tom Doniphon (John Wayne) não acredita no ordenamento jurídico que começa a nascer nos EUA, a lei para ele é um revólver e um rifle. Ronson Stoddard (James Stewart), ao contrário, é um recém-formado advogado disposto a provar que a lei vence o tiro. Há um famoso bandido na história chamado Liberty Valance (Lee Marvin). Todos pensam que foi James Stewart quem conseguiu duelar e matar o facínora, mas na verdade quem o mata é John Wayne – e, importantíssimo, seu personagem evolui cultural e politicamente, abandona o cinturão e passa a pregar a soberania das leis e a democracia. Pois bem, a saída para o Brasil, a única saída, são os princípios constitucionais pelos quais o STF zela e saberá sempre zelar, até porque é essa a sua função precípua. Os onze ministros do STF serão, enfim, os homens que “matarão” os facínoras.

Buraco Brasil

Eu bem poderia escrever, sei lá, sobre rock n`roll. Ou sobre a possibilidade de enfrentarmos um grande e grave racionamento de água e energia. Ou sobre os constantes atentados na Europa ou mesmo sobre a bomba maldita voando sobre o Japão. Mas não dá. Sinto muito. Tem mesmo de escrever sobre o buraco cheio de lama em que estamos atolados por causa dessa gente, que agora, ainda por cima, deu de querer censurar as coisas. Tem de reclamar, alertar a todos que estamos vivendo momento perigoso, sombrio.

Que pobreza! Não merecíamos isso. Um país bonito por natureza, cheio de possibilidades, ficando para trás, cada vez mais trás, lá na lanterninha.

Sabe aqueles noticiários sobre inspeções surpresa que a polícia costuma fazer nas celas das prisões em busca de celulares, armas e drogas? Reviram os colchões pelo avesso, procuram túneis de fuga. 

Pois foi essa a exata imagem que veio à minha cabeça quando soube que mais um – mais um, dois, três, quatro, cinco, mil… – Ministro, desta vez o multimilionário Blairo Maggi, estava com todas as casas por onde passa sendo minuciosamente revistadas.

Repara que não está sobrando um, e isso não pode ser normal. Não é normal. Não podemos considerar normal, e acabar nos acostumando, o que aparenta claramente já estar acontecendo. Tudo quanto é presidente, ex-presidente, ministro, ex-ministro, mais os lacaios todos, os asseclas… Pior: os do passado, do presente, e os de um futuro que talvez até fosse possível, se é que deu tempo de pensarmos em alguém novo e capaz.

Ou, me diga, você ainda se choca com as cabeludas verdades, mentiras, mentidos e desmentidos todo santo dia? Confessa: com cada vez mais enrolados arrolados, já centenas de nomes, de empresas, pululam delatores, se perde boa parte da história. Resta esperar o capítulo do dia, que trará? Já nem sabemos mais exatamente sobre o que eles estão falando.

O país virou uma enorme Casa de Detenção. E passo a temer (não tenho nada que o verbo também seja nome do homem) que nessa toada poderá ocorrer rebelião.

E o linguajar? São detalhes que talvez você nem preste atenção, mas por conta até da profissão a gente aqui leva em conta, pega o detalhe.

Primeiro, não parece que ninguém queira comunicar nada. Ou estão querendo falar só mesmo com a meia dúzia que poderia vir a comandar essa rebelião ainda possível? Querem falar apenas a essa classe média que anda por aí batendo cabeça em grupelhos, e que estão parindo uns monstrinhos muito dos esquisitos? Que até de censura gostam. Que se alimentam de ódio? Que não entendem nada além do mundinho besta no qual se isolam, e vêm palpitar e nos tirar o direito de decidir.

Como disse, talvez você não tenha reparado, mas, por exemplo, a última nota da presidência falava em realismo fantástico, entre outras expressões pomposas num momento tão importante para quem diz que tem como se defender. Fala logo, não enrola! E o outro, o preso dos 51 milhões, que pede liberdade porque está com medo de ser estuprado? Isso o povo entende direitinho. Fico imaginando os comentários a respeito.

Momento esquizofrênico.

Marli Gonçalves