sábado, 3 de junho de 2017

Charge O TEMPO 3.6.2017

Michel Temer faz o jogo do contente

A obra é famosa, embora secundária; Poliana, de Eleanor Porter, retrata uma menina de bom coração, que enxerga o mundo com lentes cor-de-rosa; em tudo ressalta o lado positivo, aprendera com o pai a jogar o “jogo do contente”. Ao longo de mais de um século, o título tornou-se adjetivo, expressa o comportamento dos muito ingênuos ou dos muito cínicos — os que se fazem passar por Poliana.

Na quinta-feira, 1º. de junho, Michel Temer resolveu jogar o “jogo do contente”, que, provavelmente, aprendeu com seu marqueteiro de ocasião ou com os estrategistas do desespero que o cerca. Em seu Twitter, o presidente declarou que “acabou a recessão! Isso”, diz ele, “é resultado das medidas que estamos tomando. O Brasil voltou a crescer. E com reformas vai crescer ainda mais”. Viva! O país deve festejar ou ter vergonha alheia de uma manifestação patética?


Embora haja fluidos positivos na economia, o presidente aposta, é certo, num jogo de sinais; precisa de sombras e qualquer biombo lhe serve. Em 133 caracteres, pretende fazer supor que redefiniu a tempestade, transformando-a em bons ventos. É o que lhe resta. Mas, não é bem assim: nem o IBGE — preocupado com a reputação que tem — é capaz de referendar a opinião do chefe. Só falta mesmo agora que Temer lance mão do tal “espetáculo do crescimento”.

O presidente esboça o “deixa o homem trabalhar”, usado por Lula, após a crise do Mensalão; o petista parece ter sido mais original. O que não explica — como também Lula não o fez — é, porém, quem o importuna; quem o impede de desarrolhar todo seu potencial. Certamente, a oposição não é — atarantada que está nas mesmas teias que o governo, a aposição não há — para além do tumulto que tenta despertar.

Tampouco, há um complô de mídia: os jornais, na verdade, se dividem, mas nenhum deles pode ser classificado como instrumento de oposição: retrata-se o que sai tingido na foto cotidiana do governo Temer. Afirmar, por sua vez, que seja o Ministério Público o inimigo que não deixa Temer trabalhar também parece impreciso: promotores reagem aos indícios que recolhem; o fizeram com Dilma e a turma que hoje está no governo afirmava que todas as decisões da Lava Jato eram, ao final, referendadas pela Justiça. O que mudou?

É claro que Michel Temer não é ingênuo; faz o tipo Forrest Gump, mas não é exatamente assim. Menos ainda está para uma inglesinha romântica, de sainha plissada e lencinho cor-de-rosa; na política brasileira, não há lugar para almas assim – talvez, em nenhum lugar do mundo. Menos ainda no PMDB, onde a ingenuidade foi reprovada no berçário. Temer sabe que qualquer melhora do cenário econômico lhe servirá de álibi, de muleta, e é nisso em que se escora. Não se trata de ilusão.

Os inimigos do presidente são, antes, os fatos. Os fatos e mais ninguém. Todo o resto — oposição, aliados, mídia, Ministério Público e Justiça — são pacientes desses fatos, passageiros de sua agonia. Fatos que fazem de Michel Temer esse refém perdido, travestido de Poliana; jogando o “jogo do contente”, buscando parceiros entre os distraídos, os desinformados e os de intenção duvidosa.

Carlos Melo 

O abraço dos afogados

Enquanto aguarda a qualquer momento ordem de prisão, por atos de corrupção numa escala sem precedentes na História, Lula, a bordo de seis inquéritos criminais, finge que quer eleições diretas - e estimula uma falsa hostilidade a Michel Temer.

Nos bastidores, porém, negocia não apenas com ele, mas com outro falso inimigo, o senador tucano Aécio Neves. Os três têm algo em comum: complicações com o Código Penal, que não se resolvem apenas com os contorcionismos jurídicos de seus advogados.

É preciso recorrer à política, atividade em tese voltada à gestão dos interesses da coletividade, mas, nos dias que correm, pretexto às mais variadas formas de truques e heterodoxias.

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Michel Temer, que já havia sofrido escoriações nas delações da Odebrecht, foi atingido em cheio nas da JBF. Não bastasse, seu ex-assessor Rodrigo Loures, flagrado com uma mala de dinheiro – R$ 500 mil em propinas da JBF -, que, segundo os delatores, se destinariam ao próprio presidente, perdeu o foro privilegiado.

Suplente de deputado pelo PMDB do Paraná, teve de devolver a vaga a seu titular, Osmar Serraglio. Este deixou o Ministério da Justiça, substituído por Torquato Jardim, e recusou a manobra de ir para o Ministério da Transparência, para manter o ex-assessor de Temer guarnecido pelo foro privilegiado.

Loures pode ser preso a qualquer momento e, pior, negociar uma delação premiada. Trata-se de alguém que o presidente mencionou como de sua “mais estrita confiança”. Mas há mais: começa a ganhar visibilidade outro personagem que opera no universo paralelo do presidente, o coronel João Baptista Lima Filho.

Segundo Ricardo Saud, executivo-mor de Wesley e Joesley, o coronel, na reta final da campanha de 2014, teria sido receptador de R$ 1 milhão em espécie, entregues na sede de uma de suas empresas, “conforme indicação direta e específica de Temer”.

O dinheiro, segundo o delator, era parte de um acerto de R$ 15 milhões feito com Temer. Os investigadores foram ao escritório do coronel e lá encontraram comprovantes de pagamento e recibos de despesas de familiares e também do próprio presidente.

Em uma caixa, havia recibos de pagamentos de reforma da casa de uma filha de Temer, Maristela, além de planilhas com movimentações bancárias e programação de outros pagamentos.

Juridicamente, a situação se complicou – e o jeito é aprofundar as manobras. No STF, o julgamento de restrições ao foro privilegiado, que não interessava nem a Temer, nem a Lula ou Aécio – e se prenunciava vitorioso -, foi interrompido por um inesperado pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, o único indicado por Temer e seu ex-ministro da Justiça.

Para conter seus adversários na área sindical, Temer acertou com Lula a manutenção do imposto sindical na reforma trabalhista, que, além de nutrir uma elite milionária de pelegos, provê a máquina petista para manifestações como as da semana passada na Esplanada dos Ministérios, contida apenas pela chegada do Exército.

O PT, ao tempo em que não se opõe à continuidade de Temer, em cujo desgaste e strip-tease político busca salvar sua própria reputação, raciocina também com a hipótese de sua saída.

Nesse caso, mesmo se abstendo de votar no colégio eleitoral, vê com bons olhos a chapa Rodrigo Maia (DEM)-Aldo Rebelo (PCdoB), que está sendo costurada no Congresso para o período de transição até 2018. O “diretas já” não passa de encenação.

Lula sabe que o favoritismo que as pesquisas lhe atribuem é falso e decorre de um truque: a diluição dos votos dos seus adversários em candidaturas hipotéticas como a de Sérgio Moro e Joaquim Barbosa. Com 20% de simpatizantes e 60% de rejeição não vai a parte alguma. Mas sabe que a popularidade do passado recente ainda infunde medo aos adversários – e o explora.

Com isso, busca consolidar a imagem de perseguido político. A realidade, porém, é outra. Faz pouco mais de sete meses que fracassou na tentativa de eleger vereador, em São Bernardo, onde vive há meio século, um enteado. E não impediu que o PT perdesse nada menos que 75% das prefeituras que detinha.

Já Aécio vive a mais incômoda das situações. Administra o choque da quebra de sua imagem, que há três anos empolgou 51 milhões de eleitores, que o supunham paladino do antipetismo.

Mesmo os que não o estimavam não o imaginavam de tal forma mergulhado no mesmo submundo. Afastado da presidência de seu partido e do mandato de senador, com a irmã, Andrea, presa, manobra para sobreviver ao Conselho de Ética do Senado, em cuja composição influiu, sugerindo os nomes de alguns de seus juízes.

Se sobreviver, terá o guarda-chuva do foro privilegiado, que os amigos Temer e Lula se empenham em preservar.

Diretas Já (modo Venezuela)

Essa sessão nostalgia da política brasileira foi uma grande sacada. O episódio das Diretas Já em Copacabana foi emocionante. Você se sente realmente no túnel do tempo, é muito bem feito.

Dizem que estão preparando o do comício da Central do Brasil, o da passeata contra a Guerra do Vietnã e um especial sobre o choro de Maria da Conceição Tavares no Plano Cruzado. Só épicos. Vamos aguardar.

O remake das Diretas foi lindo, só houve um mal-estar. Ao final do episódio — que teve o mesmo elenco das manifestações em defesa da quadrilha simpática de Dilma Rousseff — o cenário estava impecável. Isso não foi legal. Vitrines intactas, ônibus e orelhões idem. Falha elementar de produção, que precisará ser corrigida no próximo capítulo. A família revolucionária brasileira não aceitará essa afronta novamente.

Charge do dia 03/06/2017

Vida de black bloc não é fácil. Você passa uma existência sendo atiçado por freixos e caetanos, e na hora da festa deles não te deixam soltar um mísero rojão na cara de ninguém. Não é justo.

E não é só isso. A parte mais bacana, que é fustigar a boçalidade da polícia para descolar umas bombas de gás e brincar de “Os dias eram assim”, também foi cortada.

É duro ter o seu talento dramático cerceado a esse ponto, e terminar na praia dançando música de protesto. Mas um guerreiro tem que estar preparado para as provações mais duras. Caminhando e cantando e seguindo o cifrão.

O que ninguém pode negar é que, antes dessa genial sacada dramatúrgica, a vida nacional estava caminhando para o marasmo. Inflação e juros caindo, níveis de risco idem, Petrobras saindo das emocionantes páginas policiais para a entediante seção de economia, reformas sendo tocadas por aqueles nerds que fazem tudo certinho e não são candidatos a nada. Uma chatice.

Graças a Deus surgiram roteiros decentes, como a escapada espetacular dos bilionários irmãos Batista para Nova York, depois de uma conversa franca e patriótica com o companheiro Janot. A emoção está de volta.

Morreu mais um pintinho esta noite. A mensagem cheia de compaixão pode parecer linguagem cifrada, neste mundo mau. Mas é verdadeira, porque ainda existe gente com sentimentos, capaz de se importar com os animais. O mensageiro da dor, no caso, é o caseiro do sítio de Atibaia, que não é do Lula. Essas coisas o fascista Moro não vê.

A mensagem sobre a morte no galinheiro foi enviada ao Instituto Lula — e aí as lágrimas brotam: um homem que foi presidente da República se importar com a vida de um pintinho, num sítio que nem é dele... É de cortar o coração.

Hoje sabemos que Lula não se importava só com os pintinhos. Preocupava-se muito com as vaquinhas. Foi por isso que ele mandou o BNDES — um banco até então sem a mínima sensibilidade para com os animais — ajudar na causa, depositando alguns bilhões de reais nas boiadas certas.

Não se pode confiar na Justiça terrena (como se vê pela perseguição implacável a este homem bom), mas a justiça divina não falha: mesmo após a delação demolidora de João Santana (quem se lembra disso?), Lula e Dilma estão em paz, assistindo de camarote ao bombardeio ao inimigo. Deus ajuda quem ajuda os animais.

A falha imperdoável de produção no remake das Diretas Já em Copacabana, felizmente, não ocorreu em Brasília. Ali sim, o episódio da série foi perfeito.

Aqueles ministérios que passaram 13 anos emocionando o Brasil — num enredo eletrizante protagonizado por Erenice Guerra, José Dirceu, Paulo Bernardo, Gleisi Hoffmann e grande elenco — andavam às moscas. Ultimamente, viam-se servidores públicos administrando e até obtendo resultados socioeconômicos — praticamente uma morte em vida.

Aí os revolucionários do povo perderam a paciência que tiveram nesses 13 anos dourados e cercaram a Esplanada. A direção de cena dessa vez foi impecável: os gladiadores da democracia tomaram uma dose redobrada da porção de mortadela e quebraram tudo. Foi bonito de se ver.

O Verissimo até falou que o Exército na rua lembrou a vida em 64! Viram como não é difícil produzir direito?

Dizem que no sensacional episódio “Brasília em chamas” a técnica de produção foi toda venezuelana. É possível, sabendo-se que a junta democrática que está tentando tomar o poder na mão grande (mas sem perder a ternura) inclui simpatizantes de Nicolás Maduro, conhecido como Senhor Diretas (no queixo).

Aliás, se no próximo episódio o pessoal substituir a MPB pela guarda chavista, as Diretas Já passam na hora — não precisa nem de voto.

O Brasil está mudando para melhor. Na época da Dilma era um drama para o Supremo autorizar investigação dos mandatários — mesmo com as obras completas da Lava-Jato transbordando sobre as divinas togas. A denúncia já vinha amortecida, ficava lá estacionada na sombra, e o Brasil ainda tinha que ouvir o despachante Cardozo chorando inocência. Agora, não: Janot mandou, Fachin homologou. Primeiro mundo.

Vai nessa, Brasil. Sem medo de ser feliz. Mas anda logo, que agora o país saiu da recessão (volta, Dilma!) e daqui a pouco vai ficar mais difícil ganhar no grito.

Gente fora do mapa

Shahnewaz Karim

É hora de decidir

Na semana em que se comemorava a elevação do índice de crescimento, após quase três anos de recessão, o Brasil foi surpreendido com a notícia da delação de Joesley Batista, dono da comprometida JBS, com provas avassaladoras de corrupção na República, em especial trazendo uma gravação de conversa do delator com o presidente Temer no porão do Palácio Jaburu, além de relatos de relações nada republicanas entre ambos. No exato instante de a economia do País decolar, surgiu um nevoeiro surpresa em forma de crise política de cunho moral. Como fazer de conta estar o campo aberto para pousos e decolagens, quando não se vê um palmo à frente?

A República cobriu-se de vergonha: o presidente ouvindo, com expressões abonadoras, relatos de empresário bandido sobre obstrução de justiça, além do flagrante de mala de dinheiro colhida por deputado de sua confiança como retribuição por interferência em futuras decisões do Cade. E, ainda, dois ex-presidentes, Lula e Dilma, com milhões de dólares no exterior.

Temer tentou, num lance de roque, mudando as peças do tabuleiro, reforçar sua defesa com a transferência de Torquato Jardim para o Ministério da Justiça, a demonstrar que lutará em todas as frentes para tentar salvaguardar seu mandato, malgrado a enrascada em que se envolveu. Pedido de impeachment foi apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, mas seu prosseguimento depende de despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Os partidos que dão sustentação a Temer estão sob pressão das bases: diretórios dos Estados e muitos deputados federais e estaduais advogam o desembarque do governo. Consequência da rejeição aos atos praticados e também uma conduta de cunho pragmático, uma exigência de sobrevivência diante da queda ainda maior da aprovação do presidente, pois nada se lucra em estar com ele abraçado.


Nesse caótico quadro, a data do julgamento no TSE da ação para declarar o abuso do poder econômico da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014 passou a ter um caráter de divisor de águas, como se a Justiça Eleitoral pudesse vir em socorro da crise política para resolver o que os políticos não têm o destemor de fazer. Surgem, também, as soluções mágicas: se antes diziam caber ao TSE preservar o mandato de Temer, considerando haver contas separadas para cassar Dilma, mas não o seu vice, agora, com a crise, o caminho seria cassar também o vice.

Em seguida, cumpriria declarar vago o cargo de presidente e em uma semana estaria tudo resolvido, com a eleição indireta de um nome de “consenso”. Muitos dos implicados nas falcatruas de nossa República – mormente diante da futura delação de Palocci, que faz tremer parte do setor financeiro – acrescentam a essa solução fácil também o milagre de o novo presidente, nome de consenso, vir a conter, dentro de limites aceitáveis, a ação da Operação Lava Jato, que tantos prejuízos econômicos estaria causando ao País!!!

A imaginação dos culpados é fértil para tentar encontrar caminhos quando o do processo penal não é mais suficiente à sua defesa. Surge, então, o discurso de ser necessário lutar contra a corrupção, pero no mucho, tal como ocorreu na Itália, pois o sistema político precisa ser preservado com os temperos que lhe são próprios, o que seria da “nossa cultura”. Assim, ao comportamento medroso de não tomar atitudes, transferindo para o TSE a decisão, soma-se a fala cínica dos “meio éticos”.

Sucede, contudo, não ser essa a realidade que se avizinha. Ministros do TSE poderão pedir vista do processo. Até mesmo decisão por separar a chapa é possível. Havendo condenação de Dilma e de Temer, certamente ambos recorrerão e no recurso ao STF normalmente é concedida liminar para dar efeito suspensivo ao recurso. Aos partidos da base governamental, portanto, não é dado contar com o TSE para efetivar a decisão que eles não têm a força de tomar, qual seja, a de afastar Temer. Essa tarefa é deles, seja ao não lhe concederem condições políticas, desembarcando do governo, seja por darem andamento ao impeachment.

E agora? O que devem fazer os partidos da base governista, diante do desfazimento da data mágica de 6 de junho, que será apenas mais um dia do calendário? Fazer de conta que nada aconteceu no porão do Jaburu? É possível ignorar os atos cometidos, ou seria cabível, em vista da expectativa de melhora da economia, ignorar o nevoeiro e declarar estar o céu claro para pouso e decolagem? Dever-se-ia aguardar o fim do inquérito instaurado no STF para decidir se Temer fica ou sai? Manter um governo fraco, que a tudo cederá?

Em face do decoro e da honra que devem revestir a ação presidencial, não é possível desconhecer a afronta grave à moralidade, com a escusa de se visar a contribuir para a recuperação da economia. Ao contrário, a eleição indireta, segundo a Constituição, de novo presidente dará mais ímpeto ao crescimento econômico, que apenas desponta. E ainda por cima será saudável um presidente não ameaçado de perda do cargo, com popularidade possível de conquistar.

O exemplo de rigor na exigência de comportamento digno e honrado do presidente será positivo para a economia e para o futuro neste instante de moralização da administração pública. O inverso será muito deseducador.

Por outro lado, as redes sociais e as ruas impedem que se tente paralisar a ação de persecução penal desvendada com a Operação Lava Jato contra o desvio do dinheiro público pelos eleitos pelo povo e constrangem a que a escolha do novo mandatário recaia sobre pessoa dotada de firmeza na continuidade da correção dos costumes políticos.

Agora é a hora dos partidos políticos, integrantes da base do governo, decidirem que presente e futuro reservam ao País e a si mesmos. É o momento de esses partidos não contarem a não ser com a própria coragem, se a tiverem.

Malfeitor solto dá nisso

No aconchego da prisão domiciliar graças à complacência da Justiça com malfeitores graduados, José Dirceu sente-se à vontade para fazer ameaças e debochar da cara dos brasileiros decentes. “A coalizão golpista deu origem a um governo abarrotado de históricos corruptos”, afirmou em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo o homem que um dia comandou o PT, foi braço-direito de Lula durante o Mensalão, responde à acusação de ser sócio-fundador do Petrolão e continuou a engendrar manobras obscuras mesmo na cadeia.

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Se um dia se declarou quase convencido da própria inocência, ele agora parece plenamente convencido da credulidade popular. Só parece. Sabe muito bem que apenas devotos de seitas que cultuam corruptos de estimação são capazes de crer que houve um golpe, que ele é um guerreiro do povo brasileiro, que Lula de nada sabia e que a culpa é da Marisa Letícia. Não apenas finge acreditar na reconquista do poder nas urnas, como desdenha disso. “Podemos até vencer, mas sem ilusões: sob quaisquer circunstâncias, nosso norte é o avanço no rumo de uma revolução política e social, democrática”, prossegue em seu delírio o sujeito envolvido na montagem do maior esquema de corrupção da história. “Pela força das ruas, se nossas elites continuarem de costas para a nação”, ameaça o ex-guerrilheiro cujos únicos disparos que experimentou até hoje foram os verbais, desferidos contra a verdade e a lógica.

José Dirceu não reivindica indulgência das vítimas, tampouco a oferece: “Não há espaço para conciliação”, decreta. Malfeitor solto dá nisso.

Cuidado com o andor

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Senado Federal estão dando andamento a medidas que restringem drasticamente o instituto do foro privilegiado, como se estivessem a apresentar, cada um na sua esfera, uma resposta aos anseios da população por menos impunidade no País. O tema merece, no entanto, uma análise mais serena sobre o sentido da prerrogativa de foro e os bens que ela protege, bem como sobre as reais causas da impunidade dos poderosos. Uma atuação abrupta pela simples abolição da competência especial em razão do cargo público pode expor as autoridades a ilegítimas pressões, além de não contribuir para o combate à impunidade.

Na quarta-feira passada, o STF iniciou o julgamento da ação que trata do alcance do foro privilegiado. Em seu voto, o ministro-relator Luís Roberto Barroso defendeu a tese de que a prerrogativa de foro deve valer apenas para os crimes cometidos durante o exercício do mandato e os fatos que estejam relacionados com as funções desempenhadas no cargo. Barroso também sustentou que, se já estiver na fase das alegações finais, nenhuma ação penal deveria mudar de instância em razão de o réu assumir um cargo que lhe dê foro especial.


Com isso, o ministro Barroso almeja uma drástica redução dos processos penais no STF. Se sua tese prevalecer, disse ele, o Supremo ficaria com apenas 10% das ações penais que atualmente tem. “O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio ao Supremo, traz impunidade”, afirmou o ministro. O julgamento foi interrompido por pedido de vista.

No mesmo dia do início do julgamento da ação no STF, o Senado aprovou por unanimidade uma emenda à Constituição para acabar com o foro privilegiado, com exceção para o presidente da República, o vice-presidente e os presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Deputados e senadores já não teriam mais foro especial em função do mandato parlamentar. Contariam apenas, conforme já prevê a Constituição, com a prerrogativa de que só podem ser presos em caso de flagrante de crime inafiançável e mediante autorização de seus pares na Câmara ou no Senado. Aprovada em segundo turno, a proposta segue agora para a Câmara.

Ainda que atualmente o foro privilegiado não goze de muito prestígio, em tese nada há de pernicioso nesse tratamento especial. Sua finalidade é preservar determinadas autoridades da litigância de má-fé, de injustificadas importunações possibilitadas pelo sistema jurisdicional estabelecido pela Constituição de 1988 e de eventuais perseguições políticas e ideológicas por parte de juízes de primeira instância, o que impossibilitaria o exercício de suas funções públicas, em claro prejuízo para a coletividade.

Sem a prerrogativa de função, a passagem por um cargo público poderia acarretar uma enxurrada de ações judiciais. Além de prejudicar o exercício do trabalho dessas autoridades, o risco desse grave transtorno levaria a que menos pessoas de bem queiram servir ao País em funções públicas.

Como forma de atacar o foro privilegiado, compara-se com frequência o número de autoridades com prerrogativa de foro no Brasil e em outros países, destacando a grande quantidade de casos no Direito pátrio. É, porém, uma comparação inadequada, já que pressupõe uma semelhança entre os sistemas jurisdicionais, e eles são bem diferentes. É simplesmente impensável em outros países a possibilidade, existente no Brasil, de processar um ocupante de cargo público na comarca da residência do cidadão. Por isso, caso se derrube o foro privilegiado, alguns meses dedicados a servir ao País poderão significar anos de infindáveis batalhas judiciais em todo o território nacional.

A simbiose que atualmente se observa entre foro privilegiado e impunidade não é fruto de um erro de sistema, que necessite urgente reforma. A real causa dessa situação é a lentidão com que as instâncias superiores cumprem suas atribuições constitucionais de processar e julgar autoridades públicas. Os tribunais superiores, desde a Proclamação da República, são responsáveis pelo julgamento de casos especiais. Nunca, porém, se prepararam para o desempenho dessa importante tarefa. Mais do que acabar com o foro privilegiado, é preciso que esses tribunais se adaptem ao que mandam a Constituição e a lei. Ou seja, basta que cumpram seu dever para que não haja impunidade.

Imagem do Dia

Eguisheim, Alsácia (França),  Jean-Michel Priaux

A favela é a regra

Não existe política habitacional no Brasil. Não há, nunca houve e não parece que surgirá. Mesmo a moradia sendo a função primordial da cidade e a definição do uso do solo uma regulação essencial do Estado, por ação municipal, nós não prevemos onde morará o trabalhador e o pobre. Logo, esses, pela ausência e pela emergência, inventaram, estão inventando e continuarão a inventar uma solução que foi, é e continuará a ser a favela.

Favela Street by agm  on 500px:
Com diferentes sinônimos ao longo da História, do mais pejorativo até chegar a batizar boate em Paris, a favela converteu-se em um regramento epistemológico. Além de dominar as paisagens urbanas, do Oiapoque ao Chuí, da megalópole paulistana ao menor rincão rural, a favela é o modo como funciona o Estado ao burlar, ele próprio, as metodologias que poderiam produzir melhor ordenação e integração territorial. O vício da velocidade burra e imperiosa sobre a reflexão e o desenho age inclusive em diferentes escalas, da pequena praça às grandes regiões metropolitanas.

A polarização político ideológica atual, ser mortadela ou coxinha, progressista ou conservador, tem origem na vergonhosa segregação espacial que aprisiona ricos e pobres em lugares separados. Cada qual com uma esfera pública para chamar de sua. A Lava-Jato é resultado do urbanismo-favela. Através de obras superfaturadas, alimentamos a exclusão, financiando partidos e políticos, que criam mais obras, lucrando mais o agente econômico, segregando-se mais ainda. É um círculo infernal. E o Judiciário não atua sobre essa causa. Até o direito urbanístico favelizou-se.

A liberdade é uma variável transgressora e bela na equação do planejamento da habitação, pois as pessoas podem morar onde lhe apetece, recusando as previsões de moradia popular pelo zoneamento.

O planejamento visa o interesse público ao promover que a diversidade social compartilhe os mesmos espaços públicos, criando mais harmonia social. Pela convivência entre diferentes educam-se todos. O contato com o mais abastado ou o mais estudado faria com que as crianças mais pobres aspirassem a cenários melhores para si, por exemplo. O contato com o trabalhador ou com o mais pobre faria com que a classe alta percebesse melhor as nuances da realidade cotidiana, acessando compreensão mais ampla para a própria democracia.

Todos se beneficiam desse contato pois ele propicia inspiração mútua.

O lugar da moradia popular no país é definido exclusivamente por uma dinâmica de mercado, ocorrendo onde é mais barato. Contudo, o planejamento absoluto do território é uma utopia, pois cidades já existiam antes dos planos. Quando o planejamento urbano estava indo com o milho, a cidade já estava voltando com o fubá. Assim é na maioria dos assentamentos humanos no mundo. Aquelas integralmente planejadas tentaram organizar-se melhor, mas também falharam pois não conseguiram acomodar os fluxos migratórios vindos do campo ou de outras regiões urbanas.

Piorando o modelo, não dotamos essas regiões afastadas e mais baratas de transporte público. Ou seja, nem no metrô, ou no trem, ou no ônibus nos reunimos. Daí as reclamações dos ricos com abertura de estações em Ipanema, Leblon ou Higienópolis. E por isso falamos tanto, os pobres, em “acesso à cidade”.

Poderíamos então nos encontrar na escola pública? Não. Também educamos nossas crianças de forma segregada. Nos postos de saúde ou hospitais? Cuidamo-nos separadamente.

No espaço público? Lá finalmente nos reuniríamos! Não. Curiosamente, somos perniciosos com a desordem, com ambulantes sem controle, como se compensação fosse pelas outras segregações. Ou licenciamos para um “operador”, por exemplo, 26 quiosques na Orla Conde. Um quiosque a cada 65 metros onde antes havia uma Perimetral. O esforço para criar espaço de convívio é “favelamente” estimulado.

Podemos finalmente encontrar-nos na natureza? Não, pois lá estão as favelas na paisagem, vitoriosas, sobre o escárnio da ausência de política habitacional. Lá estão, mas nem urbanizadas são. A favela é a regra.

Ironicamente, viemos todos do mesmo lugar, os centro urbanos históricos, onde vivemos mais próximos no passado. Vazios, subutilizados, mono-funcionais, precisam ser reocupados urgentemente. São uma deseconomia crescente.

Os movimentos de luta pela moradia estão portanto eticamente, moralmente e ambientalmente corretos ao invadir imóveis abandonados há décadas. As defensorias públicas precisam ir além da proteção dos ocupantes. O Judiciário precisa exigir a implementação de políticas de utilização compulsória, como o IPTU progressivo, em imóveis ociosos. É uma garantia constitucional, pois, na história aqui contada, eles são os únicos que não são favela. São exceção à regra.

Washington Fajardo

Indecência presidencial

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Acho que ele (Rocha Loures) é uma pessoa decente

Michel Temer

Esta hipocrisia

A quantas anda a Justiça dos Homens?

Começo minha resposta pela França: “Justiça asfixiada. Sobrecarga de trabalho, acumulação de processos, dificuldade de aplicar as penas. Os ratos percorrem as salas insalubres dos cartórios, pelos quais transitam milhares de pessoas processadas. Os elevadores foram desligados há cinco meses depois que um operário foi eletrocutado”. Eis aí, sem retoques, a descrição do Tribunal de Bobigny, o segundo maior daquele país, feita pelo sério jornal “Le Monde”.

No Reino Unido, outro jornal estampava na capa: “British Justice - rotten to the core”, algo como “justiça britânica - podre até a medula”. Já na Espanha a queixa é outra: “Apesar de a Justiça ser honesta e tecnicamente boa, seu principal problema é que chega tarde”.

Na Austrália, uma comissão encarregada da reforma das leis chegou à seguinte conclusão: “Todos os sistemas judiciários padecem com problemas sistêmicos associados ao custo dos processos e ao tempo gasto para decidir”. Sobre a Itália, li que “a Associação de Magistrados iniciou ontem uma greve em protesto contra as medidas do governo para reformar a Justiça”. Nos EUA, lá estão as crianças condenadas a prisão perpétua, os doentes mentais condenados à morte e os presos de Guantánamo gritando por justiça.

A conclusão é muito simples: o mundo das leis funciona mal no planeta inteiro. E sempre funcionou. As causas desta surpreendente realidade são muitas. Mas há uma, a principal delas, que reflete talvez o maior desafio da raça humana: a recusa das elites em admitir que a lei deve ser para todos - aos miseráveis, a justiça; aos poderosos, a morosidade do Poder Judiciário.

Sobre este aspecto gosto especialmente de duas frases tão singelas quanto profundas. A primeira vem de Balzac: “as leis são teias de aranha, pelas quais passam as moscas grandes e nas quais ficam presas as pequenas”. A outra, de Bettiol: “direito é a expressão da vontade dos mais fortes”.

Pois é. Quando a hipocrisia ceder lugar à igualdade, o ambiente no mundo das leis será mais sereno, os processos mais simples e o Judiciário mais rápido.

Neste dia, a economia brasileira crescerá em US$ 100 bilhões, o volume de investimentos subirá 10,4%, a produção será elevada em 13,7%, a oferta de empregos será 9,4% maior e todos ganharão. Simples assim.

Pedro Valls Feu Rosa

Quem tolera Aécio não pode gritar 'Fora, Temer'

A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Aécio Neves transformou a realidade do PSDB em algo inacreditável. O partido vinha se comportando como um ente superior, que fazia ao país o favor de sustentar um presidente precário, em franca deterioração moral. No exato instante em que o tucanato eriça as plumas num debate interno sobre a conveniência de tomar distância de Michel Temer, o procurador-geral Rodrigo Janot informa que a corrupção não diferencia o PSDB do PMDB ou de Temer. Ao contrário, ela os associa.

Nada de novo no ninho. O tucanato repete com Aécio todos os erros que cometeu com outro político mineiro: Eduardo Azeredo. Em 1998, a coligação de Azeredo pleiteou a reeleição financiada por um empréstimo de fancaria obtido pelo operador Marcos Valério no Banco Rural.

Quando as manchetes estamparam a notícia de que o mensalão do PT tinha um DNA tucano, o PSDB se fingiu de morto. Azeredo foi denunciado. E o tucanato não tomou conhecimento. Azeredo renunciou ao mandato de deputado para fugir de uma condenação no Supremo. E nada. Azeredo foi condenado na primeira instância. Nem sinal de uma reprimenda partidária. Expulsão? Nem pensar!

Flagrado em diálogos inadmissíveis com o delator Joesley Batista, da JBS, Aécio foi afastado do exercício do mandato de senador pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Viu-se compelido, então, a tirar uma licença da presidência do PSDB. Mas não se deu por achado. Há dois dias, divulgou na internet uma foto sui generis (veja lá no alto). Escreveu na legenda: “Reuni-me na noite desta terça-feira, 30/05, com os senadores Tasso Jereissati, Antonio Anastasia, Cássio Cunha Lima e José Serra. Na pauta, votações no Congresso e a agenda política.”

Quer dizer: Aécio continua sendo o personagem mais limpinho que Aécio já conheceu. Ele avalia que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. Por mal dos pecados, a denúncia contra o presidente informal do PSDB encontra-se nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, um magistrado que se vangloria de não julgar pelo nome estampado na capa, mas pelo conteúdo do processo.

A denúncia do procurador-geral será julgada na Segunda Turma, a mais draconiana do Supremo. São grandes as chances de Aécio ser convertido em réu numa ação penal. Quanto ao PSDB, o partido faria um enorme bem a si mesmo se parasse de enganar a plateia. Quem suportou Eduardo Azeredo e tolera Aécio Neves e otras cositas más não pode gritar ‘fora, Temer.’

Paisagem brasileira

Capela de Nosso Senhor do Bonfim, Santa Luzia, (MG)

Reformas com Temer?

Justo quando, afinal, se detectavam sinais de otimismo sobre a possibilidade de uma travessia exitosa até as eleições de 2018, a pinguela desabou.

Tendo desempenhado papel decisivo na reeleição de Dilma Rousseff — após se abarrotarem de dinheiro público extraído do pervertido capitalismo de compadrio dos governos petistas —, os irmãos Batista deram outra demonstração de força, ao arruinar de vez o mandato do seu sucessor.

Não há como ter ilusões sobre a fragilização do presidente Temer. A percepção de que os danos, além de graves, são irreversíveis impôs ao país colossal choque de incerteza. A apertada corrida contra o tempo com que já se defrontava a agenda de reformas tornou-se bem mais difícil.

Logo após a divulgação da notícia de que a conversa do porão do Jaburu fora gravada, disseminou-se a fantasia de que a crise política seria encurtada pela imediata renúncia do presidente. Não foi o que se viu. Muito pelo contrário. Temer vem deixando a cada dia mais claro que, por mais fragilizado que possa estar, não tem nenhuma intenção de se afastar do cargo.

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Agora, o temor de que o país tenha de voltar a enfrentar longo e penoso processo de impeachment vem dando alento a expectativas, um tanto escapistas, de que haveria ainda outra forma pela qual a crise poderia ser abreviada. Bastaria que, no julgamento agendado para 6 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidisse, afinal, cassar a chapa Dilma-Temer.

Falta combinar com os russos. Não contavam com a minha astúcia, diria Temer. O Planalto decidiu apostar boa parte das fichas que lhe restam na possibilidade de que o julgamento venha a ser adiado por pedido de vista do processo. E já deixou claro que, caso tal aposta não tenha sucesso e a chapa venha a ser cassada, o presidente não abrirá mão de fazer amplo uso de todos os recursos a que tem direito. O que lhe asseguraria permanência no cargo por meses a fio.

Foi com esse plano de jogo em mente que Temer resolveu transferir o ministro da Transparência para o Ministério da Justiça, tendo em conta sua longa experiência no TSE e sua boa interlocução com os tribunais superiores. E a verdade é que o novo titular da Justiça não tem deixado margem a dúvida sobre o empenho com que pretende levar adiante a missão de que está incumbido.

A esperança de Temer é que, em face das dificuldades de removê-lo do cargo em tempo hábil, o país se convença, ainda que a contragosto, de que só ele poderá assegurar a aprovação das reformas no Congresso, antes que a janela de oportunidade se feche. Fragilizado como está, Temer acalenta o sonho de que a aprovação das reformas poderá lhe assegurar a remissão que lhe permitiria chegar ao final do mandato.

O pior é que não falta quem, entregue à auto-ilusão, venha fazendo grande esforço, mais de torcida do que de análise, para se convencer de que essa história faz sentido. Que Temer tem de ser preservado para que as reformas possam avançar. E que, não obstante todo o desgaste que lhe foi imposto pelas delações dos irmãos Batista, o presidente continua apto a conduzir com sucesso as complexas negociações que a aprovação das reformas deverá exigir.

Para perceber quão infundada é essa avaliação, basta ter em mente as agruras diárias que Temer vem enfrentado para conviver com os desdobramentos das delações. Desde 17 de maio, o Planalto vive um dia a dia de alta tensão. Nesta semana, o leque de atribulações foi do alarme com a possível delação premiada do ex-deputado Rocha Loures a tentativas desesperadas de conseguir que o presidente fosse dispensado de depor em inquérito em que é investigado, no cargo, por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça.

A ideia de que, em meio a dificuldades dessa ordem, o presidente terá condições de mobilizar as amplas coalizões parlamentares requeridas para fazer avançar a agenda de reformas não faz sentido. Trata-se de uma mistificação da qual o país precisa urgentemente se livrar, para poder construir uma saída da crise.

Campeão nacional da bandalha

De perto ninguém é normal, cantou Caetano Veloso. Grampeado, então, nem se fale. Mas Joesley, Aécio, Temer, Zezé Perrella e Ricardo Saud superaram as expectativas mais pessimistas, pela linguagem que os nivela a chefões do tráfico. A arrogância, a pobreza de vocabulário, os palavrões e intimidações, as ameaças e chantagens misturadas às noções de lealdade que remetem à omertà dos mafiosos, é essa gente, que fala essa língua, que manda no Brasil. Por enquanto.

Imaginem as ideias diabólicas, as propostas indecentes, as bravatas e conspirações entre eles, quando os gravadores estão desligados. É melhor não imaginar nada, a realidade já é suficientemente abjeta e revoltante. Foram os políticos e funcionários que comeram na mão de Joesley que facilitaram seu acesso ao dinheiro “barato” do BNDES. Barato para ele, mas caro para o Tesouro Nacional, que pagava juros mais altos do que os que cobrava de Joesley. Com a mamata ameaçada, ele queria tirar Maria Silvia do BNDES. Mas não estava sozinho, é o “Joesley de todos os Joesleys”, um tipo de empresário brasileiro que acumula os defeitos do capitalismo e do socialismo, em causa própria.

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Caricatura grotesca de gângster sertanejo e maior matador de animais do mundo, Joesley simboliza o Brasil de hoje. Ao seu lado, até Marcelo Odebrecht fica menos arrogante, e papai Emílio vira um tiozão boa-praça como os chefões mafiosos sentimentais. Do “fora Dilma” ao “fora Temer” ao “fora todos”, cresceram as legiões de políticos ameaçados pela Lava-Jato, dispostos a tudo para livrar a pele, até mesmo se unir a seus piores inimigos. São eles contra nós, numa guerra mortal que pode arrasar o Brasil, para que esses bandidos travestidos de políticos sobrevivam.

Quando você ouve Joesley exigindo de Temer mudanças no BNDES, no Cade, na Receita Federal e na CVM, nos termos e tons que usa, não precisa ouvir mais nada.

O irônico é que o erro fatal de subsidiar “campeões nacionais”, que vitimou a “direita nacionalista” do governo Geisel, foi repetido pela “esquerda desenvolvimentista” de Lula e Dilma. Só mudaram os nomes nomes dos Joesleys.

Nelson Motta

Prece de um físico

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Ao pasto, às plantas, por me dar o descanso quando estou esgotado. Aos animais, por alegrar-me a cada dia. Graças à Terra, por me ensinar que depois de cair no chão, aprende-se a se levantar. À água, por me ensinar a flutuar, a me ajustar, a me expressar sem medo. Ao ar, aos ventos, por me ensinar que grandes mudanças são originadas por ações pequenas, imperceptíveis, mas constantes. Ao fogo, por me ensinar que nada é mais poderoso que a vontade. E como diz um trecho do poema 'Invictus', atribuído a William Ernest Henley: 'Agradeço a quaisquer sejam os deuses por minha alma inconquistável 
David Sebastián Valenzuela Díaz, deficiente chileno que conseguiu o doutorado em Física

Rejuvenescer a juventude

Há momentos em que as ideias precisam de pleonasmos que as expliquem melhor, tal como precisamos rejuvenescer a juventude. Nossa geração atual de políticos fracassou. Apesar de tirar o Brasil da ditadura, estancar a inflação, fazer a economia crescer, avançar na liberação de costumes, criar programas assistenciais, aumentar o número de universitários, apesar de tudo isso, nós caímos na corrupção, não criamos uma coesão nacional nem definimos um rumo para a evolução nas próximas décadas. Com isso, provocamos um sentimento de desconfiança em relação aos políticos, à política e aos partidos.

Nessas condições, a crise econômica caminha para uma forma de desagregação social, visível na violência generalizada, no descrédito político, na permanência da pobreza e da concentração de renda, na descrença dos jovens, na baixa produtividade e na falta de invenção na economia.

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A política brasileira precisa substituir seus agentes atuais por jovens políticos. A maior dificuldade para essa renovação está na divisão da juventude: os que se recusam à ação política e preferem realizar seus projetos pessoais, e aqueles que militam politicamente com ideias velhas. Os primeiros olham para a frente sem ver o lado, os outros olham para trás sem perceber as mudanças na frente. Assistimos a parte dos jovens frustrados, sem motivação política; e jovens mobilizados, mas sem propostas transformadoras. As recentes ocupações de escolas se mostraram contrárias a pequenos gestos modernizadores na educação. Não tinham o objetivo de defender avanços: o fim do analfabetismo, a garantia de que os filhos dos pobres devem ter o direito de estudar na mesma escola dos filhos dos ricos. Ao não propor novas ideias, a juventude militante passa a impressão de que está contra a modernização, sem perceber a necessidade de mudanças, e não parece sintonizada com o “espírito do tempo” das grandes transformações em marcha. Apenas segue palavras de ordem da geração anterior, que não foi capaz de apresentar ideias compatíveis com o futuro. Por outro lado, a juventude sintonizada com os avanços técnicos parece preferir cuidar de seus projetos pessoais.

Apesar de jovens, são militantes conservadores por omissão política e pela defesa de conceitos superados; alguns não entendem as necessidades de transformações sociais, outros reagem na contramão da rápida marcha rumo ao avanço técnico. O Brasil corre o risco de estancamento se seus jovens ficarem alheios ao progresso social ou contrários ao progresso técnico; submissos às velhas lideranças e a velhos conceitos. O futuro precisa subverter as novas gerações, renovando-as para que se façam contemporâneas.

Um dos maiores desafios dos políticos do país é atrair os jovens para a militância e subverter suas ideias para formular novos pensamentos e novas formas de organização e de militância, livres dos velhos conservadores saudosistas de um progressismo que ficou reacionário.