quarta-feira, 26 de julho de 2017


Valores em baixa

Dois episódios recentes são ilustrativos do quanto os valores inerentes à democracia, como a tolerância, a convivência pacífica e o respeito ao contraditório e à diversidade, estão em baixa em nosso país.

Vamos a eles.

Quando da morte de Marco Aurélio Garcia, assessor de política externa dos governos Lula e Dilma Rousseff, o chanceler Aloysio Nunes manifestou em nota oficial, seu pesar, relembrando que os dois foram companheiros de exílio, posteriormente divergiram e seguiram caminhos diferentes, mas mantiveram relações cordiais.

Aloysio teve a hombridade de reconhecer que Marco Aurélio Garcia “no magistério, assim como na política, agiu com firmeza e coerência na promoção de sua visão do Brasil e do mundo” e por isso teve a sua estima.

Em qualquer país de cultura democrática arraigada o episódio seria visto como absolutamente natural, pois adversários mantêm relações civilizadas entre si e não têm por objetivo a eliminação física do oponente ou de suas ideias.

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Mas no Brasil desses tempos de ira as coisas não são assim. O ministro levou bordoada à “direita” e à “esquerda” nas redes sociais. Os primeiros o enxovalharam por tecer elogios a um adversário, em vez de comemorar sua morte como muitos ensandecidos o fizeram. Já a turma do outro lado não deixou por menos, o insultaram de “golpista”, hipócrita e outros vocábulos típicos da linguagem de esgoto.

O segundo episódio, tão lamentável quanto, se deu na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada este ano na Universidade Federal de Minas Gerais, onde o senador Cristovam Buarque foi hostilizado por um grupo de petistas e impedido, à força, de divulgar seu livro. A agressão a Cristovam se espraiou nas redes, com o senador sendo xingado de “ratazana”, golpista, entre outras perorações.

O incidente foi por si só uma agressão às histórias da SBPC e a UFMG, duas instituições de larga tradição democrática e de observância do pluralismo, condição imprescindível para o desenvolvimento da ciência e da cultura.

Foi também uma manifestação do ódio particular que os petistas nutrem pelo senador. Não o perdoam pelo fato de ter rompido com o Partido dos Trabalhadores e de ter votado de acordo com sua consciência no impeachment de Dilma. Não há, ao longo de sua extensa vida pública, um só deslize de natureza ética, ao contrário de muitos petistas que se lambuzaram na lama.

Mas isso é irrelevante para seus detratores. No seu entendimento, Cristovam Buarque é um trânsfuga, num estranho conceito de fidelidade, nãos sobre valores e princípios, mas a uma causa em cujo nome tudo se justifica. Nesse víeis autoritário, não há razão fora do partido, e divergência é sinônimo de traição.

Não estamos diante de fatos isolados, eles têm conexão com a estapafúrdia manifestação de petistas no casamento da filha do ministro Ricardo Barros – algo tão absurdo como as agressões ao ex-ministro Guido Mantega em um hospital – e nos insultos e violência contra a jornalista Miriam Leitão, a bordo de um avião.

O aviltamento dos valores republicanos também esteve presente na ação ensandecida de um grupo de senadoras que tomaram de assalto a mesa do Senado para tentar inviabilizar a reforma trabalhista. Em qualquer democracia do mundo, as decisões no Parlamento se dão pelo voto e a única maneira de a minoria se transformar em maioria é pelo convencimento. Nunca pela mão grande ou pela impostura.

O pano de fundo da escalada do ódio é o desapreço pela democracia que se manifesta tanto na direita de valores autoritários, como em uma esquerda que entende a democracia como um estorvo e um expediente tático a ser abandonado assim que a correlação de forças permita.

A crise liberou esses dois polos para mostrar sua verdadeira face.

Valores fascistóides nunca deixaram de existir em nossa sociedade, ainda que de forma residual. Eles estavam contidos até recentemente. Mas a degradação ética decorrente da exacerbação do patrimonialismo do qual o PT aderiu e elevou a novo patamar fez com que eles aflorassem nesses tempos de anátema.

Seu reverso é a radicalização do lulopetismo, depois de ser apeado do poder.

Se antes havia algum recato, eles foram deixados de lado. O PT passou apostar no aprofundamento da divisão do país, considerando como golpistas todos que não rezam por sua cartilha. O viés autoritário se faz presente na tese de que eleição sem Lula é fraude, sugerindo que o PT pode apelar para outros meios se o morubixaba não puder se candidatar.

Os valores democráticos vêm sendo puxados para baixo pela direita alucinada e pela esquerda autoritária. Mas não apenas por eles.

Afinal, em nome de que valor se justifica um jornal de circulação nacional publicar em seu espaço nobre artigo de Joesley Batista recheado de mistificações, numa afronta à consciência nacional?

Legislativo custa R$ l mi por hora

O Congresso Nacional, que terá nas mãos, nas próximas semanas, mais uma vez, o destino de um presidente da República, tornou-se um poder caro. Cálculos feitos pela organização não governamental Contas Abertas mostra que o Legislativo custa R$ 1,16 milhão por hora ao longo dos 365 dias do ano. Esse custo vai incluir fins de semana, recessos parlamentares e as segundas e sextas-feiras, quando os parlamentares deixam a capital federal para fazer política em suas bases eleitorais.

"As pessoas ficam muito restritas a quanto custa um parlamentar em si, com todas as suas mordomias. Isso custa caro, sim. Mas o Congresso tem uma estrutura muito maior que isso que consome recursos públicos, dificultando ainda mais o equilíbrio no orçamento", lembrou o presidente da ONG, Gil Castello Branco.

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Não que a conta nominal possa ser desprezada. Cada deputado federal recebe um salário bruto de R$ 33,7 mil, um valor superior ao do presidente da República e seus ministros que ganham R$ 30,9 mil mensais. Nossos parlamentares, de acordo com diversos levantamentos de organizações e publicações estrangeiras, são os mais bem pagos da América Latina, seguidos por Chile, Colômbia e México. Acrescentem-se, aí, todos os benefícios indiretos que os parlamentares têm, como verba de gabinete, cota de passagens para seus destinos eleitorais e reembolso com despesas de saúde, e o valor aumenta para números estratosféricos: juntos, os 513 deputados custam em média R$ 86 milhões ao mês e um custo anual de R$ 1 bilhão.

Com avaliação positiva de menos de 10 pontos percentuais, o Parlamento se transformou, além de tudo isso, em um conjunto de interesses corporativistas, de partidos criados em sua maioria apenas para vender tempo de televisão em campanhas eleitorais. "Não adianta apenas dizermos que o Congresso gasta muito. Se fosse isso, bastaria apagar a luz ou economizar no clipe. O problema é que ele é caro e oferece pouco retorno para a população em termos práticos", criticou a vice-presidente da Ideia Inteligência, Cila Schulmann.

Há um ano, deputados e senadores consumiram horas de debate público que culminaram com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Menos de um ano depois, os parlamentares da Câmara terão de se pronunciar novamente, desta vez para definir se autorizam ou não o Supremo Tribunal Federal a abrir um processo de investigação por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. Cargos foram loteados e emendas parlamentares distribuídas nos dois casos. Dilma foi afastada, é provável que Temer sobreviva. Quem não resiste são os cofres. "Com o déficit e o desequilíbrio atual, a projeção é de que as contas só estejam arrumadas por volta de 2022. O problema é que o descontrole prossegue", alertou Gil.

Ex-ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) - pasta hoje absorvida pela Secretaria de Governo - e atualmente ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro costumava reclamar que o Congresso tinha se transformado em um conjunto de interesses e crachás. Falava isso em 2008, referindo-se às diversas bancadas temáticas do Parlamento, que impediam o debate de ideias gerais que pudessem prejudicar seus interesses corporativistas. De lá pra cá, esse fosso só se aprofundou, somado à multiplicação das siglas partidárias. Quase 30 têm representantes no Congresso e outras 56 estão à espera de análise no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Para piorar, não existe um sistema de contrapesos e fiscalização de gastos entre os três poderes, o que deveria acontecer em uma estrutura minimamente equilibrada", disse o coordenador do laboratório de política e governo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Milton Lahuerta. "Em vez de se fiscalizarem, cada um deles, especialmente o Judiciário, cria mecanismos de autoproteção que impede uma transparência na publicação dos gastos", completou Lahuerta.

Ar pútrido


Depois de uma longa recessão, nós começamos a respirar uma nova economia
Michel Temer

Gente fora do mapa

Os riscos de um apagão fiscal

O risco de o governo não conseguir cumprir a meta é real. A situação é dramática. Para não parar, o governo precisa de, no mínimo, mais R$ 10 bilhões e receber tudo o que programou. Uma das receitas esperadas está no meio de uma grande briga na Justiça: a venda das hidrelétricas da Cemig, cujo valor previsto é de R$ 11 bilhões. Há ministérios que têm recursos para apenas dois meses.

Até o final do ano, há duas receitas que dependem da realização de leilões. Uma é a das hidrelétricas da Cemig. A outra é a dos leilões de petróleo, cuja previsão é de R$ 8,5 bi. A Cemig está na Justiça contra o leilão. Contar com receita de leilão já embute um grau de incerteza, mas neste caso é maior. São três hidrelétricas que se forem vendidas reduzirão a capacidade de geração da Cemig à metade.

O advogado Sérgio Bermudes, que representa a empresa mineira, diz que o contrato assinado pela Cemig, pelas usinas de São Simão, Miranda e Jaguara, prevê que a concessão seria renovada automaticamente por mais 20 anos. O governo Dilma cassou a renovação da concessão, e o governo Temer quer colocar as usinas à venda e está contando com isso para o cumprimento da meta. Amanhã sai o edital, e no dia 30 de setembro o governo quer vender. A Cemig resiste.

— Há farta jurisprudência sobre esse tema, com decisões da ministra Cármen Lúcia, Celso de Mello e vários outros juristas. Do ponto de vista jurídico, acho que há poucas dúvidas sobre o direito da Cemig — diz Bermudes.


No governo, não se considera a hipótese de ficar sem a receita dessas usinas, que só estão indo a leilão porque a MP 579, aquela do desastre energético, determinou que quem não aceitasse a antecipação da renovação teria a concessão cassada. Minas, na época administrada pelo PSDB, não aceitou. Agora, Minas, administrada pelo PT, briga pelo direito da Cemig às usinas.

— O governo está tentando junto ao STF para que isso seja julgado antes do dia 30, dia do leilão. Interessado tem, mas está todo mundo com medo de entrar por causa da judicialização — disse uma fonte da área econômica.

Bermudes lembra que o governo perde muito se o leilão for realizado sem que a questão esteja decidida, porque não haverá segurança jurídica, e o leilão só atrairá aventureiros.

Se algo der errado para o governo federal, ele deixará de receber uma receita com a qual já conta, de R$ 11 bilhões. Há outras incertezas, como a da lei de repatriação, cuja previsão é de R$ 13 bilhões e até agora, faltando alguns dias para encerrar-se o período legal, há apenas R$ 1 bilhão fechados. E tem também o Refis que está arrecadando bem menos do que o previsto.

O mais importante é que o governo não aguenta manter esses cortes. Não dá para sustentar o nível atual de contingenciamento sem comprometer o serviço público, afirma-se na área econômica. Há ministérios que têm dotação orçamentária para dois meses. O Serpro, que faz toda a parte de informática para o governo federal, está sem condições de atender aos pedidos. A Receita Federal é o maior cliente do Serpro, mas o órgão não pode fazer novos pedidos ao Serpro porque não tem como pagar.

Pelas contas feitas internamente, antes do corte de R$ 5,9 bilhões, seria necessário liberar de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões para o governo não parar até o fim do ano. Agora, com o corte, a necessidade subiu. Para não parar, é preciso que não haja qualquer frustração de receita, e o país consiga um aumento de receita entre R$ 10 bi e R$ 12 bilhões. Apesar de todo esse aperto, a Fazenda não admite rever a meta fiscal, que é de um déficit de R$ 139 bilhões.

Os cortes estão ocorrendo nos investimentos, mas já não há mais o que cortar. No ano passado, o investimento do setor público federal foi de R$ 65 bilhões, e em grande parte foi para pagar despesas feitas em anos anteriores. Este ano, o valor total dos investimentos está em R$ 35 bilhões. Em condições normais, o governo deveria estar investindo mais para sair da recessão, mas ele está cortando as despesas já previstas. Esta não é uma situação normal: o país entrou numa recessão no meio de uma escalada da crise fiscal. E não pode simplesmente elevar a previsão de déficit porque isso agravaria a crise de confiança.

Brasil: Mame-o ou deixe-o

O sonho do PT se tornou realidade! O socialismo de esquerda triunfou e agora todos são iguais no Brasil: ficou todo mundo pobre. Demorou, mas conseguiram! Agora estamos iguaizinhos a Cuba: todos vivendo no maior miserê e querendo ir embora.

Os mais abonados vão de jatinho morar em Miami ou têm uma conta secreta da Suíça. Os desempregados botam um calção, pegam uma boia de borracha, fingem que vão à praia, entram no mar e saem navegando por aí. Qualquer lugar serve. E vão sem medo de se afogar. Todos estão na mer@#$%%ˆ&da e todo mundo sabe que mer%$#@*&ˆda não afunda.

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Tem brasileiro que, para sair do país, topa ir para qualquer lugar. Até a África tá valendo. Mas o sonho de consumo de todo brasileiro negativado é ir para Portugal. Antigamente, só os dentistas queriam ir para Portugal, Hoje, até eu, Agamenon Mendes Pedreira, estou pensando em me mudar para a “terrinha”. Comecei, inclusive, um curso intensivo do idioma na Cultura Lusitânica.

Já está cheio de brasileiros em Lisboa. A língua mais falada nas ruas e nas lojas é o português. Inclusivejá tem até uma favela, quer dizer, "comunidade", na Alfama totalmente dominada pelo PCC – Primeiro Comando Cutruco. Cheios de esperança em dias melhores, os pobres imigrantes brasileiros iniciam uma nova vida além-mar nas atividades comerciais em que atuavam no Brasil: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, concorrência fraudulenta e grandes obras públicas. Na cultura, também já se nota a forte influência brazuca. Portugal já tem parada gay, axé music, baile funk, pagode e agora está lançando o Fado Universitário. Daqui a pouco vai ter também zica, dengue e chicungunha.

Agamenon Mendes Pedreira é português falsificado.

Quando os números sangram

Sou um devoto literário de Kafka talvez por minha alergia à burocracia. Me entediam e afligem os papéis e os números das estatísticas, na maioria das vezes inúteis. Entretanto, reconheço que há números que sangram e fustigam nossa consciência como, por exemplo, que dos 14 milhões de desempregados no Brasil, 31,8% são jovens entre 18 e 22 anos, segundo dados levantados pela revista Veja em recente matéria de Bianca Alvarenga. E mais, 30% desses jovens não só não trabalham como também não estudam e só 11% dos jovens de 19 anos, meninos e meninas das classes C, D e E, as mais pobres, cursam a universidade, o que significa que quase 90% deles está fora do ensino superior.


Querem mais? Os jovens das famílias de baixa renda são 70% de toda a juventude brasileira. E esses 70% de todos os jovens do país são os mais afetados pela crise: são os primeiros a perder o emprego já que têm menos estudo e estão menos profissionalizados. Restariam apenas 30% de jovens com a possibilidade de trabalhar ou de estudar. A pergunta óbvia é que Governo ou que sindicatos se interessam por essa maré de jovens à deriva que deveriam ser a força motriz da economia do futuro.

Os Governos progressistas do passado levaram o país a este abandono dos jovens que afetará uma geração inteira, e o Governo conservador do presidente Temer tem muito no que pensar para tentar se salvar dos tribunais, acusado de corrupção. Seria possível alegar que a recente reforma trabalhista permitirá aumentar o emprego dos jovens com contratos por empreitada e jornada reduzida. Isso resolverá o problema de fundo ou perpetuará uma legião de milhões de jovens que irão pulando de emprego em emprego, cada vez mais mal pagos? É verdade que "a fome não espera" e, para esses jovens, é melhor ter um emprego precário do que voltar para a pobreza de que seus pais saíram. Mas isso não resolve o futuro de uma nação. E pode ser que perpetue seu castigo.

E os sindicatos? Dos 10.817 existentes, os mais numerosos do planeta, qual deles está pensando que o mundo mudou, que não podem permanecer amarrados a símbolos e liturgias do passado, já que o campo trabalhista não é o mesmo de antes? Estamos entrando na era da robótica em que se profetiza um mundo com trabalho para muito poucos. Estão os sindicatos pensando em toda essa juventude sem emprego e sem estudos? Se os sindicatos nasceram para proteger o trabalhador, considerado um proletário explorado pelo capital, e um dia foram um instrumento valioso na afirmação dos direitos trabalhistas, hoje têm de pensar que os novos proletários são os milhões de desempregados. Aqui no Brasil, 14 milhões, que são na realidade 14 milhões de famílias, o que afeta 40 milhões de pessoas. O novo proletariado são esses 70% de jovens que vivem nos lares mais pobres. Quem tem um trabalho seguro faz parte de um grupo privilegiado.

Será que o Governo e esses milhares de sindicatos têm consciência de que, com esses números de desemprego, sobretudo juvenil, uma política educacional em que 40% abandonam os estudos e índices de aprendizado que figuram entre os piores do mundo, o Brasil está condenado a perder mais de uma geração? E o mais assustador é que perderá a geração jovem, a que terá em suas mãos o país em um mundo no qual, quando forem adultos, não terá mais nada a ver com o que vivemos. Ou os governantes acordam ou poderão ser acordados de um modo que não gostariam, já que nem a fome nem o desespero do desemprego costumam esperar eternamente.

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Paris, França
Paris

O furto dos corruptos e corruptores

“E eu quis roubar; roubei, não instigado pela necessidade, mas somente pela penúria, fastio de justiça e pelo excesso de maldade. Tanto é assim que furtei o que tinha em abundância e em muito melhores condições. Não pretendia desfrutar do furto mas do roubo em si e do pecado”.
(Fragmento de “História de um furto” em “Confissões de Santo Agostinho”.
Roubar, roubar, apropriação indevida, vampirismo desesperado, gula, avidez, penúria. Estamos vivendo em nosso país, principalmente hoje em dia, a denúncia dos conchavos, dos conluios de gangues compostos por políticos, funcionários públicos, empresários, enfim, homens que ocupam o Poder. Os perversos, eles todos, se caracterizam por serem imunes de “culpabilidade”.

A corrupção atinge o bem público; solapa as verbas destinadas para fins sociais, consequentemente é um ato que termina em “morte de pessoas” através da falta de verba para a saúde e alimentação. Ou seja, é um ato homicida do mesmo modo que um assaltante rouba e depois mata. Mata o bebê que não recebe o alimento; mata a criança que fica sem educação; mata o atendimento à saúde e empobrece a população que a cada dia fica mais endividada.

Charge O Tempo 24/07/2017

Um político, um empresário, um funcionário do alto escalão do governo, um governante, a todos eles falta capacidade de consideração afetiva pelo semelhante, e consequentemente, a não possibilidade de culpa e da culpa à reparação. Falta o compromisso a que foram eleitos: cuidar dos direitos universais dos Homens.

O que assistimos são atos populistas, demagógicos, eleitoreiros, de “expiação da culpa”. Expiar é dar flores aos feridos e agredidos para não ficar perseguidos. Pede-se desculpa através da expiação, mas não muda o comportamento corruptor. “...quando se indaga a razão por que se praticou um crime, esta ordinariamente não é digna de crédito, se não se descobre que a causa pode ter sido ou o desejo de alcançar alguns dos bens... ou o medo de os perder”, escreve ainda Santo Agostinho em suas Confissões.

O homem que rouba ou revela a sua imensa avidez ou a sua destrutiva inveja, é um faminto em busca de plenitude, de ter tudo, consequencia imediata do seu desespero de morrer de desamor de si próprio e dos demais ----esse é o complexo da metáfora do Drácula! Ou esses senhores, protagonizadores do assalto ao país e a toda população, foram bebês privados de alimento e afeto, ou são ainda crianças vorazes e invejosas que só compreendem a abundância como forma de vida.

Na realidade sabemos que são vidas vazias, desprovidas de sentido humanitário e capacidade de compaixão e consideração pelo seu semelhante.
Termino hoje com versos de Álvaro Alves de Faria em seu livro “Trajetória Poética”, pag.566:

“Quem dirá não aos que fazem as bulas de horror/ quem dirá não aos assassinos da esperança/quem dirá não aos donos das leis/ quem dirá não aos donos da terra/ quem dirá não aos que cavoucam para esconder/ quem dirá não aos que tiram e não colocam/ quem dirá não aos que não jogam água na planta/ quem dirá não aos que cercam as ruas/ quem dirá não aos que ferem e vestem armaduras?”

Em treinamento

O médico Dráuzio Varella ensinou que um presídio, qualquer presídio, é um reduto de inocentes. Ali não há criminosos. Só vítimas de injustiça. Lula treina desde já para se apresentar como tal
Ricardo Noblat

A república dos sem-vergonha

O historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927), colega de classe de padre Cícero Romão Batista no seminário de Fortaleza, não ficou famoso por causa disso, mas por uma piada, seu projeto de Constituição, que rezava, categórico: “Artigo 1.º : Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Artigo 2.º: Revogam-se as disposições em contrário”.

Nenhum de nossos projetos constitucionais teve o poder de síntese dessa chacota, que de tão atual se tornou denúncia. A cada nova legislação este país se torna cada vez mais a “república dos sem-vergonha”. E a sociedade dos otários espoliados. A primeira página do Estado de anteontem registrou: Câmara quer mudar delação premiada e prisão preventiva. E a notícia a que ela se refere, da lavra de Isadora Peron, da sucursal de Brasília, completou: “Também estudam revogar o entendimento de que penas podem começar a ser cumpridas após condenação em segunda instância”.

Na mesma edição deste jornal, que se notabilizou pelas lutas pela abolição da escravatura, pela proclamação da República, contra o Estado Novo e a ditadura militar, os repórteres de política Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho relataram a saga de Vicente Cândido (PT-SP) para promover uma reforma política que inclua um Fundo Partidário de, no mínimo, R$ 3,5 bilhões; o distritão, em que só os mais votados para deputado se elegem; e, last but not least, a “emenda Lula”. Esta merece destaque especial, por impedir que postulantes a mandatos eletivos sejam presos oito meses antes da data marcada para a eleição, mesmo que só venham a ter suas candidaturas registradas oficialmente quatro meses após esse prazo. O nome do presidenciável do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual milita Sua Candidez, é usado como marca registrada da emenda por atender ao fato de que Luiz Inácio Lula da Silva acaba de ser condenado a nove anos e meio de prisão e proibido de ocupar cargos públicos por sete anos pelo juiz Sergio Moro, na Operação Lava Jato.

A proibição de prender quem avoque sua condição de candidato é a mais abjeta das propostas do nada cândido (claro, impoluto) relator, mas não é a que produzirá, se for aprovada pelo Congresso Nacional, mais prejuízos, em todos os sentidos, para a cidadania. As medidas cinicamente propostas pelo “nobilíssimo” parlamentar produzem, em conjunto, um despautério que provocaria a aceleração do enriquecimento dos partidos e de seus representantes, em particular os dirigentes, sob a égide de um sistema corrupto e que trava a produção e o consumo, empobrecendo a Nação. O financiamento público das milionárias campanhas eleitorais legaliza a tunga ao bolso furado do cidadão.

Ex-sócio do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que não sai do País para não ser preso pela Interpol, Sua Candura-mor, o deputado ecumênico, integra o lobby a favor da legalização dos cassinos e foi um dos idealizadores da campanha de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara. A reforma ressuscita uma ideia que nunca pareceu ter muito futuro e sempre foi apregoada pelo presidente Michel Temer: o distritão. Trata-se da volta do tílburi ao Vale do Silício, pois reduz a pó as tentativas vãs de tonificar a democracia, dando mais força aos partidos, e estimula o coronelismo partidário, usando falsamente a modernização, confundindo-a com voto distrital.

O Estado noticiou que o patrimônio de Cândido aumentou nove vezes nos últimos nove anos (descontada a inflação no período). Neste momento, em que as arenas da Copa do Mundo da Fifa em 2014 – de cuja lei foi relator – têm as contas devassadas por suspeitas de corrupção e um juiz espanhol mandou prender o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, o eclético parlamentar achou um parceiro no Senado: o relator da reforma política e líder do governo Temer na Casa, Romero Jucá (PMDB-AP).

Enquanto Cândido e Jucá providenciam a engorda dos cofres partidários para garantir as campanhas perdulárias, que vinham sendo feitas à custa de propinas milionárias, a comissão especial da reforma do Código de Processo Penal (CPP) batalha pelo abrandamento da legislação de combate à corrupção no Brasil.

A reforma do CPP, que é de 1941, foi aprovada no Senado em 2010. Na Câmara ficou esquecida até o ano passado e foi desengavetada durante o mandarinato do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba. O presidente da comissão especial que discute as mudanças na Casa, deputado Danilo Forte (PSB-CE), que apareceu recentemente na lambança de Temer ao tentar atravessar a adesão dos dissidentes do PSB ao DEM, discorda de presos fecharem acordos de delação premiada com procuradores.

Forte também considera que é preciso punir juiz que desrespeite as regras da condução coercitiva, que deveria ser empregada apenas se uma pessoa se negar a prestar depoimento. O presidente da comissão especial parece até ter inspirado sua ideia na recente decisão de Nicolás Maduro, que ameaçou de prisão os juízes que o Parlamento da Venezuela – de maioria oposicionista e contra a Constituinte que ele quer eleger no domingo, no modelo da pregada por Dilma – escolheu para a Suprema Corte.

A reforma política de Cândido e Jucá e as mudanças no CPP propostas por Forte, aliado de Temer, evidenciam tentativas de adaptar as leis eleitorais e penais do País aos interesses pessoais de chefões políticos encalacrados nas operações, Lava Jato entre elas, inspiradas em convenções da ONU, da OEA e da OCDE contra a roubalheira geral, importadas por Fernando Henrique e Dilma e agora ameaçadas pelos que defendem a impunidade de quem for flagrado. Esse “acordão”, que denota fraqueza e sordidez, põe o Brasil, já na contramão da prosperidade, também na trilha oposta da luta contra o roubo. Aqui a vergonha empobrece o portador.

Paisagem brasileira

Alfredo Volpi,Paisagem,dec1930,54x73cm,OST
Paisagem (1930), Alfredo Volpi (1896-1988)

Marque com um X

Pisca-se um olho e Lula é condenado pelo caso do famigerado tríplex. Pisca-se outro e Michel Temer é acusado de mais um crime —como se o da mala não fosse suficiente. Os advogados de um e de outro e seus aliados no Congresso esbravejam sem descanso –não se sabe de onde tiram tantos argumentos por seu favorito. O ritmo é tão vertiginoso que, de repente, já não se sabe o que foi dito em defesa de quem. Exemplos:

“[Lula] [Temer] é inocente e está sendo alvo de investigação com motivações políticas”. “A denúncia contra [Temer] [Lula] é um nada acusatório. Tanto é que precisaram recorrer à ficção. Criaram hipóteses, levantaram suposições. Criaram uma obra de ficção”. “Nenhuma evidência crível da culpa de [Lula] [Temer] foi produzida até agora, e provas de sua inocência são descaradamente ignoradas”.


“É mentira que [Temer] [Lula] tenha recebido um vintém. Eu lanço um repto à acusação: que diga quando [Lula] [Temer] recebeu um níquel sequer e de quem”. “Não há um fato real e palpável que vincule as condutas imputadas na denúncia contra [Temer] [Lula], muito menos recursos de fonte escusa”. “Não há uma única prova contra [Lula] [Temer], exceto a palavra de um [delator preso] [bandido de colarinho branco]”.

“A acusação ignora provas contundentes da inocência de [Temer] [Lula] e sucumbe ao viés político, enquanto passa por cima de direitos humanos e do devido processo legal”. “Busca-se imputar a [Lula] [Temer] crimes com base em teorias respaldadas apenas pela palavra de indivíduos incapazes de comprovar suas afirmações por meio de documentos ou de transferências bancárias”.

Todas essas frases foram ditas nos últimos dias pelos partidários de Lula ou de Temer. O leitor está convidado a marcar com um X o nome entre colchetes que achar mais aplicável. Se conseguir distingui-los.

Depois da porta arrombada

No afã de responder às críticas contra o aumento de impostos para bancar uma máquina pública inchada e ineficiente, o governo anunciou que fará um programa de demissão voluntária para os servidores públicos. Em outro momento, certamente os investidores estariam pulando de alegria, pois a medida seria vista como um comprometimento com a boa gestão dos impostos pagos pela população. Mas, em meio a um momento de grave crise econômica, com mais de 13 milhões de desempregados, é difícil acreditar em uma grande adesão à proposta.

Não é só. O governo está adotando o PDV depois da porta arrombada, isto é, após conceder aumentos de até 30% ao funcionalismo divididos ao longo de quatro anos, entre 2016 e 2019. A fatura total desses reajustes chegará a R$ 100 bilhões, uma monstruosidade perto do R$ 1 bilhão que a União pretende economizar em 2018, caso 5 mil servidores optem por aderir ao PDV. Somente neste ano, a folha de salários com o funcionalismo chegará a R$ 284,4 bilhões. É a segunda rubrica do Orçamento, ficando atrás apenas da Previdência Social.

Apesar de consumir uma fortuna, o funcionalismo federal presta um péssimo serviço à sociedade. Quase nada funciona. Pior: não há avaliação dos servidores, não se consegue medir a produtividade deles. Mesmo não atendendo aos anseios da sociedade, que despeja, todos os anos, o equivalente a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) em forma de impostos no caixa do Tesouro Nacional, os empregados do setor público, ganham, em média, o triplo dos trabalhadores da iniciativa privada. A ineficiência está protegida pela estabilidade do emprego.

O corporativismo é tão forte, que o governo de plantão acaba ficando acuado. E coisas absurdas são aprovadas, como o bônus de eficiência que será pago aos fiscais da Receita Federal. Quando fazem concurso, eles sabem que vão receber um salário fixo para cobrar os devedores do Fisco. Mas, não satisfeitos, agora, passarão a ter direito a um adicional sobre o que for recuperado em impostos atrasados. Esse benefício, contudo, não está restrito aos servidores da ativa. Também será pago aos fiscais aposentados. Só essa brincadeira custará mais de R$ 6 bilhões aos cofres públicos até 2019.


O governo reconhece que o PDV pode não ser nada perto do tamanho da folha de salários dos servidores que, em 2018, passará dos R$ 300 bilhões. Mas um dos principais assessores do presidente Michel Temer acredita que a medida indica a disposição do governo de botar um freio nas despesas com o funcionalismo. É difícil acreditar. Quando chegou ao Planalto, em maio do ano passado, o peemedebista disse que cortaria cargos de comissão. E fez até um movimento nessa direção. Mas, diante da pressão dos partidos aliados, as nomeações voltaram com tudo e os chamados DAS já passam de 20 mil.

E mais: a despeito do arrocho no Orçamento, o Planejamento continua liberando a realização de concursos públicos. Somente na semana passada, autorizou 300 vagas para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), 600 postos para o Ministério da Agricultura e uma centena de cargos para a Advocacia-Geral da União (AGU). “Estamos falando de áreas estratégicas, que estão muito esvaziadas e precisam de reforços”, diz um integrante do Planalto. “Esse tipo de movimento, inclusive, fará com que o governo seja muito criterioso na condução do PDV, para que as adesões ocorram em áreas nas quais sobram servidores e não nas que há escassez de pessoal”, acrescenta.

Dentro do Planalto, a ordem é vender o discurso de eficiência para se contrapôr à percepção de um governo perdulário, que não mede esforços para se manter no poder. As avaliações informais feitas junto ao público apontam que a imagem de Temer se deteriorou muito depois do anúncio do aumento de impostos sobre combustíveis. Ficou a sensação de que a população está pagando a conta das emendas liberadas para parlamentares que derrubaram, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a denúncia de corrupção passiva contra o presidente feita pela Procuradoria-Geral da República. “Não há dúvidas de que o anúncio do PDV para servidores federais é uma resposta a essa visão distorcida”, afirma um ministro.

Além de acreditar que pode colher frutos com a redução do quadro de pessoal, o governo conta com a ajuda do Banco Central para criar mais um fato positivo. O Comitê de Política Monetária (Copom) cortará, nesta quarta-feira, a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, dos atuais 10,25% para 9,25%. Será a primeira vez, desde o fim de 2013, que o país terá juros de um dígito. O discurso de Temer já está pronto: “A queda da Selic só foi possível graças à política econômica responsável que derrubou a inflação para abaixo de 4%”.

A demostração de gratidão ao BC, no entanto, não esconde uma certa frustração de Temer com a condução da política monetária. Na visão dele, com a inflação tão baixa — o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá cravar alta de 2,5% em 12 meses até julho —, o Banco Central poderia avançar o sinal e reduzir os juros em 1,25 ponto desta vez e em mais um ponto na próxima reunião do Copom. “Enfim, não dá para ter tudo. O importante é que poderemos rufar os tambores na quarta-feira. Os que nos criticam terão que baixar o tom, pois ficarão sem argumentos. Esse é o jogo”, encerra o mesmo ministro.

O discreto milagre da esquerda uruguaia: 15 anos de crescimento initerrupto

Até o ministro da Economia uruguaio, o veterano Danilo Astori, de 77 anos, tem dificuldade em acreditar. Seu país, uma pequena ilha de paz política, social e econômica entre dois gigantes convulsionados como Brasil e Argentina, protagoniza o que chamam de desacople(desacoplamento). Enquanto os dois colossos sofrem – em 2016 ambas as economias encolheram – e outras experiências, como a venezuelana, afundam, o Uruguai, dirigido desde 2005 pela esquerda tranquila da Frente Ampla, está prestes a completar 15 anos de crescimento ininterrupto, um recorde histórico para essa pequena nação de 3,3 milhões de habitantes. O país não tem petróleo ou cobre, mas soube explorar outros recursos: soja, gado, turismo e um intangível: uma grande estabilidade política sem grandes escândalos de corrupção.

O Uruguai nem sempre foi um remanso de paz. Vivia pendente do Brasil e da Argentina. Em Montevidéu se dizia que quando eles tossiam, o Uruguai pegava um resfriado. A última vez foi entre 1999 e 2002. A crise do corralito argentino acabou afundando o país: fuga de capitais, 40% da população em situação de pobreza, colapso do sistema financeiro, bancos resgatados. Foi difícil sair, mas a lição foi aprendida: tanta dependência nunca mais. “Quando assumimos o Governo, em 2005, o Uruguai era o segundo maior devedor do mundo em termos relativos. Um dos nossos primeiros problemas foi renegociar a dívida com o FMI, que não podíamos pagar. Naquele momento tínhamos uma exposição muito alta ao dinheiro argentino”, explica Astori em seu discreto e clássico escritório no centro de Montevidéu.

amanda viaja punta del este
Cartão postal de Punta del Este
Até os mais críticos ao Governo da Frente Ampla, que depois de 12 anos no poder sofre um desgaste importante, admitem que foi muito sério com a gestão econômica, dirigida por Astori em dois períodos: 2005-2010 e de 2015 até agora. Com José Mujica (2010-2015) foi vice-presidente e está sempre entre os potenciais presidenciáveis para 2020.

O Uruguai viveu como protagonista a década de ouro da esquerda latino-americana, teve um presidente como Mujica que havia sido guerrilheiro, mas nunca abandonou certa ortodoxia econômica. Tanto assim que, dentro da Frente Ampla alguns grupos afirmam que, na verdade, a atual política econômica não é de esquerda.

“O tom de esquerda foi dado pelas transformações estruturais que implementamos”, justifica Astori, “mas com uma consciência fundamental: a ordem macroeconômica é imprescindível. Sem ela não há transformação alguma. Não conheço nenhuma experiência no mundo em que se tenha transformado a sociedade em meio à desordem. Deve haver consistência entre as políticas monetária, cambial, fiscal e de renda”, acrescenta Astori. “Desde antes de assumirmos [em 2005] já nos reuníamos com o FMI para negociar novas condições, mas advertimos que não renunciaríamos a um plano de emergência para combater a pobreza”, lembra. “Estamos agora com 9% de pobreza e a miséria não é estatisticamente mensurável”.

Carlos Alberto Lecueder, um dos empresários mais influentes do Uruguai, administrador de vários centros comerciais e do World Trade Center de Montevidéu, reconhece que a esquerda “teve políticas econômicas sérias”, mas observa em particular que o avanço do país se deve ao fato de “ter um Estado de direito sério e uma democracia que funciona bem”. O país soube aproveitar o boom das matérias-primas e o crescimento chinês para diversificar e não depender tanto dos imprevisíveis vizinhos.

“O Uruguai manteve uma política organizada. Até mesmo o Governo de Mujica respeitou a macroeconomia. Mas não foram feitas reformas de longo prazo e temos um problema muito sério com a qualidade do capital humano: educação e formação. Não estamos tão bem, o ciclo 2004-2014 teve condições muito especiais”, diz Ignacio Munyo, um economista liberal, professor da Universidade de Montevidéu e crítico do Governo da Frente Ampla.

O Uruguai funciona, como mostra a chegada contínua de investimentos e de todo tipo de marcas internacionais nos shoppings administrados por Lecueder, que florescem em toda Montevidéu. Mas o milagre uruguaio é discreto: não há uma única loja da Chanel ou da Armani em todo o território nacional. Prosperidade sim, luxos não. De fato, o crescimento surpreende porque não para, mas não é espetacular: 1,5% em 2016 e se espera 1,6% ou um pouco mais em 2017.

O ano começou muito bem, com um crescimento de 4,3% no primeiro trimestre, com uma temporada turística recorde, em parte graças à crescente inflação argentina: o país vizinho tornou-se tão caro que passar férias no paraíso de Punta del Este, antes reservado aos muito ricos, tornou-se uma excelente opção para os portenhos. No entanto, as pesquisas estão mostrando o crescente descontentamento da população e o atual Governo, liderado por Tabaré Vázquez, tem taxas de aprovação historicamente baixas (cerca de 30%), sem escândalos de corrupção, mas com alguns de má gestão.

Existe alguma perplexidade na atual administração diante do descontentamento da opinião pública, mas a verdade é que a Frente Ampla deixou pendentes grandes questões como a modernização dos serviços públicos, a melhoria da educação e a construção de infraestruturas. Além disso, neste ano o Governo aumentou os impostos e decretou políticas de austeridade que prejudicam o modesto poder aquisitivo da população. Em um país que rende culto à classe média – tem as menores diferenças sociais da América Latina–, o ritmo parece estancado e os observadores internacionais brincam que o Uruguai tem apenas duas velocidades: “lenta e parada”.

O que tanto o Governo quanto os analistas rejeitam é uma máxima generalizada sobre o Uruguai: o fato de que sobrevive graças ao dinheiro escondido lá pelos ricos de outros países, a ideia de “Suíça da América”. “O Uruguai adotou as práticas mais modernas, derivadas da OCDE, em matéria de transparência fiscal e intercâmbio de informações. Não recebemos investimento financeiro puro, recebemos investimento estrangeiro direto, produtivo. O Uruguai não é uma mera praça financeira aonde chegam capitais voláteis, que obtêm um lucro e vão embora. Combatemos isso”, insiste Astori, enquanto lembra que está para chegar um investimento de 5 bilhões de dólares (cerca de 15,73 bilhões de reais) de uma empresa finlandesa para instalar uma nova fábrica de papel no país. A agropecuária uruguaia também explode e produz alimentos para 60 milhões de pessoas.

O milagre uruguaio desta vez vai noutra direção, sempre diferente daquela de seus vizinhos e dos que foram seus aliados políticos da esquerda latino-americana, como a Venezuela. Enquanto legaliza a venda de maconha em farmácias sem grandes polêmicas, o país de Mujica também mostra uma terceira via política e econômica.