segunda-feira, 5 de junho de 2017

Aqui é o fim do mundo

O indescritível superou o descritível. O caráter da época passa com dificuldade porque seu principal personagem sobrevive. E sua sombra enfeitiça a realidade, cobrando de afilhados lealdade.

Esgotadas as condições econômicas que permitiram realizar uma política pública de improvisação e sem futuro, uma política social manipuladora e sem lastro, uma política industrial sem fundamentos éticos ou técnicos, restaram aos titulares da falha funcional que sustentou seu tempo fingirem não o ver escarnecer da Justiça.

Estávamos à mercê de juízes e acusadores secundários, rugiu a capital. Mas eles não controlarão mais esse jogo. Tremei, insanos, não haverá tempo de passar da ira às súplicas, diz o simplificador geral, tomando as rédeas dos crimes construídos. Balbucia recados desconexos: “Calma, escravos, temos traidores também do nosso lado, primeiro vamos cuidar dos vossos traidores. Nós somos um comitê, mentalidade de casais. Num piscar de olhos emitimos a autorização para uso da força. Somos o injusto disfarçado de justo. A pior praga do populismo-popular.

“Vá, pensamento, minha pátria tão bela e perdida!”, canta, silencioso, o povo escravizado na mentira por acusadores que o traíram, se venderam aos corruptores, ao poder da produção do mal. Um investidor honesto, que tudo perdeu e nada recupera, proclama: “Por um procurador da sociedade”, “Por um juiz do cidadão, externo a moral estatal deles”.


A luta pela igualdade virou afirmação da diferença e fez explodir no país a desigualdade perante a lei. O Direito sumiu do horizonte da Justiça. O poder econômico se apropriou de vez da política e envolveu a alta Justiça. Criou-se um problema insanável: a jurisdição de exceção protege o governante antigo; o ímpeto de imolação se dirige contra o governante novo. E, mais uma vez, para nada, o pequeno briga na rua a briga dos maiorais.

A Justiça se ajustou ao modo de ser do líder do período e se tornou um ramo do relacionamento conflituoso. Capturada pela escuridão intelectual e grupos de pressão do velho regime, por corporações da alta elite do Estado, usa o crime como freio para as reformas. Dono dos autos, os 11 Supremos, cada um a seu modo, arremedam os mestres da cilada e aprisionam o país na corrupção.

É preciso exigir que o governo não pague mais para que o mau empresário fique rico. Encerre a lambança no BNDES, cobre o julgamento da CVM, e enterre o capitalismo de aduladores. Eleições mortas não podem ser julgadas como vivas só para manter a totalidade sombria e desestabilizadora que infantiliza a democracia.

Grave foi falar em Fome Zero, dirigir a FAO e terminar doando o dinheiro do trabalhador para desnacionalizar o parque industrial de alimento. Levar o capital público brasileiro a mudar de mãos e de país deveria ser caso de degredo para quem concedeu, e extradição para quem recebeu.

Não será aqui onde, comovedor ou zombeteiro, para envenenar a transição, o procurador-geral apresenta ao ministro relator a prova intergeracional do DNA do país: uma herança-propina, paga por semana, por 20 anos.

Nunca um cortesão ofendeu tanto a inteligência da ralé. Aqui é o Terceiro Mundo, peça a bênção e vá dormir.

Do supositório de magnésia ao olho magico para caxião

Quando o “Casseta & Planeta” lançou a ideia do conglomerado de empresas Organizações Tabajara, não tinha como objetivo lançar o desenho do futuro do Brasil. Muito menos, o patriarca da OT, Gilvan Saturnino Tabajara, ao aportar no Brasil trazendo na bagagem apenas um produto, o Supositório de Magnésia Bisurada, não tinha a mínima ideia de como seu império iria crescer, faturando bilhões e abarcando 27 empresas.

O “Casseta & Planeta” se desfez, e das Organizações Tabajara não resta mais nada de pé, nem o Salsichão Brasil, uma das joias do império de Gilvan. Sobrou apenas um nome próximo de Gilvan, Gilmar, Gilmar Mendes, para lembrar a epopeia do criador do Supositório de Magnésia Bisurada, ao afirmar que o Brasil se parece com as Organizações Tabajara.
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A ideia dos criadores do “Casseta & Planeta” era apresentar sob o rótulo Tabajara empresas toscas, precárias, ridículas, uma crítica indireta ao que não funcionava bem no país. Surgiu até o Tabajara Futebol Clube, que, na sua trajetória de derrotas, jamais conseguiu superar a realidade do Íbis de Pernambuco, o pior time do mundo.

Ao comparar o Brasil com as Organizações Tabajara, Gilmar Mendes se esqueceu de um dado essencial do momento: o país está sendo passado a limpo e, pela primeira vez na sua história, vivemos algo parecido com uma sociedade na qual a lei vale para todos.

Inegável que vivemos numa crise. Mas supor que essa crise está nos jogando para trás é obra de um personal enganator, para usar linguagem comum aos memorandos das Organizações Tabajara.

Gilmar recentemente foi grampeado combinando com Aécio Neves como iria cabalar votos de senadores para a lei contra o abuso de autoridade, destinada a inibir a Lava-Jato e proteger os políticos. Um ministro do STF que articula nos bastidores do Congresso votos para uma lei escapa completamente de suas funções. É um ministro Tabajara.

Em outro momento, numa situação anterior à Lava-Jato, Gilmar foi grampeado consolando o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, famoso por conceder milionárias isenções fiscais, inclusive à JBS. Gilmar, no áudio, considerava absurda a incursão da PF para apreender documentos na casa de Silval.

Mais recentemente, depois do célebre grampo de Joesley Batista, Gilmar admitiu que se encontrou com o empresário da Friboi, mas apenas para discutir questões ligadas ao comércio de gado, pois sua família vendia carne para os irmãos Batista.

Não seria um pouco Tabajara um ministro do Supremo tratar de negócios de gado com um empresário investigado. Pode-se dizer que Joesley ainda não era investigado. Mas todas as pessoas bem informadas sabiam muito bem que se ele não era ainda investigado, fatalmente o seria, pois seus negócios cresciam milagrosamente.

Na conglomerado de Gilvan Saturnino Tabajara, se me lembro bem, não houve assaltos ao dinheiro público, embora, certamente, tenha havido uma série de atos politicamente incorretos, sem os quais o humor não prospera.

Falar mal do Brasil é comum. É uma prática antiga que usamos sempre que algo nos incomoda. O momento é difícil, uma razão a mais para a multiplicação das críticas. Mas é preciso acentuar que, pela primeira vez na história, surgiu uma oportunidade consequente de desmontar o gigantesco esquema de corrupção formado por partidos políticos e empresas ambiciosas. É um momento de valor inestimável, que abre inúmeras possibilidades para que o Brasil entre no rol dos países avançados, nos quais a corrupção existe em escala menor; em outras palavras, ela não é banida totalmente mas é administrável.

Isso significa desde já, com os riscos maiores para os corruptos, que grande parte dos recursos nacionais podem ser canalizados para os serviços públicos. Em seguida, vai abrir também a possibilidade de um planejamento baseado nas necessidades do povo e nas limitações dos recursos naturais.

Isso já é algo bastante diferente de obras construídas para atender a empreiteiras ou isenções fiscais que, simultaneamente, nos empobrecem e tornam inviáveis alguns aspectos vitais, como, por exemplo, a mobilidade urbana.

Se Bussunda estivesse vivo, creio que interpelaria o ministro: fala sério, Gilmar. Livrar o país da promiscuidade entre empresas e governo, colocar corruptos na cadeia, conquistar um alto nível de liberdade de imprensa, viver numa sociedade em que as pessoas são mais informadas e compartilham, incessantemente, suas ideias, tudo isso é indicação de um novo país surgindo.

O que parece Tabajara para alguns é, para outros, a desordem natural de um grande movimento renovador.

O Brasil que está acabando nesses anos tumultuados até que poderia vender, maciçamente, no mercado de Brasília, inclusive para o residente Temer, um produto de alta necessidade nesses tempos convulsionados: o olho mágico de caixão, o que daria uma boa ideia do que acontece do lado de fora. 

Fernando Gabeira

Quadrilha

Se você acredita que Lula foi dono de um tríplex que desistiu de comprar e é dono de um sítio por meio de terceiros, também está obrigado a acreditar que Michel Temer incorreu em crimes ao receber às escondidas no porão do Palácio do Jaburu a visita de um empresário enrolado com a Justiça, admitido ali com nome falso, e que disse e gravou o que ouviu a salvo da lei e de eventuais constrangimentos.

Se você torceu pelo impeachment de Dilma por acreditar que ela cometeu crime ao pedalar a Lei de Responsabilidade Fiscal, está igualmente obrigado a torcer para que a chapa Dilma-Temer seja impugnada tal o volume de provas e de indícios de que abusou do poder econômico nas eleições de 2014. A Constituição não permite que se separem as contas do titular da chapa e do vice.

Seu comportamento em relação a Lula, Temer e Dilma só deveria ser diferente se você advogasse a tese de que a lei existe para os demais, não para os que compartilham suas ideias e pontos de vista.


Lula está às vésperas de ser condenado no caso do tríplex do Guarujá. Dilma perdeu o mandato e corre o risco de perder os direitos políticos. Temer agarra-se à faixa presidencial empenhado em salvar a sua biografia.

Não apenas a biografia, também o privilégio de só ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Embora finjam estarem dispostos a reduzir o foro especial que os protege, e a mais de 55 mil autoridades, os políticos querem, sim, que ele permaneça intocável.

Os tribunais superiores são uma mãe para os poderosos. Demoram a julgá-los. E quando o fazem, dão um jeito de não puni-los.

É nisso que apostará Temer a partir de amanhã quando os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral começarem a se debruçar sobre as contas da sua e da campanha de Dilma.

Se concluir que será cassado, acionará um amigo para que peça vista do processo, adiando o julgamento. Se for cassado, se valerá de recursos para ganhar tempo e evitar a palavra final da Justiça. É do jogo, infelizmente.

Temer não pensa, e de resto poucos políticos pensam, no que é melhor para o país. Entre os seus e os interesses alheios, não hesitam. E só largam o osso quando esse lhes é arrancado com violência à custa muitos dentes.

Sempre sobrarão alguns para que possam voltar a morder, não se lhes importando o mal que produzam. O poder não é só afrodisíaco, ele escancara as portas para muitos negócios.

Se ameaçados, as rotas de fuga são comuns. Lula se vê perseguido pelo procurador Rodrigo Janot. Temer diz que o perseguido é ele. Por medo, Lula desqualifica Sérgio Moro, o juiz. O pesadelo de Temer é cair no colo de Moro.

Lula investe contra as delações por achar que um preso mente para ser solto. Temer, idem. Lula abomina a Lava Jato. Temer atua para manietá-la, por enquanto sem sucesso.

Ensinou-se no Brasil do Segundo Reinado que nada se parecia mais com um conservador do que um liberal no poder.

Aprende-se no Brasil de hoje que um político de esquerda acuado é igual a um político de direita nas mesmas condições. Em salas à prova de grampos, Temer não esconde sua admiração pela capacidade de luta de Lula. No último fim de semana, Lula elogiou Temer por resistir a se entregar.

Se Janot não mudar de plano, Temer e Lula terão uma semana infernal pela frente. Ele dispõe de farta munição para atanazar ainda mais a vida dos dois – inclusive novas gravações. E está decidido a dispará-la.

Gente fora do mapa

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Thomas Hoepker

Cara de abacaxi

Manuel Antonio Noriega, um dos mais corruptos e violentos ditadores com os quais a América Latina padeceu, acaba de morrer de um câncer no cérebro na Cidade do Panamá, onde estava preso desde 2011 depois de ter cumprido dezessete anos de prisão nos Estados Unidos e cinco na França por crimes contra os direitos humanos, colaboração com o narcotráfico, roubos, torturas, lavagem de dinheiro e uma extensa lista de outros delitos. Embora tenha pagado em parte por seu negro prontuário, é possível que suas filhas herdem uma boa quantia de milhões espalhados pelo mundo em contas secretas que a Justiça de três países não conseguiu recuperar.
Tudo na vida do famoso Cara de Abacaxi — assim apelidado por causa das marcas de varíola no rosto — é obscuro e nebuloso, a começar pelo seu nascimento. Sabe-se que nasceu em um bairro pobre da Cidade do Panamá e que tinha origem colombiana, mas a data é imprecisa, já que ele próprio a alterou várias vezes por motivos misteriosos, de forma que podia estar com 83 ou 85 anos ao morrer. O certo é que sua carreira sinistra começou à sombra de Omar Torrijos, o cacique golpista que em 1968 depôs pela via das armas o presidente panamenho eleito e deu início, assim, à sua própria ditadura. Noriega foi seu braço-direito e fez uma carreira meteórica na Guarda Nacional até nomear a si mesmo como general. Em 1983, tomou o poder sem eleições e iniciou a sua estrambótica odisseia.

Trabalhava para a CIA e para o castrismo, recebendo dinheiro secreto de ambas as fontes. Autorizou os Estados Unidos a instalarem uma central de espionagem no istmo, ao mesmo tempo em que trabalhava como agente da DEA e, simultaneamente, para o cartel de Medellín, que escondia o seu dinheiro em bancos panamenhos. Paralelamente, fazia grandes negócios com Fidel Castro e com Moscou, aos quais vendeu cinco mil passaportes panamenhos para uso de seus agentes secretos em suas andanças pelo mundo. Chegou a ganhar certa popularidade na América Latina quando, brandindo um facão e rugindo “Nenhum passo atrás!”, encabeçou as ruidosas manifestações anti-imperialistas das suas “Brigadas da Dignidade”.

Mas em 1985, ao mandar torturar e degolar o médico Hugo Spadafora, famoso combatente dos direitos humanos, assassinato que provocou uma comoção no mundo inteiro, seu destino começou a mudar. Jurara morrer de pé, em combate; no entanto, quando da invasão dos Estados Unidos, ocorrida sem o disparo de um só tiro, saiu correndo para se esconder na Nunciatura. Ali ficou durante doze dias, submetido dia e noite a uma grotesca sinfonia de música heavy metal, que ele detestava, e com a qual os ocupantes ianques torturaram seus ouvidos até que ele se rendesse. Teve início, então, a sua longa peregrinação pelos tribunais e pelas celas dos Estados Unidos, França e Panamá, a qual se encerrou agora com sua morte.

Da longa lista de ditadorezinhos que envergonharam a história da América Latina, a grande maioria morreu em suas casas, com muito dinheiro e até mesmo sendo respeitados, depois de terem banhado com sangue e envergonhado os seus países, além de tê-los saqueado até deixá-los exânimes. O Cara de Abacaxi, um dos mais abjetos da lista, ao menos pagou boa parte de suas vilanias atrás das grades, embora, infelizmente, só tenha sido possível resgatar uma pequena parcela da fortuna que angariou com suas maldades e que seus descendentes poderão desfrutar, agora, em paz. Aliás, já começaram a fazê-lo. Aqui em Paris, os jornais destacam nesta manhã o fato de as filhas do falecido serem excelentes freguesas das lojas superluxuosas da Rue Saint Honoré.

Eu me pergunto como Nicolás Maduro encerrará seus dias: como Fidel Castro, bem protegido por sua guarda pretoriana no quartel miserável em que transformou a Venezuela, ou atrás das grades, como o general Videla na Argentina, ou como Fujimori no Peru? A verdade é que provavelmente nenhum, da longa lista de sátrapas de que a América Latina padeceu, promoveu feitos piores do que o ex-motorista de ônibus que o comandante Chávez deixou como herdeiro (para que não lhe fizesse nenhuma sombra). Ele arruinou totalmente um dos países mais ricos do continente, que hoje literalmente morre de fome, de falta de medicamentos, de trabalho, de saúde, com a inflação e a criminalidade mais elevadas do mundo, quebrado e sendo visto como alvo da repulsa e da condenação por parte de todas as democracias do planeta. Antes, só perseguia e prendia aqueles que ousavam criticá-lo. Agora, também mata, incólume. Seus “coletivos chavistas”, bandos de criminosos armados e de motocicletas, já perpetraram mais de sessenta assassinatos nas últimas semanas diante da reação corajosa do povo venezuelano que ocupou as ruas contra a ameaça governamental de substituir o Congresso por uma assembleia de servidores não eleitos, e sim nomeados a dedo, como faziam Mussolini e a URSS. A cada dia que passa com Maduro no poder, mais se agrava a agonia da Venezuela. Mas tudo parece indicar que o fim dessa via-crúcis está próximo. E tomara que os responsáveis pela hecatombe econômica e social produzida pelo chavismo, a começar por Nicolás Maduro, recebam a punição que merecem.

Os ditadores saídos dos quartéis, como Pinochet, Noriega e Videla, parecem ser de outra época, em uma América Latina que felizmente tem agora, de ponta a ponta, governos civis nascidos de eleições mais ou menos livres e onde há amplos consensos — que não existiam no passado — em favor de instituições democráticas e de políticas de abertura econômica, de estímulo a investimentos estrangeiros e à inserção nos mercados internacionais. É verdade que em muitos casos são democracias corroídas pela corrupção e que cedem, às vezes, à tentação populista, mas, mesmo assim, é preciso considerar que uma democracia medíocre e demagógica será sempre mil vezes preferível a uma ditadura, como nos fazem lembrar, todos os dias, os venezuelanos. 

Por isso, é muito interessante observar o que acontece no Brasil. A extraordinária mobilização popular que já levou para a prisão uma boa parte de sua elite política e um bom número de empresários desonestos não está em busca de uma “revolução socialista”, mas sim do aperfeiçoamento da democracia, libertando-a dos aproveitadores que a estavam destruindo, destroçando-a por dentro, com alianças mafiosas que enriqueciam verdadeiras quadrilhas de empresários e políticos, boa parte dos quais já se encontram, graças a juízes corajosos e limpos, nos calabouços ou prestes a entrar neles. Trata-se de um movimento popular que vai na direção certa; que não pretende voltar ao populismo delirante que congelou Cuba no tempo e está banhando a Venezuela de sangue e de miséria, mas sim depurar e permitir que funcione plenamente um sistema que os ladrões de colarinho branco estavam desmantelando por dentro. Se obtiver sucesso, o grande Brasil deixará de ser o eterno “país do futuro” que tem sido até o momento e começará a ser um presente em marcha, modelo para o restante da América Latina
Mario Vargas Llosa

Audível e legível

Pelo que se ouve, a Lava-Jato chegou às empresas de planos de saúde. Mas parece que não assustou. A imposição de um reajuste das mensalidades dos planos de 13,5%, mais que o dobro da inflação, segue sendo extraída do velho padrão de articulação política toma lá dá cá. A nomeação dos dirigentes da agência de regulação é definida por senadores acusados de corrupção. Abaixo das negociações palacianas, labutam lobbies financiados pelas próprias empresas, que manipulam informações toscas e as divulgam como indicadores ainda mais inconsistentes. Os números saídos das mesas de escritórios de lobistas, calibrados pelo cálculo da força de pressão das empresas, orientam uma política pública que afeta mais de 50 milhões de pessoas. A consequência imediata do extrativismo político é a intensificação do extrativismo do fundo público.

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As empresas de planos, que preferem perder os clientes impossibilitados de pagar reajustes muito elevados, precisam assegurar suas taxas de retorno e demandarão mais isenções e deduções fiscais, alongamento eterno e renovado de dívidas, créditos e anistia de multas. Para tanto, necessitam recrutar e institucionalizar a militância de empresários e executivos favoráveis à redução dos preços pagos a profissionais e estabelecimentos de saúde, restrição de coberturas e formulação de estratégias de competição com o SUS. Fica caro criar e manter organizações pagas, em primeira e última instância, com recursos retirados dos contribuintes e clientes, que aderem aos contratos privados em busca de garantia de acesso e utilização de serviços. É dinheiro jogado nos altos salários e comissões de intermediadores de transações e no ralo da corrupção.

A existência de uma possível rota da “arrecadação de propina” envolvendo empresas de planos de saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar está inteiramente legível no documento de colaboração premiada de Delcídio do Amaral com o Ministério Público Federal. No anexo 28, página 107, lê-se: “especial atenção deve ser dada à ANS e Anvisa, cujas diretorias foram indicadas pelo PMDB do Senado, principalmente pelos senadores Eunício Oliveira, Renan Calheiros e Romero Jucá. Jogaram pesado com o governo para emplacarem os principais dirigentes dessas agências. Com a decadência dos empreiteiros, as empresas de planos de saúde e laboratórios se tornaram os principais alvos de propina para os políticos e executivos do governo.”

Desde que Antonio Palocci foi preso, se ouve que o setor contrariou os limites acústicos da emissão de ruídos toleráveis pelas regras legais. O ex-ministro assessorou a maior empresa de planos de saúde do Brasil. Sua delação poderá expor as engrenagens de grandes negociações de compra e venda de empresas, inclusive internacionais.

Mas a proximidade do perigo, ao contrário de estimular cautela, impulsionou a celeridade das novas indicações para a ANS e da tramitação de medidas sobre redução do pagamento de impostos. A recondução de uma diretora, já sabatinada pelo Senado, e o registro pela Casa Civil de nomes para outros cargos foram realizados em tempo recorde. A Presidência da República e o Ministério da Fazenda apoiaram a recusa das empresas de planos a pagarem o ISS de acordo com o local de prestação do serviço. A demanda empresarial só não foi plenamente acolhida porque as bases políticas municipais se insurgiram contra a perspectiva de não arrecadação de cerca de R$ 6 bilhões. Por um triz, as empresas não emplacaram a habitual e bem-sucedida dobradinha: reajuste estratosférico das mensalidades e não pagamento de impostos. Desta feita, o argumento exposto no veto do presidente Temer não teve audiência. O som da afirmação de que o pagamento do tributo iria encarecer os planos foi abafado pelo barulho causado pela autorização de um índice para o reajuste das mensalidades incompatível com a realidade econômica do país.

Precisamos apurar nossa capacidade de audição e leitura para discriminar causas subjacentes e condições que precipitam problemas. Se os pacientes morrem de infarto, mas são fumantes, é necessário ampliar o espectro de ações preventivas e curativas. Analogamente, a resposta à pergunta sobre por que o SUS não se tornou universal e de qualidade não é a mesma que se seria dada a indagação de por que as empresas de planos passaram a ditar as políticas públicas de saúde. Os princípios básicos de responsabilidade e solidariedade dissociam contribuições sociais das recompensas individuais. Por isso, o Brasil tem SUS.

Consequentemente, a conjugação da racionalidade econômica com democracia política requer a revisão da proteção estatal indevida a agentes que anunciam orgulhosamente integrar o mercado. Entidades empresariais da saúde que assinaram manifestos exigindo mudanças políticas deveriam, de livre e espontânea vontade, se adiantar à Lava-Jato e adotar o saudável hábito de tomar uma chuveirada cívica diária.

Ligia Bahia

Um jogo de xadrez em que há poucas alternativas para o governo

Pode tirar o cavalinho da tempestade aquele que ainda crê num desfecho rápido para a crise: o conflito tardará a encontrar desenlace. No xadrez da política, para um dos lados desenha-se um jogo de impasses e poucas alternativas. Ainda assim, o governo resiste com as pedras de que ainda dispõe: recusando-se a entregar a rainha, demonstrando a disposição de seu último cavalo, talvez. De casa em casa, o rei procura se movimentar, mas compreende que suas possibilidades são limitadas.

Em tudo o que puder, a partida será delongada, portanto: interventor na Justiça, Torquato Jardim dá indicações de que com ele o jogo é de resistência, não de submissão. No mais, o presidente admite conflito institucional, mas não renunciará; à decisão do TSE caberá todo tipo de recurso; processos de impeachment são longos e complexos. Não há rito sumário para pesadelos e nem um árbitro que defina o final desse tipo de peleja.


Tudo dependeria mesmo do presidente da República, mas não há estímulo para que Michel Temer, espontaneamente, desista; menos ainda, condições favoráveis para que avance e supere os impasses. Em 1961, Jânio Quadros renunciou porque supunha voltar nos braços do povo; nada deu certo, voltou para casa. Temer, naturalmente, não se vê no colo da opinião pública, e a “volta ao lar” é mais que duvidosa: nas circunstâncias em que vive, a manutenção do foro privilegiado tornou-se seu imperativo categórico.

Não apenas para o presidente: os áulicos que o cercam estão constrangidos pelas mesmas circunstâncias. Tendem a pressioná-lo a ficar e defender-se a si e ao grupo. O governo tornou-se refúgio para muita gente que aconselha — adula ou engana — o presidente. É possível imaginá-los aflitos, de olhos vermelhos: “fica, Michel; você vai se recuperar, ninguém vai te destituir. Você pode nos salvar, você vai nos redimir…” Temer tenta dominar sua incerteza.

Mas, mesmo que viesse a admitir a renúncia, não o faria sem tentar negociar salvaguardas: no balão de ensaio dos últimos dias, especulações em torno de anistia para ex-presidentes — agradaria também a outros. Por impossível, trata-se, portanto, de uma bobagem: mais uma vez, quem domaria o monstro da opinião pública? Nesses termos, não há acordo; não haverá armistício com o “partido da Lava Jato” — nem para o presidente, nem para o sistema.

O racional do sistema seria, então, pisar no acelerador, agilizar a aprovação de reformas ou medidas que indicassem o bom funcionamento do governo e do Congresso. Buscando aliados e alianças para dar prosseguimento à agenda reformista, Michel Temer tem investido nesta alternativa. Bate o bumbo a cada MP, insiste que controla, mas é pouco convincente.

Quem conhece os corredores do Congresso sabe que, na planície, deputados e senadores aliados preferem jogar o corpo com tifo ao mar, de modo a salvar o barco em que se agitam. Hoje, Michel Temer é temporariamente sustentado apenas pelas cúpulas partidárias, que concluem que dar tempo ao tempo é o mais razoável a fazer — até para encontrar alternativas.

Ademais, como recuperar a popularidade com uma agenda que mal conseguiu explicar? No próximo ano, 567 parlamentares (513 deputados, 54 senadores) disputarão eleição e, novamente, o mostro da opinião pública se coloca diante de cada um: para o político típico, nada é mais importante que a renovação do mandato, a longevidade do poder. A lógica individual e interesse particular se impõem. Ninguém aceita ser o peão sacrificado.

Há mais: a cada movimento do sistema em busca de preservação, haverá movimento estratégico do Ministério Público. Promotores e juízes tem a iniciativa do ataque e se mostram mestres nesse xadrez: jogam e esperam pelo lance do adversário, previamente calculam possibilidades; mesmo cometendo equívocos, parecem estar dez lances à frente de todos. Já vislumbram o que fazer, após o TSE?

O ambiente continuará, então, assim nessa água parada à espera de definições que virão ao seu tempo; nem antes, nem depois do tempo político. O tempo da História, que define caminhos e apresenta alternativas. Os fatos precisam acontecer. Os mais experientes sabem disso: Michel Temer perdeu bispos, torres; resta-lhe a combalida rainha da economia — cercada, com pouca mobilidade — um cavalo, mudando de casa; peões aflitos. Os lances são limitados, mas ainda não há clareza de que chegou o momento de deitar o rei no tabuleiro.

Carlos Melo

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Você viaja em mim e eu oceano...♡ é o amor tem esse sabor!:
Tailândia

Tendências para a próxima estação

Fique por dentro. Vai fazer frio, vai fazer calor. Entenda isso também para o clima geral que impera na Nação, agora em dúvida real sobre o que será melhor. Passaremos mais uma estação querendo hibernar, ficar debaixo das cobertas, dormindo e acreditando que só pode ser pesadelo tudo isso

Faltam alguns dias para o inicio oficial do inverno 2017, mas ele já se desenha decisivo e em uma partida com os jogadores definidos, escalados. (Nós somos os escaldados). É um jogo novo no qual se engalfinham Três Poderes que avançam simultaneamente, em paralelo, cada um com as cartas que tem em mãos, e só se encontrarão no final da História - os que sobreviverem a este inverno - para a decisão final. Que poderá ser nossa Primavera, embora sinceramente pouco acredite nisso.

Inverno que se prenuncia quente. Escrevo agora ouvindo notícias de ataques, bombas, explosões, facadas, mais uma vez na Inglaterra, mais uma vez no coração de Londres. Mais uma vez retalhando o rosto do mundo, sempre ferido, porque onipresente em todos os atos de barbárie. E eles têm se acelerado de forma atroz, das mais variadas formas e atacando espíritos jovens e desprovidos de sentimentos de remorso que, solitários, dão suas pobres vidas para ser explodidos levando inocentes com eles. Tem também o Diabo Loiro em ação defendendo seus gases; o menino coreano e seus foguetes; os lugares todos onde vidas valem muito menos que bananas, aqui e lá.

Escrevo de São Paulo antes de um showmício marcado para um domingo de Sol que, para clamar por Diretas Já e #foraTemer vai novamente trazer artistas ao palco para tentar atrair alguma multidão, ideia repetida em um tempo que já não é mais o de outrora. Desta vez foram chamados por mais de 30 blocos... de carnaval! Quer coisa mais Brasil?

Embora admito já estar vendo esforços, de novo, já esteja até ouvindo aqui e ali clamores por união. Ouviremos muito falar em esquecer desavenças e eventos suprapartidários nesse inverno. Começam a acontecer. Me pergunto muito porque não consigo acreditar neles? Farejo uma insinceridade de propósitos. Uma falsidade nesses abraços.

Não, não sei qual a melhor opção. Outra tendência desses próximos dias será aproveitá-los para tentar chegar a alguma conclusão sobre isso. Aliás, creio que só depois dela, de alguma conclusão, as ruas assistirão novamente a grandes movimentos. No momento está todo mundo muito aturdido. Fomos roubados, ludibriados, usados, enganados. Em todas as ideologias e direções. Não sobrou um, mermão!

As cores da estação? A ausência. Intuo que deverá ser o branco, se é que se admite que a Paz ainda por ele seja representada. O vermelho tentará se infiltrar e torço para que não seja em sangue derramado que ele apareça.

A discrepância continuará forte nessa estação, com o país à deriva. Sem planejamento, as medidas não são anunciadas; são jogadas do alto dos gabinetes. Campanhas tentarão nos convencer de que o pior já passou e a gente escuta isso enquanto se defende das mordidas nas canelas.

Eles nunca decidem, e quando o fazem são desastrosos: mudam de cá para lá e de lá para cá os problemas. Para tudo usam força militar, policial.

Se sobra vacina, mandam que todos a tomem, para que a incompetência de suas sobras pareça menor. O dinheiro vivo é achado em armários e sai às ruas em malas e mochilas. Trocam seis por meia dúzia sem constrangimento, e conseguem piorar o que ninguém mais acreditaria ser possível. Vejo os olhinhos juntos do novo Ministro e me assusto com a prepotência de suas primeiras respostas e propostas.

Choques serão inevitáveis nesse inverno. As nossas originais tomadas de três pinos, exclusividade nacional, estarão ligadas em alta voltagem nas danças dessas quadrilhas, na cara-de-pau-de-sebo e nos balões de ensaio pela salvação que soltarão aos céus.

Seja o que Deus quiser.

Marli Gonçalves

O custo do desaste dilmista

O efeito da desastrosa gestão econômica durante o governo de Dilma Rousseff aparece com toda nitidez no mais recente relatório do International Institute for Management Development (IMD) sobre competitividade em 63 países. Desde a primeira eleição de Dilma, em 2010, quando alcançou sua melhor classificação, o Brasil perdeu 23 posições no ranking, caindo do 38.º para o 61.º lugar, ficando à frente de apenas duas outras economias. Uma delas é a Venezuela, destroçada econômica e politicamente pelo governo bolivariano de Nicolás Maduro; outra é a Mongólia.

O estudo World Competitiveness Yearbook, que é publicado desde 1989 pelo IMD – uma das mais reputadas escolas de administração do mundo, com sede em Lausanne, na Suíça – com a colaboração local da Fundação Dom Cabral, mostra a contínua queda do Brasil na classificação geral desde que Dilma chegou ao governo. Havia a expectativa de melhora da posição brasileira entre 2016 e 2017, em razão do impeachment de Dilma Rousseff e da posse de Michel Temer à frente de um governo com um programa de reformas destinadas a criar as condições para a retomada do crescimento. Mas isso não ocorreu.

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Neste ano, o Brasil perdeu quatro posições, em razão, sobretudo, do aprofundamento da recessão iniciada em 2014, do aumento do desemprego e da revelação da extensão da corrupção na estrutura política e empresarial do País. No item corrupção, o Brasil ocupa a penúltima classificação no ranking do IMD, à frente apenas da mesma Venezuela dominada pelo governo de inspiração chavista.

Os dados relativos ao Brasil foram compilados antes do surgimento da mais nova crise política, provocada pela divulgação de gravações de conversas do empresário Joesley Batista com políticos, entre eles o presidente Michel Temer. Mesmo que os efeitos da atual crise tivessem sido computados a posição do País não pioraria. Mas isso não chega a ser um consolo, pois os últimos colocados estão em situação muito pior.

Há no estudo do IMD pontos bastante positivos para o Brasil, como sua resistente capacidade de atrair investimentos estrangeiros diretos, que totalizaram US$ 78,9 bilhões no ano passado e, segundo projeções do Banco Central, devem alcançar US$ 75 bilhões neste ano. É uma indicação importante para o momento em que a crise política for superada e a economia der sinais de recuperação. Outro item em que o País ocupa boa colocação é o referente a risco financeiro, no qual ocupa a 33.ª posição, bastante baixa se comparada com a classificação geral.

Mas os graves e óbvios problemas do País o arrastaram para as últimas posições do ranking do IMD. A aguda recessão econômica, o aumento expressivo do número de desempregados, a queda da renda da população e, no plano político e administrativo, a ineficiência das ações de um governo duramente afetado pela corrupção e, sobretudo, o alcance que as práticas ilegais alcançaram no setor público, entre outros problemas, contaminam a atividade econômica e corroem a competitividade.

Os problemas mais recentes somam-se a antigos e ainda não resolvidos, como a baixa qualidade do ensino. Embora ocupe a 8.ª posição em gastos públicos com ensino, o Brasil obteve apenas a 62.ª colocação, a segunda pior do grupo, em qualidade da educação. Se não se preparar adequadamente, o País continuará a ficar para trás na classificação mundial quando se considerar o que os técnicos chamam de competitividade digital. Capacidade de produzir conhecimento e de adaptação a mudanças tecnológicas é item determinante dessa competitividade, mas o Brasil, como outros países latino-americanos, tem investido muito pouco em pesquisa e desenvolvimento.

Professora da Fundação Dom Cabral, Ana Burcharth disse ao Estado que o problema é que, enquanto o Brasil não sai do lugar, outros países evoluem. Se providências não forem tomadas a tempo, a distância tenderá a aumentar.

Catástrofes nem sempre naturais

No país em que autoridades abraçam bolsas e malas de dinheiro vivo – vide o caso de Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor especial do presidente Michel Temer –, a cena da menina Rivânia, 8, agarrada a uma mochila para tentar salvar seus livros, comove e alivia a depressão provocada pelo noticiário político.


A criança escapava da enchente, em cima de uma jangada, no distrito de Várzea do Una, município de São José da Coroa Grande, na zona da Mata Sul de Pernambuco. Derradeiro domingo de maio. Na agonia para deixar a casa, não teve dúvidas em salvar o que mais lhe importava. A foto de Rivânia grudada na mochila, como circulou na internet, nos toca agora como uma obra de Charles Dickens chacoalhava um leitor inglês no século XIX. Como o assunto é do mundo livreiro, que me permita a viagem literária.

Corta para o sr. Loures salvando aquela mala cheia de grana da JBS, conforme as delações recentes. O sr. Loures não fugia de nenhuma tormenta, o sr. Loures aparentava uma certa tranquilidade no café gourmet onde aconteceu o encontro, nos arredores do shopping Iguatemi, cartografia luxo só de São Paulo. No tráfego, sim, estava nervoso, segurou firme a maleta com a bagatela de R$ 500 mil, entrou resfolegante em um veículo, com o profissionalismo de quem jamais seria descoberto. Sorria, sr. Loures, você estava sendo flagrado pela PF.

O sr. Loures não estava tentando escapar de nenhuma catástrofe ou reviravolta climática. Esqueceu de lembrar, porém, que dinheiro na mão é vendaval, como alertou a música de Paulinho da Viola para o tema de "Pecado Capital" (1975), novela de Janete Clair na TV Globo. O sr. Loures, no barco reformista do chefão Temer, se sentia muito seguro – só interessaria à PF e ao Ministério Público as falcatruas do passado, jamais a missa de corpo presente. Qual o quê! Caiu feito um patinho da Fiesp.

Viajemos, de novo com Dickens, sem lengalenga, para a enchente da zona da mata nordestina. No ponto geográfico onde o rio Una, que passa no quintal de Rivânia, se encontra com o oceano Atlântico. Lá também viveram os valentes índios caetés. Marzão bonito da gota serena. Os livros da menina que não roubava nada ou ninguém estão a salvo da cheia que castiga Pernambuco e Alagoas. Na região, todavia, cerca de 30 mil desabrigados carecem de um tudo. Os quinhentinhos da mala da propina resolveriam um bocado de besteirinhas.

Aí são outros quinhentos, sr. Loures, vossa excelência como "Trezentão da República de Curitiba" sabe muito bem do que se trata. O trezentão, que me desculpe o leitor cheio de justa moral, roubei do título do primoroso perfil do ex-assessor de Michel Temer escrito pela jornalista Maria Cristina Fernandes no jornal Valor. Recomendo a leitura. Trezentão é tradição e riqueza familiar. Seria o equivalente curitibano a um quatrocentão da capital de São Paulo. O moço tem pedigree, opa, não se trata de um esfomeado emergente.

Fechamos por aqui, chega, antes que me lembre de algum personagem de Dalton Trevisan, o mais curitibano dos vampiros, e saia a viajar de novo no mundo dos livros. Viva a menina Rivânia!

Xico Sá

Paisagem brasileira

Jardim de Maytrea (GO), Guilherme Motta

Um bandido para chamar de meu é o lema dos petistas

O fundamentalista Rui Falcão chamou de “heróis do povo” os presidiários Zé Dirceu e João Vaccari Neto, dois petistas notórios da organização criminosa chefiada por Dilma e Lula, segundo as investigações da Lava Jato. “Quero prestar solidariedade aos nossos companheiros perseguidos e injustiçados, não só ao Zé Dirceu, mas também a João Vaccari Neto”. Pois é, cada um tem o herói que merece, que pode levar para casa e acabar de criar. Mas, por favor, não fale em nome do povo e não meta o povo no meio dessa corja ensandecida que se especializou em roubar o dinheiro desse mesmo povo, que a petezada ainda faz de joguete para os seus interesses eleitorais.

Falcão deixou a presidência do PT. Falou pelo partido no 6º Congresso Nacional em Brasília. Aproveitou para reutilizar antigas e manjadas palavras de ordem quando acusa a Lava Jato de ser um “mecanismo de exceção” para beneficiar empresários corruptos. O mundo mudou, mas Falcão recorre ao seu baú para resgatar palavras que ainda continuam no dicionário ideológico dos fundamentalistas que não avançaram no tempo. Olha que preciosidade de Falcão: “É preciso nos voltarmos contra os mecanismos de exceção, que também estão na Lava Jato. A pretexto de combater a corrupção, beneficiam corruptos que vão para o exterior e colocam nossos companheiros na prisão”. Entendeu bem o discurso do Falcão? Parece que está no mundo da lua, ouvindo os discos de vinil da Celly Campelo (“Banho de Lua”) e de Renato e seus Blue Caps (“Feche os Olhos”).
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Mas os elogios aos “mártires” petistas não se reservaram apenas ao discurso biruta do fundamentalista-chefe da receita lulista. Ele foi mais longe. Dedicou o painel do PT que enfeitou o congresso aos presidiários do partido. Lá estavam, lado a lado, Zé Dirceu e Vaccari disputando espaço entre as fotos de Lula e Dilma. Sabe por que Falcão continua a prestigiar o ex-tesoureiro do partido? Porque ele ainda não abriu o bico. Prefere amargar sozinho os dias dentro do presídio a entregar os chefes da organização criminosa.

Falcão não mencionou o nome de Palocci em nenhum momento. Treme quando ouve falar no ex-ministro da Fazenda. Tem a certeza de que a deleção do homem que conduziu as finanças ilegais das campanhas de Lula e Dilma derruba a casa deles e esvazia a presunção de Lula de que é mais honesto do que “Cristo”, como disse em uma de suas bravatas regada a goles de uma boa cana.

O presidente do PT deixa o cargo e um rastro de corrupção nunca visto dentro de um partido político. Durante o tempo em que lá permaneceu foi fiel aos companheiros militantes, principalmente aqueles como Zé Dirceu e Vaccari que continuam em silêncio para proteger os outros integrantes da gang da organização criminosa. Por isso foram homenageados como “heróis do povo”. Se tivessem dedurado, teriam sido execrados como foram outros membros do partido que não suportaram a pressão dos interrogatórios e o abandono a que foram relegados pelos líderes quando foram presos.

É assim mesmo. Enquanto os presidiários petistas acharem que Lula ainda tem chances de se eleger vão continuar de bico fechado. Se a casa desmoronar, será um Deus nos acuda. A percepção de que os alicerces ruíram já foi detectada por Palocci que não quer mofar na cadeia enquanto seus asseclas gozam de liberdade vigiada. Por isso começou a entregar o Lula, empresários e banqueiros que criaram um pacto indissolúvel para dilapidar o patrimônio dos brasileiros com empréstimos fraudulentos e manipulados nos bancos estatais.

Fora da presidência do partido, Falcão não perde por esperar até Palocci abrir o bico. Aí sim, o povo, mais uma vez, vai conhecer os seus verdadeiros heróis – os investigadores da Lava Jato.

Vulvívagas

Salão da Rue des Moulin, Toulouse-Lautrec
Me lembrei da Cafetina Capixaba porque ainda não apareceu nada parecido com ela nos nossos escândalos de cada dia e nas revelações sobre nossos corruptos

Temer resiste, entre acordão e depressão

O Brasil vai passar pelo maior período de regressão econômica desde o início do século 20, "agora é oficial". Além disso, vive uma guerra civil por outros meios, que não são os meios da política, mas do conflito institucional.

Descendo desse panorama depressivo à vulgaridade dos dias que correm, a definição do destino de Michel Temer deve causar repulsa à larga maioria dos brasileiros. Aumentaram as chances de que o presidente resista no cargo. Caso sucumba, a coalizão no poder será reposta por si mesma, por eleição indireta, a não ser talvez em caso de insurreição nas ruas.

Ainda que a solução atenda a desejos pragmáticos da elite de empresas e finança, é quase certo que o programa reformista saia avariado da crise e que o crescimento seja ainda mais rebaixado até 2018.


Pode ser ainda pior caso Temer, o Terrífico, permaneça no Palácio do Planalto sangrando a cada batida da polícia, a cada vazamento de inquérito. Mais: embora tenha votos para evitar um remoto impeachment, o presidente mal controla metade dos votos do Congresso, dizem seus aliados.

O crescimento deste ano vai sendo revisto de quase nada para nulo ou menos que isso. Será de qualquer modo o quarto ano de regressão do PIB per capita, um quadriênio de redução de renda maior que o de 1981-84, que ajudou a dar cabo de uma ditadura: quase 10% de perda, uma situação de guerra.

Talvez o desespero seja menor agora, pois a proteção social é muito mais ampla; a renda média é o dobro da registrada nos 1980. Mas o povo não mede sua revolta por comparações estatísticas, nem existe termômetro que alerte para explosões nas ruas.

A crise política, por sua vez, é apenas parte de convulsão maior, um combate cada vez mais extremado entre parte do sistema de Justiça (juízes, procuradores, polícia) e o sistema político. Isso é óbvio, mas são menos
evidentes as consequências da radicalização do conflito.

O sistema político vai combater pela sua sobrevivência. Vai se tornar mais repulsivo aos olhos do eleitorado quanto maiores o acordão ou a chicana que consiga aprovar. A Procuradoria-Geral se torna mais agressiva. Em semanas, deve denunciar políticos graúdos às carradas e irá à jugular de Temer. Levará o caso ao Supremo, que terá então de decidir se afasta o presidente para o processo.

Até a última flutuação dos humores político-judiciais, os relatos eram que Temer venceria no Tribunal Superior Eleitoral. Quanto aos donos do dinheiro grosso, a revolta com a nova instabilidade político-econômica, que era muda, se tornou gritante atrás das cortinas. Com ou sem Temer, quer-se o fim do tumulto, tanto faz quem seja o regente reformista.

Na política politiqueira, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, se tornou a solução mais provável para uma cada vez mais improvável queda do presidente. O PSDB foi isolado por afoiteza, soberba e rachaduras internas.

A coalizão no poder talvez resista sob o comando de uma aliança dos partidos carcomidos maiores, coadjuvantes nos últimos quase 30 anos: DEM e PMDB.

Em suma, estão dados os motivos de um voto de grande revolta na eleição do ano que vem: repulsa política e sofrimento econômico enormes. Aduba-se o terreno para candidaturas e programas aventureiros.

Em que mundo você vive?

Somos o que escolhemos ser. Somos eternos coletores e exploradores da realidade externa. No início do tempo, nosso foco era caçar, defender-nos de feras, abrigar-nos e temer o escuro das noites, acasalar, lutar entre nós por liderança, hierarquia ou contra bandos contrários.

Fêmeas buscavam proteger suas crias e conseguir a proteção de um macho dominante. E, ainda, havia deuses que infligiam castigos, como raios, trovões, frio mortal e seca implacável.

O mundo mudou. Hoje, a caça é o dinheiro. Fêmeas aprenderam a caçar, domamos a escuridão, explicamos fenômenos climáticos, nos socializamos... Será? Ou, cada vez mais, cada um vive na sua?

Tá chovendo de gente vivendo numa rodinha de hamster... Indo de segunda à segunda fazendo as mesmas coisas que ODEIA. O mundo não vive só de empreendedores mas quando um empregado não tá satisfeito com o que faz e vive com esse peso nas costas tá na hora de mudar. Pare de andar na mesma direção o tempo todo. Tenta dar um passo pro lado direito ou pro esquerdo ou em qualquer direção diferente da atual que você não gosta. =) Vá Mais Longe:
Parece que existem infinitas realidades paralelas e janelas que nos levam a incontáveis mundos. Tais janelas, chamadas de “telas”, apresentam-nos diversas versões da realidade; em geral, falsas, fantasiosas, ilusórias e irreais. Todas altamente viciantes. E o pior: para a mente humana, reza a psicologia de que “pensar é igual a agir”. Pergunto: para qual janela você olha e que representa seu mundo e sua realidade? Se for a tela de TV, segue a realidade paralela de sua novela, sentindo as emoções em que aquela fantasia te faz mergulhar? E isso te faz esquecer o marido bêbado e indiferente e os filhos problemáticos? Ok, sua prisão domiciliar tem na fantasia um mundo seu. Basta olhar a janela, mesmo que sozinha.

E você, malcasado, endividado e insatisfeito com tudo. Seu mundo próprio é a janela de aplicativos ou redes de paquera na internet?

O que antes era platônico e romântico hoje é virtual e na tela (janela) de seu quarto. Não há pecado, e essa fuga toda noite te ajuda a voltar ao presídio da vida rotineira e mal-humorada.

No quarto ao lado, o adolescente tem seu mundo conflitivo. Mas, hoje, pode, na tela de seu game, despejar sua agressividade, seu descontentamento com os adultos, sua oposição ao mundo, por meio de seus jogos violentos, matando adversários, transgredindo, usando redes para detonar, exibir e se destacar. Antes, as brigas de esquina ou de escola; hoje, ataques cibernéticos que resultam em suicídios ou na exibição de nudes e de sexo para todo o universo online, numa cicatriz que nunca será revertida.

O certo é que podemos, a cada dia, escolher a melhor ou a pior realidade. E, ao jogarmos para dentro da mente, os pensamentos, os sentimentos e os desejos resultantes dessa escolha, definimos nossos humor, estresse, felicidade, relaxamento, medos, e por aí vai.

Cada um de nós é o único responsável pela realidade e pelo mundo que se opta viver. Mas adoramos criar culpados: cônjuges, familiares, colegas de trabalho, vizinhos e políticos em geral. O “outro” é sempre a desculpa, a justificativa, para transformarmos a existência num inferno, pois viver bem requer, antes de mais nada, parar de reclamar e agradecer a experiência de cada novo dia. Semeie sem esperar a colheita.