quinta-feira, 13 de julho de 2017

O desmanche de um mito

Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).

Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.

A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.

Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.

Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.

A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Se escapar da Lava Jato, pela direita, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) lucrará com a condenação de Lula.

Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara dos Deputados negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.

Ricardo Noblat

À beira do precipício, país necessita da Política

Quem analisa os dados fiscais do governo — organizados pelo talentoso e competente economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente —, fica de fato preocupado. Saltam de suas tabelas e relatórios números que revelam uma economia destroçada, que influenciam e ainda mais influenciarão no desemprego e no comprometimento de importantes políticas públicas. Difícil não pensar no nosso destino e no de milhões de pessoas.

Os cenários que emergem do trabalho são tenebrosos e se a eles se agregar a situação de estados e municípios, então, Deus precisará ser de fato brasileiro para ajudar a resolver o problema ou pelo menos sentir na pele a obra que sua humanidade fez. Em pouco tempo nada mais haverá para cortar em despesas e gastos do governo — até porque nem todo corte significa necessariamente economia; pode, antes, implicar no aprofundamento da crise econômica e da explosão social.



Será inevitável aumentar impostos, o que a sociedade não parece disposta a tolerar diante do quadro político e também da evidência de que quase nunca esses impostos são restituídos com serviços de saúde, educação e segurança de qualidade minimamente satisfatória. Sem mistificação ou interesses partidários, é necessário admitir que o país precisa de reformas em vários campos, não apenas na Previdência ou no âmbito tributário. O remédio será amargo, inevitável, inelutável e inescapável como são quase todos os remédios.

A questão é como fazer essas reformas: com quais argumentos e sistema político se poderá conduzi-las de modo a que tenham credibilidade; e que sejam também justas, legítimas e aceitáveis.

Um discurso tão simplista quanto comprometido de que caberia — ou bastaria — taxar os ricos tampouco resolve. Ricos podem, de fato, ser onerados, mas não seria suficiente. Além disto, engana-se quem, na sociedade de tamanha desigualdade como a brasileira, pense que os ricos sejam os ''outros''. Muitos setores de classe média, altamente protegidos pelo Estado e pela força das corporações, sob vários critérios, podem ser classificados como privilegiados possuidores de vantagens excepcionais.

Mais que tudo, são necessários pactos e arrumações maiores e mais profundos. A saída da cilada em que o país caiu — ou foi jogado — não passa pelo cálculo ou pela estrita ação econômica. Não só. Por si só, isto não faz a luz no fim do túnel porque o túnel não parece ter fim. Isoladamente, o raciocínio econômico é estéril e insuficiente. Tecnicamente, a agenda é conhecida, as saídas são mesmo óbvias; o problema é que caminhos se confundem e tudo se embaralha.

Antes, a saída do labirinto reside no reencontro com a Política: na renúncia a métodos superados; um não, um basta, a negação de interações e dinâmicas esgotadas; um ciclo encerrado, uma página que precisa ser virada. A economia precisa — na verdade, implora — o suporte da política, mas também a política precisa se encontrar ao se dar conta de que o fisiologismo de governos sucessivos com o real presidencialismo de coalizão foi o que nos trouxe até aqui. Superar isto é o desafio.

Perdidas, almas atarantadas de importantes agentes políticos se engalfinham a respeito do governo Temer: o presidente deve ou não permanecer; sustenta-se o apoio ou se lhe retira a proteção? Discute-se se o presidente é culpado ou inocente; corrupto ou decente, responsável ou não por Rodrigo Rocha Loures. Mas, diante dos dados de Felipe Salto, nada disto parece ser essencial.

Não há mais blindagem possível, Michel Temer deve esclarecimentos e, com direito de defesa, deverá ser julgado. O pior será permanecer com dúvidas e de mãos atadas, sustentado apenas pelo poder da máquina e pelo uso do Diário Oficial, intensificando a paralisia, aprofundando a crise. Nada disto é saudável e nem de bom agouro para a democracia. A questão que precede é: nessas condições, há capacidade para afastar o país do abismo que lhe sorri — como demonstram os dados da Instituição Fiscal Independente?

Provavelmente, não. Independente da avaliação e do julgamento que se lhe possa fazer, é pouco provável que Michel Temer consiga dar conta do desafio mais essencial que lhe está colocado: conduzir o processo político baseado em parâmetros e princípios que neguem o fisiologismo, a corrupção e a rapacidade parlamentar e que estabeleçam o consenso e a comunicação política de qualidade capazes de encaminhar reformas políticas e econômicas inevitáveis com maior sintonia com a sociedade e menores custos sociais.

Alvejado o presidente, o governo está manco e sem mobilidade; qualquer que seja o resultado das inúmeras votações a que ainda será submetido, Michel Temer será um alvo marcado até o final de seu mandato seja ele abreviado ou não.

Difícil saber se, por sua vez, seria Rodrigo Maia a solução. O mais natural é que reproduza a mesma mentalidade, pois se trata de uma cultura política a que ambos, Maia e Temer, pertencem: a prática fisiológica e populista do baixo clero, despolitizada no final das contas, que se estabeleceu no parlamento ao longo dos últimos anos, desenvolvendo-se como vício voraz e irrefreável, que trouxe o país ao abismo real a que os números apontam.

Será preciso comunicar a gravidade da situação, dramatizar o quadro para construir o processo de reestruturação nacional: sem prejuízo da Justiça, unir lideranças, meios de comunicação, instituições e a sociedade. Acabar com a conversa mole de que a crise já foi superada, pois não foi; ''fazer de conta'' que Temer é um estadista em nada tem contribuído. Por fim, abrir uma janela para o futuro de onde se possa vislumbrar, aí sim, o lugar de construir a ponte mais estável possível.

Os dados de Felipe Salto cantam uma melodia de terror e aniquilamento. Ao mesmo tempo, gritam por socorro e pedem, isto sim, responsabilidade; não é possível que ninguém lhes ouça. O país carece de um governo de transição disposto a mudar métodos, comunicar com qualidade e conduzir o processo até que uma nova eleição, ao seu tempo, descarte o ressentimento, a raiva e o populismo e recomponha a união. É difícil e ninguém sabe ao certo como fazer. Mas, esse caminho só se fará andando. À beiro do precipício, o país clama por Política.

Carlos Melo

A cada página sua sentença

Deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa
Juiz Sérgio Moro, no despacho de condenação de Lula

Reformas com corrupção? Não funciona

E quer saber? O balanço do governo Temer na área econômica é bom. Há duas mudanças notáveis obtidas no Congresso Nacional: o teto de gastos públicos, introduzido por emenda constitucional, e a nova legislação trabalhista, em dois lances, a Lei de Terceirização e a reforma mais ampla aprovada na última terça.

Além disso, a equipe econômica impôs um rigoroso controle de gastos públicos, com o objetivo de reduzir o déficit primário e conter o crescimento da dívida. Mais ainda: o Banco Central adquiriu credibilidade, e a inflação não apenas voltou para a meta como anda abaixo desta. Isso permitiu a redução tanto das metas para 2019 e 2020 quanto da taxa básica de juros.

E que mais daqui para a frente?

Aqui está o problema. Parece que acabou. E acabou no dia em que o país tomou conhecimento da comprometedora conversa entre o presidente Temer e Joesley Batista.

E isto nos coloca no centro do debate que ocorre no país. Resumindo, há três posições: uma sustenta que Temer é inocente e que toda a acusação contra ele não passa de perseguição do procurador Janot e de uma tramoia dos donos da JBS.

Na segunda posição, o pessoal entende que Temer é, sim, culpado de corrupção e tudo o mais, mas — caramba! — o homem conseguiu avançar as reformas. Assim, convém ignorar as acusações, ao menos por ora, e deixar que ele e sua base terminem o serviço, incluindo a aprovação da reforma da Previdência.

A terceira linha sustenta que não há como deixar pra lá, ainda que provisoriamente, a investigação e a punição dos políticos que criaram e se beneficiaram de um inacreditável sistema de corrupção.

A primeira posição não tem o menor cabimento. Um presidente inocente e alheio à corrupção não conversa daquele jeito com um empresário investigado. Como o presidente pode ser inocente e alheio quando quatro de seus principais assessores — incluindo dois ministros — foram presos com sólidos indícios de corrupção, um deles recebendo uma mala de R$ 500 mil?

Há indícios tão veementes de roubalheira organizada que a única saída do pessoal dessa primeira linha é tentar desqualificar as provas, não os fatos. Assim, tenta-se voltar ao Judiciário pré-Lava-Jato, no qual os advogados faziam a festa descobrindo detalhes dos detalhes formais para pedir, e conseguir, anulação de processos.

Isso acabou em boa hora. Não se pode fingir que não aconteceu nada, como querem que se faça em relação a Temer e tantos outros, incluindo Aécio e Lula. Aliás, a condenação de Lula é mais um passo nessa direção. O fato de ser um líder popular, ex-presidente, não o exime da Justiça. Ao contrário.

O pessoal da segunda posição quase tem um ponto: salvar Temer em nome da governabilidade. Na verdade, é uma forma moderna de uma prática muita conhecida, a do rouba mas faz. Simples assim. Sabemos no que dá isso: rouba e faz errado; rouba e destrói o Estado e a economia privada; rouba e consome recursos da sociedade para premiar os amigos do governo e dos partidos no poder.

Poupar Temer em nome de uma suposta governabilidade é simplesmente consagrar o sistema que nos trouxe ao desastre político, moral e econômico.

Aliás, tivemos momentos bem ilustrativos ontem. O primeiro a defender Temer, no Senado, foi Paulo Maluf, recém-condenado pelo STF a sete anos de cadeia e perda de mandato. A condenação foi um fato pós-Lava Jato. As circunstâncias, não. Maluf estava lá, solto e com mandato, porque, bem, porque a sentença não foi executada, ainda depende de recursos, mesmo sendo o crime de 1997.

Sabemos como aconteceu isso tudo, e não queremos mais. Se a votação das reformas depende da manutenção desse esquema de governar, então o país está mesmo perdido.

O que nos leva à terceira posição: já passou da hora de desmontar esse sistema que corrói o Estado, as instituições e a sociedade. A tolerância com um presidente apanhado em tanta coisa errada equivale a dizer que o Brasil não avança sem corrupção.

E isso não é verdade. Não pode ser. A verdade é que o presidente Temer assumiu uma agenda econômica que estava pronta, cujas necessidade e oportunidade haviam sido dadas pelo desastre do governo Dilma. Também havia uma equipe econômica, treinada e testada, pronta para assumir. Ao assumir essa linha, Temer fez a única coisa que poderia justificar seu mandato, ser o anti-Dilma.

A agenda e a equipe não dependem dele. Aliás, neste momento, Temer desmerece a agenda. As reformas, como a trabalhista, são necessárias para o país. Não podem parecer coisa de um presidente corrupto que se agarra ao cargo.

Resumindo: está claro que a agenda de reformas econômicas e sociais exige mesmo é uma aprovação nacional através da eleição de um candidato comprometido com ela. Como acontece na França de Macron. Desvios tipo rouba mas faz não funcionam.

O que nos leva para 2018. Até lá? Com sorte, uma equipe econômica que, com qualquer presidente temporário, toque o barco, controle as contas na boca do caixa e não atrapalhe a resiliência da economia.

Carlos Alberto Sardenberg

Imagem do Dia

Criativa e Curiosa: Lugares Inesquecíveis.
Colmar, na Alsácia (França)

Lula e Temer não enxergam vilões no espelho

Lula e Temer tornaram-se dois personagens inéditos, do tipo “nunca antes na história desse país”. Um virou o primeiro ex-presidente a receber sentença de corrupto. Outro está pendurado nas manchetes como o primeiro presidente denunciado por corrupção no cargo. Os dois têm algo mais em comum: não conseguem enxergar vilões no espelho.

Em nota oficial, o PT escreveu que a condenação de Lula a 9 anos e 6 meses de cadeia representa um “ataque à democracia”. Em discurso, Temer insinuou que a denúncia contra ele é “uma injustiça que se faz com o Brasil”. Nessas versões, Sergio Moro atenta contra o regime democrático. E Rodrigo Janot faz mal ao país.


Lula não tem nada a ver com o roubo na Petrobras, como não teve nada a ver com o fato de a OAS ter reservado e reformado um tríplex para ele e Marisa. Há aquela foto do casal visitando o imóvel em obras. Há também documentos, anotações, confissões e muita desconversa. Mas Lula não tem nada a ver com isso.

O delator Joesley Batista entrou incógnito no Jaburu. Gravou o inquilino do palácio num diálogo vadio. Levou o nome de um contato com o qual poderia discutir “tudo”. Esse contato foi filmado apalpando a mala com a propina de R$ 500 mil. Mas Temer, naturalmente, não tem nada a ver com isso.

De ineditismo em ineditismo, a Lava Jato conduziu o país a uma conjuntura jamais vista. Os brasileiros são convidados diariamente a resistir à desesperança e ao cinismo. Mas uma coisa não se pode negar a Lula e Temer. Junto com seus partidos, a dupla já não tem receio de insultar a inteligência da plateia.

Assim como as duas centenas de condenados, denunciados, investigados e delatados por corrupção, Lula e Temer são boas pessoas. Estão preocupados com a democracia e com o Brasil. Resta ao brasileiro lamentar a ausência de um vilão em cena, desses cuja maldade está na cara, sem disfarces.

Do jeito que a coisa caminha, logo se descobrirá que os culpados não são Lula nem Temer… Tampouco a OAS ou a JBS têm culpa. A culpa é da democracia, que dá ampla liberdade às pessoas para fazerem besteira por conta própria. A culpa é do Brasil, país do faturo.

A vaca no brejo

O que menos importa na discussão que se inicia agora sobre a admissibilidade ou não da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente não eleito, Michel Temer, por crime de corrupção passiva, é o seu desenlace. Temer já afirmou e reafirmou que não renunciará e que, se depender dele, permanecerá pendurado no poder até o fim, atitude que mantém a economia do País paralisada pelo resto do ano – agonia que, na verdade, poderá se estender até as eleições do ano que vem. Temer sempre foi um político medíocre e, ao deixar a Presidência, tornará à sua insignificância, mas os estragos proporcionados por suas reformas autoritárias e sua pequenez histórica, esses continuarão a reverberar por anos, afetando principalmente as camadas mais pobres da população.


Tivesse dignidade, Temer entregaria já o cargo – não tem, infelizmente. Assim como não têm grandeza os nossos dirigentes políticos. Este deveria ser o momento em que, pondo de lado diferenças ideológicas e interesses mesquinhos, os líderes partidários se propusessem a sentar à mesa para costurar um grande acordo na tentativa de salvar o que ainda resta do país, que vive a pior recessão de sua história, traduzida objetivamente em desemprego e violência, e subjetivamente em desesperança e apatia. Mas fazer o quê?: nossa cultura política medíocre não gerou estadistas e os partidos transformaram-se em agremiações destinadas apenas a organizar a pilhagem dos cofres públicos.

Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2010 deixou a Presidência da República com uma popularidade recorde (na época, 87% dos entrevistados aprovavam seu governo), pouco a pouco enterra sua biografia. Embora alguns de seus homens mais próximos tenham sido presos e condenados por corrupção – José Dirceu, Antonio Palocci, João Vaccari Neto – e várias das empresas envolvidas com a Operação Lava Jato tenham se expandido durante seu mandato com generosos aportes de recursos do BNDES – como Odebrecht, EBX e JBS -, Lula finge não ter nada a ver com isso. Durante congresso do PT no mês passado, nenhuma palavra de autocrítica: o partido preferiu saudar Dirceu e Vaccari, “perseguidos injustamente”, como “heróis do povo brasileiro”, e Lula, arrogantemente, se limitou a afirmar que o Brasil nunca precisou tanto do PT como agora, eximindo-se assim de qualquer responsabilidade por esse desastre que somos hoje.

Arrogância que não falta, aliás, a outro ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, que, apesar da pose, não consegue sequer influenciar seu partido, o PSDB, que, sustentando a tradição de ambiguidade interesseira, continua a apoiar “criticamente” Michel Temer – na verdade, como uma hiena, refestela-se com a carcaça de um governo moribundo. E se o PT tem Lula – e só Lula -, os tucanos são muitos e quase todos possuem o bico manchado pela sujeira das denúncias de corrupção: o presidente afastado do partido, senador Aécio Neves; o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin; o ex-ministro José Serra... Correndo por fora, o fanfarrão marqueteiro prefeito de São Paulo, João Doria, que se tornou conhecido nacionalmente por aumentar a velocidade dos carros nas Marginais Tietê e Pinheiros, por priorizar uma guerra contra os grafiteiros e por tentar resolver a questão da Cracolândia na base da violência policial...

Se Lula e Fernando Henrique, que poderiam, em tese, se arvorar como lideranças políticas fortes o suficiente para propor um pacto pelo país, não o fazem, o que esperar então dos outros candidatos à sucessão no ano que vem? A evangélica Marina Silva (Rede) parece apostar na ideia de que quanto menos aparecer melhor, pois assim os eleitores não ficam conhecendo, de antemão, suas opiniões conservadoras e sua retórica vazia de “uma nova forma de fazer política”. A contraparte de Marina é Ciro Gomes (PDT), com seu estilo prepotente de quem tudo entende e sobre tudo opina. Herdeiro de uma família que comanda a região de Sobral, no sertão do Ceará, há mais de um século, Gomes começou sua carreira no PDS, antiga Arena, partido de sustentação da ditadura militar, e foi duas vezes candidato derrotado à Presidência da República, ambas pelo PPS: em 1998, tendo como vice Roberto Freire; e em 2002, com Paulinho da Força. Já o chefe da juventude marombada, Jair Bolsonaro, permanece à parte, com seu discurso fascistóide, secundado por uma militância entusiasmada, crédula, voluntariosa, agressiva e messiânica, que, aliás, lembra muito o ativismo petista em seus primórdios – na ação, não na intenção, evidentemente...

A vaca já está no brejo e, a cada movimento, mais afunda... O brejo é o Brasil, a vaca o Estado, em cujas tetas todos querem mamar. Se nos juntássemos, talvez ainda conseguíssemos preservar a vaca, mas não parece ser isso o que desejamos coletivamente. Morta a vaca, no entanto, é preciso lembrar, só restará o brejo...

A tristeza de Felipe, a paralisia do Artur e a minha vergonha

Uma amiga falou que até recentemente seu neto Felipe, de seis anos, gostava de assistir às notícias nos telejornais e perguntar sobre elas. Há pouco tempo, disse que perdeu o interesse porque ficava triste com o que via. A simplicidade dessa criança é um exemplo eloquente do mal que estamos fazendo na formação do Brasil.

Que sociedade está surgindo em uma realidade que assusta crianças de seis anos de idade, como se elas estivessem no meio de uma guerra?

Resultado de imagem para bala perdida no rio

O que sentem nossas crianças ao assistirem a tiroteios, ao saberem das mortes de pessoas, inclusive de menores de idade, que estavam na trajetória de balas perdidas que invadem escolas, cruzam ruas, chegam nas salas e até mesmo na barriga de uma mãe grávida ferindo o bebê de nome Artur, antes dele nascer, condenando-o talvez à morte ou a sobreviver paraplégico desde o nascimento?

O que sentem ao ver, dia após dia, canos de esgoto descarregando dinheiro de propinas roubadas, que se não tivessem sido desviadas teriam evitado a tragédia a que assistimos?

Aos seis anos, Felipe ainda não percebe essa lógica maldita, mas os adolescentes já conseguem entender o significado das palavras e as correlações entre elas. Certamente não ficam apenas tristes, devem cair no desencanto ou pior ainda, no desprezo aos políticos que deveriam ser seus líderes.

Pior é saber que os tristes, ao verem o espetáculo na televisão, fazem parte de uma casta privilegiada. Milhões não apenas assistem, estão dentro do inferno da ausência de paz, no risco das balas, do desemprego, da falta de escolas, cultura e perspectiva.

Dividido, sem coesão nem rumo, o Brasil naufraga e leva com ele nossas crianças que, sem barcas, não conseguem atravessar o “mediterrâneo invisível” que as levaria ao futuro: a escola em paz e com carinho. Cada dia o país demonstra odiá-las, porque despreza o futuro delas e de toda nação brasileira.

Síria, Iraque, Afeganistão e outros países têm gerações perdidas pela guerra que deixa suas crianças e adolescentes sem escolas, assistindo aos adultos na incansável tarefa de destruírem suas pátrias. O Brasil é maior, tem mais recursos, é mais tolerante com suas maldades, mas estamos trabalhando fortemente para seguirmos nesta direção: saindo da crise para a decadência e desta para a desagregação.

O desencanto dos adolescentes e jovens, a tristeza do Felipe e a paralisia de Artur são gritos para aqueles que, apesar da eloquência, não chegam aos ouvidos aos quais são dirigidos, pedindo apenas duas coisas: um tempo de coesão, sem corrupção na política, com compaixão social, e um rumo histórico com sentimento nacional.

Nosso maior problema é a surdez de sentimentos, esta forma maior de corrupção na política.

E, surdamente, sem ouvir os gritos, pomos a culpa na realidade, como se a política não fosse para modificá-la. Por isso minha vergonha por sentir a impotência diante da tragédia construída pela vontade egoísta ou a omissão incompetente, vergonha diante de Felipe e Artur, aos quais peço desculpas.

Paisagem brasileira

Imagem relacionada
Praça N. S. das Vitórias Oeiras (Piauí)

Reforma já nasce com promessa de modificação e corre o risco de não pegar

A nova lei trabalhista, aprovada na noite desta terça-feira, tem um problema de origem, que pode atrapalhar sua execução no cotidiano das relações de trabalho e impedir que seus objetivos declarados sejam plenamente alcançados. Concebida para modernizar a legislação, atendendo, em termos legais, aos novos modos de produção, revolucionados pelas tecnologias da informação e da comunicação, ela nasceu e tramitou como parte de um projeto político de sustentação de um governo fortemente contestado. Isso acabou dando passagem a um texto desequilibrado, sem os necessários e devidos pesos e contrapesos que uma boa lei, com perspectiva de vigência duradoura, deveria incluir.

Não existe, é verdade, lei perfeita, nem é menos verdadeiro que a legislação trabalhista exigia — e não era de hoje — uma ampla reforma modernizadora. Mas a nova regra aprovada, com previsão de entrar em vigor em 120 dias, nasceu sob os maus augúrios de uma tramitação tumultuada e o patrocínio de um governo que, podendo estar afastado quando ela começa a valer, se agarra a qualquer coisa para não cair. A espantosa e destrambelhada ocupação da mesa do Senado Federal por senadoras oposicionistas, no ato final de votação, foi só a cereja num bolo desde o início mal assado.

A pressa em entregar uma reforma ao gosto de seus apoiadores políticos na sociedade, levou o governo e sua base aliada no Congresso a produzir o fenômeno de uma lei que já deveria ser modificada em seguida à sua publicação no Diário Oficial. Para evitar alterações no texto remetido pela Câmara dos Deputados pelo Senado, impedindo com a manobra o retorno para nova apreciação pelos deputados, o governo se comprometeu a editar medidas provisórias modificando cláusulas do texto aprovado. Resta ainda ver se terá forças para cumprir o prometido e amenizar um pouco os desequilíbrios das novas regras.

Diferentemente do que anunciam analistas que rezam por determinadas cartilhas, nem mesmo uma lei trabalhista harmoniosa, que equilibre as forças entre as partes envolvidas — o que não é o caso da agora aprovada —, garante, por si só, mais empregos e mais competitividade na economia. Outras condições são exigidas para que esses objetivos sejam alcançados. Sem uma economia em expansão, quanto aos empregos, e um ambiente propenso à inovação e à qualificação de mão de obra, quanto à competitividade, o máximo que a lei pode oferecer é não emperrar ainda mais as engrenagens produtivas.

É mais do que legítimo, por tudo isso, desconfiar da segurança jurídica que os defensores da nova lei asseguram que ela trará. São tantos os dispositivos agora aprovados que correm o risco de não passar pela prova da realidade cotidiana do mercado de trabalho que não será surpresa se a reforma trabalhista engrosse a histórica e lamentável lista daquelas leis que, no Brasil, como as vacinas, às vezes não pegam.

João Paulo Kupfer

Instituições insultadas

A série de insultos às instituições republicanas culminou ontem com o sequestro da Mesa do Senado por uma horda de bandalheiras – as senadoras Fátima Bezerra (PT-RN) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM,) à frente – para impedir a votação da reforma trabalhista. Ao mandar apagar as luzes do plenário, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), fez a metáfora típica de membro do baixo clero num cargo do qual não está à altura.

Essa submissão da coisa pública às mesquinhas ambições pessoais da baixa política teve início após o impeachment de Dilma Rousseff (PT-RS), quando seus sequazes percorrerem o Brasil e o mundo a denunciar o “gópi” (da lavra da acima citada Fátima Bezerra), garantindo que a democracia havia sido interrompida por uma intervenção ilegítima. Agora que o governo Temer se assemelha cada vez mais a um zumbi assombrando um Brasil espoliado e intranquilo, os mesmos pregoeiros da desgraça garantem que o eventual substituto provisório e, quem sabe, provável sucessor até 2018, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estaria protagonizando o golpe do golpe. Mas as instituições parecem funcionar e Deus queira que as aparências não nos enganem.


O que não falta desde então, entretanto, são tentativas insidiosas de desmoralizá-las em proveito próprio. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi o primeiro a entrar nesse cordão dos “arrasa-instituições”. Defenestrada em processo constitucional normalíssimo, a mineira dos Pampas não perde uma oportunidade de maldizer os Poderes Legislativo e Judiciário, que a depuseram para punir crimes de responsabilidade que ela cometeu, como as famigeradas “pedaladas fiscais”. Sua narrativa da deposição ilícita de uma “presidenta” honesta, sem contas no exterior, pelo vingativo e corrupto inimigo, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que presidia a Casa que a destituiu, com o voto de mais de dois terços do total dos seus membros, correu o mundo para macular o seu afastamento definitivo, satanizando o sistema que a deserdou.

Responsável por sua insensata e inesperada ascensão ao posto máximo da República, o antecessor e padrinho dela, Luiz Inácio Lula da Silva, recorreu a idêntico expediente ao tentar transferir para investigadores, acusadores e julgadores de seus crimes as penas que lhe cabem. Após constatar, em telefonema a um comparsa, que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, seria “ingrato”, incapaz de ser minimamente leal a benfeitores que o promoveram, abusa de ataques insanos ao Ministério Público (MP), à Polícia Federal (PF) e ao juiz federal Sergio Moro, responsáveis pelos cinco processos a que responde. E, dizendo-se vítima de ditadura inexistente, avisou que, se condenado, apelará a Cortes no exterior.

Na guerra de vaidades e por poder nem todos os chefes dessas instituições têm agido de forma incontestável no uso de suas atribuições. Rodrigo Janot, que se jacta de enfrentar, de forma imparcial e sobranceira, os mais poderosos varões nada impolutos da República, escorregou na baba da própria ambição. Em busca de um lugar no pódio da corrida do combate à corrupção, autorizou uma negociação nefasta para o interesse público com os marchantes da família Batista de Anápolis, propiciando-lhes impunidade absurda por sua participação numa ação programada de que a principal vítima foi o presidente da República. A obra-prima dele, a delação premiada de Joesley Batista, seu irmão e seus empregadinhos, resultou num desastre de relações públicas. A troca de 2 mil anos de pena por uma gravação do chefe do governo em flagrante delito empata em desconfiança e impopularidade com a desastrada atuação no comando do Executivo do mais poderoso de seus acusados. Comparar a troca com a “escolha de Sofia”, referência à opção entre dois filhos, salvando um em troca da morte do outro, da protagonista de William Styron, é a metáfora que sai pior do que a tentativa de correção.

A desastrada estratégia do tudo ou nada de Janot terminou por prejudicar muito mais a ação dos procuradores, incluindo os da força-tarefa da Operação Lava Jato, do que todas as tentativas de barrar suas iniciativas feitas pelos suspeitos de corrupção que ocupam cargos de mando na República. Sua sucessora, Raquel Dodge, terá uma missão árdua para corrigir isso, ao mesmo tempo que terá de esgarçar a teia de cumplicidade em que Temer e aliados pretendem enredá-la.

Impossível ainda será deixar o presidente de fora dessa tentativa malfazeja de desmoralizar as instituições da República para tentar safar-se dos próprios erros. Por mais inepta e frágil que seja a peça da acusação da lavra de Janot, que deu entrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, ela tem como núcleo um fato incontestável: o encontro injustificável de Temer com Joesley na calada da noite, no porão do Jaburu, para tratar de assuntos pra lá de suspeitos e da forma mais inconveniente.

Desde que a reunião foi divulgada, a expectativa de delação de ex-parceiros, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o contador Lúcio Funaro, desafia a reputação impecável alegada pelo morador do Jaburu. Nada disso, contudo, viria à baila se ele não tivesse permitido a constatação lógica de que pode ter cometido delitos de corrupção passiva, obstrução à investigação e formação de organização criminosa no único prazo em que não poderia tê-lo feito: os dois anos e meio em que completaria o mandato reduzido de Dilma Rousseff.

Sem fatos que possam socorrê-lo, o presidente contratou seu amigo fiel e conviva semanal Antônio Cláudio Mariz de Oliveira para enxovalhar a reputação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e de um órgão técnico em cuja boa-fé repousam inquéritos criminais da maior relevância, o Instituto Nacional de Criminalística. Mas o Estado de Direito depende do funcionamento de instituições que a defesa de Temer tem enxovalhado para garantir o bom emprego dele.

Lula traiu o país duas vezes

Percorrendo na batida a história da República, não nos sobra muito na categoria grandes presidentes. Não são muitos os nomes memoráveis, que tenham sido capazes de transformar o país. Dentre os tecnocratas da Primeira República há homens honestos, até alguns bem-intencionados, mas os grandes nomes como o barão do Rio Branco e Ruy Barbosa não chegaram à presidência. Dos militares, tampouco há um marcante e, se os lembramos, é pelos piores motivos. Entregaram um país menor ao sair.

Lula poderia ter sido grande. Escolheu ser pequeno.

Getúlio Vargas pegou um Brasil no qual crianças trabalhavam o turno da noite nas fábricas paulistanas e o entregou noutro estágio de civilização. É duro elogiar um ditador — mas Getúlio transformou o país. Assim como Juscelino, que fez o brasileiro sonhar com as possibilidades que o futuro nos poderia permitir.

O grande líder não é apenas quem implanta políticas que levam uma nação a outro estágio. Com o Plano Real, Fernando Henrique fez isso. O país tornou-se outro. Mas o grande líder tem um quê a mais. É um carisma, uma capacidade de fazer refletir em si os anseios e esperanças da população. FH não teve isso. Lula tem. Assim como Lula teve a sorte de encontrar um ambiente econômico mundial que já naturalmente puxava o Brasil para cima. Era só surfar.

Lula teve a oportunidade de ser maior do que Getúlio e JK. Não só fazer um país de classe média mas reinventar sua política futura. Como nenhum outro na história recente, teve o apoio popular necessário para enfrentar o fisiologismo, o patrimonialismo e a corrupção que ancoram o país, negam ao brasileiro serviços públicos de qualidade, se atracam com a economia e condenam tanta gente à desesperança.

Ao não enfrentá-los, Lula jogou fora esta oportunidade única. E assim traiu o poder que lhe foi entregue. Ao abraçar o fisiologismo, o patrimonialismo e a corrupção, mostrou-se um homem muito menor do que sua imagem permitia. Foi a segunda traição.

Em todas suas biografias, esta condenação aparecerá no primeiro parágrafo. É o que restou.

Pedro Doria

Gente fora do mapa

OUTRAS CULTURAS-EM OUTRAS TERRAS-ESPIA

Cleptocracia causou a falência ética e financeira de uma promissora nação

O Brasil se encontra no seu ocaso como nação, pois destruído ética e moralmente, nos estertores de um Estado que implementou a cleptocracia, está à mercê da ditadura legislativa, que sintetiza este poder deletério, abjeto, e que somente age mediante propina, desonestidade, traição, constituindo-se em um congresso venal, altamente danoso e prejudicial ao povo e país. O desigual tratamento concedido pela Receita Federal, por exemplo, com relação ao contribuinte, demonstra explicitamente que no Brasil desviar recursos públicos compensa e, muito, de forma absoluta e indiscutível. É por isso que a União, Estados e Municípios estão tecnicamente falidos, sem condições de prestar serviços públicos de qualidade aos brasileiros.

Afirmo categoricamente haver mais ética e moral dentro de qualquer dos presídios brasileiros do que nas tais casas legislativas, que sintetizam estelionatos, roubos, traições, inutilidades e vagabundagens em níveis nunca antes registrados na história desse povo tão injustiçado e insultado, que é o brasileiro.

Se formos esperar por esta “conscientização do povo”, padeceremos por décadas, basta citar os índices vexatórios de nossa educação quando comparada a de outros países muito menores e mais pobres em riquezas naturais!

Foi justamente esta falta de conscientização que elegeu os presidentes dos últimos trinta anos, que arrasaram com o Brasil, e nos jogaram na pior crise da história, somada aos maiores roubos cometidos pelo Legislativo e Executivo já registrados.

Se esperarmos que o povo se dê conta do tanto que está sendo roubado e explorado, decididamente sugiro, para quem puder, a saída do Brasil, sob pena de qualquer dias desses tombar por balas perdidas (ou até mesmo dirigidas) ou morrer por falta de atendimento hospitalar ou ambulatorial.

Enquanto no Brasil a Educação for destratada dessa forma, sem que lhe seja dada a importância que deve ter, e continuar formando analfabetos funcionais, jamais este país ascenderá ao desenvolvimento, ao progresso, à legítima independência. E continuaremos por anos a fio vivendo essa pantomima democracia, a falsa ilusão proporcionada por eleições fraudulentas e previamente preparadas pela ditadura do Legislativo, quando votamos em candidatos liberados pelos partidos, escolhidos pelas agremiações, e não nos nomes que desejaríamos.

A falta de senso crítico e consciência política, que são falhas encontradas no povo devido à carência de ensino condizente, condena o país à mediocridade eleitoral, que abre espaços imensos à corrupção e desonestidade, características dos nossos parlamentares há décadas, portanto, já enraizadas de tal forma que somente mudanças radicais no sistema para nos possibilitar a retomada do crescimento, não sem antes elevarmos e muito os níveis educacionais no Brasil.

Sem educação não há solução. E até quando irá a paciência do cidadão? – pergunto eu.

Diferente?


Na ditadura, calam-se as baionetas. Na democracia (à brasileira), compram-se deputados 

Nos tornamos reféns

Lembro-me perfeitamente da última atualização feita na planta de valores de Porto Alegre para lançamento do IPTU. Aconteceu em 1991, terceiro ano da administração Olívio Dutra, e causou sérios dramas. Nas zonas em que ocorreram maiores aumentos, os novos valores excediam a capacidade financeira de muitos munícipes, comumente idosos cuja renda andara em direção inversa à da valorização dos respectivos imóveis. A inadimplência explodiu. Embora o poder público muitas vezes o desconheça em si mesmo, esse limite existe, sim, na vida dos cidadãos.

Ninguém espera, nem interessa à comunidade, um órgão arrecadador de coração mole, disposto a perder dinheiro. No entanto, cabe perguntar: está a prefeitura “perdendo dinheiro” ao lançar o imposto, todo ano, com valor corrigido segundo a inflação ou algum índice de preços? Óbvio que não. É o mesmo dinheiro, em valor atualizado, mudando de bolso.
Nos impostos que pagamos, acompanhando a alta dos preços de tudo que compramos, ele sai do nosso e vai para os entes federados como receitas correntes. Não, não é aí que mora o prejuízo. Se há vazamento, obviamente não é nos impostos pagos. Elementar regra de prudência recomendaria à União, aos estados e aos municípios que o aumento de suas despesas correntes não sobrepujasse esses mesmos índices.

Dê uma pesquisada no Google sobre o que aconteceu em recentes revisões de plantas de valores em municípios como Curitiba, Belo Horizonte e Guarulhos, entre outros. Verá casos que multiplicaram o tributo por 10 e até 20 vezes. A própria intenção de parcelar esse aumento ao longo de alguns anos mostra que o forte impacto da providência na economia das famílias é pressentida pelo fisco.

O fatiamento da majoração, porém, não altera sua substância, nem sua inconveniência ou inoportunidade. Desconhecem, por acaso, o dano que a crise do setor público está produzindo na economia, nos empregos, no poder de compra das pessoas?

Alega-se, e é fato, que quem adquire um imóvel agora numa região valorizada estará pagando IPTU maior do que seu vizinho que ali reside há bom tempo. Mas é falso ver-se injustiça nisso. Quem compra imóvel paga preço e imposto conforme suas posses. Injusto, em vista disso, é onerar o vizinho que nada tem a ver com tal comércio. A imensa maioria dos imóveis residenciais só constitui um negócio na hora da transmissão. Depois, se converte em lar de alguém, parte importantíssima de um projeto de vida que não pode ficar sujeito a essas manipulações tributárias.

São surpreendentemente reais os problemas financeiros da prefeitura de Porto Alegre, 10ª capital brasileira em população. Eles ocorrem apesar de a população ser fortemente onerada. Segundo artigo publicado em ZH da última quarta-feira, dentre todas as capitais, nossa arrecadação per capita é a quinta em IPTU, a terceira em ISS e a primeira em ITBI. E repito: a capital gaúcha é apenas a 10ª em população.

Mesmo assim, o dinheiro não basta, como nunca são bastantes as receitas do Estado e da União. Por quê? Porque o mais real conflito no Brasil de hoje, malgrado todas as manobras diversionistas que tentam focar questões de classe, raça, gênero, etc., se relaciona à opressão do público sobre o privado, do Estado sobre a nação.

Somos reféns de um setor público que consorcia o patrimonialismo dos poderes políticos com o corporativismo da burocracia. E crescem juntos, de modo incontrolável, impondo à nação, muito além da capacidade que temos de sustentá-los, uma verdadeira ditadura de interesses minoritários.

O Brasil desassombrado pelas palavras-fantasmas

Como as palavras podem voltar a dizer no Brasil? A atual crise é também uma crise de palavra, como já escrevi aqui. No sentido de que o movimento das palavras está interditado, como cartas enviadas que não chegam ao seu destinatário. Em parte isso se deve ao fato de que o absurdo tece o cotidiano, como a realidade brasileira não se cansa de provar. E o absurdo se alarga um pouco mais a cada dia. O que se chama de realidade objetiva tornou-se uma vivência do inconcebível. Embora hiperconectados por redes sociais, as palavras são apenas repetições que voltam para si mesmas. Dizer o absurdo – e até gritar o absurdo, já que os gritos se tornaram a preferência nacional – não é suficiente para sair do absurdo ou para minimizar o sentimento de estar à deriva. É como se o remetente e o destinatário das cartas fossem o mesmo, voltando sempre para si, em looping, numa espécie de encarceramento da linguagem.

Penso que em parte isso acontece porque priorizamos uma forma de acesso à realidade. E também porque tomamos o que costumamos chamar de realidade objetiva como toda a realidade. E damos à sua “notícia” a representação por excelência. Damos a ela o status de “verdade” – mesmo quando nos debatemos com a “pós-verdade”. Sujeita a interpretações e até a falsificações, mas absoluta. Tomamos por todo o que é apenas parte.

Suspeito que seja necessário voltar a ampliar as formas de acesso à realidade, para retomar a tessitura da linguagem, para que as palavras-cartas voltem a chegar ao seu destino, recuperando a potência de produzir movimento, efeito e transformação. E para que sejamos capazes de romper essa forma de prisão que é a palavra que não diz – e que volta para cada um depois de um percurso vazio, volta para cada um como um bumerangue. Para que sejamos capazes de romper a paralisia provocada pela condenação ao absurdo.

O sonho e a arte são dois caminhos de resgate da palavra. O sonho não só como via de acesso à realidade e como elaboração do real, mas como realidade também. A arte não só como via de acesso à realidade e como elaboração e reinvenção do real, mas como realidade também.
Exposição 'Osso', em cartaz no Instituto Tomie Othake.
Exposição 'Osso', em cartaz no Instituto Tomie Othake (SP)
Para pensar sobre isso, trago dois exemplos que me parecem bastante extraordinários. Um deles é um livro da década de 60 do século 20 que acaba de ser editado no Brasil pela Três Estrelas: Sonhos no Terceiro Reich, da jornalista alemã de origem judia Charlotte Beradt. A edição brasileira tem a excelente tradução de Silvia Bittencourt e um belo prefácio do psicanalista Christian Dunker. O outro é Osso Exposição-Apelo ao Amplo Direito de Defesa de Rafael Braga, promovida pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Um grupo de 29 artistas colaborou para criar essa exposição que busca romper a barreira do absurdo que é a prisão de Rafael Braga, detido nas manifestações de junho de 2013 por portar dois frascos: um contendo água sanitária, o outro desinfetante.

Primeiro, o sonho. Como este, que teve um médico de 45 anos depois de ter vivido um ano sob o regime do Terceiro Reich, na Alemanha. Numa noite de 1934, ele assim sonhou: “Perto das nove da noite, depois de minhas consultas, quando quero me esticar calmamente no sofá, com um livro sobre Matthias Grünewald, minha sala e meu apartamento ficam de repente sem paredes. Olho apavorado ao meu redor e, até onde meus olhos conseguem alcançar, os apartamentos estão todos sem paredes. Ouço gritarem em um megafone: ‘De acordo com o edital sobre a eliminação de paredes, datado do dia 17 deste mês...’”.

Charlotte Beradt coletou os sonhos de alemães vivendo sob o Terceiro Reich de 1933 a 1939. Antes, portanto, do início da Segunda Guerra Mundial. “Sonhos poderiam ajudar a interpretar a estrutura de uma realidade prestes a se tornar um pesadelo”, diz ela. “Meus exemplos mais elucidativos vêm dos primeiros tempos de um regime ainda disfarçado.”

Como também ela estava sob o regime de opressão, teve que camuflar em suas anotações os sonhos obtidos por meio de relatos orais. Em vez de partido, por exemplo, usou “família”. “Tio Hans”, “Gustav” e “Gerhard” para, respectivamente, Hitler, Göring e Goebbels. Prisão era disfarçada como “gripe”. No início, escondeu esses relatos atrás de livros, numa ampla biblioteca. Depois, passou a enviá-los como cartas, a endereços diversos de diferentes países. Só foi voltar a acessá-los quando ela mesma foi obrigada a emigrar da Alemanha.

Christian Dunker chama a atenção no prefácio para algo que me parece fundamental também para pensar sobre o que chamo de crise da palavra: “Os sonhos são parte da realidade factual. Eles não provêm de outra realidade, que seria então qualificada como ficcional ou virtual. Sonhos são uma experiência real em si mesma. (...) O real não é individual ou coletivo, psicológico ou sociológico, científico ou religioso, o real é o que é. Mas estamos acostumados demais a pensar o real apenas como os fatos positivos, presentes e atuais. Contra isso o sonho nos apresenta uma curiosa combinação de fatos futuros e passados imersos em uma situação de perturbação do presente”.

O médico que sonha com a vida sem paredes, imposta por um ato burocrático do Estado totalitário, ao anotar seu sonho noturno encontrou o fato ocorrido na vigília que o teria provocado: “O vigilante nazista dos quarteirões chegou perguntando porque eu não havia içado a bandeira. Tranquilizei-o e lhe servi um aguardente, mas pensei: ‘Nas minhas quatro paredes, nas minhas quatro paredes...’ (...) Apesar de eu não ser uma pessoa política, todos os ingredientes do meu sonho e das minhas fantasias são políticos”.

O sonho torna-se para o médico, como aponta a jornalista, “a única possibilidade de se afastar da vida sem paredes, a única possibilidade real de emigração interior”. O médico ainda diria: “Já que os apartamentos se tornaram públicos, vou viver no fundo do mar para permanecer invisível”. A vastidão do oceano como metáfora para o território do inconsciente onde os sonhos são produzidos a partir dos vestígios do dia, o inconsciente muito mais presente e mobilizador na vida de cada um do que o consciente. Também por isso em algumas culturas os sonhos carregam algum poder premonitório. Mas o que aparece é aquilo que o indivíduo intui ou percebe no seu cotidiano, mas esse saber sobre a realidade ainda não emergiu à consciência.

O horror totalitário irrompe nestes sonhos coletados, como aponta aquela que os recolheu, muito antes de o horror se instalar por completo. “O que hoje são fatos políticos, até mesmo do cotidiano, não eram naquela época nem fatos de romance”. Muito antes da publicação de 1984, a clássica distopia de George Orwell, os alemães no Terceiro Reich sonhavam com aparatos de controle do Estado que sequer existiam. “Eles representavam na escuridão da noite, de maneira distorcida, o que ocorria com eles no mundo sombrio do dia”, escreve a autora. Sabiam – sem saber.

Os sonhos de quem sonhou no Terceiro Reich trazem a singularidade de cada experiência individual, mas compartilham traços comuns. Outra mulher tem o seguinte sonho, em 1933, logo que Adolf Hitler chega ao poder: “Quadros são colocados em cada esquina para substituir as placas de rua, proibidas. Esses quadros anunciam, em letras brancas sobre um fundo negro, vinte palavras que o povo está proibido de pronunciar. A primeira palavra é Lord – por precaução devo ter sonhado em inglês, e não em alemão. As outras esqueci ou provavelmente nem cheguei a sonhar com elas, com exceção da última: Eu”.

Como expressar melhor o esmagamento do indivíduo pelo Estado totalitário? Esse livro que fala sobre sonhos de cidadãos que se sentem impotentes de várias maneiras diante do absurdo que se torna o cotidiano – e do impossível que acontece ao seu redor – tem uma potência enorme para falar da realidade daquele momento histórico e das realidades que transcendem aquele momento histórico. Mesmo para quem se debruça sobre o nazismo e sobre tudo o que o produz e é produzido por ele, há algo que só se ilumina a partir da realidade desta coleção de sonhos de cidadãos comuns.

Isso me faz pensar: o que sonhamos nós neste momento do Brasil? Neste momento em que as palavras não estão proibidas, como no sonho da alemã, mas esvaziadas de substância? Nesta condição, as palavras são como fantasmas que atravessam o corpo do outro sem produzir nenhum efeito. E então voltam para nós, falantes compulsivos, gritadores contumazes, que produzem som, mas não movimento. E esta talvez seja uma versão contemporânea, uma versão dos tempos da Internet, de um outro tipo de censura. E de encarceramento pela linguagem. Palavras-fantasmas, é preciso dizer, não assombram. Desassombram.
Leia mais o artigo de Eliane Brum