quarta-feira, 16 de agosto de 2017

É impossível distribuir

Quando distribuir se torna uma questão social e deixa de ser um tema sociológico? Quando uma sociedade quebra porque não consegue distribuir com equidade coisa alguma? Ou melhor, por que a sua engenharia distributiva foi sempre farta e feita de favores, privilégios e presentes para particulares, esquecendo suas obrigações para com os bens e serviços universais? Como foi que chegamos a esse escandaloso modelo de distribuição no qual os ricos enriquecem os políticos e estes os ricos, e todos se tornam bilionários capazes de comprar a própria competição e, por pouco, não compram o Brasil?

Como pensar nos outros se não pensamos no Brasil? Como ser altruísta se um egoísmo malandro e oportunista – golpista, pois chega inesperadamente como essas reformas que reformam reformas – permeia a nossa vida social, privilegiando categorias, pessoas, instituições, cargos, títulos, ideologias, partidos políticos e tudo o mais? Até mesmo Deus tem partido num certo Brasil!
*

Charge do dia 16/08/2017
Hoje, vivemos a explosão dessas bolhas. Um Estado com muitos funcionários, uma população que envelhece e onera um sistema previdenciário desenhado quando uma pessoa de 50 anos era tida como velha, uma roubalheira em nome do povo jamais vista. Junte-se a isso uma camada administrativa, cujas garantias legais nada devem a nenhuma casta e a uma legislação dura no papel, mas dotada de recursos infinitos, os quais condenam criminosos a uma doce prisão domiciliar. Não tenho espaço para falar do “fundo partidário” bilionário, ao lado de uma ciência e cultura sem fundos.

*
O jogo simultâneo de distribuição generosa e escassa transformou populismo em plutocracia. Um sistema movido a promessas e magia descobre o absurdo de ser sistematicamente farto com a fartura e sovina com a escassez. É preciso mudar essa perversa equação distributiva.
*
Seria possível ter uma coletividade sem alguma forma de distribuição? Lévi-Strauss respondeu dizendo que a própria sociedade nasce quando alguém deixa de casar com sua irmã (ou irmão), sabendo que o seu vizinho faria o mesmo. A distribuição resultante permite ler o incesto (não casar para dentro) como um modo de distribuir (casar fora ou, como o disse Tylor, guerrear). Eis uma troca (ou “imposto”) na qual todos ganham sem segundas intenções, golpe ou malandragem.
*
Os estilos de vida de uma sociedade são visíveis sobretudo no seu espaço físico. Nas sociedades indígenas de língua jê que estudei, é muito difícil aplicar a matriz “pobre/rico”, porque tais comunidades são permeadas pela reciprocidade do ‘dar para receber’. Nelas, tudo o que é produzido, é dividido pelo costume e não por leis. No primeiro caso, há o presente; no segundo, o imposto. Em grupos tribais, não existem o castelo kafkiano, o palácio do governo, os bairros de condomínios fechados e guarnecidos com suas mansões amuradas como que a dizer ao visitante: “Você sabe onde está entrando?”. Tais espaços ocupam hoje o lugar das casas-grandes e são a prova de diferenciações sociais jamais questionadas.
*
Seria possível sugerir, sem ferir os sábios de plantão, que a empatia, a compaixão, a caridade (o amor) seriam os mecanismos elementares dos quais nasceram os impostos e, com eles, uma distribuição relativamente satisfatória de bens e serviços?

Haveria um mecanismo implícito ou inconsciente destinado a corrigir iniquidades em todos os sistemas? Eu penso que sim. Não há nenhuma sociedade que não pense uma de suas partes, mesmo as mais problemáticas, sem imaginar as suas obrigações para com o todo. Pois é no todo que está a legitimidade. Seria plausível, então, dizer que quando uma sociedade perde a noção de si mesma como uma totalidade que exige impostos morais – os chamados sacrifícios – ela perde o seu coração e a sua alma?

Mas que país é este?

... onde o presidente da República, pressionado por deputados, nomeia para diretor do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério, uma das áreas mais sensíveis da política pública no setor, João Salame Neto, ex-prefeito de Marabá, no Pará, citado por delatores da Odebrecht como tendo recebido parte do R$ 1,5 milhão doados, na eleição de 2014, a ele e ao atual ministro Helder Barbalho, da Integração Nacional? Salame Neto responde também a processo por improbidade administrativa.

... onde foi aberta a temporada de caça a 60 cargos públicos, no mínimo, cujos ocupantes, indicados por deputados que votaram a favor da licença para que o presidente da República fosse processado por corrupção, serão substituídos por outros a serem indicados por deputados que votaram contra a licença? As trocas começarão em breve.

... onde a funcionária encarregada da agenda e das roupas da primeira-dama fura a fila de pretendentes ao mesmo benefício e é contemplada com um apartamento funcional cedido pelo governo?

A imagem pode conter: texto

... onde desponta como forte candidato a presidente da República um deputado, no caso Jair Bolsonaro (sem partido-RJ), condenado pelo Superior Tribunal de Justiça por ter-se referido assim à sua colega Maria do Rosário (PT-RS) em discurso na Câmara e, depois, em entrevista a um jornal: “[Eu não a estupraria] porque ela é muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”? Bolsonaro será obrigado a pagar R$ 10 mil a Maria do Rosário e a postar a decisão da Justiça em sua página oficial no Youtube.

... onde 84 juízes de Mato Grosso receberam mais de R$ 100 mil no contracheque de agosto, sendo que 18 deles ultrapassaram os R$ 300 mil? O maior salário no serviço público deve ser de pouco mais de R$ 33 mil como manda a Constituição. O juiz Mirko Vincenzo Giannotte, também de Mato Grosso, recebeu R$ 503 mil.

... onde o governador de um Estado quebrado, que não consegue pagar sequer em dia o salário dos servidores, lança um edital para contratar em proveito próprio um jatinho por até R$ 2,518 milhões? O Ministério Público do Rio de Janeiro anunciou, ontem, que foi instaurado um procedimento para investigar o caso. O governador Luiz Fernando Pezão nada disse a respeito.

Vulcão adormecido

O mundo político parece interpretar o silêncio das ruas como um vulcão morto, que jamais entrará em erupção. Por isso vem arquitetando um arremedo de reforma política com fim precípuo de manter seus privilégios, entre os quais o do foro privilegiado. A reeleição dos atuais parlamentares passou a ser prioridade a qualquer custo, numa desesperada questão de sobrevivência. Acreditam que podem conseguir seu intento sem maiores resistências da sociedade.

Podem estar cometendo um tremendo erro de cálculo. O vulcão não está morto, no máximo está adormecido. A qualquer hora pode acordar e explodir.

Para os que têm dúvidas, aconselhamos a leitura atenta da pesquisa do Instituto Ipsos, onde salta aos olhos a profunda repulsa dos brasileiros à classe política e a um modelo calcado no divórcio absoluto entre representantes e representados.


O sentimento generalizado é de que os parlamentares estão na política para dela se servir, que legislam em causa própria e não em prol da sociedade. O “não nos representam” é cristalino, pois 86% dos entrevistados não se sentem representados pelos políticos que elegeram, sejam eles da situação ou da oposição.

O descontentamento é também com a qualidade da democracia brasileira, que para 86% dos entrevistados é desrespeitada tanto pela crise de representatividade como pelos desvios éticos. A ideia de que a lei não é igual para todos e que a corrupção impede o Brasil de ser um país do primeiro mundo é compartilhada por nove entre cada dez eleitores.

Nas camadas subterrâneas desse vulcão estão dois anseios: o fim da impunidade e a renovação política. Nunca foi tão forte no Brasil a busca pelo novo.

O desejo dos cidadãos é varrer o Parlamento em 2018, mandar para casa aqueles que ali estão - muitos há vários mandatos -, sem que tenham servido aos seus eleitores. Deles, só se lembram de quatro em quatro anos, quando precisam de votos.

As ruas já deram este recado nas jornadas de 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff. O brasileiro deseja serviços públicos de qualidade, não aceita o desvio de dinheiro público para interesses privados ou partidários, e quer o fim de uma classe política que só pensa e age em função de seus interesses particulares.

De lá para cá, tais sentimentos não arrefeceram, continuam latentes. Não se sabe como e quando explodirão, mas que isso acontecerá não cabe dúvidas. É uma questão de tempo.

A erupção é previsível porque em vez de absorver a demanda da sociedade, de canalizá-la para o aprimoramento das instituições, de elevar a qualidade da nossa democracia, a classe política radicaliza na direção contrária. Pretende tornar o atual modelo mais impermeável à renovação, por meio de regras eleitorais mais engessadas e capazes de assegurar sua reeleição, criando, assim, reserva de mercado eleitoral para os atuais detentores de mandato.

Desgraçadamente, o mundo político transformou-se em uma corporação renitente a qualquer sopro renovador. Ameaçado pela Lava Jato, mandou às favas os pruridos e passou a mirar exclusivamente na sua sobrevivência, num jogo de vale-tudo. E não deu outra: está em rota de colisão com a opinião pública.

Como esse conflito se manifestará nas urnas ainda não é possível prever. Mas, certamente, a sociedade não ficará debruçada na janela esperando a banda passar.

Se os parlamentares pensam que vão escapar com essas manobras, não perdem por esperar. A viralização contra as propostas da reforma política de ocasião bombou nas redes sociais. E olhe que isso é apenas um aperitivo do que os aguarda.

A hiperconectividade democratizou as informações permitindo o exercício da cidadania em tempo real. Esta e outras ferramentas estão hoje disponíveis a qualquer cidadão, por mais remoto que seja o seu rincão. Existe hoje uma constelação de movimentos horizontais que se articulam a partir das redes sociais. Eles já demonstraram seu poder de fogo. É previsível que travem uma batalha aguerrida em torno da ideia da renovação.

Hoje é plenamente possível mapear o desempenho de cada parlamentar e disseminá-lo em sua base eleitoral. Já se foi o tempo em que deputados e senadores podiam cometer seus pecadilhos no escurinho do cinema, e tudo bem.

Talvez o vulcão só acorde em 2018, quando as urnas forem abertas. E aí veremos quem escapará de suas lavas.

Tão nem aí!


A opinião pública não vai gostar, mas paciência. Democracia tem custos. Ou se paga por ela ou se parte para a tirania, para a supressão das liberdades
Senador Edson Lobão Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ),

Em benefício do infrator

Um dos mais bem achados e felizes slogans da política brasileira de todos os tempos foi aquele que conduziu Luiz Inácio Lula da Silva à primeira vitória na eleição presidencial de 2002, depois de amargar três derrotas seguidas, para Fernando Collor e Fernando Henrique:  “A esperança vai vencer o medo”.

Passados 15 anos e três gestões e meia do PT, sendo que a metade da quarta está sendo tocada pelo vice que o mesmo Lula escolheu para compor a chapa de Dilma Rousseff duas vezes, o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Operação Lava Jato da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, sob a égide do juiz Sérgio Moro, em Curitiba, ensinou à Nação que não foi tudo como se esperava naquele tempo. Na decisão unânime da Segunda Turma do STF que aceitou o despacho de Teori Zavascki, relator da Lava Jato à época, mandando prender o então líder do governo Dilma Rousseff no Senado, Delcídio Amaral, a ministra Cármen Lúcia deu uma lição que se tornou histórica.

“Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça. A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja”, ela disse.

Resultado de imagem para reforma política

A primeira metade da sentença é irretocável. A segunda, nem tanto. A Nação acompanhava então, entre perplexa e indignada, investigações que desvendavam o maior escândalo de corrupção da História, praticado nos governos em que Lula, que havia cunhado o belo lema, e seus acólitos, que o apregoavam, mandavam na República.  O cinismo continua sendo soberano na reação dos acusados de terem esvaziado todos os cofres disponíveis do País sob a indiferença e depois, conforme tem sido revelado, a cumplicidade dos mandatários máximos, eleitos para executarem um projeto de socialismo real nos trópicos. Agora o escárnio atingiu o ápice, quando, pilhados, os mandatários políticos do governo e da oposição, dos municípios, Estados e União, resolveram intervir para encontrar um meio e um método de se manterem livres de pena e, de preferência, com mandatos à sua disposição para continuarem vivendo à tripa forra por conta de  propinas bilionárias distribuídas por contratantes de obras públicas, dispostos a corromper e ser corrompidos. A conspiração pela impunidade.

Por enquanto, a promiscuidade social vigente na capital federal, erguida no cerrado distante para proteger os donos da lei – que a aprovam, executam e julgam tal execução – da ordem institucional vigente, tem protegido os sócios do club privé dos mandatários. O prestígio popular massivo da Ação Penal 470 tornou inevitável que maganões do ofício político fossem conduzidos às barras dos tribunais e às celas do inferno presidiário. Mas, com o passar do tempo, os maiorais escorregaram pelas frestas da permissividade. Dos condenados do dito mensalão restam presos alguns gatos-pingados sem partidos para escondê-los nem padrinhos para acobertá-los. Do topo do mandato dado pelo voto popular, Dilma perdoou companheiros de partido e de ofício e contou com a complacência da mesma Corte que os apenou. Zé Dirceu, o capitão do time de gatunos, Genoíno, ex-guerrilheiro que presidiu o partido no poder, e todos os seus comparsas voltaram para o conforto do lar, doce lar, com tornozeleiras. Ficaram na prisão os sem-mandato Marcos Valério, Kátia Rabello e outras figuras sem relevância na briga pesada pela ocupação dos palácios.

À exceção de gatos pingados que podem ser contados nos dedos de uma mão só, os companheiros de luta pelo poder não conheceram o mesmo destino de quem os corrompeu, caso de empreiteiros que comandavam o propinoduto, destacando-se o príncipe Marcelo Odebrecht.

Os políticos, mandantes dos crimes praticados, compartilham o conforto do foro privilegiado de que gozam 36 mil nobres patrícios que foram eleitos ou nomeados para cargos de prestígio na burocracia da politicagem. Agora, no entanto, paira no ar seco do Planalto uma ameaça real: as eleições para Presidência, governos estaduais e Casas legislativas federais e estaduais, que podem desalojá-los do foro e entregá-los a Moro. Tal ameaça se concretiza na manchete de primeira página e no noticiário da editoria política do Estado do domingo 13 de agosto, mês da efeméride do martírio político do suicídio do caudilho Getúlio Dornelles Vargas. O noticiário reproduziu pesquisa de um instituto insuspeito de se imiscuir em política paroquial brasileira, o Ipsos. Segundo o levantamento, como enfatiza o redator que escreveu a linha fina da página A4 do jornal, a um ano da eleição, “94% dos eleitores não se veem representados por políticos”, como ressoa a manchete abaixo apenas do título do jornal. Quem convive com o cidadão brasileiro em casa, nas ruas, no trabalho e nos botecos só estranha uma informação da pesquisa publicada: onde se escondem os 6% de entrevistados que não negam peremptoriamente a expressão “democracia representativa”, tal como se define a nossa.

O desencanto da cidadania ainda não atingiu em cheio o prestígio da boa e velha democracia das ágoras gregas, dos burgueses europeus ou dos pais fundadores da Revolução Americana. Metade (50%) dos eleitores brasileiros ainda considera o Estado de Direito o melhor a ser praticado no País, contra a opinião de 33%, aos quais se somam 17% que não sabem o que dizer a respeito. Mas é quase igual (47%) a porcentagem dos cidadãos destes nossos tristes trópicos sul-americanos que não consideram nosso tipo de democracia o mais adequado. Os que deles discrepam e concordam com nossa “democracia” chegam a 38% e os que dizem não saber, a 15%.

Toda a pesquisa é acachapante e está bem resumida nas páginas do Estado ou nos arquivos deste portal. Não me resta mais espaço aqui para expô-los e facilitar sua busca. Falta-me ainda dizer que os políticos que não nos representam, se não sabiam disso, pelo menos desconfiavam desde antes da publicação da pesquisa. E é por isso que tentam agora o tiro de misericórdia na cabeça da democracia para continuarem com seus desmandos – entre os quais a corrupção é apenas mais um.

Por isso o deputado Vicente (nada) Cândido, relator de um mostrengo falsamente apelidado de reforma política, apresentou à comissão especial encarregada de realizá-lo e que o apoiou, deu nomes de santos aos demônios que soltou em nossa vida comum. Além da reforma política, o “distritão”. E para driblar a decisão judicial que mantém interditada a doação empresarial para campanhas, o por fora bela viola, por dentro pão bolorento Fundo para o Financiamento da Democracia, na verdade, um “passe aí sua carteira com o que ela contiver, seu idiota batizado”.

Quando basbaques como o autor destas linhas ou bem-intencionados ingênuos – como Modesto Carvalhosa, José Carlos Dias e Flávio Bierrembach – passaram a divulgar ideias como não votar em nenhum mandatário de qualquer poder e de convocar uma Constituinte independente, eles já tinham o veneno que anularia tais antídotos. Como detêm o apito do jogo na mão e a toga do juiz a seu favor e, perdidos por um, perdidos por mil, resolveram se antecipar às providências da cidadania para providenciarem o próprio e privilegiado salve-se quem poder.

Emulam o coronel Chico Heráclio do Rego, que Chico Anysio imortalizou como Coronel Limoeiro. Na final do campeonato pernambucano das seleções municipais, tendo o árbitro da contenda marcado pênalti a favor de Arcoverde e contra Limoeiro no último minuto da porfia, impressionado com a turba revoltada, o coronel questionou o capanga sobre a causa da confusão. Informado da importância da decisão, desceu à área adversária, apontou o 45 para a cabeça do apitador e mandou que invertesse área e campo. E o pênalti foi batido contra a meta do visitante. Essa boutade é a metáfora perfeita para este benefício para o infrator praticado na Brasília de costas para o Brasil. E para a civilização.
José Nêumanne

Imagem do Dia

0_118541_ef4a1b29_orig

Uma nação sem noção

O Brasil em geral, e a política em particular, são pródigos em desvios como cara de pau, hipocrisia, cinismo, deboche. É bom não confundir.

Quando Temer diz e repete que o governo “não mente”: é cara de pau.

Quando os deputados do PT votam a favor da denúncia contra Temer referindo-se a “essa quadrilha que está no poder”: é hipocrisia.

Quando Maluf tira onda de que não está na Lava-Jato: é cinismo.

Quando um deputado faz uma tatuagem de henna com a palavra “Temer” em seu ombro e profere um discurso de amor eterno ao presidente: é deboche.


Às vezes, a cara de pau, a hipocrisia, o cinismo e o deboche ocorrem simultaneamente, e se unem ao fator “não-estou-nem-aí-para-vocês”. Os nobres deputados afirmam que a democracia é cara (hipocrisia), que é preciso substituir os bilhões que recebiam do caixa dois de empresas privadas (cinismo) e aprovam, além dos R$ 800 milhões que já têm, mais R$ 3,6 bilhões de fundo eleitoral (cara de pau), e ainda o “distritão”, que aumenta suas chances de se reeleger (deboche). O país está na maior pindaíba de sua História e a reputação dos políticos está mais suja do que pau de galinheiro, mas... eles não estão nem aí pra nós.

Nem sempre fica totalmente claro. Agnaldo Timóteo, que já foi brizolista e malufista, e passou por meia dúzia de partidos, quer ser deputado pelo PT para ser “soldado de Lula”: é deboche, claro. Mas que dizer de Emídio de Souza, presidente do diretório paulista do partido, que, a respeito da filiação de Timóteo, afirmou: “Vamos avaliar. O PT tem um processo de filiação e um filtro para escolher quem vai ser candidato a deputado federal”. Pode ser hipocrisia ou deboche. Ou Emídio é simplesmente sem noção.

A falta de noção, aliás, campeia. Vejamos.

O governador Pezão lançou edital para contratar um serviço de jatinho ao módico preço de R$ 2,5 milhões por ano. O governador considera normal, porque, afinal, está negociando o resgate do Rio com o governo federal e precisa ir muito a Brasília. Com esse dinheiro, dá para comprar três passagens para Brasília por dia (incluindo fins de semana e feriados), na tarifa mais cara, durante um ano inteiro. Os servidores estão sem salário há três meses, até hoje não receberam o 13º, mas Pezão acha que tudo bem.

Semanas atrás, o Ministério Público tentou aumentar seus próprios salários em 16,7%. O MP está há tempos pedindo aumento no orçamento, alegando falta de recursos para suas diligências, em particular a Lava-Jato. Como não obteve o que pedia, o MP realocou suas despesas, de modo que o aumento de salário coubesse dentro do orçamento. Ou seja, propôs reduzir ainda mais os mesmos recursos que, até anteontem, considerava insuficientes. Um procurador é indemissível, ganha 13 vezes a média salarial nacional, e o país está quebrado, mas todos os conselheiros do MP, incluindo a futura procuradora-geral, Raquel Dodge, acham que tudo bem.

Por falar em Dodge, ela reuniu-se com Temer em sua casa, às 10h da noite, fora da agenda. Três meses atrás, o país escandalizou-se ao saber que Joesley fizera a mesma coisa, e o atual procurador-geral afirma que encontro em casa, de noite, fora da agenda, é altamente irregular, e suspeito. Dodge acha que tudo bem.

Já o Temer teve aquele encontro escalafobético com Joesley, disse aquelas barbaridades, autorizou-o a dar ordens ao ministro da Fazenda e o orientou a procurar Rocha Loures em seu nome. Rocha Loures topou cometer um crime novo, e Aécio propôs um crime novo. A Lava-Jato estava no auge, mas todo mundo achou que tudo bem.

E o atual procurador-geral, Rodrigo Janot, que fez um acordo de delação premiada com os Batista que lhes deu impunidade total? Segundo Janot, os Batista “aceitavam negociar qualquer coisa, menos a impunidade total”. Ora, existe alguma coisa que interesse além da impunidade? Janot achou que não precisava periciar a prova, e considerou normal seu auxiliar deixar o Ministério Público e ir advogar para o criminoso, negociando com... ele mesmo, Janot. Achou que tudo bem.

Janot bate boca com Gilmar, e Gilmar, que vive se encontrando com Temer em circunstâncias esquisitas, bate boca com Fux, Barroso, Lewandowski, Marco Aurélio. Já Marco Aurélio se pronuncia publicamente sobre rigorosamente todas as causas em curso no STF.

Pezão, os procuradores, Dodge, Temer, Rocha Loures, Aécio, Janot, Gilmar, Marco Aurélio... todo mundo sem noção. E não só eles.

Todos os brasileiros, sem exceção, querem um país sem privilégios. No entanto, quase todo mundo — funcionários públicos, sindicalistas, estudantes, idosos, professores, clérigos, empresários, ricos, a classe média etc. etc. — tem algum tipo de privilégio, e cada um tem uma historinha torta para justificá-lo. Não são caras de pau, nem hipócritas, nem cínicos, nem debochados. São sinceros e bem-intencionados. E sem noção.

Brasil, nação sem noção.
Ricardo Rangel

Reputação mundial

Resultado de imagem para anão diplomático charge
O Brasil foi descrito tempos atrás por um funcionário do governo de Israel, para indignação escandalizada das esferas oficiais, como um “anão diplomático”. Doeu. Sempre dói, naturalmente, quando o ofendido ouve a verdade, sobretudo se ela bate de frente com questões de amor próprio – e é verdade, sim, que o Brasil tem muito pouca importância no mundo. Seus diplomatas, então, têm menos importância ainda. Fazer o quê? Talvez seja até melhor ficar na categoria de anão, e ser deixado relativamente em paz por este mundo mau, do que ser promovido ao status de país relevante para a geopolítica mundial e acabar como uma Síria da vida, ou uma Faixa de Gaza, Coreia do Norte e outras estrelas da primeira página do New York Times. Mas para quem fica incomodado com a nossa baixa estatura internacional as perspectivas estão abaixo de ruins, e caindo. Como poderia ser diferente, se a diplomacia brasileira faz tudo o que pode para continuar provando ao mundo que o Brasil é um anão? Os últimos esforços do Itamaraty para nos manter como um paisinho de terceira categoria aparecem, à vista de todos, com sua recusa em tomar uma atitude contra essa Venezuela que afunda cada vez mais numa ditadura grosseira e primitiva.

Uma alma otimista poderia achar que as coisas iriam melhorar com o despejo da ex-presidente Dilma Rousseff e do PT do governo. Afinal, junto com o seu antecessor, ela tinha jogado a diplomacia brasileira numa das piores fossas em que jamais esteve durante a história republicana. Deportaram refugiados cubanos de volta para Cuba, insultaram a Itália dando asilo a um homicida condenado legalmente na justiça, declararam que o Brasil tinha conseguido “a paz no Oriente Médio” e daí para baixo e para pior. Parecia impossível que as coisas não melhorassem com o novo governo, certo? Errado. Continuamos, um ano após a troca de comando, a nos comportar como uma república de bananas, sem princípios, sem ideias e sem envergadura moral. A novidade é que a política externa brasileira acrescentou mais um item à sua falta geral de virtudes – o medo. A maneira frouxa com que trata a ditadura da Venezuela é uma consequência direta do pavor que o PSDB, a quem coube mandar no Itamaraty no pós-PT, tem de ser chamado “de direita” pelos adversários. É uma doença de nascença. Não se conhece cura para isso.

Os dois ministros de relações exteriores que o presente governo já teve são aquilo que os analistas chamam de “quadros históricos” do PSDB. Ambos foram exilados durante o regime militar – ao contrário, curiosamente, dos ocupantes do cargo nos tempos do PT, um dos quais, por sinal, serviu gentilmente o governo do general Ernesto Geisel. Como praticamente todos os barões do partido, são “de esquerda” em sua origem, e vivem em pânico permanente de parecerem conservadores. Fazem questão de dizer que são “civilizados”, e têm certeza que nada pode lhes acontecer de pior do que serem confundidos com o antipetismo que está aí. Têm medo de ofender o ex-presidente Lula, os sindicatos, as ONGs, a OAB, a UNE, as greves, os “movimentos sociais”, os padres, os bispos, as em presas estatais, as cracolândias, os quilombolas, os “sem terra”, os jovens, os velhos e o companheiro Nicolás Maduro. Não dá para falar mal do regime da Venezuela, não é mesmo? Eles são gente “de esquerda”. Não podemos ficar com cara de “anticomunistas”. Não podemos ficar parecidos “com o Bolsonaro”. Etc., etc., etc.

O PSDB, cada vez mais, firma sua reputação como um dos partidos mais medrosos do mundo.

Heróis ou servidores?

A divulgação das delações que escancararam as relações espúrias entre políticos e empresários, bem como a reprodução das gravações de suas conversas telefônicas, entremeadas de palavrões e expressões chulas, reforçaram entre nós a convicção de que a crise que assola o Brasil não é apenas econômica e social, mas também moral. Longe de ser exclusividade de um único grupo ou partido político, a imoralidade e a corrupção se revelaram bastante abrangentes, incluindo indivíduos e líderes das mais diversas instituições e corporações nacionais.

A consequência nefasta mais evidente dessa imoralidade, em que o interesse pessoal aparece acima do interesse coletivo e das leis, revela-se no impacto negativo que a corrupção tem no crescimento econômico e no desenvolvimento do país. Em editorial de 4/4/2015, Consequências da corrupção, o Estadão abordou o tema, demonstrando como a corrupção afeta diretamente setores importantes, como infraestrutura, saúde e educação.

Um pouco menos perceptíveis, mas não menos prejudiciais à saúde do País, são as repercussões da corrupção no próprio campo moral. Entre elas, o fortalecimento de uma espécie de maniqueísmo em que os “representantes do bem” teriam por missão restaurar a vida pública brasileira, diante de suas mazelas, e dissipar as trevas que envolvem o cenário nacional. Em grande medida, é o mesmo discurso do “nós” contra “eles” do ex-presidente Lula da Silva.

O problema da visão maniqueísta, como demonstra o professor da Harvard Business School Bill George em seu estudo Why Leaders Lose their Way? (Por que líderes perdem o seu rumo?), é que ela não nos ajuda a compreender e a solucionar o problema da corrupção, ao contrário, torna ainda mais nebulosa a complexa teia causal que faz tantos líderes abandonarem a ação ética para se engajarem nas mais diversas atividades ilícitas e imorais. Segundo Bill George, que entrevistou vários líderes de sucesso de grandes organizações e analisou muitas histórias de líderes que fracassaram, poucas pessoas buscam a liderança com o intuito de roubar ou fazer o mal, mas, como a liderança é uma atividade altamente estressante, desafiadora e sedutora em muitos sentidos, diversos líderes abandonam seus preceitos morais e cedem às tentações que surgem em seu caminho. “Líderes que perdem o seu rumo não são pessoas necessariamente más (...) e todos nós temos a capacidade de fazer coisas das quais possamos nos arrepender, a menos que estejamos firmes”.


O professor de Harvard afirma que a capacidade do líder de resistir às seduções está intimamente vinculada à motivação primária que o leva à busca da liderança. Antes do início de sua caminhada o pretendente ao posto deve se perguntar: por que eu quero liderar? Ou: qual é o propósito da minha liderança? Se a resposta honesta a essas perguntas, que pode levar décadas para ser encontrada, for “prestígio”, “poder” e “riqueza”, então o líder estará arriscado a se apoiar em tais gratificações externas para alcançar a sua realização pessoal.

Nesse caso, as recompensas dessa natureza experimentadas por ele durante o exercício de sua atividade acabam por estimular ainda mais esse seu desejo inicial, que será sempre crescente, mas jamais plenamente saciado. Cria-se uma necessidade profunda de manutenção desse processo, frequentemente motivada pela ânsia de superação de feridas narcísicas da infância, cujo resultado é tanto o apego excessivo do líder ao posto que lhe confere tais gratificações quanto sua incapacidade de suportar críticas e o contraditório. A fim de resguardar a imagem distorcida que faz de si mesmo, o líder recorre aos mais diversos álibis para justificar seus erros, jamais assumindo a responsabilidade por seus fracassos. Com o mesmo propósito, cerca-se de bajuladores, que reforçam o seu narcisismo, e afasta de seu convívio, ou tenta calar, todos os que visam a confrontá-lo com a realidade dos fatos. Valendo-se de seu poder, seu carisma e suas habilidades de comunicação, força as pessoas a aceitarem tais distorções, podendo levar organizações inteiras a perderem o contato com a realidade.

Para Bill George, o líder capaz de evitar essas armadilhas é aquele que não deseja ser “herói”, mas “servidor” das pessoas sob a sua liderança. Nesse caso, a satisfação interior proveniente das contribuições significativas do exercício de sua liderança ocupa o lugar da ânsia por gratificações externas. Para isso é necessário que o postulante à liderança mergulhe em seu próprio interior, conheça as suas motivações e descubra se a sua busca não significa fundamentalmente uma resposta às necessidades de seu próprio ego.

Em meio a uma atividade altamente estressante e desafiadora, o acadêmico de Harvard propõe ainda que o líder seja disciplinado e adepto de práticas de combate ao estresse e manutenção do seu equilíbrio interior, tais como o lazer, o silêncio e os exercícios físicos e/ou espirituais. Do mesmo modo, é fundamental que ele esteja cercado de conselheiros sensatos e sinceros que possam auxiliá-lo em meio às incertezas e diante das difíceis decisões que se apresentam cotidianamente. Deve, igualmente, cultivar a proximidade e o convívio com pessoas (familiares e amigos) que não se impressionam com seus títulos, seu prestígio e sua riqueza, mas se preocupam justamente com a possibilidade de que tais gratificações exteriores estejam causando a perda de sua autenticidade.

A História recente do Brasil comprova a tese de Bill George, demonstrando que a solução para a crise moral que assola o nosso País não passa pela adoção de fórmulas maniqueístas simplistas que desconsideram a complexidade do exercício da liderança, bem como o fato de que a luta entre o bem e mal se trava, principalmente, no coração de cada um de nós.

Paisagem brasileira

RODOLFO WEIGEL (1907-1987) - Casario na Praia do Retiro - Angra dos Reis, ost, 47 X 37 Assinado no c.i.e. (década de 40)
Praia do Retiro, Angra dos Reis (RJ), década de 1940, Rodolfo Weigel 

Eleitor terá de fazer justiça com o próprio dedo

Resultado de imagem para urna eletronica charge
Num instante em que o Congresso vota um remendo eleitoral batizado de reforma política, o eleitor brasileiro precisa se ligar. Ou continuará sendo feito de bobo. Congressistas enlameados buscam a autoproteção com financiamento público. Seja qual for o modelo adotado, a crise exige uma atitude do eleitor. Um gesto individual e consciente. A corrupção e a desfaçatez já não permitem que o eleitor se mantenha exilado no conforto de sua omissão política. A conjuntura intima o brasileiro a retornar à história do país, moralizando-a.

Presidentes, governadores, senadores e deputados não surgem por geração espontânea. Eles nascem do voto. E não é mais admissível que pilantras notórios continuem se reelegendo eternamente. O primeiro passo é abandonar o lero-lero de que os políticos ''são todos iguais''. Não são. Isso é coisa de quem não quer pensar.

Depois que a política virou um outro ramo do crime organizado, ficou mas difícil de distinguir bandidos de mocinhos. Mas não é impossível. Na era da internet, as informações estão aí, à disposição de todos. Se o Congresso não se emenda, se o TSE não cassa ninguém e se o STF retarda os julgamentos cabe ao eleitor assumir o seu papel de protagonista do espetáculo de 2018. A verdadeira reforma política está na urna. Prepare-se desde já para fazer Justiça com o próprio dedo.

STF retoma ação que pode inviabilizar 1.536 áreas quilombolas

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira um julgamento que pode travar por prazo indeterminado a regularização de 1.536 territórios quilombolas e provocar uma mudança radical na política voltada a essas áreas.

A decisão é aguardada com grande expectativa pela bancada ruralista, favorável à revisão das regras atuais, e por comunidades quilombolas, que temem a inviabilização de novas demarcações - muitas das quais se arrastam há mais de uma década.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 220 territórios quilombolas já foram titulados no país, e outros 1,5 mil estão em processo de regularização.

A Fundação Palmares diz já ter certificado mais de 2,6 mil comunidades, primeira etapa no processo de reconhecimento.

Resultado de imagem para quilombola

O STF analisará uma ação proposta em 2004 pelo então PFL (atual Democratas - DEM), na qual o partido questiona a validade de um decreto presidencial que define os critérios para a demarcação dessas áreas.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239, o DEM diz, entre outros pontos, que essas demarcações não poderiam ter sido regulamentadas pela Presidência, e sim pelo Congresso, e questiona a possibilidade de que os quilombos se autoidentifiquem.

O decreto que regula o tema foi assinado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudou os trâmites da demarcação de áreas quilombolas, tornando-a uma competência do Incra. Até então, essa era uma atribuição da Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.

O julgamento começou em 2012 e está empatado em um a um. O relator do caso, ministro Cesar Peluzo (que deixou o STF naquele mesmo ano), concordou com o pedido do DEM e votou pela inconstitucionalidade do decreto.

Já a ministra Rosa Weber avaliou que o decreto é legal. O julgamento foi paralisado em 2015, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo para estudá-lo melhor.

Para Ivo Fonseca, quilombola da comunidade Frechal, no Maranhão, e membro da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), caso o STF considere o decreto inconstitucional, a violência no campo deve aumentar.

"Qualquer que seja o resultado, não deixaremos de pleitear nossas terras. Desde que chegamos ao Brasil como migrantes forçados, é o que sempre fizemos - e é o que vamos continuar a fazer", ele diz à BBC Brasil.

Fonseca afirma que a titulação das terras é importante por garantir às comunidades segurança e acesso a políticas públicas. "Você tem liberdade de ir e vir, de construir, de ter desenvolvimento produtivo - você tem acesso a um conjunto de elementos que ajuda a ser cidadão neste país."

Segundo ele, alguns quilombos não regularizados enfrentam dificuldades até para construir poços artesianos ou escolas.

O quilombola diz esperar que, caso o STF decida que o decreto é inconstitucional, que ao menos preserve o status das áreas já demarcadas - caso de seu quilombo no Maranhão.

Esvaziamento mental

Vivemos de mania em mania, de moda em moda, tentando nos agarrar a pequenos milagres ou a grandes ilusões para seguir vivendo nosso agitado dia a dia.

A última é a onda de "esvaziamento mental" , um desaceleramento dessa enxurrada de pensamentos, preocupações e sofrimentos antecipatórios, que nos mantêm em estado de alerta e estresse a cada instante. Surgem "gurus" e oferecem caminhos como se não fôssemos nós os autores e as vítimas de nossa realidade, como se a meditação não fosse milenar, assim como clausuras e monastérios.

Resultado de imagem para Esvaziamento mental
O silêncio interior, assim dito, parece coisa de natureba ou riponga. Afinal, estamos submetidos a um bombardeio inclemente de informações e notícias sob a forma de sons e imagens de arrepiar. Tragédias, ameaças, dramas e violências são digeridos junto à macarronada, ao arroz com feijão, à cerveja ou ao refrigerante. Digerimos tudo.

Nós nos acostumamos com essa azia física e mental. É o "novo normal": ser ansioso, nervoso, irritado, insatisfeito, preocupado.

Esvaziar a mente, no fundo, seria a capacidade de desconectar sem sentir culpa. Seria não sentir abstinência das redes, do smartphone, não existir internauticamente, mas interagir e saber usar como meio o ambiente eletrônico, o mundo virtual e relaxar no fim de seu uso. Seria ficar de plantão aos sons irritantes e simultaneamente viciantes dos avisos de mensagens das redes e não sofrer imaginando o que se está perdendo ao não responder às mensagens, temendo uma tragédia, uma urgência do trabalho, um problema sério com os filhos.

Simples, não? Imaginar que o mundo pode seguir rodando sem nossa presença, sem nossa interferência, sem nossa ação; ser acusado de não responder aos whats e aos e-mails ou de não se exibir nas diversas redes sociais; ser um morto-vivo, um rebelde sem causa, alienado tecnológico, mas um feliz relaxado, desapegado, observador da natureza que nos rodeia, aprendiz de sábio.

O desafio é se adaptar ao mundo como ele é, usufruir o que ele nos oferece e, ainda assim, conseguir, no meio de tudo que não para de acontecer, ter momentos sagrados de paz interior, tempo para não fazer nada ou um lazer que desacelere o turbilhão de preocupações, seja sozinho, a dois ou em grupo. Pois quem consegue, sem dúvida, haverá de compartilhar.