quinta-feira, 3 de agosto de 2017

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A ética deprimida

A leitura dos jornais, sempre penosa do ponto de ver estético, é-o frequentemente também do moral, ainda para quem tenha poucas preocupações morais
Fernando Pessoa (1888-1935), em Livro do desassossego

Lá se vão quase cem anos desde que Fernando Pessoa escreveu os fragmentos que seriam publicados, somente depois de sua morte, no Livro do desassossego, mas parece que foi ontem. Quando lemos a passagem acima, temos a sensação de que ele fala dos nossos dias – e do Brasil. Hoje, como naqueles tempos, os jornais não primam pela beleza. Aliás, também não primam pela limpeza: ao manusear as versões impressas dos nossos matutinos, o leitor fica com os dedos tingidos de tinta escura. Veja você, que metáfora incômoda: a leitura dos jornais suja as mãos do público.

Como no universo poético da prosa de Fernando Pessoa, os diários não nos contam novidades inspiradoras. Bem ao contrário, nas suas páginas que se esparramam como toalhas quebradiças sobre a mesa do café da manhã, predominam relatos que desalentam, que desnorteiam, que desassossegam. Seja pela pauta, seja pela forma do discurso, seja pelos padrões éticos ali implicados, o que sai dali nem sempre é sangue, mas invariavelmente dói. Diariamente, a imprensa entrega à sociedade um inventário de perfídias que desafiam não apenas o senso de justiça, mas a própria capacidade que a razão tem de classificar os comportamentos humanos. Pessoa tinha razão: a leitura dos jornais é sempre penosa do ponto de vista moral.

Portanto, ao nos queixarmos de que as notícias não têm sido exatamente edificantes sobre o Brasil, lembremos que não é de hoje que as notícias dos jornais causam desassossegos às sensibilidades menos cascudas. As coisas não vão bem na nossa República Federativa, mas esta não é a primeira vez na história da humanidade que a imprensa vem nos soterrar com episódios degradantes, relatados em estilo vil, sobre personagens repugnantes, desfiguradas por vagas de ganância inominável. Agora, quando as manchetes parecem anunciar o fim do mundo moral, tenhamos em mente que o fim ainda não chegou de verdade. A trama da realidade ainda pode piorar. Vai piorar.

E como reagir a tudo isso? Talvez com o desânimo. Ainda sobre a leitura dos jornais, Fernando Pessoa dizia que as guerras e as revoluções causavam “não horror, mas tédio”. Eis aí outro paralelo como os nossos dias. A “brava” gente brasileira, que já teve seus dias de brabeza furiosa, de indignação cívica e de nojo, atualmente guarda pouco além de tédio no espírito. Alguns tentam resistir e lançam mão da teimosia. Alguns chegaram a ponto de tentar organizar um ato de repúdio contra a corrupção na Avenida Paulista no final de semana. Quanto voluntarismo. Eu vi fotografias – nos jornais, evidentemente. Lá estavam uma ou duas dúzias de manifestantes envergando camisetas brancas. Fiquei tentando reconhecer as fisionomias, que não me eram estranhas. Mas eram poucas. Pouquíssimas. Tive a impressão de que um sinal fechado numa faixa de pedestres na esquina de Rebouças com a Faria Lima junta mais gente.

Uns poucos ainda alegam que, se houver “pressão popular” nas ruas, o governo de Michel Temer não resistirá. Acontece que a tal “pressão popular” jogou a toalha. Tirando o pessoal do ato da Paulista e aquele outro pessoal que põe fogo em pneus para bloquear as rodovias, só o que se vê é a indiferença generalizada. O Brasil desce aos infernos num itinerário macabro, seguido de perto pelos jornais e simplesmente ignorado pelo povo. O Brasil derrete sem protestos, sem passeatas, sem manifestações públicas. O Brasil sucumbe num suspiro de mau hálito. Quanto às multidões, bem, elas faltaram ao encontro.

Em lugar da bandeira das “Diretas Já”, as preguiçosas massas omissas optaram por se conformar à praticidade das “diretas já-já” (em 2018 mesmo, não faz mal). Derrubar Temer não interessa a mais ninguém. Muitos dos que o xingavam de golpista preferem agora deixá-lo onde está. Apostam que o desgaste de sua ínfima popularidade (em índices quase negativos) abastecerá de cólera os palanques da oposição no ano que vem. É o paradoxo dos paradoxos: como presidente, quem diria, Michel Temer virou um ótimo cabo eleitoral dos que o detestam.

Enquanto não cai o governo Temer, vão caindo os tapumes da hipocrisia nacional. O Brasil ainda não mostrou a cara, como queria Cazuza, mas já se desescondeu um pouco mais, descortinando comprometimentos que antes ficavam ocultos. Problemas que até outro dia eram percebidos como flagelos isolados uns dos outros, como focos localizados, revelam-se conectados entre si, numa rede articulada, orgânica e peçonhenta. Ficam expostos os nexos funcionais entre a violência urbana e as quadrilhas que desviam recursos públicos, entre as licenciosidades da política educacional e a compra e venda de votos no Congresso Nacional, entre a falência das universidades públicas e as joias arrematadas pelo governador gente boa. O Brasil ainda não mostrou a cara, mas já dá para ver que a cara do Brasil é um organismo parasitário complexo e totalizante, que parece ter o monopólio de todos ilícitos e conseguiu até fincar postos avançados no exterior.

Do lado de fora desse organismo, restam a indiferença, o tédio e uma certa falta de ar. O novíssimo sonho de consumo da classe média nacional é emigrar. A exemplo dos muito ricos (entre eles alguns delatores) que já têm residências alternativas em terras distantes, agora são os remediados que, desiludidos, sonham com um passaporte estrangeiro. Só não dão conta de ir embora de vez porque se deixaram baquear, porque não encontram nem forças nem economias para pôr um projeto de pé, nem mesmo o projeto de sumir do mapa.

No Brasil, enfim, a leitura dos jornais é um suplício estético, um desconforto linguístico e um tormento moral. A vida real é tédio. O destino é imobilismo e resignação. Enquanto isso, a disposição ética se deprime.

Em matéria de abuso de poder, Temer deu show de ilegalidades

Antes mesmo que ocorresse a votação na Câmara, que impediu a abertura de processo criminal contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva, o jurista Jorge Béja já revelava, aqui na “Tribuna da Internet”, que a decisão dos deputados poderia ser anulada através de ação popular, por iniciativa de qualquer cidadão brasileiro, a ser apresentada à Justiça Federal de primeira instância.
No início de julho, um mês antes da votação, parlamentares do PT também já tinham se posicionado a respeito, ao apresentarem denúncia à Procuradoria-Geral da República contra o presidente da República. Os deputados Paulo Pimenta (RS), Wadih Damous (RJ) e Paulo Teixeira (SP) acusaram Temer de usar o cargo de Presidente da República para compra de votos contra a denúncia em que é alvo.

O procurador-geral Rodrigo Janot ainda não se manifestou, embora tenha obrigação funcional de fazê-lo, na forma da lei, que é claríssima a respeito, nem é preciso anexo provas materiais. Diz o Código de Processo Civil: Art. 374. Não dependem de prova os fatos: I – notórios; II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III – admitidos no processo comoincontroversos; IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. Desses quatro pressupostos, no caso de Temer pelo menos três estão presentes. São fatos notórios, incontroversos e com presunção de veracidade.


Como diz o jurista Jorge Béja, o presidente Michel Temer “comprou votos e pagou (ou vai pagar) com a liberação de verbas para emendas parlamentares e preenchimento de cargos na administração federal para quem votou contra a abertura do processo no STF.

Outra ilegalidade criminosa foi a expedição de Medida Provisória que beneficiou a chamada “bancada ruralista” com vista a obter o benefício do voto. Conforme assinalou Jorge Béja, os constituintes de 1988, quando criaram a Medida Provisória, objetivaram seu uso em casos urgentes, excepcionalíssimos e raros. Não, como instrumento de barganha, de troca de favores.

Temer foi procurador do Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional e publicou algumas obras no ramo. Portanto, não poderia ignorar os crimes cometidos, todos eles na categoria de “públicos e notórios”.

Temer sabe que abuso de poder é toda conduta de utilização de recursos financeiros, públicos ou privados, ou de acesso a bens ou serviços em virtude do exercício de cargo público, gerando desequilíbrio em votações.

Desrespeitou a cláusula pétrea do exercício da moralidade administrativa e descumpriu, ao mesmo tempo, o artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, o artigo 1º, alínea “h” da Lei Complementar n° 64/90, e o art. 237, do Código Eleitoral.

Mas na verdade Temer apenas repetiu idêntico gesto de um presidente que o antecedeu e pediu à nação: “Esqueçam tudo o que escrevi”.

Inveja

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O hotel ficava a poucos quarteirões. Perguntei como fazia para voltar, e alguém me disse para sair e seguir direto: uma caminhada de dez minutos, se tanto. Meia hora depois, comecei a desconfiar que havia tomado a direção errada — mas gosto de me perder, e continuei andando. Estava numa região simpática, de prédios pequenos e relativamente pouco movimento. Havia jardins escondidos por trás de muros, árvores com florzinhas amareladas muito pequenas que caíam sobre o asfalto e sobre os carros estacionados, e que, em alguns trechos, lembravam neve.

Uma hora depois, cheguei a um condomínio maior, formado por edifícios altos, onde havia um recuo com uma fonte e uma placa que dizia que aquela era uma área pública. Havia um bonito jardim, e umas 20 cadeiras de alumínio espalhadas: um grupo de cinco, dispostas em círculo, revelava que ali se haviam reunido há pouco algumas pessoas. Um casal estava deitado na grama, conversando e aproveitando o sol. Fora eles, não havia ninguém. Sentei numa das cadeiras, tirei o celular da bolsa e passei alguns minutos conferindo as minhas mensagens e descansando da caminhada. Depois fiz meia volta, refiz o percurso, andei o que tinha andado e mais um pouquinho e cheguei ao meu destino.

Poucas lojas: um mercadinho, um florista, uma tinturaria. Não vi nem banco nem farmácia — que, aliás, estava procurando.

Pelo caminho cruzei com moradores que passeavam cachorros com calma, e parei para fazer carinho em dois ou três deles. Os moradores tinham mais ou menos a minha idade: às quatro horas da tarde, em todas as partes do mundo, as pessoas mais jovens estão no trabalho ou na escola. Vi gente de iPhone na mão, usando headphones mais ou menos descolados. Vi um rapaz espichado numa escadaria com um livro aberto e, um pouco adiante, um senhor sentado num banco, lendo o jornal.

Ao longo da vida, em algumas ocasiões e por razões distintas, senti uma vaga inveja de quem mora em Nova York: ora por causa do comércio fenomenal, ora por causa da vida cultural sem igual no planeta. Isso em geral me aconteceu depois de assistir a espetáculos deslumbrantes, ou ao entrar em lojas que parecem museus de novidades. Dessa vez, o meu sentimento era mais profundo, e tinha um motivo mais simples. Eu invejava aquelas pessoas que podiam andar despreocupadas, e que podiam se dar ao luxo de ficar sentadas em bancos públicos sem fazer nada.

Invejei: muito.

Eu invejei aqueles bancos. Eu invejei aquelas calçadas onde a gente pode andar sem tropeçar no calçamento, eu invejei aquelas cadeiras de alumínio de boa qualidade que ninguém havia roubado ou quebrado só por quebrar.

Eu invejei os equipamentos públicos em bom estado, eu invejei as paredes sem pichações.

Eu invejei a calma, a aparente ausência de policiamento, a rotina do sossego.

Ter inveja é uma desgraça, e me senti muito mal no meio de toda aquela tranquilidade que, no tempo da minha vida, provavelmente não vou viver de novo no Rio de Janeiro.

Tentei pôr os meus sentimentos em ordem enquanto caminhava. Sempre fui especialista em ver o lado positivo das coisas, sempre fui capaz de inventar mil razões para justificar a minha cidade e o meu país e, até pouco tempo, sempre fui capaz de me convencer de que nunca conseguiria viver em outro lugar a não ser aqui; mas não tenho mais certezas.

Minha pátria é minha língua, e minha pátria é a cidade onde nasci. Conheço os códigos, sei o que significam cada bairro e cada jeito de falar, coisas que não percebo em nenhum outro lugar do universo. Essa sensação de pertencimento e de familiaridade não tem equivalente, e é por causa dela que aguentamos os desaforos de uma cidade de onde a razão e o bom senso nos mandam fugir. É por causa dela que as pessoas teimam em morar em zonas de guerra, e morrem bestamente de bala perdida ou faca encontrada.

A cada dia vejo mais gente que decidiu fazer as malas e ir embora de vez, e agora, ao contrário de antes, não tenho mais argumentos para tentar demover ninguém. Uma coisa é viver perigosamente, outra é ter a responsabilidade de convencer os demais a fazerem o mesmo.

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A falta de governo e a falta generalizada de cidadania nos condenam a um cotidiano agressivo e deprimente. Ninguém consegue viver bem numa cidade onde nada funciona, num lugar onde não há um centímetro de parede sem pichações ou equipamento urbano que não tenha sido vandalizado. Por outro lado, como amar e cuidar de um lugar que não oferece possibilidades? Se eu tivesse 20 anos e zero futuro também estaria pichando paredes e quebrando pontos de ônibus.

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Enfim.

Desculpem qualquer coisa.

Eu gostaria de ter escrito uma crônica leve e para cima, uma coluna alegre que trouxesse um sorriso embutido, mas quando comecei, dessa vez, não houve uma só linha divertida que eu começasse que não me parecesse artificial e fora de lugar.

Apesar do muito que gosto de Nova York, não faço questão de viver numa cidade monumental, no umbigo do mundo. Eu só quero voltar a andar na rua despreocupada, ou pegar um ônibus sem saber para onde ele vai para descobrir lugares novos, como fazia antigamente.

Eu só quero sentar num banco na praça e deixar o tempo passar.

Cora Rónai 

Para se salvar, Temer eleva déficit fiscal e moral

Entre os problemas que se acumulam sobre a mesa do presidente da República três são dramáticos: a dívida pública, o rombo da Previdência e o déficit moral. Para salvar o seu mandato, Michel Temer agravou todos eles. Em vez de cortar despesas, comprou deputados e loteou cofres públicos.

Sem força para impor sua reforma previdenciária, brindou a bancada ruralista com um refinanciamento de dívidas que custará à Previdência uma renúncia de R$ 5,4 bilhões. De resto, Temer revitalizou sua aliança com a banda podre do Congresso, cuja prioridade é preparar novas emboscadas legislativas contra a Lava Jato.

Temer vende a tese segundo a qual o sepultamento da denúncia de corrupção contra ele beneficia o país e permite ao governo retomar sua agenda de reformas. É conversa fiada. Segundo o Ibope, 81% dos brasileiros gostariam que a Câmara autorizasse o Supremo Tribunal Federal a julgar Temer. E a maioria da infantaria do governo não quer reformar coisa nenhuma. Quer manter os velhos hábitos.

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Minh Dam

Temer ganhou o primeiro round, mas situação dele se complica cada vez mais

Já era esperado que o presidente Michel Temer conseguisse vencer o primeiro round contra a força-tarefa da Lava Jato. Foi um resultado que custou muito caro e, portanto, precisa valer a pena. Mas ninguém sabe o que pode acontecer, até porque o procurador-geral Rodrigo Janot ainda está preparando a segunda denúncia contra Michel Temer, que não conquistou imunidade total na compra e venda de deputados no mercado livre de Brasília.
Nesta quarta-feira, enquanto os deputados ainda discursavam, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, anunciou que logo após divulgada a decisão da Câmara, ele iria despachar nos autos da denúncia que envolve o presidente da República e um de seus ex-assessores no Planalto, o suplente de deputado federal Rodrigo Rocha Loures, ambos denunciados por crime de corrupção passiva.

Porém, quando saiu a decisão da Câmara, o ministro Edson Fachin já não estava mais no Supremo, somente nesta quinta-feira é que se saberá o teor de seu despacho no inquérito. Mas já se pode fazer uma projeção.
Com a decisão da Câmara, fica claro que o maior prejudicado será o ex-assessor Rocha Loures, porque a denúncia contra ele será encaminhada por Fachin para o juiz Sérgio Moro, na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. A situação judicial de Loures já está definida, ele será inevitavelmente condenado, não apenas por ter sido filmado recebendo a mala de dinheiro do executivo Ricardo Saud, da JBS, mas sobretudo porque voluntariamente se tornou réu confesso.


Ao devolver a mala de dinheiro à Polícia Federal contendo R$ 465 mil e depois completando os R$ 500 mil com depósito judicial de R$ 35 mil na Caixa Econômica Federal, o ex-assessor tacitamente confessou o crime e eliminou qualquer possibilidade de defesa. Agora, a única chance que lhe resta é fazer delação premiada, uma possibilidade concreta que destruirá o que ainda resta do presidente Michel Temer.
Ao contrário do que pode parecer, com a decisão da Câmara o presidente Temer não recebeu imunidade nem atestado de bons antecedentes. Pelo contrário. Sua situação só tende a se agravar. Embora o relator Fachin não vá mencionar essa circunstância em seu despacho, o fato concreto é que o presidente da República continuará ser investigado, e não apenas no aprofundamento da denúncia contra Rocha Loures, mas também nos outros inquéritos que envolvem propinas e doações ilegais ao PMDB, pois Temer era presidente do partido.

Ao investigar Rocha Loures, automaticamente a Lava Jato estará investigando também Temer, porque os dois são irmãos xifópagos na corrupção. Da mesma forma, ao investigar Padilha, Moreira, Cunha, Funaro & Cia, a força-tarefa vai colher também evidências e provas contra o presidente da República, cuja imunidade é relativa e tem prazo de validade exíguo, porque termina impreterivelmente em 31 de dezembro de 2018,
Temer é uma figura estranhíssima e sinistra. Há vários meses ele não governa, apenas cuida de sua defesa. E vai chegar ao final do mandato sem governar, porque quem está segurando a administração é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. É nele que o mercado confia.

Nesta conturbada quarta-feira, por exemplo, a Bolsa subiu espantosos 0,93%, com o índice atingindo 67.135 pontos, patamar que exibe o surrealismo da economia brasileira, totalmente descolada do momento político, como se estivéssemos no mundo da Lula. E ninguém sabe até quando isso vai durar.

Farra do boi

Almoço dos deputado$ em gabinete durante a votação de ontem Foto: Estadão
O gado parlamentar pastou propina da Friboi 
O Antagonista 

Segue o jogo

No dia em que vieram a público as gravações de Joesley Batista, revelou-se que a política brasileira chegara ao limite de um poço, cujo fundo é de areia movediça. Ansiosos se apressaram em crer que o governo Temer ruiria como um Castelo de Cartas, House of Cards do Brasil. Escrevi que, no entanto, era ''cedo para dizer se a pinguela caíra ou não'' (aqui); o sistema, afinal se protege, possui resiliência; há meios para prolongar sua agonia, pois não lhe falta lenha para alimentar a fornalha do fisiologismo.

Em virtude da força do Diário Oficial, o Executivo exerce descomunal ascendência sobre o Legislativo; o poder dispensa justificativas. Nem requer raciocínios complexos e sofisticados em sua defesa. Joga-se o jogo e ponto. Dilma Rousseff é que não soube se movimentar em campo, e, em razão da soma de erros que colecionou e da soberba que nunca conseguiu disfarçar, deu no que deu.

Nesse aspecto, Michel Temer ensina ao PT como se faz — pelo menos, nos parâmetros de determinados padrões éticos, os quais, esta análise, exime-se de comentar. Enfim, dependendo do critério, ponto para Temer. Mas, o resultado não foi de admirar e nem significa que o jogo tenha chegado ao fim.


Bem, na noite desta quarta-feira, o país tornou a assistir ao triste desfile de aberrações políticas. A fauna e a flora são exóticas até mesmo para o Brasil, comparado consigo mesmo num tempo não muito distante. A Câmara, que já teve Ulysses, Tancredo, Thales Ramalho, Carlos Lacerda, Jorge Amado, Marighela, Mário Covas, Florestan Fernandes é, agora no mais das vezes, o reino do baixo clero: deputados folclóricos e provincianos, mal articulando um voto ou uma desculpa.

Sem o glamour patético do impeachment — daqueles de quem chuta cachorro morto —, na maioria dos casos, parlamentares constrangidos diante das câmeras agarravam-se aos microfones do Plenário para desfilar argumentos frouxos, desconectados da sociedade — a política parlamentar resultou num fim em si mesmo. A favor ou contra Michel Temer, não importa, a vergonha alheia, transmitida ao vivo, foi mais uma vez a estrela da sessão.

Rei da moralidade, o PT, sem a imprescindível autocrítica, omitia o passado; rainha da virtude, a base governista tentava esconder o presente sob o tapete. Metamorfoses ambulantes, muitos dos mesmos parlamentares que votaram contra ou a favor de Dilma Rousseff se posicionavam a respeito de Michel Temer com sinais trocados. Poucos mantiveram coerência com os discursos de um ano atrás.

Igualmente desconcertante foi a forçada louvação da economia com que governistas buscavam justificar seus votos, como quem pede perdão. Estivesse a economia a minimamente resolvida, poder-se-ia — vá lá — admitir ser a verdade e ''seu dom de iludir''. Mas, no caso, nem verdade é. Pelo menos, não a verdade com a qual o país já possa se gabar.

Outra ironia que brotava era a que soava a cada vez em que os tucanos diziam ''não'' ao parecer de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e seus colegas peemedebistas (e congêneres), com escárnio, assinalavam a defesa de Michel Temer, dizendo votar ''a favor do relatório do PSDB''. Os partidos ruíram junto com a lógica: a dor e a delícia de ser e não ser, ao mesmo tempo, o que se é.

Mas, assim como, no Joesley Day, era cedo para dizer se a pinguela caíra ou não, também agora é precipitado afirmar que a agonia de Michel Temer chegará ao fim. Primeiro, porque sua vitória não foi avassaladora, está abaixo do quórum constitucional de reformas; ficou aquém das expectativas despertadas pelo próprio governo; no mais, não condiz com o esforço de reuniões e a magnitude de liberações de cargos e recursos, flores do recesso.

O governo se protegeu, está no jogo; e segue o jogo. Só isso — por enquanto. Muito dependerá da repercussão da votação, da disputa de ''narrativas'' nos próximos dias. Como se sabe, estão prometidos mais dois pedidos de autorização para investigar o presidente: um, por formação de quadrilha; outro, por lavagem de dinheiro. A oposição ao governo, não está exatamente no Congresso, mas no Ministério Público e na sociedade. Tudo dependerá de fatos novos, das flechas e bambus que Rodrigo Janot ainda pode ter guardado.

Carlos Melo 

O dia seguinte de Temer

Por elegância, Michel Temer não perderá a vida. Foi o que demonstrou ao derrotar na Câmara dos Deputados o pedido de licença para que fosse processado por corrupção. Valeu-se de todos os meios, legítimos e imorais, para colher uma vitória que acabou ficando muito aquém do que desejaria.


Por sabedoria, ele evitará correr novos riscos para não perder o mandato reconquistado ontem. É por isso que se deve descartar a possibilidade de Temer retaliar quem votou contra ele, mexer na composição do seu governo para incluir novos aliados ou aproveitar a ocasião para livrar-se de companheiros incômodos.

Nada de ousadias – a não ser, e se for o caso, para salvar-se de novas denúncias. Foi traído por uma larga fatia do PSDB? Foi. Mas o partido não perderá um só dos seus quatro ministérios. Temer tentará trazer de volta as ovelhas que se perderam – quando nada para que votem a favor das reformas paralisadas.

Foi traído pela maioria dos deputados do PSB? Foi. A todos dispensará igual tratamento, e pelo mesmo motivo. Aos olhos do distinto público pegaria bem que mandasse embora ministros atingidos por graves denúncias de corrupção. Não o fará. São seus amigos fiéis. E a eles deve parte de sua sobrevivência.

Tudo o que possa mexer com a Constituição dependerá na Câmara e no Senado do apoio de três quintos dos votos de casa Casa. Na Câmara, isso significa 308 de um total possível de 513 votos. Para escapar de ser julgado por corrupção, Temer só reuniu 263 votos. Bastou. Mas não bastaria para aprovar qualquer reforma.

Seguirá, portanto, em cena o Michelzinho Paz e Amor, sem gosto de sangue na boca, sorridente e educado. Movido pela esperança de que no futuro venha a ser conhecido como Michel, o Reformador.

Paisagem brasileira


Casario em Mogi das Cruzes, Alfredo Volpi

A intolerância não perdeu

O Governo Temer ganha novo fôlego e agora vai precisar correr em busca do tempo desperdiçado nos últimos meses, desde quando o Presidente da República, por ingenuidade ou cansaço mental, talvez, digamos assim, concordou em receber à noite, em audiência privada no Palácio do Jaburu, onde reside com a família, um dos irmãos Batista, antigos magarefes no interior de Goiás e que sob as graças dos governos petistas alargaram tanto os seus negócios, diversificando-os com incursões bem sucedidas incluindo iogurtes, sandálias e até aquisições de empresas de outros ramos no exterior, incluindo Estados Unidos da América.

Temer confidenciou a seu advogado, o competente Mariz de Oliveira, que nunca poderia imaginar que aquela audiência fosse parte de um roteiro adrede preparado, uma inimaginável armadilha. Com a experiência de quem fez carreira politica em oposição ao regime militar, tendo servido inclusive como Secretário de Segurança do Governo Montoro, do PMDB, em São Paulo, Temer sempre foi um politico acessível, praticante das boas maneiras, daqueles que sob a boa fé quase não veem a maledicência ambulante.

Numa de suas campanhas eleitorais em São Paulo eu o vi num restaurante indo de mesa em mesa em sorrisos e cumprimentos a distribuir seus santinhos. De outra vez, Temer, já presidindo o maior partido de oposição do País, aceitou ser Vice na chapa de Luiza Erundina candidata a Prefeita de São Paulo. Lula comentou comigo não entender aquela decisão. A seu ver, Michel Temer poderia estar viajando pelo Brasil promovendo o PMDB para as próximas eleições nacionais ao invés de se restringir à capital paulista como Vice da Erundina.

A conversa meio sem pé nem cabeça, que está na fita que o senhor Batista entregou ao Procurador Geral da República em troca daquele acordo, o qual, saber-se-ia depois, foi o mais vantajoso até então negociado com um delator, ensejou vazamentos extras em primeira mão, coincidentemente ou não, a único repórter da maior rede de comunicações do País, no caso o sistema globo.

De pronto, o Procurador Geral da Republica fez aportar no Supremo Tribunal Federal o pedido para investigar o Presidente da República. Perícias foram feitas por profissionais de grande credibilidade por encomendas dos jornais O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, o que deu ensejo a graves desconfianças sobre aquela pretensa prova.

A denúncia do Procurador Geral contra o Presidente da Republica, exaustiva pelas centenas de laudas, protocolada no STF, foi remetida à Câmara dos Deputados porque, em se tratando de acusação por crime comum, em tese, praticado no exercício do mandato, o juízo de admissibilidade, em primeiro lugar, tem que ser politico, sujeito, portanto, aos pressupostos da oportunidade e da conveniência politica.

O País vinha praticamente solto no labirinto no qual o atirou a cegueira pelo poder movida pela intolerância de parte dos radicais ditos de esquerda e ditos da direita. E línguas como que de fogo tornando-se inaudíveis, como numa babel invisível, já ousavam ensaios para um apocalipse.

Tão logo foi se tornando clara a tendência para a rejeição da denuncia pela Câmara dos Deputados logo o chefe do Ministério Público fez chegar ao Supremo Tribunal Federal pedido para a inclusão do Presidente Michel Temer no inquérito instaurado contra dois Ministros de Estado filiados ao PMDB.

O resultado da votação pela rejeição da denúncia contra Temer não deixou dúvida. Dos 492 votos apurados, 263 deputados aprovaram o Parecer vencedor da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado pelo Deputado Paulinho Abi-Ackel rejeitando a denúncia. 227 votaram não. 2 se abstiveram e 19 deputados não compareceram à sessão.

Edson Vidigal

Propina legalizada

 


A Câmara, com votos comprados, legalizou a propina no país em nome da salvação econômica

O combate à corrupção deve transformar-se em rotina permanente

Milton Soares Campos nasceu em um aziago agosto, no dia 16. Candidato ao Senado, em 1966, disse o seguinte sobre 1964: “A revolução há de ser permanente como ideia e inspiração, para que, com a colaboração do tempo, invocada pacientemente, possa produzir seus frutos. O processo revolucionário há de ser transitório e breve porque sua duração tende à consagração do arbítrio, que elimina o direito, intranquiliza os cidadãos e paralisa a evolução do meio social. O que urge institucionalizar, portanto, é a revolução, e não o seu processo”.

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Não sei por qual motivo (o inconsciente fala mais do que o consciente...), mas as lições do grande mineiro, contidas no trecho acima, levam-me a refletir sobre o momento que vive o país e, por incrível que lhe possa parecer, leitor, “mutatis mutandis” (mudando o que deve ser mudado), sobre a operação Lava Jato. Que não deixa de ser – aqui, sim – “verdadeira revolução” contra nossos costumes políticos. Sonho com um país no qual o combate à corrupção passe a ser rotina. Só ela conterá a síndrome do estrelismo e os donos da moral e da ética.

A corrupção tomou conta de todos nós. Os veículos de comunicação dão a ela especial relevo. E, neste instante, a disputa entre Ministério Público e Polícia Federal só contribuirá para impedir, como diz Merval Pereira, que, finalmente, “as investigações levem a uma mudança no cenário político nacional”. Por si só, a corrupção não nos levaria ao fundo do poço. O que mais impede que um país se desenvolva, com justiça e paz, é a incompetência. Esta, porém, aliada àquela, é um mal incurável, de dose dupla. Nenhum país lhe resistiria, tornar-se-ia imbatível.

Antes que estas linhas se esgotem, uma palavra sobre a última operação da Lava Jato, denominada Cobra, que se iniciou com a prisão provisória do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine, agora transformada em prisão preventiva pelo juiz Sergio Moro. É desconfortável, pelo menos para mim, centrar a atenção num só nome. É o mesmo que pisar num só decaído. Mas a figura de Aldemir Bendine sempre me impressionou. Suas fotos, desde a primeira que vi nos jornais, sempre me deixaram com “a pulga atrás da orelha”. Achava-o sério demais, elegante demais, perfumado demais.

Aldemir Bendine, um jovem de 53 anos, fez carreira no Banco do Brasil, onde começou como “menor aprendiz”, em 1978. Galgou vários cargos e, enfim, alcançou a presidência. Segundo notícia de jornal, quando foi convidado para presidir a Petrobras, aposentou-se no banco com o salário de R$ 60 mil por mês. O salário na Petrobras, segundo a mesma notícia, era de R$ 70 mil por mês. Um total de R$ 130 mil. Uma bagatela, leitor, num país de milhões de pobres.

Além de dois irmãos, tive (e tenho) muitos amigos que trabalharam no Banco do Brasil (naquele tempo, o funcionário do BB era considerado um “bom partido”, como diziam as mães para as filhas). Educaram família, bem como cumpriram, com dignidade, o seu papel aqui na Terra. Uns já se foram, como meus dois irmãos. Outros estão por aí honrando a nós e ao país, como Paulo de Queirós Mattoso, que, por mérito, representou a instituição (o BB era uma instituição respeitável!), durante 11 anos consecutivos, primeiro em Londres e, depois, em Paris.

Se o jovem Bendine se pautasse pela ética, não teria, jamais, acumulado os dois salários. Pelo mindinho se conhece o gigante.

Ou isso não passa de lorota?

Se Beira-Mar fosse lutar contra as drogas

Era uma dessas situações em que o meu trabalho como jornalista me constrange. Ia entrando no local, e portas de aço pesadas fechavam-se atrás de mim. Caminhava acompanhado por homens bem armados através de corredores sombrios. Via por toda parte grades e muros de concreto.

"Tudo bem?” o meu entrevistado me perguntou e sorriu para mim. Ele estava bem receptivo, aparentava até alegria, mostrou para mim os seus dentes. Mas era o único que sorria. Do lado de fora, no corredor, em frente a uma cela do presídio de alta segurança de Porto Velho, estava um grupo nervoso de agentes de segurança. Usavam uniformes pretos, portavam cassetetes, pistolas e armas de choque. Quando entrei, sentei-me em uma cadeira de plástico, assim como meu entrevistado: o chefe do tráfico Fernandinho Beira-Mar.

Nós nos examinamos mutuamente. Eu suava um pouco enquanto ligava meu gravador, estava quente dentro daquele presídio. Beira-Mar estava usando uma espécie de pijama de tecido azul-claro. Na camisa e na calça estava escrito: "102”. Desde o começo do milênio o prisioneiro de número 102 está preso em sucessivas prisões de segurança máxima. Formação de quadrilha, tráfico de drogas, assassinato, tudo isso consta nas acusações da justiça e da polícia.

"Meu jornal alemão está fazendo uma reportagem sobre como funciona o tráfico de drogas, e gostaria de entrevistá-lo como especialista no assunto.”

"Tudo bem”, disse Beira-Mar.

Em que tom, com qual atitude a gente entrevista o Beira-Mar? Todo mundo sabe quem é o homem – ou pelo menos pensa que sabe. Um dos maiores Senhores do Comando Vermelho, um gênio do crime. Fenando Beira-Mar assumiu algumas das acusações contra ele, mas não todas. "Quantas pessoas você mandou matar?” perguntei a ele, mas não recebi resposta. "Não sou nenhum santo”, disse para mim em um trecho da entrevista – tudo bem, não, com certeza ele não é. "Fui tão massacrado pela mídia”, reclamou em outro trecho. Massacrar? Não estava lá para isso.

No meu trabalho para o semanário alemão Die Zeit, já entrevistei criminosos algumas vezes. Para quem não é jornalista isto soa como perigoso e até irresponsável, mas na minha experiência não é. Acontece com frequência um homem do crime querer mostrar seu ponto de vista sobre um tema específico, e não vejo problema em encontrá-lo. É de interesse mútuo, e bom procurar a visão de todos os lados. Também acho correto tratar um criminoso de maneira tão profissional e justa quanto o chefe de uma rede de supermercados ou o deputado de uma facção do congresso.

Nos preparativos de minha entrevista vi as gravações de outros jornalistas que tinham sido recebidos por Beira-Mar no passado. Alguns passavam uma grande parte da entrevista xingando o traficante de drogas, fazendo acusações, mostrando superioridade moral, protegidos por muitos agentes de segurança. Fico me perguntando se não era isso que Beira-Mar quis dizer com "massacrado”? Não sei, mas tive a impressão que ele também se divertiu nestas conversas meio hostis, dava respostas bastante afiadas. Posso imaginar muito bem porque um jornalista de televisão se apresenta assim: não deve pairar nenhuma dúvida diante dos espectadores de que o tráfico de drogas seja uma coisa ruim. Eu mesmo configuro minhas entrevistas de outra forma, acho mais importante entender bem.

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Acabou que conversamos longamente – sobre os negócios, sobre violência, sobre o efeito afrodisíaco do "poder”. Tocamos até mesmo na formação em teologia que Beira-Mar completou há alguns anos dentro da cadeia. "Você acha que ainda pode ir para o céu?”, indaguei ao chefe do tráfico, mas ele não achou engraçado e respondeu outra coisa. Não, ele não acredita em céu.

No final eu queria saber como se pode combater os negócios violentos do tráfico. Como ele, Beira-Mar, faria isso? Como ele reprimiria a violência letal das facções no Rio de Janeiro, São Paulo e em outros lugares, se amanhã ele fosse nomeado secretário de Segurança?

Beira-Mar respondeu detalhadamente. Citava estudos, experiências, sabias de preços e condições de negócio. O passo mais importante, ele disse, seria a liberação das drogas – primeiro maconha, depois cocaína. "Loucura”, eu pensei, pois já conhecia estes argumentos: há alguns anos, no decorrer das Olimpíadas no Rio, vindos da boca do próprio secretário de Segurança da época, José Mariano Beltrame. Em entrevista para mim, ele também tinha mencionado argumentos a favor da liberação de uma parte deste mercado. Beira-Mar e Beltrame, pensei, com certeza não são amigos, mas neste aspecto estavam próximos um do outro.

Após o mercado ser legalizado, disse Beira-Mar, os preços vão baixar. "Tu não tens interesse de brincar com tiro". Poderia haver inspeção do estado. Cobrança de impostos, que poderiam ser empregados na educação de crianças pobres das favelas. Poderiam vender ou alugar áreas de venda, então não haveria mais motivos para lutas armadas.

"Vai destruir os negócios!”, comentei. "Também atingiria o Comando Vermelho!”

Beira-Mar acenou com a cabeça. Entendi que ele não tinha dito isso necessariamente como uma sugestão. Só queria ser franco, pergunta direta, resposta direta. "Não vejo outro caminho.” Disse que no tráfico, entre seus conhecidos, somente poucas pessoas queriam saber da liberação de drogas. E então nos despedimos novamente – eu para a liberdade, ele para o pátio da prisão.

"Bill Gates vai montar uma plantação para ele”, disse Beira-Mar no final, sobre um futuro mundo com drogas liberadas. Não me pareceu que estava fazendo uma piada. "Os cara que é empresário vão montar”. Isso é a outra tarefa neste tipo de entrevista: escutar bem, e sempre manter o olhar crítico.

Thomas Fischermann