quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Espinhos na barriga

Luto com espinhos na barriga desde os 9 anos. Ao chupar uma laranja, engoli um caroço. Preocupado, abri-me com minha avó Emerentina:

– Vovó, eu engoli um caroço...

– Quando, meu netinho?

– Agora mesmo...

– Estás perdido. Amanhã ou depois vão nascer espinhos na sua barriga.

Vejam bem. Eu era acusado de ser canhoto, era o mais velho e tinha medo de almas do outro mundo. Agora estava condenado a ter espinhos na barriga.

*


Mais de meio século depois, vejo que o País também tem um espinheiro na barriga. A irresponsabilidade contaminada de familismo – todo mundo é parente de todo mundo neste país de Deus! – fez com que engolíssemos todos os caroços.

Come-se fruta, jogam-se fora a casca e o caroço. Nada pode ser completamente abocanhado. Se você recebe, é obrigado a dar. O ideal é o amor cujo egoísmo quanto mais prazer nos traz, tanto melhor para o outro. Não é por acaso que o amor nos leva ao pico do altruísmo pelo mais fechado e ardente egoísmo. A chave está em conjugar altruísmo com egoísmo.

Engolir caroços promove indigestão. É triste ver o Brasil roubado pelos seus mais altos e mais admirados administradores públicos e particulares.
*

Estarei vivo quando o Brasil estiver “recuperado”?

Vivi tempos em que éramos apenas “subdesenvolvidos”. Naquela era mitológica, havia um atraso admitido: o clima tropical (que impedia o pensamento, como dizia um dos nossos professores), a Serra do Mar (muralha que bloqueia a conquista do sertão), a colonização lusa (se fossem os holandeses...), a mistura fatal das raças, o jeitinho jurídico que, vejam o horror, condena ácidos criminosos a doces prisões domiciliares, o feroz imperialismo ianque, os coronéis latifundiários, os políticos ladrões (mas que faziam...), os sistemas eleitorais indevidos, a saúva, a sensualidade, o samba, a cachaça, o Diabo...

O Brasil, como dizia Otto Lara Resende, não tinha furacão, tufão, terremoto, nevasca e maremoto, mas tinha inflação. Domesticamos a inflação, mas o populismo que produziu a plutocracia quebrou as contas públicas. Hoje, temos um sistema travado e o nosso time político, com o perdão pelo feio qualificativo que lhe cabe, é uma merda. Com a devida vênia aos honestos, todos têm algum laço, traço ou gene espúrio.

Aliás, a nossa elite é uma Grande Família. Os partidos, que deveriam conter os empenhos da casa, ressurgem fortes no estamento (como dizia com avassaladora sapiência Raymundo Faoro). Se você gritar “tio!” ou “padrinho!” no Congresso Nacional, ou em qualquer outro ambiente repleto de “gente grande”, você vai ouvir um amoroso “SIM?...”. Mudamos para a coisa pública, mas os laços de parentesco retornam como um furacão. Reprimimos legalmente o nepotismo puro, mas um ardiloso jeitinho inventou um brasileirismo – o nepotismo cruzado!

Nada, convenhamos, é mais legítimo na nossa democracia igualitária e meritocrática do que dar uma “mãozinha” a um parente se ele (ou ela) tem aquele talento. Mas – pergunta o menino com espinho na barriga – qual é o parente que, no Brasil, não tem talento?
*

Mais uma vez, abrimos a rotineira temporada de reformas. Eu vivi as “reformas de base”, que resolveriam tudo. E votei no dilema entre presidencialismo e parlamentarismo. Depois, me envolvi no retorno da monarquia. Agora, testemunho essa requentada temporada de reformas e logo percebo que a reforma mais essencial – a da Previdência, sendo evitada porque leva a uma indesejável análise do nosso sistema administrativo e de outros temas avessos à chamada “vontade política” como o nosso perfil demográfico.

Não falo da reforma política, exceto para dizer que precisamos mais de uma metamorfose dos políticos do que de uma mudança de regras. Sou, entretanto, a favor de eleições e de deseleições (recall) que nos livrem dos canalhas. Sou contra esse tal fundo eleitoral que alguns imbecis chamam de “democrático”. Partidos políticos são associações de cidadãos e, como um clube, devem ser autofinanciáveis. A doação eleitoral só é um problema porque, entre nós, a doação vira um favor. Temos caridade, não temos a filantropia que leva a um melhor diagnóstico da dinâmica sociopolítica, além de ser um penhor dos muitos ricos à coletividade que lhes permitiu êxito.

Pelo que devo às sociedades tribais do Brasil, sou contra a privatização de reservas indígenas. E favorável à coletivização das riquezas particulares que, literalmente, saem pelo ladrão.

Um presidente justiceiro, um pacificador ou um mais do mesmo?

Os assessores de imagem deveriam dizer aos candidatos à Presidência da República que ninguém consegue se eleger somente se candidatando contra alguém infundindo medo ou vendendo mais do mesmo. Quando chega o momento de escolher um candidato, os 140 milhões de potenciais eleitores porão os olhos em quem for mais capaz de entusiasmá-los e uni-los.

Não bastará, por exemplo, aparecer como a antítese de alguém para garantir os votos se não souber oferecer algo mais aos descrentes da política. Se há algo de que necessitam aqueles que o mau exemplo dos governantes dividiu e contrapôs não é de um justiceiro, alguém que queira se limitar a colocar ordem, ou alguém que volte a governar com os corruptos, mas de alguém que dialogue, um pacificador que saiba fazer o milagre de devolver às pessoas o gosto de se unirem para reconstruir o país. Milhões de cidadãos estão se cansando das guerras verbais, das ameaças e dos conflitos entre os políticos e de suas artimanhas para conquistar o poder de costas aos desejos da sociedade.

O velho axioma “divide e vencerás” talvez não funcione dessa vez com os brasileiros mais inclinados a buscar novos motivos para fugir dessa crispação que chegou a dividir até mesmo os amigos. Posso estar errado, mas uma análise hermenêutica e menos superficial das redes sociais me faz intuir que o Brasil está em busca de alguém que liberte. De alguém que traga de volta a harmonia e o gosto de lutar juntos por uma causa capaz de expressar o melhor da alma brasileira, que não está nos extremismos, no confronto ou na guerra e menos ainda no prato requentado dos corruptos. Se fosse esse o caso, seria necessário analisar se os candidatos que até agora surgem como possíveis candidatos à Presidência aparecem como capazes de agregar e entusiasmar sem necessidade de desqualificar seus oponentes, ou se acreditam que o melhor é se apresentar com a espada desembainhada. Dos personagens que começam a aparecer nas pesquisas como possíveis candidatos, existe algum capaz de apostar na concórdia nacional, ou continuam convencidos de que o que lhes dará a vitória será a tentativa de esmagar seus oponentes ou de apresentar mais do mesmo?

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Nem Lula ganhará se tentar o “nós contra eles”, ou se sacudir o discurso de “extirpar da política” seus adversários, nem Bolsonaro ou Doria, se permanecerem fechados em uma campanha agressiva, o primeiro com uma linguagem vulgar, atacando sem nuances Lula e o PT, como tampouco o fará Ciro Gomes, o ex-ministro de Lula, se não contiver suas explosões que provocam mais medo do que consenso. O pragmático Lula, ao qual não falta olfato político, entendeu isso e já disse que sonha em voltar para “devolver a confiança aos brasileiros”. Ele não especificou, no entanto, como o faria. O recente abraço em Renan Calheiros, em Alagoas, e os elogios que lhe fez não parecem ser o melhor presságio. Lula iria novamente junto com o partido de Temer?

E Marina Silva? Por enquanto, é um enigma. Ela é, sem dúvida, uma mulher que geralmente não costuma ter o pecado dos apressados e que capitaliza milhões de votos, mas precisará sair do seu retiro e do seu silêncio para que saibamos que Brasil nos oferece. Ela é um dos poucos políticos que lê e reflete, que sabe esperar sentada na margem do rio. Existem, no entanto, momentos da história em que é necessário sair do deserto para enfrentar a realidade de um país que já sabe o que não quer, mas que parece ainda não ter encontrado o que procura.

Alguém disse que “o mundo não será daquele que mais te adula e repita que te ama, mas de quem souber demonstrar isso melhor”. O Brasil ainda parece estar à espera de alguém que demonstre que é capaz de pensar mais no bem do futuro do país do que em suas ambições pessoais de poder. De alguém que, em vez de infundir medo e excomungar seus adversários, seja capaz de acolher a todos. Morto o caudilho Franco, a Espanha, depois de uma feroz guerra civil e de 40 anos de ditadura, estava dividida em duas. Lembro-me que diante do cadáver do ditador, o então rei Juan Carlos pronunciou uma frase feliz que quebrou o gelo do medo: “Serei o rei de todos os espanhóis”. Ele o foi, e a Espanha começou pouco a pouco a respirar junta e com esperança. E hoje é uma democracia moderna e consolidada. O Brasil não está saindo de uma ditadura, mas de um cataclismo político e econômico que o dividiu. Precisa, antes de qualquer coisa, de alguém que diga com credibilidade: “quero ser o presidente de todos e cada um dos brasileiros sem excluir ninguém”.

Gente fora do mapa

photos from claudia jaguaribe’s “between hills" (2012) of the have and have nots in rio de janeiro, as seen from the (no doubt intentionally claustrophoic) perspective of children in the favelas
Claudia Jaguaribe

Quem semeia desordem no país

No submundo das tenebrosas transações, a salvo da bisbilhotice do distinto público, todo político desonesto se comporta como pessoa física: “Cadê a minha parte? Quanto ganharei por isso? Quando serei pago?”

Uma vez denunciado por atos indecentes, ele troca de identidade. A pessoa física dá lugar à pessoa jurídica. E é o cargo que ocupa ou a instituição que representa a atingida pelas acusações – ele, jamais!

Foi para o velho truque de sempre que apelou, ontem, mais uma vez o presidente Michel Temer pouco antes de voar à China. Às vésperas de ser denunciado pela segunda vez por corrupção, ele disse:

- Sabemos que tem gente que quer parar o Brasil, e esse desejo não tem limites. Querem colocar obstáculos ao nosso trabalho, semear a desordem nas instituições, mas tenho a força necessária para resistir.

Observem: Temer não diz que querem parar ele. Diz que querem parar o Brasil. Como se o fato de pará-lo, a ele, Temer, significasse parar o país. (Olha a pessoa jurídica aí, gente!)



Se perguntado à época, certamente ele não teria respondido que o processo de impeachment da então presidente Dilma era uma tentativa dos adversários dela de parar o país. Ele era um desses adversários.

Da mesma forma, Temer não teria dito que o impeachment, previsto na Constituição e monitorado de perto pela Justiça, semeava “a desordem nas instituições”.

A corrupção, essa sim, é que pode parar o país e semear a desordem. E todos os culpados por ela devem ser punidos para que não prospere o mau exemplo que deram. É simples assim.

Temer tem a força necessária para resistir aos danos da próxima denúncia contra ele a ser oferecida em breve pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. Como resistiu à primeira, e a enterrou.

Não a força que decorre do apoio dos brasileiros – essa não passa do magro percentual de 5% dos que o avaliam como um bom presidente. Mas daquela adquirida via compra de votos no Congresso.

Ocorre que o preço de cada vitória colhida por Temer no Congresso só faz aumentar. E quem paga por isso – aí, sim – não é ele, somos nós. Não saem do bolso dele os recursos para a compra de apoio. Saem dos nossos.

Ricardo Noblat

O rosto do brasileiro

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Há uma cansativa tristeza, um tédio infinito nesse joguinho miúdo de combinação através dos quais se resolve o destino da pátria
Rubem Braga

Excesso de cinismo leva a um strip-tease moral

A generalização dos escândalos unificou o modelo de reação. No momento, o principal álibi dos encrencados é o cinismo. Denunciado três vezes em sete dias, Romero Jucá disse que o procurador Rodrigo Janot tem um “fetiche” com seu bigode. Réu numa ação penal e investigado em 17 inquéritos, Renan Calheiros virou líder da oposição a Michel Temer. Interrogada no Supremo, Gleisi Hoffmann diz que o PT é “perseguido”. Investigado por uso de verba ilícita, José Serra alega que a caixa registradora era controlada pelo partido.

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É como se os políticos tivessem combinado um movimento conjunto. Todos cutucam a opinião pública com pé para ver se ela ainda morde. Por mal dos pecados, a sociedade está de saco cheio. Limita-se a cumprir suas obrigações básicas: pula da cama cedo e escova os dentes. Quem tem emprego trabalha e paga os impostos. O brasileiro já não faz passeatas. Faz a barba. Sob protesto.

Aproveitando-se do marasmo, Lula, condenado a nove anos e meio de cadeia, passeia sobre suas culpas distraído numa caravana custeada pelo fundo partidário. Ele pisa sobre suas culpas distraído. Chama investigadores de “canalhas”. E culpa “os meninos da Lava Jato” pela morte de sua mulher.

Michel Temer, na bica de ser denunciado pela segunda vez, cercado de ministros investigados e de aliados apodrecidos, alardeia em vídeo que “tem gente que quer parar o país.” Ah, que falta faz um espelho!

O cinismo, quando é muito, vira strip-tease. A crise entrou na sua fase pornográfica. Convém retirar as crianças da sala.

Paisagem brasileira

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Guarda do Embaú, Palhoça (SC)

O mundo encantado de Michel Temer

Alguém está com um parafuso solto num governo que anuncia a abertura de uma área de mineração na Amazônia sem ter ouvido o ministro do Meio Ambiente. Com o tempo, serão mais bem conhecidas as razões do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, para tomar semelhante iniciativa. (O repórter Ricardo Senra informa que o doutor anunciou a abertura da área ao mercado em março passado, durante um evento organizado por mineradoras canadenses.)

A trapalhada aconteceu dias depois de uma prometida privatização da Eletrobras. Isso num governo que contrapõe ao estouro da meta fiscal um audacioso plano de privatização de bens públicos. Noel Rosa já advertiu: “Vendeste o carro para comprar gasolina”.

A fúria privatizante do governo Temer agrada ao chamado “mercado”. Nele, de um lado está a turma que fatura com a alta da ações da Eletrobras, mas do outro há gente séria, tanto mineradoras capazes de explorar jazidas na Amazônia, como empresas de energia que possam se interessar por um setor historicamente administrado por clãs da política nacional.

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O governo de Temer mostra uma desordenada capacidade de produzir eventos inúteis e promessas mirabolantes. Prometeu pacificação e empregos (cem mil, só em 2016). Anunciou um plano para concluir obras inacabadas e fez circular a notícia de que reduziria o número de ministérios. Tem um ex-ministro na cadeia e outro em prisão domiciliar.

No mesmo dia em que decidiu preparar um novo decreto para ordenar a mineração na área da reserva amazônica, a repórter Danielle Nogueira revelou que um dos primeiros planos do governo para reativar a economia fechará o balcão amanhã. Para preservar empregos, evitando falências e concordatas, o BNDES abriu uma linha de crédito de R$ 5 bilhões. Passou o tempo, e só apareceu um candidato ao financiamento, com um projeto de R$ 10 milhões.

Coisas desse tipo acontecem porque o governo confunde a realidade com sua capacidade de fabricar expectativas. Gerada a expectativa, a marquetagem se dá por satisfeita.

Ontem Michel Temer embarcou para a China. Para que não se pense que o mundo encantado passou a existir com sua chegada ao Palácio do Planalto, pode-se rever a lista de patranhas que acompanham as comitivas de presidentes brasileiros a Pequim.

Na primeira viagem de Lula, para susto dos chineses, falou-se que o Brasil negociaria um acordo nuclear. Era lorota. Anos depois, Dilma Rousseff voltou ao Império do Meio, e de sua comitiva saiu a informação de que a empresa Foxconn investiria US$ 12 bilhões no Brasil, criando cem mil empregos na fabricação de iPhones e iPads. Há dois mil funcionários produzindo iPhones, e a linha de fabricação de iPads foi desativada. Às vésperas de uma visita do primeiro-ministro chinês o mundo encantado do Planalto de Dilma Rousseff festejou um projeto de construção de uma ferrovia do Atlântico ao Pacífico, coisa de R$ 30 bilhões pelo lado brasileiro. O visitante traria na mala investimentos da ordem de US$ 53 bilhões. Nada.

Fantasias podem ser vendidas no mercado interno, mas não podem ser exportadas. Os chineses devem pensar que os governantes brasileiros têm os parafusos soltos.

Nas próximas quatro semanas, o signatário aderirá ao programa de reformas estruturais, pesquisando as virtudes do ócio.

Elio Gaspari 

Quem é quem

É um assunto, ou um escândalo, que está aí quase todos os dias. “Querem abafar a Lava-Jato”. Quem poderia duvidar? Só faltava, realmente, que políticos, altas autoridades e mais o resto da manada que faz, interpreta e aplica as leis nesse país estivessem decididos a apurar rigorosamente toda a ladroagem dos últimos governos e punir exemplarmente os culpados, como se diz em 100% dos discursos. Querem o exato contrário disso, é claro. É o que nos dizem, como se todo mundo já não estivesse cansado de saber, dois ou três ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral que está saindo e a procuradora-geral que está entrando, promotores públicos, gente do mundo descrito como artístico, pensadores políticos e por aí afora. Até o corruptor confesso número 1 do Brasil, Joesley Baptista, faz parte desta vanguarda. Anda tão preocupado com a impunidade para os investigados pela Lava-Jato que decidiu “contar tudo” aos inquisidores top de linha de Brasília. Conseguiu, até agora, a impunidade para si mesmo e o papel de herói da resistência à corrupção no noticiário político da Rede Globo.

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Não faltam, portanto, combatentes em favor da Operação Lavo-Jato, doa a quem doer. Já bem mais difícil é entender os critérios que determinam quem está e quem não está na Operação Abafa. Sabe-se, pelo que é repetido todos os dias, que o governo em peso, sua base aliada e o ministro Gilmar Mendes, hoje o maior aplicador da lei (e das infinitas possibilidades do direito de defesa) em atividade no Brasil são os principais abafadores. Curiosamente, muito pouco se fala das posições dos seus colegas de STF. Será que são marechais-de-campo da Lava Jato e vão confirmar o grosso de suas condenações? Mais curioso ainda é saber onde se encaixam Lula, o PT e seus admiradores nessa história. Os senadores do partido, entre outros feitos de armas, assinaram um pedido de processo contra o juiz Sérgio Moro – ou, seja, querem punir quem julga, e não quem está sendo julgado. O juiz e os procuradores da Lava Jato são insultados todos os dias pela corte política do ex-presidente – canalhas, fascistas, torturadores, agentes do FBI e daí para pior. A presidente do partido, que por sinal é ré em ação penal por corrupção na Lava-Jato, diz que tudo é um “processo político”. Lula, em seu mais recente manifesto sobre o assunto, disse que os meninos da Lava-Jato – imagina-se que sejam o juiz Moro e os procuradores, pois não foi oferecido nenhum nome nessa grave denúncia – “têm responsabilidade” na morte de sua mulher Marisa, vítima de um AVC em fevereiro de 2017. Estariam contra ou a favor da Lava-Jato? Ainda não decidiram, ao que parece.

Por que a dívida pública é uma questão mantida sob tanto sigilo?

Em 2016, o pagamento de juros da dívida consumiu quase 44% dos recursos do orçamento federal. Apesar de todas as pessoas arcarem com o seu pagamento, sequer se sabe exatamente que dívida é essa, pois além da ausência de transparência, nunca foi feita a auditoria prevista na Constituição Federal. Sequer sabemos para quem estamos pagando os elevados juros, pois os credores são sigilosos, apesar de a Constituição determinar a publicidade de todo ato público. A Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado os graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes descobertas pela CPI da Dívida Pública concluída em 2010, mas tudo isso é deixado de lado.

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O estoque da dívida interna alcançou R$ 4,509 trilhões em dezembro de 2016 e seu crescimento brutal nos últimos anos (R$ 732 bilhões em 2015 e R$ 636 bilhões em 2016), deveu-se à destinação de recursos para cobrir operações ilegais:
*pagamento de juros extorsivos, mediante artifício de contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização ou rolagem, burlando-se o Art. 167, III, da Constituição Federal, o qual impede a emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes, tais como salários e juros;
*remuneração da sobra de caixa dos bancos, por meio das chamadas Operações Compromissadas realizadas pelo Banco Central, que superam R$ 1,1 trilhão, ou seja, cerca de 17% do PIB, e são remuneradas diariamente;
*prejuízos do Banco Central com operações de swap cambial, consideradas ilegais, conforme representação de auditor do Tribunal de Contas da União (TC-012.015/2003-0).
A dívida pública tem crescido para servir a esses mecanismos, sem contrapartida alguma para a sociedade que arca com o seu pagamento, repetindo-se o padrão que vem ocorrendo desde 1822.
Recentemente, mecanismos ainda mais sofisticados de geração de dívida pública estão sendo criados. Trata-se de esquema semelhante ao que operou na Grécia e quebrou aquele país. Funciona mediante a utilização de empresa estatal não dependente que emite debêntures com garantia pública, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A no estado de São Paulo. Já existem mais de cinquenta empresas desse tipo operando no País.

As debêntures dessas empresas são vendidas a investidores privilegiados que receberão juros estratosféricos. O ente público (estado ou município) oferece garantia real a esses papéis, de forma mascarada (debêntures subordinadas).

O rombo será enorme e, por tratar-se de empresas estatais, os entes federados serão chamados a honrar a garantia dada, gerando grandes volumes de obrigações onerosas que configuram dívida pública sem contrapartida alguma.
Esse negócio entrou no País por meio de consultorias especializadas, como a ABBA Consultoria e Treinamento, cujo responsável, Edson Ronaldo Nascimento, atuou também como assistente consultor do FMI, presidente da PBH Ativos S/A, superintendente executivo da Secretaria de Fazenda de Goiás, secretário de Fazenda de Tocantins, entre outros cargos estratégicos ocupados no Distrito Federal e no Tesouro Nacional. Assim o esquema se alastra.

A ex-presidente do parlamento grego, a advogada Zoe Konstantopoulou, participou de audiência pública no Senado Federal sobre o PLS 204/2016, um dos projetos que visa “legalizar” esse esquema no Brasil (na Câmara tramitam o PLP 181/2015 e o PL 3337/2015). Em seu histórico depoimento sobre os imensos danos causados por esse esquema, Zoe declarou que o Estado não deve existir para fazer negócios, mas, sim, garantir direitos humanos à população.

No Brasil, a dívida pública não tem funcionado como instrumento de financiamento do Estado, mas como um perverso mecanismo financeiro de subtração de recursos e submissão às imposições de organismos internacionais.

 Além de sangrar os orçamentos públicos e exigir sucessivas privatizações de patrimônio público para seu pagamento, a dívida pública tem sido a justificativa para contínuas reformas que cortam direitos sociais (como a da Previdência) e modificações legais que garantem ainda mais privilégios para o setor financeiro, como as recentes Emendas Constitucionais 95 (que engessa o Estado por vinte anos para que sobrem mais recursos para os juros) e 93 (que aumenta para 30% a desvinculação de recursos da Saúde, Assistência e Previdência Social para destiná-los aos gastos com a dívida), entre outros, como o PLP 343/2017 que afeta profundamente os entes federados.

Os impactos sociais do Sistema da Dívida são evidenciados no recente relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU. O Brasil perdeu várias posições e está em 79o lugar, empatado com a ilha Granada.

Enquanto o País fica travado devido a essa sangria de recursos, os bancos lucram de maneira escandalosa. Estatísticas do próprio Banco Central demonstram que em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4%, o lucro dos bancos foi 20% superior ao de 2014, tendo atingido R$ 96 bilhões, e teria sido 300% maior não fossem as exageradas provisões de R$ 183,7 bilhões que reduziram seus lucros tributáveis.

É inaceitável que um País tão rico como o Brasil seja jogado nessa crise financeira e econômica totalmente desnecessária, e amargue índices sociais tão humilhantes.

Já está mais que na hora de enfrentar esse Sistema da Dívida por meio de ampla auditoria, com participação cidadã, e redirecionar o modelo econômico para sairmos do cenário de escassez incompatível com o nosso gigante Brasil, marcado pela riqueza e abundância.

Maria Lucia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida

Imagem do Dia

Quem procura o verde como um adivinho procura água sob a terra deve passar por essa região do Golfo de Biscaia, no País Basco. Essa reserva da biosfera esconde um dos cenários da nova temporada de Game of Thrones, Gaztelugatxe (Rocadragon na série), que, presumivelmente, logo perderá sua posição de lugar paradisíaco –embora com 237 degraus–, mas não tão frequentado por turistas. A região tem muitas trilhas, mas também convida ao ciclismo, à vela e ao all surfing, com algumas das melhores praias para pegar ondas do País Basco, com a famosa onda de Mundaka, ao lado do estuário do rio Urdaibai (foto), da qual todo surfista, venha de onde for, fala (e procura).
Urdaibai, no golfo de Vizcaya (Espanha) 

Após fim de reserva, grupo amplia lobby por mineração em área indígena

Encorajado por ações recentes do governo federal que reduziram áreas protegidas na Amazônia, um grupo de deputados estaduais da região intensificou o lobby em Brasília para permitir a mineração em terras indígenas.

O movimento - que tem como grande articulador um deputado do PT e é apoiado por um prefeito indígena do Amazonas - é criticado por organizações que representam povos da região e temem os impactos da atividade.

A BBC Brasil acompanhou uma reunião na quinta-feira na sede da Funai (Fundação Nacional do Índio) entre o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, e uma delegação com 11 membros do Parlamento Amazônico, entidade que agrupa legisladores dos nove Estados da Amazônia Legal.

Marcado para tratar de questões ligadas a indígenas na Amazônia, o evento não contou com a presença de nenhum indígena e teve como principal tema a defesa da mineração nos territórios desses povos.

O encontro ocorreu um dia após o presidente Michel Temer extinguir por decreto a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na divisa entre o Pará e o Amapá - decisão que abre o caminho para o avanço da mineração numa área de mata fechada e vizinha a duas terras indígenas.


Após reações negativas, Temer publicou na segunda-feira um novo decreto. O documento manteve a extinção da Renca, mas deixou mais clara a proibição da mineração nas terras indígenas e unidades de conservação que se sobrepõem à reserva, exceto se a atividade estiver prevista no plano de manejo da unidade.

Principal articulador do movimento pró-mineração em terras indígenas, o deputado estadual Sinésio Campos, do PT do Amazonas, disse à BBC Brasil que o novo decreto não altera os planos do grupo e que seguirá tentando convencer o Congresso a regulamentar o tema.

Campos afirma que Temer cometeu uma "trapalhada" ao extinguir a Renca sem explicar o gesto e ao apresentar um novo decreto após as reações negativas. Segundo ele, as críticas teriam sido menores se o governo tivesse dialogado antes de anunciar a decisão.

Também presente à reunião na Funai, o deputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima, disse à BBC Brasil que a extinção da Renca animou o movimento pró-mineração, embora o encontro tenha sido agendado antes do decreto original. Para ele, a decisão sinaliza "que o governo está preocupado em destravar a burocracia que tanto atrapalha o desenvolvimento da Amazônia".

Segundo o deputado, outras ações do governo Temer - como a redução da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e a edição de uma Medida Provisória que facilita a regularização de terras (apelidada por ambientalistas de "MP da grilagem") - estimularam o agendamento do encontro com o presidente da Funai.

"Sentimos que o momento é favorável e viemos reforçar nossa posição. Já que o governo não tem popularidade, que entre na história por modernizar o país", ele diz.

Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouroDeputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima

Na reunião, Naldo disse que Roraima - onde áreas indígenas são 46,2% do território - foi "inviabilizada economicamente" por demarcações e que a regulamentação da mineração reduziria os conflitos causados por garimpos ilegais. "Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouro", afirmou.

Segundo a Constituição de 1988, a mineração em terras indígenas só poderá ocorrer se for regulamentada por lei específica, o que jamais ocorreu. Mesmo assim, vários desses territórios convivem há décadas com o garimpo ilegal - atividade associada a conflitos, à poluição dos rios e à disseminação de doenças

Hoje só é permitido em terras indígenas o garimpo artesanal, sem uso de máquinas nem produtos poluentes.

"Enquanto não puderem explorar as riquezas de suas terras, os índios serão mendigos ricos", afirmou na reunião Sinésio Campos, do PT.

Na presidência da Funai desde maio, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas disse aos deputados que a regulamentação da atividade era do interesse de vários povos indígenas.

Ele afirmou que "99,9%" dos indígenas do Alto Rio Negro (AM) e dos povos Suruí e Cinta Larga das Terras Indígenas Sete de Setembro e Aripuanã (ambas na divisa entre Rondônia e Mato Grosso) "querem a regularização pelo Congresso Nacional da exploração dos recursos minerais".

Mas ele disse que o atendimento do pleito não dependia da Funai, e sim do Congresso, e que a mineração não seria uma alternativa para todas as comunidades indígenas do país. "É preciso considerar a vocação econômica de cada território", disse Franklimberg, destacando grupos que têm explorado atividades como o turismo, a criação de peixes e a coleta de castanha.

Única na reunião a destoar do coro pró-mineração, a deputada Cristina Almeida, do PSB do Amapá, se disse preocupada com o impacto da extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados nas terras indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este. Segundo ela, o decreto de Temer pode provocar uma "explosão no desmatamento e acarretar aumento de conflitos".

Franklimberg respondeu que não haveria exploração de minérios nas duas áreas indígenas, justamente porque a atividade ainda não está regulamentada.

B de Brasil, bunda e besta

Vira e mexe alguém vem do nada falar em reforma política no Brasil. O ex-presidente Fernando Henrique chamava-a de “a mãe de todas as reformas”. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha empenhou-se pessoalmente em sua aprovação. Eleição vem, eleição vai, algum remendo é feito e a colcha de retalhos nunca fica pronta. Agora, ela ganhou foros de urgência, tem que ser aprovada a toque de caixa. Para quê? Para garantir direitos da cidadania é que não é.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, vai jantar dia sim, dia talvez, com o presidente da República, Michel Temer, e eles usam o poder e a majestade de suas presidências para discutir os termos dela. Nenhum deles tem autoridade para tanto. Um chefia o Poder Executivo. O outro participa do mais elevado colegiado do Judiciário. Mas as leis são feitas no Poder Legislativo. Por que diacho esses senhores discutem uma mudança de cânones à qual não são chamados a participar? Um é professor de Direito Constitucional e o outro julga causas que chegam à última instância da Justiça. Ambos têm muito o que fazer em suas alçadas. Por que não se cingem a cátedra e toga?

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Na prática, no dia-a-dia, quem lida com o assunto é o Legislativo. Aliás, na Câmara dos Deputados funciona uma tal Comissão Especial só para cuidar disso. Demos, então, a palavra aos encarregados de emendar dispositivos em cuja feitura Temer e Mendes nada têm sequer que palpitar. E o que dizem os que têm a dizer? O presidente, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), teve a chance de explicar que “a reforma política está sendo feita por causa do financiamento. Foi por isso que começamos a discutir sistema eleitoral, voto em lista, distritão. Agora tudo é para aprovar o fundo, porque sem ele não tem dinheiro”. Ah, então, está tudo esclarecido: o que está em jogo não é a absurda matemática da composição das bancadas nem a crise de representatividade por ela causada, mas a caixinha de esmolas.

O responsável pelo texto aprovado na comissão não é Temer, nem Mendes, nem Lima. É Vicente, cujo sobrenome, Cândido, é desmentido pela porca tarefa. E, como militante do Partido dos Trabalhadores (PT-SP) e da alta cartolagem do impolutíssimo (aiaiai) futebol profissional da Pátria em chuteiras (e não de, como proclamavam Dilma Rousseff e Aldo Rebelo), ele já deixou clara a inutilidade de correr tanto para tentar aprovar algo que não deve prosperar. “Aprovar uma reforma política para o ano seguinte é impossível, porque o povo aqui (ou seja, os colegas do Congresso) faz de tudo, menos passar a faca no próprio pescoço”. De cândido (limpo, puro, franco), ele não tem nada.

Na vida oficial, dos gabinetes onde se recebem propinas, e na real de botecos, onde os pobres pagam a conta da esbórnia nacional, o buraco é mais embaixo. Com seu linguajar de boleiro, o relator não deixa por menos e pontifica: “O povo vota num Congresso Nacional do Brasil e quer leis da Suíça”. Sua Bolorência anda meio desatualizada: a Suíça nunca foi o território da santidade, mas, sim, o valhacouto do dinheiro sujo e mal lavado. Agora, não é mais. O capitalismo internacional, sob o comando dos ganhadores da Guerra da Secessão, não admite mais a corrupção, desde que constatou que a farra dos esgotos monetários não financiam apenas o tráfico de drogas e de armas. Mas também a engenharia financeira dos terroristas, que não suportam a liberdade de crença nem o direito sagrado de ir e vir neste mundão sem Deus.

E, enquanto esse mundão prospera, o Brasil vegeta, esmagado por um Estado estroina e desavergonhado, em que não se respeitam códigos de ética do novo capitalismo nem do velho gangsterismo. Com um déficit de contas públicas que se aproxima de meio trilhão de reais num quadriênio em que se limita um mandato, Pindorama se entrega aos vigaristas.

Sob bênçãos de Temer e Mendes, Lima e Cândido, estes desejam o paraíso do carcará sanguinolento: pega, mata e come. E não levam em conta questões comezinhas. O distritão, por exemplo, uma espécie de distrital do B – B de Brasil, bunda e besta -, foi adaptado do voto de lista, aquele em que os chefões dos partidos se reservam um lugar à sombra no foro, no qual se escondem de Moro. Não passou o listão, enfiam o distritão goela abaixo, porque sabem que, de repente, dê frutos a pregação de Rinaldo da Silva, taxista do Shopping Higienópolis, que defende o voto em mandatário nenhum de Poder nenhum para mandato algum. E eles só oferecem o lema: “votem em mim, ainda que não queiram”.

Os deputados que pregam a reforma do Cunha sob a égide do Maia esqueceram-se de contar que o fim da proporcionalidade no voto também extingue a proporcionalidade que dá às minorias derrotadas possibilidade de sobreviver aos vencedores de pleitos majoritários, nos longos intervalos entre as eleições. Como garantir vaga em comissões ou na Mesa das Casas de Leis com a abolição da proporção? Não é, de fato, espertinho o Centrão?

E o que dizer do fundão, fundilho, ou afundamento generalizado? Na primeira vez em que ouvi falar no Fundo para Financiamento da Democracia, deu-me vontade de me ajoelhar e rezar o Salve Rainha. O fervor cívico passou quando fiquei sabendo que o preço desse tipo de democracia é a eterna desfaçatez. O fundo não é de R$ 3,6 bilhões, como apregoou o nada Cândido, nem de R$ 2 bilhões, cuja pedra cantou assim que percebeu que, na pindaíba generalizada, reduzido, o valor convenceria. Afinal, não entram nesse falso total nem os R$ 2 bilhões do fundo partidário, que vale no ano da eleição e no outro, de urnas fechadas e recolhidas, nem a renúncia fiscal com que se paga o horário, que é gratuito para os espertalhões e pago a bilhões pelos otários, que somos nós.

No bordel Brasil vale tudo, até a venda de indulgências perpétuas por castas prostitutas.

A candidatura Lula e o risco de autoritarismo

Está no Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em Porto Alegre, o processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a nove anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro. Se o TRF-4 confirmar a condenação, Lula deverá ser preso e ficaria, em virtude da Lei da Ficha Limpa, proibido de candidatar-se à Presidência em 2018. Há, é verdade, incógnitas sobre os recursos e instâncias que poderiam garantir a presença de seu nome na cédula ou, se eleito, sua diplomação. No clima de velório de Brasília, ninguém – nem mesmo seus adversários ferrenhos – tem dúvida de que Lula será candidato. Indiferente a seu destino na Justiça, ele percorre o Nordeste em plena campanha, lança-se aos braços do povo e reúne apoios, como 1o colocado em todas as pesquisas, com 30%. Enquanto grandes partidos hesitam diante do desafio eleitoral, o PT demonstra ter estratégia e narrativa sólidas em torno da figura de Lula, uma espécie de messias, o salvador da pátria injustiçado e perseguido pela improvável conspiração de juízes, procuradores, empresários, imprensa e adversários políticos, reunidos sob a alcunha de “golpistas”.
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Petistas não cessam de apontar o risco de autoritarismo associado à candidatura do hoje principal rival de Lula nas pesquisas, o deputado Jair Bolsonaro, um apologista da tortura e da ditadura militar. É um risco real. Poucos, contudo, têm prestado atenção ao risco de ruptura democrática derivada do próprio PT. “As inovações políticas do Brasil republicano parecem mais governadas pelas rupturas inesperadas ou inevitáveis do que por decisões efetivamente políticas e democráticas”, escreve o sociólogo José de Souza Martins num dos artigos da coletânea Do PT das lutas sociais ao PT do poder, lançada no início do ano passado. Sem abandonar sua visão de esquerda, Martins decifra a alma petista e condena a transformação do partido no governo. “O PT é um partido monolítico e em certo sentido autoritário. Ele não convive com o dissenso nem pode fazê-lo”, diz Martins. Para manter o poder, adotou as práticas corruptas e patrimonialistas que condenava. “Tudo que o PT faz passou a ter justificativa, mesmo as coisas mais injustificáveis. O que era feio no adversário passou a ser bonito no PT.” Martins destaca a ambiguidade essencial ao projeto petista de poder: a oposição entre legitimidade e legalidade. “Militantes julgaram lícito o ilegal, em nome do que consideravam legítimo, o poder a ser conquistado e mantido”, escreve. “Enveredaram pelo caminho do que, à luz da lei, é corrupção, supondo que não o seria se em nome da legitimidade da revolução, na conquista da equivocada eternidade do poder.”

O livro termina antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que petistas classificaram como “golpe”. Em artigo posterior, Martins condenou o uso desse tipo de rótulo para negar a legitimidade do impeachment. “Há uma mentalidade ditatorial subjacente a palavras de ordem desse tipo”, escreveu. A própria Dilma compareceu a seu julgamento no Senado, num ato que contradizia suas palavras. De que serviria qualificar de “golpe” um processo constitucional referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o PT sempre defendeu contra seus adversários, e lançar sobre eles a pecha de “golpistas”? Não seria a estratégia natural para quem quer encetar algum tipo de “contragolpe”?

A “mentalidade absolutista e arcaica” que Martins diagnostica no PT está presente no apoio à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela e em afagos recorrentes, em nome de uma hipotética solidariedade à esquerda continental, a regimes de exceção, como os de Raúl Castro em Cuba ou dos sandinistas na Nicarágua. Verdade que, aqui no Brasil, o PT sempre disputou o poder dentro das regras da democracia, e as alas autoritárias e radicais do partido sempre saíram derrotadas. Mas isso acontecia num tempo em que Lula tinha a certeza de ser maior que o PT. Os escândalos de corrupção o tornam mais dependente do partido, de um discurso mais radical e de uma relação direta com o povo. O quadro de tensão institucional e polarização abre uma brecha ideológica para justificar atos de ruptura como os que Maduro pratica na Venezuela. Lula preso ou apenas condenado, ausente ou presente na cédula eleitoral, é a vítima ideal para mobilizar movimentos de massa. “Somos uma nação tardia em relação aos parâmetros da democracia, aos valores republicanos e à própria concepção de povo como sujeito de direitos políticos e de soberania”, diz Martins. “Não é, portanto, surpresa que o povo brasileiro seja tão acentuadamente desajeitado no fruir dos direitos decorrentes dessa modernidade política cambaleante, incerta, insegura, manipulável.” O autoritarismo não está menos presente numa organização disciplinada e monolítica como o PT do que nas bravatas de Bolsonaro.