domingo, 10 de setembro de 2017

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Flechas tortas

A gravação que confirma a lambança feita na delação de Joesley Batista, perdoado pelo passado e pelo futuro por fornecer base para a denúncia contra o presidente Michel Temer, levou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a desbastar o bambuzal com alucinada velocidade. No afogadilho, ou lançou flechas sem afiá-las devidamente ou já as tinha prontas, reservadas para um final apoteótico. Em ambos os casos, uma atitude imprópria, deletéria, não compatível com a responsabilidade do cargo.

Em menos de uma semana, o PGR denunciou oito petistas, incluindo procedimentos duplos contra os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, e sete senadores peemedebistas. Mandou prender o seu ex-braço direito, Marcelo Miller, suspeito de ter orientado a delação dos irmãos Batista, o diretor da J&F, Ricardo Saud, e Joesley, cujas inconfidências gravadas teriam abalado a fé cega que Janot depositara no delator da flecha de prata.

E para fechar o ciclo de dois mandatos consecutivos deve ainda disparar contra deputados do PMDB e apresentar nova denúncia contra Temer.


Como se trata dos suspeitos de sempre, as denúncias não surpreendem. O estranhamento se deve à concentração delas em tão curto prazo, no apagar das luzes do mandato, embora envolvam delitos conhecidos há tempos.

Desde março de 2016, quando o juiz Sérgio Moro deu publicidade à escuta em que Dilma avisa Lula que está enviando o “Bessias” com o termo de posse na Casa Civil, sabe-se da intenção de garantir privilégio de foro para o ex. Ainda que a gravação tenha sido anulada como prova, é difícil crer que o PGR tenha demorado 17 meses para investigar o caso, e que só tenha conseguido conclui-lo a contento na semana passada.

Também não parece verossímil que Janot só tenha fechado na quarta-feira a investigação quanto à liderança de Lula na organização criminosa que surrupiou dinheiro da Petrobras. O procurador Deltan Dellagnol, do Ministério Público do Paraná, já havia demonstrado isso, em 14 de setembro de 2016, em um criticadíssimo power point.

Dos demais petistas denunciados agora, a maioria é reincidente. A começar pela senadora paranaense Gleisi Hoffman, presidente nacional do PT, que se tornou ré há um ano, e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A lista contempla ainda os ex-ministros Edinho Silva, Guido Mantega e Antonio Palocci, condenado a 12 anos por Moro e que, nesta mesma semana, protagonizou as acusações mais devastadoras contra Lula, fechando um cerco quase sem escapatória para o ex.

No PMDB do Senado, a turma-alvo envolve políticos descolados como Renan Calheiros (AL), com uma dúzia de processos nas costas, Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO), Jader Barbalho (PA) e Romero Jucá (RR), líder do governo na Casa, além do ex-presidente José Sarney. Todos se limitaram às clássicas reações de que não há provas contra eles.

Trataram os ferimentos leves das novas flechadas como ataque desferido por alguém que necessita limpar sua imagem e tem pouquíssimo tempo para fazê-lo.

Janot queria (e ainda quer) exibir no currículo a façanha de ser o primeiro do país a denunciar um presidente da República em exercício do mandato. E o fez em incomum tempo recorde de três meses desde a fatídica noite em que Joesley gravou Temer no Palácio do Jaburu. Nada semelhante ao acuro que teve com os demais denunciados.

Reincidindo na pressa, promete repetir o ato contra Temer até sexta-feira, seu último dia frente à PGR. E o fará a partir de cruzamento de delações, entre elas a do próprio Joesley e a de Lúcio Funaro, recém-homologada pelo ministro Edson Fachin.

Em uma só semana, Janot conseguiu com sua atabalhoada atuação de última hora prestar mais um enorme desserviço ao país. Já tinha golpeado o instituto da delação ao premiar criminosos confessos com liberdade e imputabilidade, colocando em risco um princípio caro às apurações da Lava-Jato.

Agora, para delírio dos acusados, derrubou a credibilidade das denúncias que ofereceu. E acrescentou fermento ao discurso de perseguição e demonização da política, mantra repetido pelo PT, por Lula e Dilma, por Temer e os seus.

Arremeteu flechas empenadas. Resta saber com qual intenção.

O castelo e a bomba

A interrogação é geral e está em todos os lábios: para onde vamos? Estamos num imenso corredor escuro em que acusados e acusadores se tocam uns nos outros sem saber se isso é um abraço ou um empurrão.

A vida político-institucional brasileira extraviou-se a si própria. Tudo o que agora vem à luz mais parece um imenso castelo de cartas no qual o leve roçar de um dedo faz com que a primeira derrube a segunda e esta, a de adiante, logo a seguinte, em quedas sucessivas que só concluem com o fim imediato do castelo em si.

É como na bomba nuclear - a do coreano louquinho Kim ou as anteriores -, em que as detonações se expandem umas sobre as outras, originando a destruição brutal e incontrolável.


Entre nós, após as explosões do início de setembro, já não sobra nada do castelo. A mancha cai sobre tudo e todos, numa vastidão que se expande a cada fato novo. Agora, não estão implicados apenas o atual presidente Michel Temer e seu círculo íntimo, ou senadores e deputados governistas ou da oposição. Também os ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff e seus mais próximos no poder estão denunciados formalmente à Justiça.

Lula da Silva - que até bem pouco se autoproclamava “a alma mais honesta do Brasil” - surge como o chefe supremo da organização montada (com seus ministros) para transformar o poder numa gazua de arrombar cofres. Dos antecessores, Fernando Collor e José Sarney estão igualmente denunciados. A acusação contra Collor o implica numa roubalheira de R$ 450 milhões, já quando senador, após os dez anos de suspensão dos direitos políticos, ao ser corrido da Presidência da República.

Até bem pouco, pensávamos que o círculo do crime se fechava no alto empresariado corruptor, com a Odebrecht, OAS e outras grandes empreiteiras de obras públicas. Ou com os irmãos Joesley e Wesley, que, a partir da Friboi, construíram o império da JBS, que teve como um de seus altos executivos o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Já isso bastaria para mostrar a expansão do horror.

Agora, porém, desponta o horror maior: até gente da Procuradoria-Geral da República aparece implicada no crime que eles próprios desvendavam ou ainda desvendam.

O caso do ex-procurador Marcelo Miller é um escândalo tipo arrasa-quarteirão, que polui o ambiente e nada deixa de pé. Quando procurador (e assessor direto de Rodrigo Janot), Miller preparou a “delação premiada” de Joesley e seus comparsas e, de imediato, renunciou ao posto e foi trabalhar no escritório que negociou o acordo. E jamais houve um “acordo de leniência” tão favorável aos corruptores, a ponto de que, mesmo culpados confessos, estão liberados de qualquer culpa.

No castelo de cartas, tudo se desdobra e cai. E aqui, as cartas enlouqueceram: agora, até Janot - símbolo concreto da luta contra a corrupção - aparece citado como eventual e futuro alvo a ser corrompido, junto com ministros do Supremo Tribunal Federal. Tudo leva a crer que o denunciante cometeu uma bravata, um reles palavrório exibicionista para demonstrar seu poder de fogo. Joesley Batista, além de dono de um império empresarial que ia da carne a chinelos de dedo e mil coisas mais, surge também como portador de uma megalomania patológica que beira a loucura.

Mas as fantasias patológicas também ocultam verdades, às vezes ínfimas, mas que levam a grandes descobrimentos.

A reação da presidente do Supremo Tribunal, ministra Cármen Lúcia, exigindo ampla investigação sobre o que disse Joesley a respeito de membros da Corte e da Procuradoria-Geral, ilumina o escuro ambiente atual. Como disse ela, temos direito “a um Judiciário honrado”. Mas vale perguntar: como a Polícia Federal e outros órgãos (como a Procuradoria-Geral) investigarão membros hierarquicamente superiores?

Na tal conversa de Joesley com seu comparsa, a bravata transparece acima de tudo. O brutal, porém, é a intimidade com que ele trata o então procurador Marcelo Miller, à época braço direito de Janot. Mais do que íntimo, desponta como um servo da corrupção desenvolvida pela JBS, que - nas palavras do corruptor - tinha Michel Temer como beneficiário direto pela “compra do silêncio” de Eduardo Cunha.

Para mostrar a extensão e a profundidade do horror, no entanto, nada supera aquelas cenas exibidas na TV: malas e sacolas com mais de R$ 51 milhões em cédulas encontradas no “bunker” de Geddel Vieira Lima, membro do núcleo íntimo do atual presidente da República e diretor da Caixa Econômica Federal quando a dupla Dilma-Temer governava.

A tempestade que, neste setembro, derruba o castelo de cartas vai se ampliar quando se divulgar a delação premiada de Lúcio Funaro, o doleiro que servia como operador do PMDB, lavando dinheiro sujo no estrangeiro. Já estão no pelourinho duas dezenas de membros do PP, partido paulo-malufista que (designado pelo PT) armou a corrupção na Petrobrás. Mais de um milhar de políticos do trio PT-PMDB-PP e de outros partidos (a começar pelo PSDB) aparecem nas delações premiadas, com o que o castelo se desmorona e fica sem cartas.

Essa pirâmide do crime, em que as pedras se acumulam umas sobre as outras, constrói o túmulo da nossa política. No Egito, as pirâmides eternizavam o faraó morto. Aqui, o crime busca se eternizar num monumental conluio em que tudo é terrorífico e destrutivo. Arrasa a verdadeira política da disputa de ideias e doutrinas. Destrói ou exclui os verdadeiros empreendedores e trabalhadores ao submetê-los à quadrilha de vândalos enriquecida à custa dos favores públicos derivados da corrupção.

Nossa pirâmide, felizmente, não é eterna. Ao contrário, é um simples castelo de cartas, que ao cair multiplica a explosão, tal qual bomba nuclear. Mas uma bomba “do bem”, que emerge do horror desnudado.

Gente fora do mapa

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Refugiados Rohingya (Myanma)

É possível compreender?

Um dos mistérios das sociedades humanas é a constatação de como os seus membros são (e estão) convencidos de que suas crenças, gestos, comidas, rituais, utopias, ideologias (e tudo o mais que denominamos “estilo de vida”) são óbvios, virtuosos, legais e religiosamente certos. O deles é fantasioso. Mas o nosso é mais do que verdadeiro - é real.

Além disso, é espantoso descobrir que toda essa tonelagem de valores é invisível aos seus membros. O crente não tem consciência da sua crença. O feitiço é tão grande a ponto de pensarmos que falamos uma língua quando é a língua que nos fala. E só tomamos consciência disso quando nos confrontamos com a aparente algaravia de um outro idioma. O encontro com o outro obriga a perceber a diferença e a diferença é o limite que condena a traduzir e a tentar compreender.

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Para o portador da boa-nova e para o crente, o extraordinário é descobrir o tamanho do batalhão de outros crentes que, com crenças diferentes das suas, também formam a humanidade. Esse foi o susto desagradável que a antropologia social deu no eurocentrismo. A tolerância é um hóspede não convidado de um mundo que confunde tecnocracia com sabedoria.

A diversidade agencia dúvidas, conduz a escolhas e engendra o inimigo capital dos crentes: a liberdade, o ceticismo e o inesperado abraço da compreensão. O caminho da transcendência anunciada por alguns santos, poetas e filósofos.

Mesmo quando o crente conhece outras crenças, ele não as percebe como alternativas, mas as encara dentro de uma matriz que vai do infantil e do eventualmente divertido até chegar ao “esquisito”. Daí para o errado, o proibido, o censurável, o louco e o abominável, é um passo.

Mas como toda rigidez contém o seu contrário, só a crença produz descrença. E, assim, toma o infiel como desafiador - o outro absoluto -, como forte ou superior justo porque ele resiste. A religião abolida torna-se feitiçaria; a ideologia reprimida vira virtude, a música censurada é a mais ouvida. E o estrangeiro branquela e louro, engalanado por sotaques, é tido como mais civilizado; enquanto o nosso familiar universo misturado é apresentado como doente e atrasado.

Para o nosso lado permanentemente colonizado, os estrangeiros brancos - os “de fora” - sempre foram superiores. Eles contrastam com os negros africanos e os nativos que, no Brasil, constituem uma ficção chamada de “povo”. Na nossa mitologia, cada qual tem uma cota de poder.

Mas nenhuma atinge o ideal atribuído aos “brancos”, que reiteram o paradigma clássico segundo o qual o herói civilizador é um superestrangeiro. Só que eles não vieram do céu, como os deuses, mas nos “descobriram”. Assim, imperadores e imperatrizes austríacas que falavam com sotaque, mandavam na multidão de mestiços e negros dominados por costumes tidos como exóticos e atrasados. De um lado, a Corte; do outro, o Brasil...

O modelo de cima e de fora proibia o de dentro, lido como inferior e doente. Aceitamos costumes de fora tanto quanto ignoramos as nossas práticas cotidianas. Tudo o que é de fora é “legal”. Tudo o que é de dentro é visto como “tupiniquim” - como atraso. Daí resulta essa imensa segmentação entre a máquina administrativa, com seus formalismos supostamente civilizados, e o Estado e a sociedade feitos de jeitinhos nos quais se concretiza o mal-estar de uma indisfarçável ilegalidade recorrentemente produzida. Ilegalidade que cresce na medida em que recusamos levar a sério hábitos e estilos de vida e inventamos leis que não podem pegar. De fato, que fazer quando o compadrio e o parentesco puxam para a nomeação do sobrinho, contrariando a regra que criminaliza o nepotismo costumeiro? O administrador público segue a lei até ser capturado pela força das crenças embutidas nos costumes. Achar que costumes mudam com leis é uma crença que, como diz Gilberto Freyre, promove enormes mudanças formais, mas deixa intocados costumes e crenças para os quais essas mudanças foram dirigidas. Mudamos as leis, mas não preparamos a sociedade para as mudanças por elas requeridas. Seria muito melhor diminuir o fervor legalista para dar mais atenção às demandas dos costumes. Pois a sua força só será domesticada quando eles forem reconhecidos, compreendidos e, na medida do bom senso, atendidos.

Enquanto isso não for realizado, vamos continuar a ter Estado e sociedade como inimigos. Cada qual cavando a sepultura do outro como é o caso dessa crise interminável na qual as demandas da amizade se confundem com as responsabilidades dos cargos e poderes.

Os furacões Joesley, Geddel e Palocci

Nossos furacões atingiram em cheio o “apparatchik” dos Três Poderes e têm potencial para soterrar algumas candidaturas em 2018. O áudio vulgar do autodelator Joesley Batista, ao som de cubos de gelo no uísque. O bunker de R$ 51 milhões em oito malas e seis caixas, todas supostamente do peemedebista baiano Geddel Vieira Lima, que exigiram duas caminhonetes para transportar e sete máquinas para contar. O bombástico depoimento à Lava Jato de Antonio Palocci, um dos principais ideólogos do PT, contra o companheiro-mor, Lula.

Talvez agora o Brasil comece a ficar interessante e tenha chance de sair recuperado das ruínas, num esforço de reconstrução moral. A degradação é épica. Temos a oportunidade, com tudo às vistas, as entranhas escancaradas, mortos e feridos, de refazer uma nação em que não sejamos ludibriados por PT, PMDB, PSDB e outros menos cotados.

O empresário Joesley, do frigorífico JBS, do grupo J&F, deve ser preso, com a imunidade cassada, ao perder os benefícios da delação. E deverá perder qualquer respeito que a mulher, Ticiana Villas Boas, ainda tivesse pelo “comedor de velhinhas a serviço”.

As falas de Joesley o denigrem não só pela corrupção, mas pela ignorância e prepotência. Não dá para aceitar a desculpa de que só teve uma “conversa de bêbado” com o executivo Ricardo Saud. Bêbados podem ser inofensivos, ele não. “Nós vamos ser a tampa do caixão.” “Eles são espertão”, disse, referindo-se ao Ministério Público. “Ô Ricardo, nós somos a joia da coroa deles [dos procuradores].” “Nós vai ser quem vai dar o último tiro.” Esse foi o cara recebido por Temer fora do expediente e da agenda. “Nós vai ser quem vai bater o prego [do caixão].”


Joesley só não sabia que o caixão era dele. E, talvez, do ex-procurador Marcello Miller, agora acusado por Janot de “conduta criminosa” caso tenha ajudado Joesley antes de se exonerar do Ministério Público. Joesley disse: “Nós dois tem que operar o Marcello direitinho para chegar no Janot e pá, tã, tã, tã”. Miller agiu mal. É imoral um procurador da Lava Jato pedir exoneração e, cinco dias depois, ir para o escritório que negociou a leniência para um réu. Janot diz que não tem “coragem”, mas “medo de errar”. Errou. Por afobação, sei lá. Para não sair flechado da Procuradoria igual a São Sebastião, Janot precisa ser firme. O importante é preservar as provas da delação contra Temer, o presidente que tenta escapar de uma segunda denúncia.

Geddel, ex-ministro de Temer e de Lula, com as digitais já identificadas nas cédulas, voltou a ser preso pela Polícia Federal, para não tentar fugir do país. Estava em prisão domiciliar, sem tornozeleira eletrônica, porque a Bahia “não dispõe desse equipamento”.

A cena mais notável da novela “A força do corromper” foi o bunker milionário em Salvador, que seria destinado a “guardar os pertences do falecido pai de Geddel”. O currículo de Geddel é impressionante. Ele não é só amigo de Temer. Ex-deputado federal eleito cinco vezes pelo PMDB da Bahia, ministro da Integração de Lula, vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Dilma e ministro de Governo de Temer. Foi assim que Geddel amealhou sua fortuna.

Pensando bem, uma fortuna modesta diante dos valores acordados entre a JBS de Joesley e o homem de confiança de Temer, Rodrigo Rocha Loures, flagrado com uma mala de R$ 500 mil saindo de uma pizzaria. O acordo era pagar meio milhão a Loures semanalmente por 25 anos, num total de R$ 652 milhões. Temer comemora o que, exatamente? Vai esquecer sua conversa com Joesley?

Palocci, ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, está preso há quase um ano na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Antes de ser beneficiado com uma delação premiada, terá de apresentar provas concretas, além do relatório sereno e meticuloso sobre os R$ 300 milhões e “as propinas frequentes” que a Odebrecht dava a Lula e ao PT, incluindo a campanha de Dilma.

Dirigentes petistas acham que o depoimento de Palocci pode ser “pá de cal” para os projetos de Lula em 2018. Outros chamaram Palocci de “canalha”. Em abril, Lula dizia no Twitter: “Não tenho preocupação com nenhuma delação. Palocci é meu companheiro há 30 anos, é um dos homens mais inteligentes desse país”. Agora, Lula diz que Palocci não tem “compromisso com a verdade”.

Confesso sentir náusea ao escutar a podridão de nossos políticos e empresários. Mas, ao contrário da presidente do STF, Cármen Lúcia, que desejou a todos um “ótimo fim de semana”, sem “novidades maiores no país”, eu desejo mais e mais novidades. Das ruínas expostas, pode nascer um país sem bandidos no comando. É a única esperança que nos resta.

Aprendendo com o Harvey

O furacão Harvey deixou em seu despertar vidas interrompidas e um enorme prejuízo material, estimado em cerca de US$ 150-180 bilhões. Mas a tempestade que castigou a costa do Texas em boa parte da semana também levanta questões profundas sobre o sistema econômico e político dos Estados Unidos.

É irônico, claro, que um evento tão intimamente relacionado à mudança climática ocorra num estado que abriga tantos descrentes na mudança do clima — e onde a economia é extremamente dependente de combustíveis fósseis que geram o aquecimento global. Obviamente, nenhum evento em particular pode ser diretamente relacionado ao aumento de gases do efeito estufa na atmosfera. Cientistas, no entanto, há muito previram que tais aumentos provocariam não apenas a elevação da temperatura média, mas igualmente a variabilidade do tempo — e sobretudo a ocorrência de eventos extremos, tais como o furacão Harvey. Como o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática concluiu há muitos anos, “há evidência de que alguns extremos mudaram como resultado de influências antropogênicas, inclusive o aumento de concentrações na atmosfera de gases do efeito estufa”. O astrofísico Adam Frank explicou sucintamente: “maior aquecimento significa mais umidade no ar que, por sua vez, significa chuvas mais fortes.”

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Para reforçar, não havia muito o que Houston e Texas poderiam ter feito contra o aumento dos gases do efeito estufa, embora pudessem ter tido um papel mais ativo na defesa de políticas climáticas mais fortes. Mas as autoridades local e estadual poderiam ter feito tido um papel bem melhor em se prevenir contra tais eventos, que atingem a região com alguma frequência.

Para responder ao furacão — e financiar parte dos reparos — todo mundo se volta para o governo, como fizeram após a crise econômica de 2008. De novo, é irônico que isto esteja ocorrendo numa parte do país onde a ação coletiva e governamental é frequentemente desencorajada. Não foi menos irônico quando os titãs do sistema bancário americano, tendo pregado o evangelho neoliberal de reduzir o governo e eliminar regulações que aboliam algumas de suas atividades mais perigosas e antissociais, se voltaram para o governo em seu momento de necessidade.

Há uma lição óbvia a ser aprendida de tais episódios: os mercados, por si só, são incapazes de prover a proteção que as sociedades precisam. Quando os mercados fracassam, como ocorre com frequência, a ação coletiva se torna imperativa.

E, como nas crises financeiras, há necessidade de ação coletiva preventiva para mitigar o impacto da mudança climática. Isto significa garantir que prédios e infraestrutura sejam construídos para aguentar eventos extremos, e estejam localizados em áreas mais vulneráveis a prejuízos severos. Isto também significa proteger os sistemas ambientais, sobretudo pantanais, que podem ter um papel importante em absorver o impacto de tempestades. Isto significa eliminar o risco de que um desastre natural possa levar ao vazamento de químicos nocivos, como ocorreu em Houston. E isto significa ter planos de reação adequados, inclusive de evacuação.

Investimentos governamentais efetivos e regulações rígidas são necessárias para garantir cada um desses resultados, independentemente da cultura política predominante no Texas e em qualquer lugar. Sem regulação adequada, indivíduos e empresas não se sentem incentivadas a tomar as precauções adequadas, porque eles sabem que boa parte do custo de eventos extremos recairá sobre outros. Sem um planejamento público e regulação adequados, inclusive do meio ambiente, as inundações serão piores. Sem um plano de contingência para desastres e o financiamento adequado, qualquer cidade pode se ver no mesmo dilema que se abateu sobre Houston: se não ordena uma evacuação, muitos morrerão; mas se ordenar uma evacuação, as pessoas morrerão no caos que se seguirá, e o congestionamento de trânsito impedirá que as pessoas consigam sair.

Os EUA e o mundo estão pagando um alto preço pela devoção à ideologia antigoverno extrema adotada pelo presidente Donald Trump e seu Partido Republicano. O mundo está pagando, uma vez que as emissões acumuladas de gases do efeito estufa pelos EUA são maiores do que as de qualquer outro país. Mesmo hoje, os EUA são um dos líderes mundiais em emissões per capita. Mas os EUA também estão pagando um alto preço: outros países, mesmo aquelas nações pobres em desenvolvimento, como Haiti e Equador, parecem ter aprendido (em geral após pagar um alto preço e grandes calamidades) como administrar melhor desastres naturais.

Após a destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina em 2005, o fechamento de boa parte de Nova York pelo Sandy, em 2012, e agora a devastação que se abateu sobre o Texas pelo Harvey, os EUA podem e devem ser mais eficazes. O país tem recursos e habilidades para analisar esses eventos complexos e suas consequências, e formular e implementar regulações e programas de investimento que possam mitigar os custos adversos em vidas e propriedade.

O que os EUA não têm é uma visão coerente do governo daqueles à direita. Antes de uma crise, eles resistem a regulações e se opõem a investimentos e planejamento do governo; depois, exigem — e recebem — bilhões de dólares para compensá-los por suas perdas, inclusive aquelas que poderiam ter sido evitadas.

Resta apenas esperar que os EUA, e outros países, não precisem de mais persuasão natural, antes de aprender as lições do furacão Harvey.

Joseph E. Stiglitz, Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia

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Praia de Whitehaven, na ilha de Whitsunday (Austrália)

A farsa acabou

As máscaras caíram. La commedia è finita. A História, irônica como sempre, escolheu a Semana da Pátria para presentear os brasileiros com as imagens definitivas, irrefutáveis do fim de uma trama sórdida, urdida por uma gente abominável.

Malas e malas de dinheiro sujo do ex-chefe da Secretaria de Governo de Temer, um depoimento frio e devastador contra Lula, uma gravação obscena e machista de um bandido armado com a poderosíssima arma que uma grande fortuna pode ser.

Que o Brasil tenha se tornado um acampamento de bandoleiros parece evidente. O que importa agora é que os Joesleys da vida estão encurralados, acabarão todos atrás das grades, onde já está Geddel, depois de uma boa e profilática limpeza de lava a jato. Essa é a melhor das notícias, o presente do Dia da Pátria.

Nos mesmos dias em que as fitas com o chorrilho de canalhices machistas de Joesley eram ouvidas no STF, em Curitiba Palocci contava ao juiz Sergio Moro o que muitos já sabíamos.

Duzentos milhões de brasileiros ouviram do homem forte do governo Lula que o maior líder popular do Brasil, depositário não só das esperanças mas sobretudo do amor dos mais pobres, eloquente no discurso contra “eles”, os ricos, vivia a soldo “deles”, pedia milhões em propinas aos homens mais podres do Brasil. E recebia, fartamente. Dilma sabia das regras do jogo, jogando nas laterais. Eram “eles” que governavam o Brasil, embora os brasileiros acreditassem ter votado no Partido dos Trabalhadores.


O depoimento de Palocci, o Italiano das planilhas da Odebrecht, quebrou definitivamente os pés de barro do ídolo nacional que foi Lula, posto a nu na sua verdadeira condição de cúmplice do poder econômico mais corrupto. Sem apelação possível, ficaram demonstrados a periculosidade e o cinismo de uma organização criminosa que, sob o seu comando, governou o país por 16 anos.

É humilhante, sim, para o povo brasileiro, é uma traição terrível, uma decepção imensa para os milhões que o elegeram, mas é a verdade necessária que desconstrói os mitos e permite refundar a vida democrática.

Quando alguém é traído, no amor ou na amizade, o grande risco é perder a capacidade de amar. Na política, os melhores sentimentos podem deslizar para o desencanto. O risco que corre o povo brasileiro é, em um surto de depressão nacional, desacreditar de suas esperanças e cair nos braços de outro aventureiro ou psicopata, já que isso não falta na lista de pretendentes à sucessão de Lula no coração do povo. Um Lula ameaçado de passar as eleições de 2018 na cadeia.

Não me inscrevo entre os deprimidos. Indignada, sim, estou há décadas, com a obscena desigualdade deste país injusto, com a ditadura que ganhei de presente de 20 anos, com a progressiva usura dos sonhos de ver o Brasil tornar-se a grande nação que acreditei que ele fosse, com a evidencia da corrupção desvairada que, como um cupim, vai desfazendo o Estado brasileiro e contaminando a sociedade. Por tudo isso, creio que estamos vivendo um momento de travessia e de ruptura. Nada será como antes.

O ministro Luís Roberto Barroso, clarividente, aposta em uma revolução silenciosa em curso. “O velho já morreu, só falta remover os corpos. O novo vem vindo. Há uma imensa demanda por integridade, idealismo e patriotismo. Essa é a energia para mudar o curso da História”, escreveu em artigo recente.

Não é hora para depressão, ao contrário, é preciso celebrar essa revolução silenciosa e usar essa energia que a raiva e a frustração alimentam para fortalecer essas demandas que exprimem um querer coletivo.

A exigência de integridade é condição para governar, já que é obvia a relação de causa e efeito entre a pobreza e a corrupção, a ineficiência dos serviços e o assalto aos cofres públicos.

Idealismo, porque nunca tantos se preocuparam tão intensamente com o destino do país, opinando nas redes e nas ruas. E se há visões contrárias, o que é da natureza da democracia, são interpretações diferentes de um mesmo desejo de viver em um país mais justo. A lenda da juventude apática caiu por terra.

É preciso coragem para falar em patriotismo desde que o perigosíssimo Jair Bolsonaro usurpou a palavra para batizar seu partido fascistoide. No texto de Barroso essa palavra é reinvestida pelo que de fato é, o sentimento cálido de pertencimento, real, que todos conhecemos desde a infância e que nos leva a querer contribuir para tirar o país da tragédia em que mergulhamos.

A Semana da Pátria foi gloriosa. A farsa acabou. Caiu o pano. Desmascarados, nos bastidores, o salve-se quem puder.

Temer dá ao Brasil o sossego de montanha russa

Num instante em que o Planalto trata o escândalo da JBS como página virada, o retorno de Geddel Vieira Lima, amigão do presidente, à cadeia mostra que, sob Michel Temer, a página da história sempre vira para trás. Geddel é mais um representante do atual modelo apodrecido de governo a ser encarcerado. Seu pesadelo é parte da solução. O grande problema do país no momento é a blindagem oferecida a Temer.

Auxiliares do presidente dizem que ele está tranquilo e que tudo vai acabar bem porque o governo vai aprovar a reforma da Prevideência. Alguém que, em meio ao estouro de tantas evidências de que o país vem sendo saqueado pelos esquemas que o acompanham ao poder, consegue empunhar a bandeira da normalidade não é mais um presidente. Já virou um cínico.

A disposição de Temer de recorrer a todos os estratagemas para atingir seus subterfúgios fez dele um problema de longa duração. Seu governo é 100% feito de sacolejos. Anteontem uma gravação no subsolo do Jaburu, ontem a apreensão de R$ 51 milhões num apartamento de Salvador, hoje a prisão do grande amigo, no final de semana a delação do operador de propinas. Num instante em que a economia pede estabilidade, a Presidência de Temer oferece ao país o sossego de uma montanha russa.

Os medalhistas brasileiros

Aqui onde estou, no interior do Amapá, as coisas me parecem confusas. Creio que parecem confusas em toda parte. Mas é sempre difícil de alcançá-las quando as conexões são pobres.

Rodrigo Janot deverá apresentar uma segunda denúncia contra Michel Temer. Teremos de ouvir tudo de novo, cada um com seu voto. Espero que seja menos dramático e que o mercado não leve tão a sério um enredo previsível. Afinal, a economia segue adiante.


Não conheço a delação de Lúcio Funaro. Sei apenas que é o réu mais violento no nível verbal: ameaça literalmente comer o fígado de adversários. Funaro já enrolou a Justiça uma vez. Deve ser uma pessoa cheia de truques, como parecem ser os irmãos Batista.

Janot afirmou que, enquanto houver bambu, vai lançar suas flechas. É uma afirmação quantitativa. Sabemos que a última flecha tem de ser mais certeira e eficaz. Isso se levarmos a sério a analogia com os índios. Não tenho conhecimentos antropológicos para afirmar, apenas suponho que os índios não gostem de errar a última flecha, porque depois dela ou o bicho pega ou o adversário ataca.

A delação da JBS é um dos pontos mais vulneráveis da Lava Jato, embora nada tenha que ver com o trabalho em Curitiba. Foi na esteira do acordo com Joesley que os adversários da operação bateram pesado.

Mesmo quem se coloca abertamente a favor do desmonte do grande esquema de corrupção no Brasil custa a entender não só a liberdade de Joesley Batista, mas também o fato de os procuradores não terem mandado periciar o gravador antes de desfechar o processo.

No front da Lava Jato no Rio de Janeiro avançou, finalmente, o tema denunciado pelo Le Monde há alguns meses: a escolha do Rio para a sede da Olimpíada foi comprada. E reaparece um personagem chamado Rei Arthur. Tive de falar dele em 2010. Suas empresas faturavam bilhões durante o governo Sérgio Cabral. Ele mandava nas escolhas do governo para contratar serviços. Daí o apelido Rei Arthur.

O que aconteceu com os Batista pode ser uma lição. Rei Arthur andou pelo Rio e escapou para Miami, onde vive. Ele certamente vai usar ao máximo sua presença nos EUA para dificultar a prisão. Quando preso, Rei Arthur já deverá saber com antecedência o que falar e o que esconder - a velha tática de oferecer os anéis para salvar os dedos.

A quadrilha montada por Sérgio Cabral, com inúmeras ramificações, tinha alcance internacional, comprou uma Olimpíada. Seu combate se deu com a ajuda decisiva de investigadores franceses.

Os donos da JBS mostraram, também, alto nível de audácia, na medida em que tinham a chave do BNDES, projetavam um crescimento internacional, enquanto no País compravam quase 2 mil políticos. Era inverossímil esta história de que decidiram colaborar porque tiveram uma espécie de epifania e descobriram que trilhavam o caminho do crime.

É importante que a Lava Jato não aceite os anéis para salvar os dedos, não por uma vocação repressiva. Os adversários são fortes. A história da repressão aos tráfico de drogas na Colômbia está cheia de cooptação dos investigadores pelo crime. Os próprios repressores transformavam-se em chefes de segurança dos esquemas do tráfico. Não eram simplesmente subornados, mas contratados pelo seu conhecimento técnico.

No campo político, no Brasil, não houve nenhuma reforma. O máximo possível é acabar com coligações proporcionais e criar a cláusula de barreira. Os passos dados não neutralizam a tendência em não votar em quem tenha mandato. E isso não é garantia nem de uma modesta renovação. Muitas pessoas novas entraram no Congresso e, ao cabo de algum tempo, estavam falando a velha linguagem. É o que acontece quando as regras do jogo não mudam.

Aqui, no interior do Amapá, observei algo comum em outros pontos do Brasil. Em quem confiar?, perguntam uns aos outros ao verem a sucessão de escândalos. A ideia de que a lei vale para todos foi fortalecida com a prisão de alguns poderosos. Não pode haver brechas nela, caso contrário, o desânimo será ainda maior.

Janot precisa avaliar o impacto da delação premiada de Joesley Batista. Afinal, valeu a pena? Quantas informações importantes ele deu? Até que ponto as investigações seriam incapazes de chegar a elas sem prêmio a Joesley?

Possivelmente, a última flecha de Janot ele vai arrancar de seu próprio corpo. Nada de excepcional numa longa batalha.

Pode ser que avance para compreender que errou ao não periciar as gravações, mas encontrar nelas o caminho da reparação.

O quadro geral é mais inquietante quando a desconfiança transborda o universo da política e se expande pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

As mais recentes pesquisas já apontam nessa direção. Certamente, foram influenciadas pela atuação de Gilmar Mendes, mas não se esgotam nele.

A iniciativa de Cármen Lúcia de pedir uma rápida e esclarecedora investigação sobre referência ao STF nas gravações de Joesley vai numa boa direção. No entanto, ela deve saber que a crise na dimensão da Justiça é corrosiva.

Quanto a Geddel Vieira Lima, ele foi solto e voltou para Salvador. As pessoas estão, agora, estupefatas com a descoberta de milhões de reais num apartamento que ele usava. O Estado não tinha dinheiro para a tornozeleira eletrônica de Geddel. Geddel tinha dinheiro para comprar todas as tornozeleiras eletrônicas do Brasil. Por isso é que vale a pena considerar que estamos diante de quadrilhas extremamente capazes e ousadas, não só prontas para assaltar, mas também dispostas a dar uma volta na repressão.

Tantos inocentes, tantos arrependidos, tantos falsos colaboradores - a competência dos bandidos brasileiros é medalha de ouro em qualquer Olimpíada em que tenha a corrupção como modalidade.

Não será fácil vencê-los, embora a Lava Jato tenha alcançado um nível superior e seja o melhor instrumento que encontramos para isso em toda a nossa história.

Paisagem brasileira

Campão, José Marques (1892-1949)Colégio Caetano de Campos(1948)Óleo sobre madeira,75 x 95 cm
Colégio Caetano de Campos (SP), 1948,  José Marques Campão

A paulada de Palocci

O depoimento de Antonio Palocci é devastador para a defesa, a imagem e o futuro de Lula. Desta vez, o ex-presidente não pode alegar que foi fritado por um empresário aflito para sair da cadeia. Quem o jogou na fogueira foi um velho companheiro, que atuou como figura-chave nos governos do PT.

Palocci afirmou à Justiça que Lula fechou um “pacto de sangue” com Emílio Odebrecht, dono da maior empreiteira do país. Ele afirmou que o “pacote de propinas” incluiria um terreno para o instituto do ex-presidente, as reformas no sítio de Atibaia e a reserva de R$ 300 milhões.
De acordo com o ex-ministro, a relação “bastante intensa” da construtora com os governos petistas teve um preço. A empresa teria recebido vantagens em troca de “benefícios pessoais” e doações de campanha, via “caixa um e caixa dois”.


Preso há quase um ano, o petista já foi condenado a outros 12 por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele negocia um acordo de delação e decidiu antecipar informações ao depor em um dos processos contra Lula.

A paulada de Palocci atinge o ex-presidente num momento em que ele tentava trocar o papel de investigado pelo de candidato. O ensaio durou pouco. Um dia depois de encerrar a caravana pelo Nordeste, Lula voltou a ser bombardeado pela Lava Jato.

As novas acusações ainda precisam ser comprovadas, mas já instalaram um clima de desânimo no petismo. O ex-ministro é um dos políticos mais importantes da história do partido. Idealizou a “Carta ao Povo Brasileiro”, que embalou a campanha vitoriosa de 2002, e pontificou como ministro da Fazenda (governo Lula) e da Casa Civil (governo Dilma).

Em abril, Lula disse à Rádio Guaíba que não se preocupava com uma possível delação do aliado. “Palocci é meu companheiro há 30 anos. É um dos homens mais inteligentes deste país. E se ele resolver falar tudo o que sabe pode, sim, prejudicar muita gente. Mas não a mim”, afirmou. Pois é.

Estúpido carisma

Apesar do imenso pesar que governantes populistas causaram ao país na figura de carismáticos presidentes e/ou governadores ao longo do século passado e início deste agora XXI, a praga ainda nos ronda, ameaçando nova ofensiva na próxima eleição presidencial. Conspira para isso o ambiente de desgosto geral, terreno fértil para a ideia de que um herói há de surgir a fim de quebrar o que parece ser um feitiço malsão lançado sobre um Brasil de mandatos interrompidos (por morte morrida ou por morte matada) e corrupção endêmica.

O populismo de Getúlio Vargas sustentou uma ditadura; o de Jânio Quadros abriu espaço para outra; o de Leonel Brizola marcou os primórdios dos territórios controlados pelo crime no Rio; o de Fernando Collor deu ensejo ao primeiro impeachment da República; o de Lula fez da corrupção política de Estado, plantou a semente da desconstrução dos pilares da estabilidade econômica, levou ao poder a primeira mulher presidente, que seria também protagonista do segundo impedimento e jogou o país numa crise de desfecho imprevisível.

Além d'Arena: Conceitos divergentes de populismo

Populistas podem ter personalidade e táticas diferentes para obter o que querem — a conquista e a perpetuação no poder —, mas atuam numa mesma dinâmica e têm em comum aquilo que os desavisados consideram atributo essencial num líder: carisma ou dom de arregimentar um enorme contingente de crentes na sua capacidade de salvá-los. Assim, entre a consistência real e a falsa aparência, a maioria encantada opta pela segunda hipótese, que em maior ou menor tempo a levará à frustração.

Um acentuado traço do populista é saber manipular o desalento coletivo. Transformá-lo em indignação e conduzir esse sentimento para a seara adversária de forma a que seja vista como inimiga da pátria, gente a ser dizimada eleitoral, política e moralmente. Nada nem ninguém que não esteja sob sua área de influência merece reconhecimento. Ao contrário. Para esses tipos, o ideal é fazer do passado tábula rasa. São fundadores do “bem”, patrocinadores da felicidade e zeladores do bem-estar. Nunca erram; errado é sempre o outro, aquele que não cedeu à sedução ou aquele que não compartilha a mesma opinião. Seus métodos sem­pre se justificam por alegadamente serem aplicados na busca do melhor fim.

A lógica do conflito permanente sustenta suas ações e discursos porque eles precisam de um contraponto (devidamente desqualificado) a fim de que pareçam indispensáveis. Dos aliados exigem fidelidade cega e os tratam como subalternos. Imprensa, estudiosos ou qualquer segmento cuja produção factual, cultural, intelec­tual, científica forneça um relato da realidade diferente do enredo escrito pelo populista são tratados com menosprezo nos casos mais amenos e, em situações agudas, com violência. O conteúdo é esse e a forma, enfeitada com a fantasia estúpida do carisma. O líder de verdade inspira a sociedade, enquanto o carismático busca usá-­la como massa de manobra.

O pecado mortal

William Pitt, 1º Conde de Chatham, entrou para a história como um estadista inglês. Nascido aos 15 de novembro de 1708, e falecido aos 11 de maio de 1778, legou-nos uma longa série de reflexões, tão profundas como ainda atuais.

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Cativa-me o espírito uma, em especial, que ecoou no Parlamento Britânico nos idos de março de 1763: "O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar".

Está aí, nestas palavras, o preciso valor do lar de um cidadão: ser seu derradeiro refúgio - seu asilo inviolável, nos termos de nossa Carta Magna, não por acaso denominada "Constituição Cidadã".

É assim que este "asilo inviolável" somente pode ser alvo da ação do Estado quando verificados requisitos absolutamente concretos, devidamente enumerados pelo Poder Judiciário em uma decisão claramente motivada.

A propósito dos limites de tais decisões, insuperável a advertência norte-americana: "não podem ser utilizadas como uma licença para buscar qualquer coisa e todas as coisas".

Pois bem: dia desses li, em um jornal do Nordeste brasileiro, levantamento sobre operações policiais realizadas em alguns bairros pobres daquela região, nos não tão distantes idos de 2014: "Na primeira operação, com 488 policiais, foram revistadas 233 casas, resultando quatro prisões. Seguiram-se outras duas operações, onde 320 casas foram inspecionadas, com a apreensão de uma submetralhadora de fabricação artesanal (?) e a descoberta de uma rinha de galos".

Fico a imaginar os termos de uma notícia narrando operação similar, porém em regiões nobres. Seria algo assim: ‘502 policiais cercaram um elegante bairro, buscando combater os crimes de tráfico de drogas, sonegação e corrupção. Após inspecionarem 203 mansões e 314 apartamentos, situados em condomínios de luxo, apreenderam pastilhas de "ecstasy", cocaína, dólares norte-americanos sem origem comprovada e veículos de luxo incompatíveis com a renda declarada de seus proprietários’.

E é quando, uns 250 anos depois das sábias palavras de Lord Chatham, nunca tão próprias outras, não menos graves, de Bernard Shaw: "o maior dos males e o pior dos crimes é a pobreza".

Pedro Valls Feu Rosa