segunda-feira, 12 de junho de 2017

Ingovernável

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Não precisa muita coisa para ser chamado de doutor. Basta um terno. Um pouquinho de atitude de superioridade, quase arrogância, ajuda também. Estudar é opcional. Do lado positivo, a gente pelo menos sabe o que fazer para ser chamado de doutor.

Menos claros estão outras categorias profissionais ou honorárias com um número aparentemente muito grande (e crescente) de pessoas. Todos os dias a gente ouve dos juristas. Ou dos intelectuais.

Não é claro o que são eles. Para que servem. Nem quais os requisitos para os títulos. É possível até que sejam títulos autoconcedidos. Simples assim. Nada surpreendente em terra de herdeiros ou de pedintes.

E a confusão não se restringe apenas a títulos. Desde sempre se fala em governabilidade. Sem que muita pouca energia tenha sido dedicada a calcular ou pelo menos explicar os riscos da tal governabilidade. Até hoje, não sabemos direito o que diabo governabilidade quer dizer.

Assistimos atônitos a infinita maldade insolente. Não há quem negue. Tudo parece misturado na mesma lama. Gostamos do absurdo. E para alimenta-lo, precisamos de conceitos duvidosos.

Talvez seja por que o conceito de governabilidade permita que um punhado de pessoas (sempre doutores, frequentemente juristas, e as vezes intelectuais) decidam, sem contestação, o que é melhor para cada cidadão.

Pela governabilidade, desrespeita-se a inteligência (a nossa, pelo menos). Afronta-se a razão. E justifica-se qualquer coisa. Inclusive o preço. No país onde tudo é diferente, a gente prefere a agonia sem fim, ao enfrentamento de suas causas.

Falta-nos coragem. A cada encruzilhada, cedemos ao argumento da governabilidade. Previsivelmente. Mesmo que resulte na dilapidação e não degradação de tudo a nossa volta. O engodo da governabilidade justifica parasitas. Aceita o imperdoável. Perdoa o inaceitável.

Até o dia em que tudo será, de fato, ingovernável.

A democracia tem uma vocação irresistível ao populismo

O populismo é a vocação mais antiga da democracia. Sim, a democracia tem uma vocação irresistível ao populismo. As mídias sociais são a ferramenta mais poderosa que o populismo jamais teve. E uma das causas mais poderosas a favor do populismo é a busca da democracia perfeita.

Dizer isso nada tem a ver com preferir regimes antidemocráticos, como pensam os inteligentinhos quando falam de política. Pelo contrário, prestar atenção ao "lado B" da democracia é uma forma essencial de evitar regimes antidemocráticos.

Conhecer o "lado B" da democracia é essencial se quisermos proteger seu "lado A". Ao contrário do que pensa nossa vã filosofia do bem (produção inteligentinha), é o reconhecimento das sombras que garante alguma luz mínima sobre as coisas e nas coisas.

Como diria o filósofo Darth Vader: só o olhar direto nos olhos do lado escuro da força nos faz compreende-lo e saber como ele pode se tornar irresistível.

Alexis de Tocqueville (1805-1859), em seu essencial "Democracia na América", chama atenção para o fato de que "o cidadão da jovem democracia americana" ficava irritado quando ouvia uma crítica ao seu regime político.


E assim é até hoje, traço característico da relação dogmática que temos com o que os pesquisadores Achen e Bartels descrevem em seu "Democracy for Realists", da editora Princeton University Press, como "folk theory of democracy" (teoria popular da democracia).

Não vou seguir precisamente os autores aqui, nem o que estou dizendo sobre o lado B da democracia é necessariamente o que os autores pensam, mas a leitura desse livro pode ajudar a você não cair nesse lado B da democracia de forma tão ingênua.

Esta teoria "folk" acredita em mitos como crescimento da consciência política mediante a educação. Ou que as pessoas estão interessadas em política. Esta lenda da democracia crê que as pessoas não só estão interessadas em política como se informam para ter mais consciência política. Não. Elas raramente buscam informação e, quando o fazem, o fazem pra reforçar seus próprios pressupostos e não para relativiza-los.

As mídias sociais deixam isso muito claro: não existe debate, existe ódio. E o ódio, sabemos, é uma das formas mais perenes da alma se reconhecer viva.

E os intelectuais, professores ou profissionais ligados a política, apenas pregam suas próprias concepções políticas. Quanto mais engajado, mais fiel e fanático.

Professores, em grande parte, não produzem nenhuma "consciência política ou histórica", produzem, apenas, intolerância intelectual a bibliografias que não gostam. Logo, não são "motores" de nenhuma suposta consciência política.

Jornalistas e artistas seguem de perto a tendência à intolerância intelectual movida por adesão a dogmáticas políticas.

E qual a razão da democracia ter vocação irresistível ao populismo? Fácil de responder. A busca de conhecimento não é algo evidente em nós. A vida é muito dura para nos darmos a esse luxo.

O que buscamos, na maior parte das vezes, como diz o filósofo Woody Allen em seu maravilhoso "Crimes e Pecados" são racionalizações que justifiquem nossos desejos.

O populismo se alimenta de nossa infantilidade. Queremos soluções claras e distintas para a confusa realidade em que vivemos. "Alguém que coloque Brasília em ordem", "alguém que faça justiça".

O trono por excelência do amante do populismo é a cadeira da sua sala em casa, na frente da televisão, xingando todo mundo.

O populista mais "contemporâneo" tem um novo trono: as redes sociais, através da qual distribui seus xingamentos. Nas redes ele abraça seus "conteúdos de pós-verdade" e os distribui "generosamente" ao mundo a sua volta.

A vocação primeira da democracia é o populismo. Só com muito esforço resistimos a ele porque a política é confusa, ambivalente, sombria, retórica, suja, enfim, humana, demasiadamente humana. Quem pede plebiscito o tempo todo é um populista disfarçado de ovelha.

Não há sabedoria alguma no povo. A sabedoria está nos detalhes e a fúria política popular não tem vocação aos detalhes, mas apenas a shows, fogueiras e linchamentos.

Paisagem brasileira

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Temer não sai nem é retirado, ele se degrada

O Brasil já teve o Getúlio, que se matou. Teve o Tancredo, que morreu. Teve o Jânio, que saiu. Teve o Collor e a Dilma, que foram retirados. Quando Temer declarou numa entrevista “se quiserem me derrubem, porque eu não renuncio”, ficou entendido que o drama agora é diferente. Não é o Brasil que tem um presidente é o presidente que acha que tem o Brasil. A crise atingiu um estágio de paralisia institucional. Temer não sai nem é retirado, ele se degrada no cargo.

Um presidente com a ética sub judice que, depois dos três anos em que a Lava Jato vem informando que o país foi saqueado pelos esquemas que continuam no poder, consegue dizer que todos têm que aturar a podridão para não comprometer as reformas ou é um cínico ou é um lunático —em nenhum dos dois casos é o presidente que o Brasil precisa.

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Temer permanece no cargo porque se tornou o presidente mais conveniente para a banda podre da política, hoje majoritária e hegemônica. Seu governo virou uma superestrutura a serviço do acobertamento do ilícito. Depois de ser absolvido no Tribunal Superior Eleitoral por excesso de provas, Temer ajeita as coisas para que a Câmara impeça, por insuficiência de votos, o Supremo Tribunal Federal de convertê-o em réu. O presidente celebra com seus aliados suspeitos acordos do tipo uma mão suja a outra.

Sem alarde, o Planalto faz um mapeamento da composição da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, primeira escala da denúncia criminal que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fará contra Temer. Líderes de partidos que compõem a infantaria governista combinaram de substituir na CCJ eventuais defensores da investigação.

Temer está cada vez mais parecido com Eduardo Cunha. A diferença é que Cunha usava a estrutura da Câmara. E Temer abusa da engrenagem de todo o governo. É um caso clássico de obstrução da Justiça. Se não desfrutasse das imunidades inerentes ao cargo, Temer talvez estivesse preso na companhia do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, na penitenciária da Papuda.

O presidente, seus principais auxiliares e apoiadores não enxergam culpados no espelho. Acham que o governo é vítima de uma conspiração. Impossível governar assim, dizem. Fica um ambiente desagradável, o presidente tendo que (não) responder a interrogatório da Polícia Federal, dando satisfação a qualquer pé de chinelo da imprensa… Quem é que consegue encaminhar as reformas desse jeito?

Entre o congelamento e a asfixia

É como se Michel Temer fosse um alpinista com dificuldade de respirar a certa altura de uma perigosa escalada. Socorrido por uma equipe de resgate, ao invés de descer foi levado para um ponto mais alto, o que aumentou a escassez de ar.

A qualquer momento poderá ser atingido por fortes rajadas de vento. A temperatura caiu muitos graus abaixo de zero. Arrisca-se a morrer congelado ou por asfixia.

Morrer congelado significa permanecer aparentemente vivo, no exercício da presidência da República, com direito aos salamaleques inerentes ao cargo. Dará pequenas ordens sem a garantia de que todas serão obedecidas.

Viajará muitas vezes para apressar a passagem do tempo. O país viverá tristes e improdutivos meses como os que viveu no crepúsculo do mandato do ex-presidente José Sarney.

Morrer por asfixia quer dizer morrer, ponto. É uma morte dolorosa para o paciente e cansativa para os que desejam enterrá-lo.

Há que se providenciar um substituto que complete o mandato enquanto se aguarda a escolha de outro em breve pelo voto dos cidadãos proibidos de fazê-lo desde já. Vai que à falta de nome melhor, eles devolvessem Lula ao poder... É isso o que se quer evitar.

Pátria amarga, Brasil! A maioria dos filhos teus que não foge à luta merecia melhor sorte. Mas os que ti governam sempre privilegiaram a própria sorte, desfrutando com gula das tuas riquezas.

Entre períodos autoritários que marcam tua trajetória, serviu-se a sopa rala, insossa, de uma democracia pobre de nutrientes. És uma Nação em busca de reinventar o que já foi inventado.

Onde se plantando tudo dá, na semana passada nasceu mais uma flor de pântano. Por excesso de provas, o Tribunal Superior Eleitoral absolveu a chapa Dilma-Temer acusada de abuso político e econômico nas eleições de 2014.

Na prática, liberou geral para que as próximas eleições continuem sendo fraudadas. Dane-se o princípio da igualdade de condições. Dane-se, por tabela, a real vontade popular.

Não foi para fazer Justiça, mas apenas por curiosidade que o tribunal investigou durante dois anos e meio eventuais crimes cometidos. Para ao cabo admitir com cinismo: seu interesse era expor as entranhas de um sistema eleitoral apodrecido para que possa ser consertado.

Não havia interesse em punir ninguém, muito menos um presidente que assumiu nas circunstâncias conhecidas.


Foi um voto de confiança em Temer e de desconfiança na democracia. Se ao invés de Temer governasse Dilma, o resultado teria sido outro. Dilma deve a Temer a preservação dos seus direitos políticos.

Temer deve explicações e mais explicações para novas denúncias surgidas antes do julgamento e para as que estão guardadas em banho-maria à espera de melhor ocasião.

A capacidade do presidente em transgredir é espantosa. Disso deu notícia o encontro com um empresário no porão do palácio onde mora.

O mesmo empresário recebido com nome falso foi o que mandou entregar R$ 500 mil a um deputado indicado por Temer para intermediar suas relações com o governo.

Temer negou que tivesse alguma vez voado no jato do empresário. Para depois dizer que não sabia de quem era o jato.

Seu desmentido à informação de que mandou o serviço secreto do governo espionar a vida do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, não convenceu sequer Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal.

Um presidente que respira mal ousa fantasiar-se de ditador.

Medíocres distraídos

Leio com tristeza sobre quanto países como Coreia do Sul e outros estimulam o ensino básico, conseguem excelência em professores e escolas, ótimas universidades, num crescimento real, aquele no qual tudo se fundamenta: a educação, a informação, a formação de cada um.

Comparados a isso, parecemos treinar para ser medíocres. Como indivíduos, habitantes deste Brasil, estamos conscientes disso, e queremos — ou vivemos sem saber de quase nada? Não vale, para um povo, a desculpa do menino levado que tem a resposta pronta: “Eu não sabia””, “Não foi por querer”.

Pois, mesmo com a educação — isto é a informação — tão fraquinha e atrasada, temos a imprensa para nos informar. A televisão não traz só telenovelas ou programas de auditório: documentários, reportagens, notícias, nos tornam mais gente: jornais não têm só coluna policial ou fofocas sobre celebridades, mas nos deixam a par e nos integram no que se passa no mundo, no país, na cidade.


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Alienação é falta grave: omissão traz burrice, futilidade é um mal. Por omissos votamos errado ou nem votamos, por desinformados não conhecemos os nossos direitos, por fúteis não queremos lucidez, não sabemos da qualidade na escola do filho, da saúde de todo mundo, da segurança em nossas ruas.

O real crescimento do país e o bem da população passam ao largo de nossos interesses. Certa vez escrevi um artigo que deu título a um livro: “Pensar é transgredir”. Inevitavelmente me perguntam: “Transgredir o quê?”. Transgredir a ordem da mediocridade, o deixa pra lá, o nem quero saber nem me conte, que nos dá a ilusão de sermos livres e leves como na beira do mar, pensamento flutuando, isso é que é vida. Será? Penso que não, porque todos, todos sem exceção, somos prejudicados pelo nosso próprio desinteresse.

Nosso país tem tamanhos problemas que não dá para fingir que está tudo bem, que somos os tais, que somos modelo para os bobos europeus e americanos, que aqui está tudo funcionando bem, e que até crescemos. Na realidade, estamos parados, continuamos burros, doentes, desamparados, ou muito menos burros e doentes e desamparados do que poderíamos estar. Já estivemos em situação pior ? Claro que sim.

Já tivemos escravidão, a mortalidade infantil era assustadora, os pobres sem assistência, nas ruas reinava a imundície, não havia atendimento algum aos necessitados (hoje há menos do que deveria, mas existe). Então, de certa forma, muita coisa melhorou. Mas poderíamos estar melhores, só que não parecemos interessados.

Queremos, aceitamos, pão e circo, a Copa, a Olimpíada, a balada, o joguinho, o desconto, o prazo maior para nossas dívidas, o não saber de nada sério: a gente não quer se incomodar. Ou pior: nós temos a sensação de que não adianta mesmo. Mas na verdade temos medo de sair às ruas, nossas casas e edifícios têm porteiro, guarda, alarmes e medo.

Nossas escolas são fraquíssimas, as universidades péssimas, e o propósito parece ser o de que isso ainda piore.

Pois, em lugar de estimularmos os professores e melhorarmos imensamente a qualidade de ensino de nossas crianças, baixamos o nível das universidades, forçando por vários recursos a entrada dos mais despreparados, que naturalmente vão sofrer ao cair na realidade. Mas a esses mais sem base, porque fizeram uma escola péssima ou ruim, dizem que terão tutores no curso superior para poder se equilibrar e participar com todos.

Porque nós não lhes demos condições positivas de fazer uma boa escola, para que pudessem chegar ao ensino superior pela própria capacidade, queremos band-aids ineficientes para fingir que está tudo bem. Não se deve baixar o nível em coisa alguma, mas elevar o nível em tudo.

Todos, de qualquer origem, cor, nível cultural e econômico ou ambiente familiar, têm direito à excelência que não lhes oferecemos, num dos maiores enganos da nossa história.

Não precisamos viver sob o melancólico império da mediocridade que parece fácil e inocente, mas trava nossas capacidades, abafa nossa lucidez, e nos deixa tão agradavelmente distraídos.
Lya Luft

Imagem do Dia

Etosha National Park, Namibia | Incredible Pictures - Explore the World with Travel Nerd Nici, one Country at a Time. http://TravelNerdNici.com:
Etosha National Park, (Namibia) 

O suicídio do TSE

Mais uma importante dimensão da Velha Política acaba de ser revelada. As degeneradas práticas políticas e eleitorais não teriam prosperado por décadas sem a omissão e a cumplicidade na dimensão jurídica. O julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exibiu duas faces dessa instituição no decisivo momento histórico da redefinição de nosso modelo político-eleitoral. De um lado vimos ministros cuja interpretação jurídica é complacente com a evidência das ilegalidades praticadas no financiamento das campanhas eleitorais. E, o que é pior, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, chama de “corrida maluca” todo o esforço do Ministério Público e do Novo Judiciário contra a corrupção sistêmica da Velha Política. Seu pretexto foi a valorização do voto popular para a Presidência como elemento de estabilidade institucional, mas esse voto elegera Dilma, quando, “modéstia às favas”, ele apoiou o prosseguimento da causa do PSDB no TSE.


Sendo esse o prescrito rito constitucional em caso de um novo impeachment, por que seu manifesto desagrado de que o cargo seja ocupado pelo presidente da Câmara dos Deputados e depois pelo indicado em eleição indireta no Congresso? Não seria uma demonstração de força e estabilidade de nossas instituições? O que teme o ministro? Vimos, de outro lado, uma face do TSE em busca da verdade e do aperfeiçoamento institucional. Se a corrupção sistêmica da Velha Política ofende a Justiça tanto quanto incendeia a opinião pública, é uma falácia medíocre e insultante o argumento de que a condenação seria uma violação do direito por pressão popular. Malfeitos abundam (voto do relator Herman Benjamin), merecem condenação (voto de Rosa Weber), pois o direito deve estar a serviço da criação de uma ordem justa (voto de Luiz Fux).

Agora, “até as pedras sabem” da imundície da Velha Política. Mas, como vemos, falta ainda desconstruir a superestrutura jurídica que lhe garante impunidade. Esse voto “coveiro das provas vivas” de uma Justiça “cega às evidências oceânicas”, que absolve o errado em substância sob o pretexto da forma processual, sugere a inutilidade e o suicídio institucional da “Justiça Eleitoral”. Se a mais abusiva de nossas campanhas eleitorais foi absolvida, não há mais como condenar qualquer campanha nesse foro.

Paulo Guedes

É melhor limpar a casa

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Expor a corrupção afeta a economia mas é melhor engolir o sapo e limpar a casa de vez 

Para onde vamos?

Boa parte do que pensamos hoje sobre a relação entre economia e política é fruto de um grande debate ocorrido na Europa após a II Guerra Mundial, no qual alguns intelectuais analisaram profundamente as causas do colapso político e econômico do começo do século passado e a ascensão do fascismo. Esse debate proporcionou um período de grande estabilidade. Aqui no Brasil, porém, ocorreu o contrário: por causa da Guerra Fria, esse período foi marcado por crises sucessivas, que resultaram no golpe militar de 1964, ou seja, em 20 anos de ditadura. Quem são esses intelectuais e quais as suas ideias básicas?

Em primeiro lugar, os fundadores da Escola de Chicago, Ludwigh Von Mises e Friedrich Hayek, ambos austríacos, cuja defesa do liberalismo, ou seja, de uma sociedade aberta e livre, visava manter o Estado o mais longe possível da economia, para isolar os radicais de direita ou de esquerda e impedi-los de planejar, dirigir ou manipulá-la.

Com as mesmas preocupações quanto ao passado, em segundo lugar, o economista britânico John Maynard Keynes, chegou a conclusões completamente diferentes, defendendo a intervenção do Estado na economia para garantir a segurança social com políticas anticíclicas e isolar os radicais. Com base nas suas ideias, governos social-democratas e neokeynesianos construíram o Estado de bem-estar social na Europa, até que a onda neoliberal de Margaret Tatcher, na Inglaterra, nos anos 1980, colocasse em xeque essa política.

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Somente após a redemocratização, em 1985, as ideias liberais e social-democratas que proporcionaram estabilidade e progresso à Europa Ocidental encontraram um ambiente favorável ao debate aberto e livre aqui no Brasil, sem as contingências da radicalização política causada pela Guerra Fria desde o governo Dutra, em 1946. Entretanto, vivíamos o esgotamento do modelo de substituição de importações e uma profunda crise de financiamento do Estado, o que resultou na hiperinflação do governo Sarney (1985-1989). Foi a partir desse debate que conseguimos controlar a inflação e consolidar a democracia, o que nos proporcionou três inéditas décadas de estabilidade política, em que pese os impeachments de Collor de Mello (1992) e Dilma Rousseff (2016).

Entretanto, esse debate foi mitigado e hegemonizado pela polarização PSDB-PT, desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Num primeiro momento, em decorrência do sucesso do Plano Real e da estabilização da moeda. As correntes neoliberais e desenvolvimentistas foram neutralizadas pelo pensamento social liberal predominante na equipe do ministro da Fazenda, Pedro Malan, além da forte influência do pensamento de Peter Ducker nas políticas públicas (fazer com que os serviços públicos adotassem métodos e práticas de gestão das empresas privadas).

A chegada do PT ao poder, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, com sua “Carta aos Brasileiros”, num primeiro momento, garantiu certa continuidade dessas políticas, com ênfase no “focalização” dos gastos sociais nas camadas mais pobres da população, via programas compensatórios de transferência de renda. Esse curso, porém, já no fim do primeiro mandato de Lula, foi alterado profundamente, com a adoção de práticas populistas e medidas nacionais desenvolvimentistas focadas no adensamento cartorial das cadeias produtivas.

Tal política foi exacerbada ainda mais no governo Dilma. A “nova matriz”, porém, nada mais era do que a fusão do velho “capitalismo de laços” com um novo “capitalismo de Estado”, a serviço da formação de cartéis e grandes empresas monopolistas, os chamados “campeões nacionais”, que garantiram, por meios ilegais, a reprodução eleitoral do bloco político no poder. Esse processo ampliou o patrimonialismo, a corrupção e o fisiologismo, que estão sendo desnudados pela Operação Lava-Jato. E mergulhou o país na mais dura recessão, o que provocou o impeachment de Dilma.

Assim, chegamos ao atual governo. O velho PMDB, fisiológico e patrimonialista, continua o grande fiador da governabilidade e da estabilidade do sistema político. O presidente Michel Temer, o vice que assumiu o poder, recebeu pleno apoio das forças políticas que apoiaram o impeachment, mas não da opinião pública que se contrapôs ao governo Dilma. Seus cacifes: a forte base parlamentar e grande capacidade de articulação no Judiciário.

Temer assumiu o governo com um programa de combate à inflação, recuperação de estatais, limitação de gastos públicos e reformas da Previdência e das relações trabalhistas. Com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato, que chegou às cúpulas do PMDB e do PSDB, deslocou o eixo de sua atuação das reformas para a preservação do mandato de presidente da República. Para onde vamos? Ninguém sabe. O cenário é de instabilidade política, incerteza econômica e inquietação social.

Justiça, democracia, eleições

Muitos ocupantes do poder são tementes a Deus. Fariam bem se dedicassem temor igual à História, uma vez que o julgamento desta, ao contrário do Juízo Final, pode pegá-los ainda em vida.

Dependendo do acúmulo de pecados veniais, capitais e mortais cometidos por cada um na vida pública, a avaliação pelo retrovisor dizima glórias efêmeras e transforma em asterisco biografias com pretensões de enriquecer os anais da história dos homens.

Esta semana Brasil e Estados Unidos, os dois maiores países do continente, puderam ver suas versões de justiça, democracia e processo eleitoral sob novo crivo.

Cada um acompanhou a seu modo um capítulo a mais da crise de legitimidade do poder instalado aqui e lá.

Seria desumano exigir do trabalhador brasileiro que acompanhasse as dezenas de horas de sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisaram o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. Exceto para quem tinha obrigação profissional, interesse pessoal ou dedicação cidadã em ouvir os ardis embutidos na defesa de cada voto da corte, foi difícil não ser vencido pela exaustão.

Até porque, como já demonstrou uma pesquisa da Microsoft feita no Canadá, o tempo de atenção contínua dos seres humanos caiu em 25% desde o ano 2000.

Hoje, nossa capacidade de concentração ininterrupta estaria reduzida a apenas oito segundos — um segundo a menos do que a dos peixes dourados, que não fazem uso de dispositivos portáteis nem frequentam mídias digitais.

Mas não é preciso muito mais do que isso para registrar três frases capitais do Corregedor-geral e relator do processo, ministro Herman Benjamin, derrotado em seu pedido de cassação da chapa vencedora na eleição de 2014:

1) “Se eu entendi bem, aqui nós estamos no processo mais importante da história do TSE para examinar caixa 1, mas não caixa 2, invertendo a ordem absoluta de toda nossa história?”

2) As ditaduras cassavam e cassam quem defende a democracia. O TSE cassa aqueles que vão contra a democracia. Há aí uma enorme diferença”.

3) “No fundo, as ações agora sob julgamento são filhas de um sistema político-eleitoral falido”.

Até a tarde de sexta feira, quando este texto foi escrito, tudo apontava para a derrota do relator. E o Brasil prosseguirá claudicante até o próximo confronto judicial da presidência ou o surgimento de novo, inevitável, flanco de denúncias à espreita de Michel Temer.

Quando o jornalista Ezra Klein, da Vox, escreveu que o “presidente carece de legitimidade, o governo está paralisado, os problemas do país continuam não resolvidos”, poderia estar se referindo ao Brasil. Contudo, ele retratava o estado das artes nos Estados Unidos, onde esta semana assistiu-se a algo não menos estarrecedor.

Na quinta-feira o país virtualmente parara para ouvir o depoimento do ex-diretor do FBI James Comey perante a Comissão do Senado que investiga a interferência da Rússia nas eleições de 2016, e o eventual conluio de assessores de Trump com agentes russos.

Comey, cujo mandato era de dez anos, fora demitido por Trump à queima-roupa um mês atrás — alegadamente por não garantir lealdade absoluta ao presidente — e havia se transformado num tóxico poço de segredos incômodos para o governo.

Em seu depoimento transmitido ao vivo, já como cidadão comum, Comey revelou ter entregue a um amigo da Universidade de Columbia anotações feitas logo ao sair de um jantar na Casa Branca convocado por Trump. Na ocasião, e após pedir que outros presentes ao salão se retirassem, o presidente teria sugerido ao diretor do FBI abafar uma investigação em curso contra um ex-assessor incriminado com os russos.

Comey não apenas entregou os memorandos ao amigo, como o instruiu para vazar a existência da papelada ao “New York Times”. Caramba, Comey delator?

O que levou o poderoso número 1 da Policia Federal americana a vazar um segredo que, dependendo do conteúdo, poderá reforçar a abertura de um processo contra o presidente dos Estados Unidos por obstrução da justiça? Segundo Comey, foi a forma por ele encontrada para forçar a constituição de um promotor especial independente com poder de investigação real sobre a campanha de Trump. Conseguiu.

Ficou claro, também, que Comey não confiava nem confia no atual Procurador-Geral, Jeff Sessions. A rede de intrigas apenas se espessa.

(Vale lembrar que o lendário informante de pseudônimo Deep Throat que abriu os olhos dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein para o envolvimento do presidente Richard Nixon no caso Watergate, era o número 2 do FBI da época. Deu no que deu).

Com as respectivas políticas em desarranjo, o judiciário em confronto intestino e o sistema eleitoral sob suspeição, Brasil e Estados Unidos passaram a integrar a lista de 57 “democracias imperfeitas” do índice anual publicado pela Economist Intelligence Unit sobre o avanço e recuos do sistema democrático no mundo. Dos 167 países estudados, apenas 81 ainda podem ser considerados democracias plenas segundo o severo critério da publicação.

Péssima notícia para nós. Ótima notícia para o avanço da polarização, que se alimenta de absolutos, não deixa espaço para o imperfeito, o duvidoso, o inconcluso, nem para a transformação, a evolução, a mudança de opinião.

Num mundo desenvolvido em que o grupo com menor crença no regime democrático é o jovem, no qual 60% desses jovens recebem suas informações através das redes sociais, e no qual a informação (falsa ou verdadeira) não tem sido usada para aumentar o conhecimento e sim para confirmar ou aprofundar preconceitos, o cenário é pouco animador.

Billie Holiday prometeu certa vez que faria o difícil logo, e que para o impossível levaria um pouco mais de tempo.

Brasil e Estados Unidos bem que poderiam começar pelo difícil, já que o impossível vai levar muito tempo.