segunda-feira, 10 de julho de 2017

Mudança de mentalidade

Contam que quando indagaram a Felipe González qual tinha sido a sua principal frustração, após ter ficado vários anos no poder na Espanha, ele teria dito que era o fato de que, mesmo após um longo período de modernização do país, ele constatava com tristeza que a maioria dos jovens continuava se formando na esperança de ter abrigo em alguma das dotações orçamentárias do Estado espanhol — e não com o ânimo de ir à luta, com espírito empreendedor, em um mercado competitivo. O que o ilustre ex-primeiro-ministro espanhol pensaria do caso brasileiro?

Este mundo grotesco foi imaginado por um soviético contrário ao capitalismo
A verdade é que, quase 30 anos depois da famosa declaração de Mário Covas, na campanha de 1989, acerca da necessidade de termos um “choque de capitalismo”, continuamos com uma mentalidade nacional digna dos anos 50, em pleno furor desenvolvimentista forjado na base de incessantes fluxos de recursos públicos, através das mais variadas formas (Orçamento, estímulos creditícios, mecanismos inflacionários diversos etc.). A frase atribuída a um ex-presidente mexicano (“Quien vive fuera del Presupuesto vive en el error”), dando ideia de que fora do Estado não há salvação, encontra eco no Brasil em todo tipo de exemplos da vida cotidiana.

Tome-se um caso emblemático. O que um jovem formado em Engenharia, Física, Matemática ou Economia em alguma universidade dos EUA consideraria como o ápice das suas ambições profissionais? Provavelmente, ser contratado por algumas das empresas do Vale do Silício, para trabalhar com tecnologia de ponta. Já no Brasil, em muitos casos, o que um engenheiro ou economista formado pela UFRJ, pela USP ou pela PUC de alguma das grandes cidades provavelmente irá fazer? Com grandes chances, se preparar para um concurso público. Faço aqui a ressalva de que não há nenhum demérito nisso — para que não haja dúvidas sobre o assunto, é o caminho que eu escolhi quando era jovem, aos 22 anos, há mais de três décadas. O problema é a escassez de gente com espírito empreendedor. Uma economia precisa dos dois perfis de pessoas: o país pode se beneficiar tanto de um grupo de funcionários públicos dedicados e com especialização na sua área de atuação, trabalhando em órgãos competentes, como o Ministério de Relações Exteriores, o Banco Central, a Receita Federal etc., como de jovens dispostos a competir e apostar em carreiras no setor privado, em novos negócios etc. Quando há um desbalanceamento em favor do primeiro caminho, o país tem um problema de mentalidade. E, sem enfrentá-lo, teremos dificuldades para termos um futuro promissor no longo prazo.

O curioso dessa atitude é que o jovem entende perfeitamente as regras da competição e da meritocracia quando se prepara para o concurso: ele sabe que as vagas são muito disputadas, que é preciso estudar muito e que a maioria das pessoas não passará. A defesa da competição, porém, em muitos casos se encerra no dia seguinte à aprovação. O nosso problema é que o mundo lá fora não funciona assim: há milhões e milhões de asiáticos estudando inglês, trabalhando nove, dez ou mais horas por dia, brigando por satisfazer o cliente das suas exportações e em constante processo de aprimoramento.

Tomemos o caso de muitas das emendas apresentadas à proposta de reforma previdenciária submetida ao Congresso pelo governo no final do ano passado. Na sua maioria, são tentativas de beneficiar um ou outro grupo específico, para que ele tenha uma aposentadoria antecipada, uma menor contribuição ou alguma forma de tratamento diferenciado. Novamente, é a velha ideia “mexicana” da frase citada, sinalizando que “fora do Orçamento não há salvação”.

O Brasil precisa deixar para trás décadas de mentalidade paternalista, se quiser ter um espaço relevante no mundo de hoje. Precisamos avançar na direção de termos um país produtivo, aberto à competição e inovador. Em pouco mais de 25 anos, o governo federal passou de um gasto primário — sem juros — de 14% do PIB a um nível atual de 24% do PIB, com uma elevação concomitante da carga tributária. A regra do teto do gasto tenta enfrentar esse problema, mas, para que ela seja respeitada, é preciso que o Estado deixe de ter a incidência de todo tipo de demanda como as que historicamente foram canalizadas para ele. E isso implica mudar corações e mentes. Não será fácil.

Fabio Giambiagi 

Capitalismo meia-boca

Que o capitalismo tropical está longe funcionar, a gente já sabia. Mas bem que precisava ficar anunciando o velho e o obvio como se fosse novidade ou especial. Mas mesmo assim, vem dia, vai dia, a gente continua ouvindo (e lendo) essas coisas.

Não deixa de ser tragicômico ouvir sobre as preocupações recentemente adquiridas no mundo corporativo com “compliance”. Tito assim, em inglês, realmente parece novidade. Mas é apenas o óbvio escondido em um jargão. Pela primeira vez, parece que os conselhos de administração perceberam que seguir a lei é uma obrigação que deve ser cumprida.

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Angel Boligan
Mais importante que anunciar repetidamente novas diretorias de “compliance”, seria talvez identificar o que levou essas empresas a situação atual. Existem certamente razoes estruturais em seus sistemas de governança corporativa que permitiram o cometimento de ilegalidades de forma repetida, continuada e claramente incorporada a sua estratégia e procedimento.

Em tese, se tivessem funcionado, os conselhos de administração não permitiriam a estas empresas o envolvimento em corrupção ou ilegalidades. Servem (entre outras coisas) para isso. Esta é a teoria. E, em grande medida, a lei. Mas claramente, a teoria, na pratica, foi (e possivelmente ainda é) outra.

Uma das razões parece ser que em um país de capitalismo meia-boca, não dá mesmo para esperar que órgãos de controle corporativo baseados em democracia de acionistas funcionem exemplarmente.

O capitalismo tropical é carcomido pelo populismo. A cultura empresarial é privilegia as relações com o Estado, e a eliminação da concorrência, em detrimento de produtividade, eficiência e boa gestão. Era mesmo improvável que brotassem, por geração espontânea, boas práticas de governança corporativa. Seria talvez ingenuidade esperar, mas seria certamente milagroso se tivesse acontecido.

No Brasil, os conselhos de administração refletem apenas interesses dos controladores. Conselheiros, mas frequentemente que não, representam apenas acionistas ou interesses individuais, e não os interesses da empresa. Os resultados são previsíveis, esperados, quase inevitáveis.

Não é por acaso que, em empresas estatais ou privadas, as ilegalidades se deram sob a supervisão dos acionistas controladores. Nas estatais, atenderam os interesses do governo de plantão. E nas privadas, seguiram as ordens do controlador. Tudo sem qualquer oposição.

E, durante todo o tempo, todos acharam (e provavelmente ainda acham) tudo isso normal. Todos mesmo. Ninguém se preocupou em resolver e prevenir as causas centrais que levaram a execução de planos e decisões danosas aos seus acionistas.

Não parece que criação de diretorias de “compliance” resolvam o problema. Não resolve o fato de que, um conselho de administração eficiente requer independência, baseada em princípios democráticos que garantam que o acionista em sua integralidade tem seus direitos protegidos mesmo nos casos em que eles estejam em contradição com os interesses do controlador. Isto requer melhorias na formação e funcionamento dos conselhos de administração.

Mesmo depois do desastre, existe muito pouca preocupação no mundo corporativo com a forma de escolha, a eleição, e a performance dos conselhos de administração. Continua tudo mais ou menos igual. Sem grandes novidades.

E, surpreendentemente, espera-se resultado diferente. Coisa de doido.

Temer está caindo de podre

O Brasil pode atingir um feito nada abonador. A prevalecer o que já está acertado entre os caciques dos principais partidos do Congresso — a troca de Michel Temer por Rodrigo Maia —, em pouco mais de um ano, o país terá empossado seu terceiro presidente. Essa alta rotatividade no cargo mais alto do governo explicita o quanto o nosso sistema político está falido. Por mais que vozes se levantem dizendo que todo o processo de troca de presidentes está seguindo os trâmites previstos na Constituição, tudo leva a crer que caminhamos rápido para a beira do precipício.

Não por acaso, a população está descrente do modelo tradicional de se fazer política. Tudo o que as pessoas veem pela frente é corrupção e roubalheira. A visão popular é de que os políticos estão mais preocupados em garantir seus nacos no poder mesmo que, para isso, seja preciso apear do governo aqueles de quem, até bem pouco tempo, eram aliados de primeira hora. É o que se vê com Temer. Enquanto ele se mostrou útil para os interesses das bancadas que lhe davam suporte no Congresso, manteve uma força incontestável. Mas, ao ser atingindo em cheio por denúncias de corrupção, foi abandonado.


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A fragilidade de Temer é tamanha que, mesmo no seu entorno, já começou a contagem regressiva para que ele seja deposto. O primeiro passo para a chegada de Rodrigo Maia à Presidência da República deve ser dado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com a possível aprovação da denúncia contra o presidente feita pela Procuradoria-Geral da República. O peemedebista é acusado de corrupção passiva. Poucos no Palácio do Planalto acreditam que ele conseguirá evitar uma derrota. Temer está cada vez mais parecido com Dilma Rousseff às vésperas de ela cair.

A constatação do derretimento de Temer pode ser medida pela quantidade de dinheiro liberada pelo Planalto para garantir apoio no Congresso. Em junho, pelo menos R$ 1,8 bilhão foi empenhado em emendas parlamentares, quase 20 vezes o comprometido no acumulado dos cinco meses anteriores. Ou seja, em vez de manter aliados na base do governo, a montanha de verbas foi acompanhada de uma debandada de políticos, inclusive de integrantes do partido do presidente, o PMDB. Não há liberação de emenda que garanta apoio a alguém que está caindo de podre. Dilma provou desse veneno.

No mercado financeiro, o pragmatismo também fala mais alto. Nos últimos dias, assessores de Temer mantiveram intensos contatos com investidores para medir até que ponto vai o apoio ao governo. A constatação foi clara. O peemedebista praticamente virou carta fora do baralho. Os donos do dinheiro só querem saber quando Maia tomará posse e qual será o time que comandará o país. Bancos e corretoras querem tirar do presidente da Câmara dos Deputados o compromisso de que manterá Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda e de que tocará as reformas, especialmente a da Previdência.

Maia, inclusive, já foi procurado por vários pesos-pesados do mercado. Os donos do dinheiro querem garantir uma transição tranquila até o fim de 2018 e evitar que o vácuo político de hoje seja ocupado pelo PT ou por alguém de extrema direita, como o deputado Jair Bolsonaro. “A saída de Temer já não nos preocupa mais. O que realmente importa é saber se o seu sucessor terá força suficiente para manter o país na linha e fazer as reformas necessárias. Até agora, todos os sinais que Maia nos deu é de que, caso empossado, vai trabalhar pela unidade do país e para corrigir distorções no sistema de aposentadoria”, diz um banqueiro. “É o que temos para o momento. Ninguém aguenta mais a sangria de Temer”, acrescenta.

Entre os investidores, ninguém aposta em uma onda de pânico nos mercados nos próximos dias. “A saída de Temer já está precificada. Daqui por diante, a bolsa de valores e o dólar serão movidos pelas declarações de Rodrigo Maia. Ele se tornou o centro das atenções do mercado”, assinala um executivo de um banco estrangeiro. Para ele, demorou um pouco para os investidores absorverem a possibilidade de mais uma mudança de governo. “Os fatos, contudo, se impuseram. Podem acreditar: com Temer cambaleante, o tiroteio sobre ele vai aumentar muito. Ele não resistirá”, acrescenta.

Resta saber como o presidente se comportará até que chegue o ato final. Por enquanto, ele tem mantido a sobriedade na economia. Todas as iniciativas populistas do governo foram abortadas. A inflação está sob controle, a atividade, mesmo fraca, dá sinais de que está respirando sem aparelhos, o desemprego parou de piorar e os juros continuarão em queda. Se essa rota for mantida, como diz um dos mais respeitados gestores de recursos do país, Temer já irá tarde.

Psicoteste

A requisitada firma de advogados Dodson & Fogg, na verdade uma dupla de escroques que fornece alguns dos melhores momentos do primeiro livro de Charles Dickens, The Pickwick Papers, tinha um princípio profissional acima de qualquer outro, em sua atuação no baixo mundo judiciário de Londres. “As alegações feitas por nosso cliente podem ser verdadeiras ou falsas”, costumava dizer Mr. Dodson ─ que a exemplo de Mr. Fogg parecia ter quase tanta chance de acabar um dia na forca quanto os seus clientes mais infames. “Não faço a menor ideia se são uma coisa ou outra, e isso, aliás, não tem nenhuma importância. A única questão que nos interessa é a seguinte: vão acreditar em nós?” O tempo passa, o mundo gira, e eis aí o Brasil de hoje, essa potência moral que causa cada vez mais espanto na Terra e no resto do sistema solar, vivendo situações que poderiam perfeitamente estar presentes nas tenebrosas cortes de Justiça da Londres de 200 anos atrás. Ninguém está dizendo aqui, pelo amor de Deus, que os advogados do ex-presidente Lula, no momento de receber a sentença no primeiro dos seus múltiplos processos penais, tenham alguma coisa a ver com messrs. Dodson e Fogg ─ ou que o seu cliente tenha cometido algum crime. Mas o caso do ex-presidente, após toda a via-sacra do seu processo, dá ao público pagante a sensação de que o resumo da obra é o mesmo. “Provei a minha inocência”, diz Lula, sem explicar por quê. Ou seja: não vamos agora ficar discutindo se é verdade, se não é, etc. e tal. Acreditem em mim.

Nenhum texto alternativo automático disponível.
Os dois mandatos de Lula na Presidência da República foram um monumento sem precedentes ao vício. Sua performance mais espetacular, como ficou demonstrado com dezenas de confissões públicas e provas materiais, foi a capacidade sem limites para roubar dinheiro público. Na Petrobras, privatizada diretamente para os amigos, a estimativa mais aceita é que o roubo tenha passado dos 40 bilhões de reais; conforme a maneira de calcular, fala-se em cifras de até 90 bilhões. Privatizaram, também para o usufruto pessoal da companheirada, a Eletrobras, a Nuclebrás, a Caixa Econômica Federal, o BNDES, ferrovias, rodovias e, de modo geral, qualquer estatal que pudesse ter alguma coisa passível de ser furtada. Roubaram com ânsia desesperada os fundos de pensão das empresas do governo. Roubaram merenda escolar, ambulâncias, quentinhas de presidiários. Roubaram pontes, linhas de transmissão de eletricidade, estádios de futebol inteiros. Roubaram até sangue humano. A respeito de todos esses fatos, Lula diz apenas que provou ser 100% inocente. Não participou de nada, não soube de nada e não desconfiou de nada em oito anos seguidos de governo ─ não admite nem mesmo que tenha tido a mínima responsabilidade por nada do que fizeram a um palmo da sua porta, ou menos ainda.

A maneira mais prática de explicar isso talvez seja a crença de Lula em que contra a fé não há fatos nem argumentos. Muita gente (e ele espera que essa gente seja a maioria dos brasileiros) não está interessada em entender, pensar ou se informar ─ só está interessada em acreditar. É a mesma esperança que quase todo político brasileiro tem para sobreviver às consequências de seus atos. Fazem barbaridades, perante o Código Penal e as regras mais elementares de conduta, absolutamente notáveis pela sua estupidez ─ e ficam esperando que ninguém ache nada de errado. Como o presidente da República, por exemplo, pode se meter com esse Joesley Batista, o maior corruptor da história do Brasil? Nem um guarda-noturno receberia o homem; Michel Temer até agora acha que está tudo bem. O senador Aécio Neves, que poderia estar em seu lugar, deixa-se gravar ao telefone implorando 2 milhões de reais em dinheiro vivo da mesma figura. O complexo Renan-Jucá-Padilha-Moreira-Geddel-etc. continua em plena atividade. Os ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux e outros colossos da nossa suprema magistratura governam o país como se isso fosse legal. O que há com essa gente? Obviamente, algo deu imensamente errado com todos eles. O melhor talvez seja seguir a excelente sugestão do escritor português João Pereira Coutinho em artigo recente na Folha de S.Paulo: obrigar ocupantes de cargos políticos a fazer exames psicológicos e neurológicos antes de assumir ─ mais ou menos como o psicoteste para motoristas de ônibus, por exemplo. A ciência, ao que parece, está a ponto de provar que o poder provoca algum tipo de lesão no cérebro. Quem, dos nomes acima e centenas de outros iguais, passaria no exame?

Gente fora do mapa

Coletor de flores no Parque nacional de Udawalawe (Sri Lanka),  Lakruwan Wanniaarachchi

Mesmo derrotado, Temer será estorvo longevo

Michel Temer assumiu o lugar de Dilma Rousseff prometendo um governo de salvação e de união nacional. Denunciado por corrupção, tenta salvar a si próprio. E não sabe se conseguirá unir um pequeno grupo de aliados dispostos a livrá-lo da guilhotina. Precisa de 34 votos na Comissão de Constituição e Justiça e de 172 no plenário da Câmara.

Formou-se em Brasília um sólido consenso: Temer transformou sua Presidência num estorvo —que será longo, não importa o resultado das votações. Na melhor das hipóteses para Temer, o Planalto conseguirá enterrar a denúncia, prolongando o derretimento do presidente por prazo indeterminado. Ou até a próxima flechada da Procuradoria-Geral da República.


Na pior das hipóteses, os deputados aceitarão a denúncia. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal estará autorizado a analisar a consistência jurídica da acusação do procurador-geral Rodrigo ‘Lá Vai Flecha’ Janot. Se a maioria dos 11 ministros da Suprema Corte julgar que a denúncia é consistente, Temer será afastado do cargo por até seis meses.

A Constituição manda que, enquanto durar o julgamento, assume o Planalto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Um ministro do Supremo disse ao blog neste domingo que o tribunal não imprimiria um ritmo de toque de caixa a uma eventual ação penal aberta contra o presidente. Acha plausível que o processo se prolongue até o início de 2018.

Absolvido, Temer retornaria à Presidência. Condenado, hipótese mais provável, voltaria para São Paulo. E o Congresso teria 30 dias para eleger um novo presidente. A inércia conspira a favor da permanência de Rodrigo Maia.

Quer dizer: menos de um ano depois do impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil deve ser submetido novamente ao constrangimento de conviver por vários meses com dois presidentes precários —um afastado e outro interino.

Pior: livrando-se de um estorvo acusado de corrupção, o país passará a ser comandado por outro absurdo investigado na Lava Jato. Maia frequenta as planilhas da Odebrecht como “Botafogo”. E já ocupa um capítulo da delação de Eduardo Cunha, que aguarda na fila pela oportunidade de explodir.

O Temer do Temer

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O derretimento de Michel Temer começa a confirmar a máxima de que não existe espaço vazio na política. À medida que o presidente encolhe, abatido por novas prisões e delações, crescem a apostas no deputado Rodrigo Maia para ocupar o seu lugar. A articulação saiu da sombra nesta quinta-feira, quando o senador Tasso Jereissati declarou que Maia pode garantir “estabilidade para o país”. Outro tucano, o senador Cássio Cunha Lima, disse a investidores que o governo “já caiu” e que o Brasil terá um novo presidente “em 15 dias”.

Os holofotes se voltaram para o presidente da Câmara, que é o primeiro na linha sucessória da República. Ele pode retardar ou acelerar a derrocada de Temer, do qual será beneficiário direto e imediato.

O deputado tem a confortável opção de jogar parado. Se a Câmara aceitar a denúncia, a Presidência cairá em seu colo por 180 dias, sem eleição direta ou indireta. Isso o libera de fazer campanha aberta pelo cargo. No entanto, só haverá 342 votos para afastar o presidente se Maia usar sua influência sobre o plenário. Ele terá que se tornar o Temer de Temer, reeditando a conspiração liderada pelo peemedebista para tomar a cadeira de Dilma Rousseff.

O deputado se movimenta com discrição. Ele tem recebido agentes de bancos e corretoras para repetir que seguirá a cartilha do mercado. Na sexta-feira, tuitou uma espécie de programa resumido de governo, no qual se comprometeu com a agenda das reformas. Foi uma versão em 140 caracteres da “Ponte para o Futuro”, a plataforma liberal usada pelo ex-vice para atrair apoio do empresariado.

Enquanto Temer cometia novas gafes na Alemanha, Maia passou os últimos dias na Argentina, onde só se falou na sucessão no Brasil. Sua comitiva incluiu o líder do centrão e metade do “G8”, um grupo de deputados veteranos que conhecem todos os atalhos da Câmara. Em 2016, o grupo atuou em conjunto para assegurar a aprovação do impeachment.

O Bananão de Lima Barreto

Um país de terceira ordem. Habitado e governado por gente medíocre e incapaz, além de vocacionalmente corrupta. E que assim é não por deficiências autóctones ou herança genética, mas, acima de tudo, por sua secular convivência com o tormento de cavar dinheiro, por meio de empregos e favores governamentais. Um país onde não faltam riquezas naturais, mas que vive na miséria, com latifúndios abandonados e indivisivos e a população rural oprimida por chefões políticos, inúteis e incapazes, pois sua economia é toda artificial e falsa nas suas bases, beneficiando apenas uma oligarquia de vivaldinos, todos com pelo menos 30 parentes ocupando cargos de Estado.

Tem mais: o ensino é uma desgraça. As pessoas saem dos cursos mais ignorantes e presunçosas do que quando lá entraram.

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Se você pensou no Brasil errou por pouco. Ou muito pouco. Ou só de nome, corrigiria o autor das observações acima, feitas a propósito de outra república: a tropical República das Bruzundangas, país imaginário, como a Cocanha, Lilliput, Shangri-lá, Freedonia e Oceania, mas abertamente inspirado em Pindorama.

Mais deprime que espanta constatar como o Brasil não ficou menos parecido com a terra das Bruzundangas nos cem anos que nos separam de sua invenção por Lima Barreto, o merecido homenageado da próxima Flip.

Variação do espanhol “burundanga”, bruzundanga tanto significa algaravia, palavreado confuso, como mistura de coisas imprestáveis, ninharia. Muitos preferem o Bananão inventado por Ivan Lessa, mas em qualquer das acepções de bruzundanga a terra do mulato inzoneiro encaixa-se à perfeição.

Em três romances (Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá e Triste Fim de Policarpo Quaresma) Barreto retratou nossa Primeira República com ar grave e rancor; mas até porque preconizava “a troça e simplesmente troça, para que tudo caia no ridículo”, faltava em sua obra a sátira ou a paródia da história oficial, das louvações ufanistas de nossas grandezas e das ilusões de modernidade trazidas pela proclamação da República e a abolição da escravatura. Os Bruzundangas é uma variante irreverente de Policarpo Quaresma, as Cartas Persas de Lima Barreto, o Montesquieu de Todos os Santos.

Ressentido com a elite intelectual do seu tempo, que por duas vezes bloqueou sua entrada na Academia Brasileira de Letras (antes da terceira tentativa, o postulante desistiu), mas não só por isso, evidentemente, sintetizou-lhe a apatia mental, a falta de originalidade, a sede de glória, o complexo europeizante, o culto às aparências e a vocação para o compadrio na figura dos “samoiedas”, caricaturas dos beletristas e poetastros parnasianos que, no início do século passado, faziam ponto na Livraria Garnier e pensavam que o mundo terminava na rua do Ouvidor.

Eram os sucedâneos letrados dos falsos fidalgos da aristocracia rural da Província do Kaphet, cheios de grana e prosápia. Acreditavam-se “descendentes poéticos” de um príncipe samoiedo, nascido e criado nos confins da Sibéria, e em sua homenagem vestiam peles de urso, renas, martas e raposas árticas no calorão tropical de Pindorama. Todos eles, diga-se, “incapazes de comparação, de crítica e impróprios para a menor reflexão mais detida”, e, com sua mentalidade de “parvenus aperuados”, sempre dispostos a bajular os titulares ou “os apatacados burgueses”, pois se persuadiram que “são feitos de outra substância diferente daquela que forma as cozinheiras e os pequeno-burgueses”.

Não é difícil reconhecer quem é quem nessa alegoria: de Coelho Neto a Rui Barbosa, passando por Venceslau Brás, Lauro Muller e Barão do Rio Branco, e outros tantos fascinados por condecorações, comendas, sobrenomes pomposos e títulos de nobreza comprados a peso de ouro. Quem se aventura a atualizar esse elenco?

Há exato um século, Barreto negociava ou acabara de negociar a venda dos originais de Os Bruzundangas com o editor Jacinto Ribeiro dos Santos. Passara os primeiros cinco meses de 1917 desovando-a em capítulos no semanário ABC, só interrompendo seu curso para desancar, no mesmo espaço, o “cínico, ignorante, autoritário e babosão” usineiro pernambucano José Bezerra, alçado a ministro da Agricultura pelo presidente Venceslau Brás.

A implacável troça só ganhou a forma de livro, com 191 páginas, pouco depois da morte de Barreto, no final de 1922. Reeditada 34 anos mais tarde, pela Brasiliense, ganhou em outra, com o selo da Artium, já na virada para este século, um episódio até então inédito, envolvendo um “falso D. Henrique V”. Existe ainda uma edição de bolso da L&PM. Agora é a Carambaia que a relança.

Compará-lo a Jonathan Swift seria, como diria um samoieda, “de trop”. Faltaram a Barreto fôlego, tempo de vida e saúde para conferir a seu relato a mesma amplitude e densidade das Viagens de Gulliver, às quais, por sinal, o visitante e descritor dos costumes e mazelas de Bruzundanga se refere no oitavo capítulo.

Faltou-lhe ainda disposição ou disponibilidade para reescrever alguns trechos, com humor mais aguçado, jogar fora outros, por redundantes e mal resolvidos, e queimar mais as pestanas à cata de nomes de melhor impacto cômico do que Felixhimino Bem Karpatoso (um deputado), Idlé Bhrás de Grafofone e Cinema (o presidente bruzundanga) e Tuque-Tuque Fit-Fu (o tal príncipe siberiano).

De todo modo, é bem swiftiana a “modesta proposição” que o alter go de Barreto faz para melhorar a qualidade do ensino na imaginária republiqueta: abolir a exigência de diploma (e não apenas para jornalistas), extinguir as faculdades e colégios existentes e limitar o currículo às matérias atinentes à profissão escolhida por cada um, evitando-se as disciplinas que julgasse inúteis.

Que clarividente ministro da Educação bruzundanguenses e brasileiros perderam.

Paisagem brasileira

Serra do Cipó | Minas Gerais, Brazil
Serra do Cipó (MG)

O PT desafia Moro

Na campanha eleitoral de 2014 o então presidente nacional do PT, Rui Falcão, proclamou com ênfase na propaganda televisiva: “O PT é uma instituição com milhões de filiados e simpatizantes em todo o Brasil. Gente como você, que sempre sonhou e lutou por um país mais justo e solidário. Gente que não convive nem é conivente com ilegalidades e quer, igual a você, o fim da impunidade. Por isso, qualquer petista que cometer malfeitos e ilegalidades não continuará nos quadros do partido”. Em seguida, o apresentador do programa enfatizava: “Você ouviu. Qualquer petista que ao final do processo for julgado culpado será expulso”.



Quase três anos depois, premido pela necessidade de sobrevivência que é hoje sua preocupação prioritária e pela iminência da divulgação da primeira sentença do juiz Sergio Moro relativa a uma das cinco ações penais a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde na Justiça por corrupção e outros delitos, o PT mudou de discurso e se prepara para “dar a resposta adequada para qualquer sentença que não seja absolvição completa e irrestrita” do ex-presidente. É o que afirma a nova presidente nacional da sigla, senadora Gleisi Hoffmann (PR), em nota oficial. Esse foi um dos temas dominantes na reunião da executiva estadual do PT realizada em São Paulo, com a presença de Lula, na qual se discutiu a mobilização da militância para, se for o caso, levar às ruas de todo o País o protesto contra a “perseguição” movida contra o líder petista pelo juiz Sergio Moro.

Coerência é, como se sabe, algo que não pode ser cobrado do PT. A prova indesmentível disso é que Lula conquistou sua primeira vitória na disputa pela Presidência da República, em 2002, por ter mandado a arenga esquerdista às favas e ter-se declarado, na famosa Carta aos Brasileiros, fiel convicto da política “neoliberal” com a qual o governo anterior, do tucano Fernando Henrique Cardoso, havia saneado as finanças públicas, dominado a inflação e colocado o País na rota do crescimento econômico. Tendo sucedido a Lula na Presidência da República, Dilma Rousseff se encarregaria de pôr tudo a perder, mas essa é outra história.

Agora, as preocupações de Lula são mais prosaicas e têm a ver com evitar a todo custo o mesmo destino de seus antigos braços direitos José Dirceu, Antonio Palocci e Guido Mantega, seriamente encrencados na Justiça. É hora, portanto, de radicalizar o discurso. Se tiver a ousadia de condenar Lula no processo que trata do famoso triplex do Guarujá, Moro estará tomando uma decisão “seletiva”, “baseada apenas em delações premiadas”, completamente “sem provas”.

Três anos atrás, em campanha para reconduzir Dilma Rousseff à Presidência da República, o PT precisava posar de paladino da moralidade, apesar de já estar evidente que se investigava a corrupção em seus governos. Com a reeleição de Dilma e seus primeiros correligionários colocados atrás das grades, o PT sentiu-se, mais do que à vontade, na obrigação de partir para cima da Lava Jato.

Entrou então em pauta o discurso de que a Operação Lava Jato era um instrumento por meio do qual a “elite” pretendia calar o PT para entregar o Brasil, a começar pela Petrobrás, aos “interesses do capital internacional”. Com o tempo as investigações passaram a atingir também velhos aliados dos petistas, como o PMDB, e até seu pior inimigo, o PSDB. Mas o discurso anti-Lava Jato não mudou. Sem abandonar o argumento de que eram “vítimas” de perseguição política, os petistas embarcaram na onda nacional de protestos contra os excessos que passaram a ser praticados por alguns agentes da operação. A grande diferença, porém, é que, enquanto os verdadeiros democratas continuam apoiando firmemente a Lava Jato e lutando para mantê-la rigorosamente dentro da lei, o PT quer acabar com as investigações de corrupção e ditar as decisões da Justiça: para os companheiros, impunidade; para os inimigos, cadeia.

Semanas de rock, bebê!

Todo dia era Dia de Índio. Agora todo dia é dia de rock, de ser chacoalhado, de assistir aos embates escalafobéticos entre aqueles que acham isso e os outros que acham aquilo; e todos os que agora estão ainda mais confusos do que estavam, uma vez que tudo se misturou igual a uma pasta disforme. A grande massa ignara ignora e só dança. Aumenta o som, que aí vem doideira pesada. Só os sons dos metais, pratos e panelas, continuam guardados por enquanto.

Pensa: por quem badalar os sinos? Para qual causa ensaiar a coreografia das bandeiras, o som das palavras de ordem, das palmas, do sapatear nas avenidas?

Outro dia um mágico amigo munido apenas de um baralho entreteve e encantou um grupo, incluindo crianças, durante um longo tempo. Fez mágicas, claro, incríveis, que é profissional dos bons, internacional. Mas a maestria com a qual manuseava e manipulava as cartas ao embaralhá-las foi show à parte, chamava a atenção. Perguntei a ele e fiquei sabendo, então, como numa aula, de histórias antigas sobre os trapaceiros, ilusionistas, como foram importantes em reinados e momentos históricos. Ele me contou (e mostrou) ainda sobre as diversas formas de embaralhar, a simples, a francesa, a cascata, a portuguesa, a hindu. São muitas. Como se criavam sequências que deram poder aos trapaceiros. As representações dos naipes, o povo, o poder, as finanças, as guerras.

Tenho pensado sobre isso cada vez mais com o preocupante desenvolvimento do desmonte político a que temos assistido diariamente boquiabertos e aturdidos. Tal como as cartas do baralho que se fundem e se misturam ao ser embaralhadas, estão sendo descartados reis, rainhas, valetes. Os ases somem. De todos os naipes. Procuramos um coringa.

É carteado cheio de trucos. Dissimulados que sem querer querendo dão declarações bombásticas em entrevistas, como quem faz bolhas de sabão. Jornalistas e suas fontes das sombras que carregam mensagens de um lado a outro, sobre um lado e do outro, entre afirmações hipotéticas e hipóteses estapafúrdias que se desmentem em seguida. Deitam falação, como se possível fosse entender as entranhas desse jogo que há anos nos empurra para o buraco. Eles roubam montes, formam duplas, descartam o lixo, pedem mais cartas, formam canastras, somem com cartas entre as mangas e colarinhos brancos. Jogam sozinhos.

Entre os meus leitores há vários tipos que se manifestam comigo: os que gostam de política, falar disso; e os que gostam quando me refiro ao comportamento humano em outras dimensões (sim, elas existem! – mas cada dia é mais difícil nos concentrarmos nelas, nas nossas questões pessoais de viver bem, de emoções, de avanços civis). Tudo muito civilizado, agradeço muito.

Agradeço porque vejo audiências gigantescas indo, aplaudindo, para os que escrevem chutando, xingando, agredindo, belicosos, até desejando o mal para os outros, que sejam presos, morram, tenham seus direitos suprimidos. Suas áreas de comentários são como esgotos. Independentes, se proclamam. Que vivem de ar, tanto quanto eu acredito em duendes puxando o dedão no pé da cama.
 
Se papel já aceitava tudo, na internet, no descompromisso, no anonimato, isso virou fato. Nas redes sociais, formas de polemizar, bater abaixo da linha da cintura, escarnecer bílis. Nas tevês são tantos analistas que devem se bater pelos corredores, fazer fila nos banheiros: reparem o quanto fazem como os locutores esportivos que podem estar esculhambando um time na narração, mas se esse time faz um gol… imediatamente a opinião vira outra.

Brincadeiras à parte, a melhor previsão que podemos fazer do futuro já abarca o passado: vamos trocar de presidente como se troca de roupa. Precisamos provar todas para ver como elas ficam em nosso corpo.

E eu que, vejam só, queria só falar sobre o Dia do Rock, agora, 13 de julho! Mas quem é mesmo que pode mudar de assunto? Tem de embaralhar.

O mutirão para limpar Hamburgo

Milhares de moradores de Hamburgo se reuniram neste domingo em Schanzenviertel, no popular bairro de St. Pauli, para limpar a cidade depois dos protestos violentos do fim de semana em decorrência da cúpula do G20. Munidos de luvas, baldes e vassouras, participantes recolheram ao longo da tarde lixo, pedras e cacos de vidro das ruas.

Convocado pelo Facebook, o evento "Hamburg räumt auf!" ("Hamburgo arruma") contabilizou mais de 8 mil participantes através da rede social, mas a polícia chegou a calcular cerca de 10 mil presentes no local.


"Nós mostramos a todos como Hamburgo realmente é", escreveu na página Rebecca Lunderup, uma das organizadoras do ato. "Foi um enorme e incrível senso de coesão e de energia positiva que foram sentidos em todos os lugares onde vocês estiveram hoje", completou

A participação veio de diversos setores da sociedade: uma cadeia de utensílios de construção doou material de limpeza, uma padaria distribuiu pães, um restaurante contribuiu com hambúrgueres, e uma rede de supermercados doou água.

"Nós mostramos solidariedade com nossos vizinhos", disse Thorben Harms, morador do bairro de Barmbek. Mohamed e Walaa, refugiados da Síria, também participaram da ação: "Queremos fazer algo pela cidade de Hamburgo [como gratidão pelo acolhimento na cidade]".

Durante o encontro internacional, Hamburgo registrou confrontos, saques a lojas e danos ao patrimônio, em um episódio que chegou a ser descrito por moradores como cenas de "guerra civil". De acordo com os cálculos das equipes de segurança, 476 policiais foram feridos. Também houve 186 detenções e 37 mandados de prisão. Não foi informado o número de manifestantes feridos.