segunda-feira, 29 de maio de 2017

Futuro certo

Não é verdade que nosso passado seja incerto. Desconhecido, talvez. Falso, provavelmente. Fraudulento, certamente. Um país que acha que foi descoberto por acidente, não se pode mesmo levar a sério.

Desde a chegada das caravelas, a gente vem se auto enganando. A começar pelos elogios de Caminha. O Brasil foi se vendo, inventando e contando sua história como se tudo o que aconteceu e que acontecer seja sempre uma consequência das circunstancias.


Nossa história não é soma de mentiras combinadas. É simplesmente uma sucessão de fraudes. As vezes paralelas. As vezes interligadas. Não importa. Sempre fraudes. E a gente se acostumou com elas. Tanto que não mais as reconhecemos. Nem mesmo em face de suas consequências.

Já usamos crimes passionais como desculpa para golpe. Já chamamos revolução de golpe. E as vezes chamamos a aplicação da constituição de golpe. Vai entender. A gente sempre está a tentar distorcer os eventos de maneira a se encaixarem em narrativas incoerentes, ilógicas, e, acima de tudo, inúteis.

E a vida segue. Mesmo com cenário desolador. Grandes sucessos empresariais frequentemente são resultado de fraudes. Nada mais. Campeões nacionais são construídos azeitando relações privilegiada com o Estado, e tendo como combustível a mistura toxica da flexibilidade moral com o acesso fácil a bolsa da viúva. Apenas para entrar em colapso na areia movediça da fraude.

Alardeamos nossa capacidade analítica. Passamos a vida elogiando corpos técnicos autoproclamados competentes. Mas incapazes de identificar a existência do nada por trás das ações, dos investimentos, e das estratégias, públicas e privadas. No frigir dos ovo, apenas um punhado de corporações incapazes de ou desinteressadas em proteger os interesses de acionistas, pagadores de impostos e cidadãos.

O passado, portanto, não é incerto. Apenas fraudulento. O presente, dramático. E o futuro, lamentavelmente trágico. Resultado natural de um amontoado de fraudes.

O autor da crise

A escassez de lideranças políticas no Brasil é tão grave que permite que alguém como o chefão petista Lula da Silva ainda apareça como um candidato viável à Presidência da República, mesmo sendo ele o responsável direto, em todos os aspectos, pela devastadora crise que o País atravessa.

A esta altura, já deveria estar claro para todos que a passagem de Lula pelo poder, seja pessoalmente, seja por meio de sua criatura desengonçada, Dilma Rousseff, ao longo de penosos 13 anos, deixou um rastro de destruição econômica, política e moral sem paralelo em nossa história. Mesmo assim, para pasmo dos que não estão hipnotizados pelo escancarado populismo lulopetista, o demiurgo de Garanhuns não só se apresenta novamente como postulante ao Palácio do Planalto, como saiu a dizer que “o PT mostrou como se faz para tirar o País da crise” e que, “se a elite não tem condição de consertar esse País, nós temos”. Para coroar o cinismo, Lula também disse que “hoje o PT pode inclusive ensinar a combater a corrupção”. Só se for fazendo engenharia reversa.

Não é possível que a sociedade civil continue inerte diante de tamanho descaramento. Lula não pode continuar, sem ser contestado, a se oferecer como remédio para o mal que ele mesmo causou.

Tudo o que de ruim se passa no Brasil converge para Lula, o cérebro por trás do descomunal esquema de corrupção que assaltou a Petrobrás, que loteou o BNDES para empresários camaradas, que desfalcou os fundos de pensão das estatais, que despejou bilhões em obras superfaturadas que muitas vezes nem saíram do papel e que abastardou a política parlamentar com pagamentos em dinheiro feitos em quartos de hotel em Brasília.

Lula também é o cérebro por trás da adulteração da democracia ocorrida na eleição de 2014, vencida por Dilma Rousseff à base de dinheiro desviado de estatais e de golpes abaixo da linha da cintura na campanha, dividindo o País em “nós” e “eles”. Lula tem de ser igualmente responsabilizado pela catastrófica administração de Dilma, uma amadora que nos legou dois anos de recessão, a destruição do mercado de trabalho, a redução da renda, a ruína da imagem do Brasil no exterior e a perda de confiança dos brasileiros em geral no futuro do País.

Não bastasse essa extensa folha corrida, Lula é também o responsável pelo tumulto que o atual governo enfrenta, ao soltar seus mastins tanto para obstruir os trabalhos do Congresso na base até mesmo da violência física, impedindo-o de votar medidas importantes para o País, como para estimular confrontos com as forças de segurança em manifestações, com o objetivo de provocar a reação policial e, assim, transformar baderneiros em “vítimas da repressão”. Enquanto isso, os lulopetistas saem a vociferar por aí que o presidente Michel Temer foi “autoritário” ao convocar as Forças Armadas para garantir a segurança de Ministérios incendiados por essa turba. Houve até mesmo quem acusasse Temer de pretender restabelecer a ditadura.

Para Lula, tudo é mero cálculo político, ainda que, na sua matemática destrutiva, o País seja o grande prejudicado. Sua estratégia nefasta envenena o debate político, conduzindo-o para a demagogia barata, a irresponsabilidade e o açodamento. No momento em que o País tinha de estar inteiramente dedicado à discussão adulta de saídas para a crise, Lula empesteia o ambiente com suas lorotas caça-votos. “O PT ensinou como faz: é só criar milhões de empregos e aumentar salários”, discursou ele há alguns dias, em recente evento de sua campanha eleitoral fora de hora. Em outra oportunidade, jactou-se: “Se tem uma coisa que eu sei fazer na vida é cuidar das pessoas mais humildes, é incluir o pobre no Orçamento”. Para ele, o governo de Michel Temer “está destruindo a vida do brasileiro”, pois “a renda está caindo, não tem emprego e, o que é pior, o povo não tem esperança”.

É esse homem que, ademais de ter seis inquéritos policiais nas costas, pretende voltar a governar o Brasil. Que Deus – ou a Justiça – nos livre de tamanha desgraça.

O monstro terno

A realidade política brasileira tem sido comparada a um filme de terror. E com razão, porque, não importa para que lado se olhe, o cenário é de porões de castelos assombrados, caninos ensanguentados, homens peludos, mortos que caminham e mulheres de maus bofes. Para completar, vários dos nossos políticos têm o "physique du rôle" para interpretar Drácula, o Lobisomem, Norman Bates, Freddy Krueger e até Minnie Castevet, a vizinha de apartamento de "O Bebê de Rosemary".

Em muitas dessas comparações, as pessoas citam Boris Karloff —como se, por ter feito os papéis-título em "Frankenstein" (1931) e "A Múmia" (1932), ele fosse um símbolo do horror. Mas, olhe, é uma injustiça. Boris Karloff apenas viveu aqueles papéis, e os dois filmes ficaram entre os maiores do gênero. Na vida real, Karloff (1887-1969) foi um dos homens mais queridos de Hollywood.

Resultado de imagem para temer vampiro

Ele era, na verdade, inglês, com formação teatral, fã de Joseph Conrad e amigo de escritores e dramaturgos. Devia ser um grande ator, já que, conhecido por sua suavidade e ternura para com os amigos, os filmes só o queriam para viver loucos, drogados, carrascos, sádicos e até violadores de túmulos.

Karloff trabalhava em Hollywood, mas mantinha um apartamento em Nova York, no —logo onde— edifício Dakota, onde se passa "O Bebê de Rosemary" e onde John Lennon seria morto em 1981. No Halloween, Karloff deixava doces e balas à porta dos apartamentos do Dakota onde moravam crianças –adorava-as e não queria que tivessem medo dele. Para elas, gravou disquinhos infantis e trabalhou em "Alice no País das Maravilhas" e "Peter Pan" na Broadway.

Karloff dizia que, ao morrer, queria ser enterrado maquiado de Frankenstein. Não foi possível. Nossos políticos não terão esse problema — bastará que sejam enterrados como si mesmos.

Gente fora do mapa

 :

Desemprego e pensamento mágico

O pensamento heterodoxo brasileiro acredita que o crescimento tudo resolve.

A partir de leitura muito extremada de Keynes, a heterodoxia supõe um mundo em que, na prática, não há restrição de recursos. A suposição de desemprego permanente de recursos produtivos permite, se as políticas de estímulo à demanda forem adotadas, que a economia cresça sem limites.

Para essa tradição de pensamento, o sucesso do leste asiático não é fruto das elevadíssimas taxas de poupança, sempre acima de 35% do PIB, das prolongadíssimas jornadas de trabalho e dos melhores sistemas educacionais do mundo.


Para a heterodoxia brasileira, o sucesso do leste asiático deve-se ao BNDES deles e à capacidade que esse tipo de intervenção teria de alocar a poupança financeira aos setores "portadores de futuro", seja lá o que isso signifique. O escândalo do JBS, longe de ser caso isolado, sugere que mesmo nossos heterodoxos não sabem bem o que isso significa.

Reza a lógica heterodoxa: pau na máquina que o crescimento tudo resolve. Evidentemente, a heterodoxia brasileira não entende os motivos de os juros reais serem elevados, apesar de a inflação ser muito alta.

O pensamento mágico da heterodoxia brasileira tem sido particularmente alimentado pelo recente período de queda do desemprego, anterior à recessão. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de 2003 até 2014 o desemprego recuou de 12,5% para 5%, expressiva queda de 7,5 pontos percentuais.

A política de pau na máquina teria sido responsável pela queda do desemprego.

A PME, pesquisa que foi descontinuada há pouco mais de um ano, cobre as seis principais regiões metropolitanas —Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife—, ou 25% do mercado de trabalho nacional.

Desde 2012, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de abrangência nacional, que é trimestral e substitui a PME.

Adicionalmente temos, desde 1981, a Pnad anual, que apresenta fotografia do mercado de trabalho nacional para meses de setembro.

Meus colegas do Ibre Bruno Ottoni Vaz e Tiago Barreira, cruzando os dados da PME, da Pnad anual e da PNADC, construíram uma série da taxa de desemprego a partir de setembro de 1992 para todo o território nacional, harmonizada com a metodologia da PNADC.

O resultado é muito menos animador. Em vez da redução de 7,5 pontos percentuais, houve, entre 2003 e 2014, queda bem menos expressiva, de 3,2 pontos percentuais (de 10,0% para 6,8%).

Além disso, metade da queda, ou 1,6 ponto percentual, ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma (de 8,4% em 2010 para 6,8% em 2014). O problema é que o regime de política econômica de Dilma foi claramente não sustentável: juros artificialmente baixos, tarifas represadas, deficit público e externo elevados, inflação crescente etc.

Nos oito anos do presidente Lula, com toda a ajuda da economia mundial, a taxa de desemprego reduziu-se em 1,6 ponto percentual (de 10,0% em 2003 para 8,4% em 2010) e, na média, foi ligeiramente pior do que o período FHC (9,2% em Lula ante 8,9% com FHC).

Desde a estabilização econômica, em 1995, a taxa de desemprego cresceu muito e só caiu para níveis relativamente baixos, como o de 6,8% em 2014, quando comprometemos o futuro com políticas populistas.

Urge aprovar a reforma trabalhista para conseguirmos, de forma sustentável, reduzir o desemprego.

Riqueza não é só dinheiro

Are you eating toxins?  By Tomer Hanuka in Spring 2007.:
Tomer Hanuka 
Pobreza é falta de acesso aos alimentos; portanto, riqueza significa não ter de se preocupar em saber de onde virá a próxima refeição
Tom Standage

Se um rato morto me disser

Ao contrário do que afirmei na minha última coluna, já não deverei assistir com a minha filha, Vera Regina, ao show de Ariana Grande, previsto para o próximo dia 11 de junho, em Lisboa. A jovem cantora norte-americana suspendeu a digressão europeia, na sequência do terrível atentado, em Manchester, que matou 22 pessoas, entre as quais várias crianças. Como a maior parte dos fãs de Ariana, Vera é muito jovem. Tem apenas 12 anos. Tentei ler um artigo intitulado “Como explicar o atentado de Manchester a crianças”, mas não consegui terminar. Não há como explicar aquele horror a crianças — nem sequer a adultos.

Ansiamos por explicações. Pior do que o horror é não sermos capazes de o compreender. Acreditamos que se conseguirmos explicar a escuridão esta se dissipará para sempre. Contudo, não só faz mais escuro no interior de certas pessoas do que nos confins do universo, como a natureza dessa escuridão é infinitamente mais misteriosa. Por outro lado, mesmo que seja possível compreender as razões profundas dos terroristas, sejam eles fundamentalistas islâmicos ou cristãos, de direita ou de esquerda, teremos de continuar a lidar com a pavorosa insensatez dos seus atos.

Há uma frase de Eça de Queirós, n'"A correspondência de Fradique Mendes" da qual me recordo com frequência: “Se um rato morto me disser, cheiro mal por isto e por aquilo e sobretudo porque apodreci, eu nem por isso deixo de o varrer do meu quarto”.

Compreender não significa aceitar. É preciso tentar compreender, sem dúvida, mas não podemos deixar de varrer o quarto.

Resultado de imagem para ordem dos assassinos de hassan
O terrorismo não foi inventado ontem. Tampouco os terroristas suicidas. No século X, a Ordem dos Assassinos de Hassan i Sabbah, o Velho-da-Montanha, transformou o assassinato político e religioso numa complexa e imaginativa forma de arte. A palavra assassino, segundo uma lenda muito divulgada, embora jamais comprovada, faria referência ao fato de esses loucos se intoxicarem com haxixe antes de lançarem os seus ataques suicidas. No século XIX, os anarquistas russos inventaram o homem-bomba. No século XX surgiram os pilotos kamikazes japoneses. Muito antes, milhares de anos antes, já se assassinavam crianças a pretexto de motivações diversas.

A única consolação que podemos ter, olhando para os horrores do passado, é a certeza de que vivemos numa época um pouquinho menos cruel e violenta. Evidentemente, sempre que ocorre um atentado terrorista, assalta-nos a dúvida de que isso seja verdade, ou seja, de que a Humanidade se aperfeiçoou, ética e moralmente, ao longo dos séculos. Acreditem: melhoramos. O número de guerras tem vindo a diminuir, de forma consistente, nas últimas décadas. A tortura também, bem como a exploração infantil e outras inúmeras perversões sociais.

Ainda assim, é claro, aconteceu Manchester, e, muito provavelmente, continuarão a ocorrer ataques semelhantes no Ocidente ao longo dos próximos anos.

O pior terrorista não é o que se faz explodir, assassinando ao mesmo tempo pessoas inocentes. São aqueles que se escondem por detrás do gesto suicida. Esses são os verdadeiros canalhas esféricos, para utilizar uma expressão que, não obstante a utilidade e atualidade, me parece ter caído em desuso. Tal como uma esfera é sempre uma esfera sob qualquer ângulo que se examine, um canalha esférico é sempre um canalha, qualquer que seja a perspectiva.

Fico pensando no que pensam os homens secretos, os tais canalhas esféricos, que preparam os atentados terroristas. Tento imaginar-me na pele deles: vejo-os conversando, enquanto tomam chá. Debatendo uns com os outros, amenamente, a qualidade dos diferentes tipos de explosivos, e dos diversos tipos de chá. “Quantas crianças pode matar um quilo desse explosivo?” — Pergunta um. O colega esclarece-o. Discutem qual será a melhor hora para o assassino se fazer explodir, maximizando o número de vítimas. A seguir o primeiro dirigente terrorista queixa-se de dores nas articulações, não se tem sentido muito bem, talvez ande comendo demasiada carne vermelha, e o segundo aconselha-o a visitar um massagista famoso por operar milagres. Retomam os assuntos de trabalho. Bebericam o chá: quem escolherão para se fazer explodir? Um sugere W., um rapaz inteligente, porém tristonho, cuja noiva morreu na Síria, durante um ataque americano. O outro prefere K., filho de um sujeito a quem deve favores. Discutem durante breves minutos qual a melhor opção. W. é gordo e forte, conseguirá transportar mais quilos de explosivos, despertando menos suspeitas. K. é mais determinado. Nunca os deixará ficar mal. Optam por W., e, tendo decidido isso, passam a discutir futebol.

Tento examinar o espírito desses homens por todos os ângulos. Faço um esforço enorme, mas não encontro neles nenhuma luz de humanidade. E isso dói.

José Eduardo Agualusa

Paisagem brasileira

Rua do Giz, São Luís-MA
Rua do Giz em São Luís (MA)

Juruna mostrou como se faz

Em outubro de 1984, o dublê de cacique e deputado Mario Juruna convocou a imprensa para fazer uma denúncia contra si mesmo. Ele havia recebido propina do empresário Calim Eid para votar em Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. O xavante se disse arrependido e foi ao banco devolver 30 milhões de cruzeiros. A imagem do índio engravatado atrás de uma pilha de dinheiro resumiu o vale-tudo que embalou a sucessão do general Figueiredo.

Como Tancredo Neves venceu a disputa, ninguém quis investigar as suspeitas de suborno e caixa dois. Eid seguiu carreira como operador do malufismo. Juruna ficou desacreditado e não conseguiu se reeleger.


Mais de três décadas depois, o Brasil discute a possível escolha de outro presidente sem o voto popular. O senador Tasso Jereissati e o deputado Rodrigo Maia despontam como favoritos numa eleição indireta.

Políticos da situação e empresários não aceitam falar em diretas. A aliança que apoiava Michel Temer quer ungir um candidato comprometido com as reformas liberais. A ordem é mudar o presidente sem mudar a alma do governo em decomposição.

Em meio às conversas, articula-se um grande acordo para salvar investigados da Lava Jato. Entre as ideias mais cotadas, estão a anistia ao caixa dois e a concessão de algum tipo de imunidade a Temer, que poderia se estender a outros ex-presidentes.

Pelo roteiro das indiretas, o próximo inquilino do Planalto será escolhido por 513 deputados e 81 senadores. Boa parte deles é investigada sob suspeita de vender projetos de lei, MPs e outras mercadorias menos valiosas que a cadeira presidencial.

Nas últimas vezes que a turma elegeu os chefes da Câmara e do Senado, venceram Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira. Todos delatados na Lava Jato.

Além de mostrar o que acontece numa eleição indireta, Juruna ensinou a usar o gravador em conversas com políticos. O cacique era atrapalhado, mas sabia das coisas.

Repensar financiamento e eliminar desigualdades de saneamento básico

Atualmente somos confrontados com muitas notícias sobre água, seja devido à escassez, às tensões sobre o seu uso ou devido às inundações e secas provocadas por fenômenos meteorológicos extremos. Até mesmo o saneamento entrou no vocabulário da área de políticas de desenvolvimento nos últimos dez anos, devido aos esforços concentrados para educar as pessoas sobre o impacto causado pela falta desses serviços na saúde e no bem-estar.

Governo e o Saneamento Basico

Sabemos que as políticas proativas em matéria de água são fundamentais para garantir a paz e a segurança e que o saneamento é essencial para a promoção da dignidade humana. A água e o saneamento são essenciais para atingir muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) destinados a erradicar a pobreza, a fome e a promover a educação, a saúde e a igualdade de gênero. Por exemplo, metade dos atrasos no crescimento das crianças, que impactam a longo prazo o desenvolvimento mental e físico desses indivíduos, são relacionados a um saneamento deficitário.

No entanto, não obstante a todos esses fatores, é raro a água, e muito menos o saneamento, serem uma prioridade no limitado financiamento disponível para as políticas de desenvolvimento.

As metas do ODS 6, dedicado à água e ao saneamento, exigem acesso a serviços de qualidade para todas as pessoas de todos os países, priorizando as necessidades das mulheres, das crianças e das pessoas vulneráveis. Alcançar a universalidade no acesso à água e ao saneamento exigirá um esforço global ao qual nenhum país poderá se eximir.

Há pessoas desfavorecidas em todas as sociedades, em todos os países - sejam eles ricos ou pobres. Nos países desenvolvidos ainda há pessoas - aquelas que vivem na rua, em comunidades nômades, os requerentes de asilo, entre outras- que nem sempre têm acesso à água potável e a banheiros limpos. Em muitos países em desenvolvimento, as pessoas que vivem na pobreza, as pessoas com deficiência, as pessoas que vivem em áreas rurais remotas ou em bairros informais não têm água e banheiros seguros e acessíveis.

Assegurar que todos tenham acesso a serviços básicos exigirá mais do que um simples aumento no financiamento. Devemos olhar para além dos argumentos econômicos como a "rentabilidade" ou as "economias de escala" para reconhecer os verdadeiros custos para o desenvolvimento humano sempre que deixamos pessoas para trás. Devemos repensar a forma como os orçamentos são concebidos: como devemos dar prioridade a certos grupos específicos da população e como direcionar os serviços, a fim de eliminar as desigualdades no acesso à água e ao saneamento.

Precisamos talvez deixar de lado os projetos de infraestrutura em grande escala, que constituem atualmente um elemento básico de desenvolvimento, para encontrar soluções mais locais. Os recursos financeiros podem ser mais bem gastos na formação ao nível local, na formação de profissionais de saúde e de trabalhadores comunitários junto das populações locais. Deve ser investido mais dinheiro nas ações de operação e manutenção, para garantir que os sistemas existentes continuem a fornecer os serviços essenciais.

Devemos deixar de lado a noção dos retornos econômicos rápidos sobre os investimentos. O custo de não ser capaz de educar as crianças, de não ter uma população saudável ou de uma força de trabalho improdutiva, supera amplamente o custo de garantir o acesso aos serviços. Devemos fazer tudo possível para investir na saúde a longo prazo e no desenvolvimento do nosso planeta.

Com o objetivo de discutir e de repensar o financiamento do setor de água e saneamento, a parceria global Saneamento e Água para Todos organizará duas Reuniões de Alto Nível em Washington DC, EUA, nos dia 19 e 20 de Abril – uma de Ministros das Finanças e outra de Ministros responsáveis por água e saneamento. Essas reuniões irão explorar como tornar as estratégias de financiamento existentes mais eficazes, mais eficientes e mais propensas a diminuir, em vez de ampliar, o fosso das desigualdades.

Catarina de Albuquerque

Temer está cada vez mais parecido com Dilma

Michel Temer está confuso com esse negócio de ter que passar a impressão de que ainda preside o Brasil e, ao mesmo tempo, assumir sua nova condição de suspeito da prática dos crimes de corrupção, obstrução da Justiça e formação de organização criminosa. É possível que a própria Marcela Temer tenha dificuldades para saber quando está falando com o suposto presidente ou com o investigado. Neste domingo, ganhou as manchetes a notícia de que o presidente decidiu trocar o ministro da Justiça. Engano. A decisão foi tomada pelo investigado, não pelo presidente.

Foi para atender às suas prioridades processuais que Temer transferiu do Ministério da Transparência para a pasta da Justiça o jurista Torquato Jardim, um PhD em TSE com ótimo trânsito no STF. Foi para aplacar suas aflições de alvo de investigação criminal que Temer convenceu Osmar Serraglio a aceitar ser rebaixado da Justiça para a Transparência, em vez de retomar sua cadeira na Câmara —o assento está momentaneamente ocupado por Rodrigo Rocha Loures, um ex-assessor de Temer que cogita migrar da condição de homem da mala para a de delator.

Resultado de imagem para temer vestido de dilma charge

Mal comparando, Temer repetiu o movimento de Dilma Rousseff que, ao sentir que migrava da condição de presidente para a de suspeita, retirou o petista light José Eduardo Cardozo do ministério que carrega a Polícia Federal no organograma. Susbstituiu-o pelo procurador Eugênio Aragão, que chegou avisando que o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, estava com os dias contados: ''Quero evidentemente na PF pessoas que tenham alguma liderança interna”, disse à época. Caiu antes de entregar o escalpo de Daiello, agora às voltas com Torquato, que analisará com Temer a conveniência de trocá-lo.

Na definição de Aécio Neves, que também tenta adaptar sua rotina de senador à de investigado, Osmar Serraglio revelou-se na Justiça “um bosta do caralho”. Sem saber que estava sendo gravado pelo delator Joesley Batista, do grupo JBS, Aécio contou que conversara com Temer sobre o erro “de nomear essa porra” para um ministério tão estratégico. O sonho de Aécio era a troca de comando na Justiça. “Porque aí mexia na PF”, recitou para o gravador do dedo-duro.

— O que que vai acontecer agora? Vai vim inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não… O cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, dois mil delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né? Do Moreira [Franco], que interessa a ele, vai pro João, disse Aécio a certa altura.

— Pro o João, respondeu Joesley.

— É. O Aécio vai pro Zé, prosseguiu o senador tucano, agora afastado de suas funções parlamentares.

Torquato Jardim é mais sofisticado do que gostaria Aécio. Mas ajusta-se com perfeição às prioridades de Temer. Na sua rápida passagem pela Justiça, Serraglio dedicou-se a brigar com índios. Tomado pelo conteúdo de uma entrevista que concedeu ao Correio Braziliense, Torquato terá atuação mais ajustada às necessidades de Temer.

O novo ministro justifica o encontro de Temer com o delator Joesley Batista na calada da noite. “O presidente é um parlamentar há 24 anos e tem uma conduta de informalidade que é própria de quem é do Congresso”, diz Toquato. “Ele tem uma descontração ao encontrar as pessoas, doadores de campanha, empresários… Nesse âmbito é que eu compreendo ele ter recebido o empresário.”

Torquato joga água fria na fervura dos que imaginam que a cassação de Temer pelo TSE virá no dia 6 de junho: “A coisa mais natural que existe, em um processo de 6 mil páginas, com 1.250 páginas de relatório e um voto que terá 400 ou 600 páginas, é que um juiz peça vista. Acontece isso em qualquer julgamento.”

De resto, o novo titular da Justiça ecoa os advogados de Temer. Faz isso ao questionar a “validade tecno-processual” do áudio do delator Joesley. Ou ao realçar que “um procurador da República que atuava na Lava-Jato aposentou-se e, no dia seguinte, tornou-se advogado” do delator da JBS. Ou ainda ao pôr em dúvida “a validade da extensão do benefício” judicial concedido aos delatores de Temer.

Imagem do Dia

The Giralda , Seville - Spain:
Catedral e Giralda de Sevilha (Domingo Leiva)

As ruidosas galerias e o ruinosos sussurros dos peregrinos

De todos os lados entram nos meus grupos de whatsapp e na caixa de e-mails cópias de um vídeo contendo discurso do deputado federal Pedro Cunha Lima, filho do senador Cássio Cunha Lima e campeão de votos em seu Estado. Praticamente desconhecido fora da Paraíba, com uma fala de poucos minutos virou celebridade nacional.

Imagem relacionada
Com voz calma, sem excessos retóricos, listou obviedades. Fez afirmações que frequentam cada mesa de família, boteco, programa de rádio ou carta de leitor aos jornais. Há tal sintonia entre suas afirmações e o sentimento dos cidadãos de todas as classes sociais, inclinações políticas, níveis intelectuais e faixas etárias, que todos, ao ouvi-lo, se percebem representados. E se põem a repassar o discurso aos seus círculos de relação.

Um representante que representa virou fenômeno! Um deputado de presença discreta na Câmara ganha justa notoriedade em cinco minutos, apenas com afirmações sensatas e verdades incontestáveis, mas raramente condensadas e proferidas por nossos políticos.

O jovem Cunha Lima simplesmente disse:
1. que é preciso reformar a máquina pública;
2. que não se pode fazer ao trabalhador rural exigências das quais se isenta a elite política do país;
3. que não é o povo que tem que obedecer aos políticos, mas os políticos que devem obediência ao povo;
4. que está enganado quem pensa que o povo continuará tolerando isso e que todos se acalmarão com o simples escoar dos dias;
5. que auxílio moradia deve ser para quem não tem casa e auxílio alimentação para quem não tem alimento, jamais para quem recebe bons vencimentos e subsídios;
6. que haver um servidor com a tarefa de ajeitar a cadeira onde cada ministro do STF senta é símbolo de um tempo que passou;
7. que é populista, dissimulada e enganadora a atitude dos deputados contrários à reforma trabalhista que silenciam diante da necessária reforma da máquina pública;
8. que o Congresso deveria parar por 15 dias, se necessário, e tratar dessa reforma, em regime de urgência e votação de urgência;
9. que só então terá o Congresso apoio popular e legitimidade para fazer as demais reformas tão importantes para a vida nacional.
Aí está, esquematicamente, 100% do conteúdo abordado pelo deputado (os poucos minutos do discurso podem ser assistidos aqui). Há algo muito errado num país em que semelhantes obviedades ganham brilho, arrancam aplausos nacionais e “viralizam” nas redes sociais.

É preciso afirmar e voltar a afirmar às lideranças políticas que a nação clama por exemplos que venham de cima. Num país com pretensões de justiça e democracia, nem mesmo em período de abundância (coisa que nunca houve fora do Brasil ficcional e dos discursos demagógicos) se justificam demasias como as que são reservadas a setores muito bem identificados nas instituições do Estado. Menos ainda é possível admiti-las em momentos como este, de grave crise fiscal. No entanto, quando se trata de privilégios, o Congresso Nacional só ouve as ruidosas galerias e os peregrinos engravatados que sussurram nos gabinetes, dizendo-se portadores dos mais legítimos anseios e direitos. Estranha democracia, essa, em que as minorias comandam o show e se sobrepõem à nação, destinatária compulsória de todas as contas.

Os que se omitem ante a reforma da máquina pública (e das instituições) estão a serviço dos inimigos da democracia e de todas as reformas porque o Estado que lhes convém é exatamente esse que está aí, destrambelhado e injusto. Tão óbvio quanto o importante discurso do deputado paraibano: a reforma da máquina pública equivale a um contrato social com a justiça e com o direito. Vale, também, por uma faxina. Casa bem higienizada não abriga formigas, ratos e baratas.

Percival Puggina

Cracolândia: Dória, um prefeito que não entende de gente

A região da Luz, na Cracolândia, passa por um dos seus momentos mais tensos, com ações truculentas, cruéis, desumanas e degradantes contra as pessoas que vivem no local, especialmente aquelas em situação de rua.

Com a intenção de dar respostas populistas à sociedade, os Governos municipal e estadual não mediram sadismo e autorizaram forças de segurança a, literalmente, atropelar pessoas que constituíssem obstáculo.

É sob a perspectiva de que algumas pessoas são dejetos a serem recolhidos, que os Governos de João Dória Jr. e Geraldo Alckmin têm tratado uma população que é fruto de uma histórica desassistência. Mas há, nos camarotes, quem aplauda a ação. Em geral, uma elite paulistana pertencente à mesma estirpe e classe dos referidos governantes.
Resultado de imagem para cracolândia e Dória charge


É de conhecimento público e notório que a região da Luz, em São Paulo, é alvo, há muito tempo, da força da especulação imobiliária. O bairro, que nas décadas de 60 e 70 foi um dos principais da burguesia paulistana – com prédios históricos e grandiosos monumentos culturais –, não conta com tantos terrenos disponíveis aos investidores do mercado imobiliário, fazendo com que, ao longo do tempo, os imóveis da região se tornassem supervalorizados. Além disso, são rígidas as legislações municipais acerca de construções de grandes incorporadoras no local – um empecilho a mais para a ansiada apropriação pelo mercado.

Assim, ao mesmo tempo em que é tratada por alguns como um problema, a Cracolândia é vista por outros como solução. É que o planejado abandono social no local aprofundou a desvalorização da região da Luz, fortalecendo, em contrapartida, a capacidade de negociação dos especuladores – interessados em adquirir a baixos preços terrenos em um dos endereços mais centrais da capital paulista.

Também nessa perspectiva, o “problema” Cracolândia, e a grave situação das pessoas que lá se encontram, supostamente justificaria a adoção de quaisquer medidas pelo poder público – desde ações violentas por parte de forças policiais, a prisões arbitrárias, internações forçadas e, numa medida mais ampla, até mesmo a flexibilização das leis municipais que tratam do tema, permitindo que grandes incorporadoras desenvolvam seus negócios.

Não por acaso, a expectativa do mercado imobiliário sempre foi a chegada de um prefeito com trajetória desvinculada de políticas sociais, um empresário com visão de gerente. Eis que o atual prefeito reúne essas características – acentuando uma política higienista e que conta com o aparelho repressivo do Estado, tendo como guarda costas o governador Alckmin.

E aos desavisados, que acreditam serem as pessoas que vivem nas ruas os únicos alvos dessa desastrosa política, fica o alerta: não tardará e a mão do mercado também alcançará trabalhadores e donos de pequenos comércios do local – que estarão cada vez mais suscetíveis após a primeira leva da higienização.

Não se sustenta, portanto, qualquer justificativa para a violenta ação adotada pelos Governos municipal e do Estado de São Paulo que não seja a verdade: entregar à iniciativa privada a comercialmente valorizada região da Luz.

É por isso que tentar relacionar a ação a uma suposta preocupação com a saúde ou o cuidado das pessoas que fazem uso de drogas na Cracolândia é mera retórica. A maior prova é o desmonte, pela Prefeitura de São Paulo, do Programa De Braços Abertos – iniciativa reconhecida até mesmo pelas Nações Unidas, mas que a gestão local preferiu exterminar.

Na Cracolândia, demoliram prédios e gente ao mesmo tempo, como se ambos estivessem na mesma categoria – a de coisa. O episódio revela Dória: como prefeito, um empresário que entende do mercado; como empresário, um prefeito que não entende de gente.

Lucio Costa

Grande passo para o aquecimento global

Enquanto o governo do presidente americano, Donald Trump, contesta as mudanças climáticas, Berlim deu o primeiro grande passo para diminuir as emissões de dióxido de carbono na Alemanha e, assim, tentar conter o aquecimento global.

Na semana passada, o governo da cidade-estado anunciou o fim do uso de linhito – uma espécie de carvão fóssil altamente poluente – em usinas de geração de energia e de calefação urbana. Assim, Berlim tornou-se o primeiro estado do país a abrir mão do uso de um dos maiores emissores de CO2 do mundo.

A última usina termelétrica que ainda operava com linhito, a de Klingenberg, passou a usar gás natural para gerar a energia e o calor que abastecem mais de 300 mil residências em Berlim. A mudança foi considerada histórica, tendo sido alcançada três anos antes do prazo estipulado em 2009.


Com o banimento do linhito na geração de energia, estima-se que 600 mil toneladas de dióxido de carbono deixem de ser lançadas na atmosfera anualmente. Apesar do avanço, o atual governo quer ir mais longe e já anunciou que, até 2030, pretende eliminar o uso dos outros tipos de carvão betuminoso nas últimas cinco usinas termelétricas da cidade-estado abastecidas com esse tipo combustível.

"O futuro pertence ao sol e ao vento, as fontes de energia limpa do século 21", escreveram as senadoras estaduais do Meio Ambiente, Regine Günther, e da Economia, Ramona Pop, num artigo publicado no jornal Tagesspiegel sobre o fim do uso de linhito.

O banimento do linhito é o primeiro grande passo para que a cidade-estado alcance a neutralização de carbono, evitando e compensado emissões de CO2. Em 2014, um estudo revelou que Berlim tem potencial para alcançar essa meta ambiental até 2050. Mas para isso, precisa deixar de usar combustíveis fósseis na geração de energia e reduzir a poluição causada pelo trânsito.

O governo berlinense está comprometida em alcançar esse equilíbrio e pretende, nos próximos anos, investir na expansão do sistema de transporte público e na ampliação da rede de ciclovias para oferecer à população alternativas de locomoção.

Berlim está fazendo sua parte para alcançar a meta estabelecida no Acordo de Paris, que quer limitar o aquecimento global ao máximo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e tentar, desta maneira, reduzir os impactos das mudanças climáticas que já são percebidos em diversas partes do planeta.

Na Alemanha, o inverno mais ameno e as enchentes mais frequentes causadas por fortes chuvas são apenas alguns dos sinais do aquecimento global.

Clarissa Neher