domingo, 14 de maio de 2017


Além da cortina de fumaça

Escrevo no avião vindo de Curitiba. Não sei se ganhei ou perdi meu dia, vagando pela cidade numa quarta-feira cinzenta e com uma garoa esporádica. Para mim, Curitiba ia viver uma batalha de Itararé, aquela que não aconteceu, nos anos 30, apesar de alguns choques e escaramuças. É uma cidade fascinante, sobretudo agora que ganhei um belo livro de Rafael Greca, com quem convivi em Brasília. Poucos prefeitos conhecem tão bem a história de sua cidade.

Andei de um lado para outro e trago na lembrança o guardador de automóveis do Parque Birigui. Disseram que iam soltar mil balões verde e amarelos às cinco horas da tarde. Fui ver e não havia nada, por causa do mau tempo. O guardador me consolou dizendo: veja os quero-quero comendo na minha mão. E deu comida aos pássaros.

O essencial do dia, o depoimento de Lula, não me trouxe surpresas. Ainda no fim da tarde, gravei algo dizendo que ele ainda estava sendo interrogado, Moro deveria estar fazendo perguntas e Lula fazendo campanha. Ao sair para o discurso noturno na Praça Santos Andrade, Lula afirmou que seria candidato e que a votação popular iria absolvê-lo.


É o núcleo da história. A suposição de que a popularidade absolve, não importa o que diga a Justiça do país: o número de eleitores define o grau da inocência de um político. Em casos clássicos, como o de Paulo Maluf, as sucessivas eleições não o absolveram, mas trouxeram o conforto da lentidão dos processos no Supremo, uma esperança de impunidade.

Lula não conta com isso. Num dos seus discursos, já afirmou que vai enquadrar a imprensa e insinuou que prenderia os procuradores que hoje o denunciam. Entra aí um pouco da minha análise que previa calma em Curitiba, apesar de toda a sensação de confronto que alguns setores da imprensa esperavam.

Tenho pensado em aviões e estradas, um pouco aos solavancos. Nas longas viagens por terra, cochilamos e a fronteira entre a vigília e o sono constantemente se dissolve. Uma campanha política cujo objetivo é livrar o candidato da polícia pode ter êxito no Brasil de hoje?

A Justiça será tão lenta a ponto de não julgar o caso de Lula, em segunda instância, antes das eleições de 2018? São fatores que não pesam agora porque 2018 está longe. O país vive uma crise de liderança, e quando olhamos para o universo político não vemos nele capacidade de encontrar um caminho.

Mas são problemas que podem ser resolvidos com o tempo. A sociedade mudou, está mais informada, dispõe de instrumentos nunca vistos para compartilhar suas ideias. Talvez essa mudança na sociedade facilite a aparição de novos nomes, gente que ouça, de verdade, o que pedem as ruas e, em casos raros, seja também capaz de, por razões estratégicas, desafiar o senso comum.

No momento, tudo parece difícil e complicado. As últimas decisões no Supremo indicam resistência ao curso da Lava-Jato e despertam a ilusão de que nada vai mudar, o velho esquema de corrupção vencerá de novo. Digo ilusão, porque é impossível dirigir uma sociedade como a brasileira a partir dos velhos métodos. O próprio Temer, que precisa realizar reformas, tem percebido como é difícil conduzi-las diante da desconfiança generalizada.

Fala-se tanto em ódio, ressentimento, mas a quarta-feira em Curitiba foi calma. Houve apenas um incidente na madrugada, um ataque de rojões a um acampamento dos simpatizantes do PT.

O forte esquema policial, a insistente garoa e um número de simpatizantes abaixo do esperado contribuíram para a calma. Mas a cidade, com seu pulsar cotidiano, voltada para o trabalho num dia útil, acabou absorvendo tudo e transformando o anunciado espetáculo num episódio menor. Na verdade, era apenas um interrogatório. Outros virão e, talvez, a vantagem do episódio da semana tenha sido a de desdramatizar, tornar um encontro como o de quarta-feira mais uma etapa do processo penal.

Quando afirmo a viabilidade das mudanças, muitos contestam com as pesquisas. Segundo elas, nada de mais profundo aconteceu. No entanto, as pesquisas têm falhado às vésperas de campanha. Com quase dois anos de antecedência elas tratam de algo mais imprevisível ainda.

É uma estratégia desesperada buscar a eleição para fugir da Justiça, ou para anular suas decisões. O Brasil precisa de perspectivas. Boa parte das pessoas hoje acredita que a capacidade de manipulação política é infinita e que o povo brasileiro será, nos próximos anos, prisoneiro da demagogia. São apostas mais amplas que estão em jogo. Mudar ou não, vencer ou não os populismos de direita e esquerda. Cada um lê o futuro de acordo com suas possibilidades.

O que vi na calma de Curitiba, na sua imersão na vida cotidiana enquanto lhe ofereciam o espetáculo do ano, me deu a esperança de que, no momento certo, o país responderá da mesma maneira. Enganar as pessoas será tão difícil como enganar a Justiça.

Como escreveu Samuel Beckett, não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber, desde que suportemos as dores. Eu diria, desde que consigamos ver além da cortina de fumaça.

Fernando Gabeira

Uma história de dois Planos Marshall

Entre 1948 e 1951, os EUA despenderam pouco mais de US$ 13 bilhões para ajudar na reconstrução de 16 países europeus, com população, à época, de 290 milhões.

O gasto do programa de recuperação da Europa, também conhecido por Plano Marshall, corresponderia a preços de hoje a cerca de US$ 100 bilhões, ou R$ 315 bilhões ao câmbio de R$ 3,15 por dólar.

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Por aqui, entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a taxas muito reduzidas e em condições extremamente favoráveis, R$ 400 bilhões. Ou seja, uma quantia de dinheiro 25% maior e que atingiu uma população 31% menor do que aquela
beneficiada pelo Plano Marshall.

No nosso "Plano Marshall", diversos trabalhos acadêmicos documentaram que as firmas que se beneficiaram do crédito subsidiado eram as maiores, mais antigas e menos arriscadas. Essas empresas não investiram mais do que as empresas equivalentes não beneficiadas pelos créditos subsidiados.

A elegância dessa literatura é que a evidência foi obtida comparando empresas incentivadas com empresas com as mesmas características, mas que não tiveram acesso ao incentivo. As empresas não incentivadas funcionaram como um grupo de controle, sugerindo, portanto, que o efeito medido representa de fato a causalidade do incentivo sobre o comportamento das firmas.

Adicionalmente, as empresas beneficiadas efetivamente experimentaram redução de seu custo financeiro e aumentaram seu grau de endividamento.

Dado que essas empresas não elevaram seu investimento, mas aumentaram seu endividamento e seu custo financeiro foi reduzido, provavelmente o crédito subsidiado foi empregado para liberar recursos dos acionistas para serem aplicados no mercado financeiro com maiores retornos.

O leitor encontra resenha recente da evidência empírica no trabalho "Brazil - Financial Intermediation Costs and Credit Allocation", texto para discussão do Banco Mundial de março de 2017, preparado por diversos autores.

Evidentemente, os subsídios saíram caro para o Tesouro. Segundo cálculos de meu colega do Ibre Manoel Pires, o custo total dos subsídios foi, somente em 2015, de R$ 57 bilhões, algo próximo ao custo anual de dois programas Bolsa Família.

Também há evidência de que o crédito subsidiado dificulta a política monetária, aumentando o juro necessário para estabilizar a inflação. Segundo trabalho recente de Monica de Bolle (goo.gl/VTEunr), cada 1 ponto percentual do PIB de crédito subsidiado eleva os juros em 0,5 ponto percentual.

Esse resultado é mais sujeito a crítica. A razão são as dificuldades naturais de inferência de causalidade com dados macroeconômicos. De qualquer forma, outros estudos têm obtido resultado equivalente.

É praticamente consensual entre diversos analistas -suportando, portanto, a evidência de Mônica- que a taxa de juro neutra brasileira, aquela que estabiliza a inflação, reduziu-se recentemente por volta de um ponto percentual, em razão
da mudança de política do BNDES.

Aqui temos que desfazer nosso Plano Marshall para arrumar a casa de uma economia devastada por esta e outras iniciativas da ruinosa nova matriz econômica. Na Europa, o verdadeiro Plano Marshall estabeleceu as bases do formidável crescimento do pós-guerra.

Gente fora do mapa

Mona Lisa …:

Combustível da pobreza


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Corrupção, é bom lembrar, envolve muito mais que imoralidade e crime. Desperdício, perda de crescimento e de empregos são efeitos muito mais amplos e dolorosos. Fraudes, compadrio e queima de bilhões contribuíram para a crise ainda presente. Corrupção é parte da história da recessão 
Rolf Kuntz 

Lava Jato levará à Renascença ou à Idade Média

Quando Lula explica para Sergio Moro que os nomes indicados pelos partidos para ocupar diretorias da Petrobras tramitaram “normalmente” no governo, quando Michel Temer diz em entrevistas que considera “adequado” manter em sua equipe oito ministros investigados na Lava Jato, quando o tucanato trata com naturalidade a permanência de um Aécio Neves crivado de inquéritos na presidência do PSDB… Quando tudo isso acontece sem que nada aconteça, o Brasil é invadido pela luz de uma revelação. É normal! Sempre foi assim. É natural! Espanta que queiram questionar o que nunca foi considerado inadequado.

Uma pequena palavra petrificou-se como lema do homem público brasileiro: Realpolitik. Trata-se do nome de fantasia da hipocrisia que domina a política nacional desde a primeira missa. Os chatos que infestam o cenário —procuradores, magistrados e certos repórteres— querem subverter práticas seculares sem levar em conta a solidez das tradições que Lula, Temer e o tucanato evocam quando proclamam: “É normal, é adequado, é natural!” Não é despudor, mas solidez. Não é cinismo, mas pragmatismo.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Se as delações da Lava Jato revelam alguma coisa além de crimes, é que o oportunismo cínico alavancou muitas carreiras políticas no Brasil. Mas o trágico, o essencial mesmo na lição das mazelas expostas pela investigação é que tudo foi feito com a melhor das intenções. A safadeza encontra sempre uma justificativa absolvedora. Lula não tem culpa se os técnicos apadrinhados pelos partidos viraram larápios do dia para a noite. Temer não pode afastar ministros que ainda nem viraram réus. O tucanato tampouco pode destronar um dirigente que ainda usufrui do sacrossanto benefício da dúvida.

O sistema político brasileiro não protelou os seus crimes. Apenas se esforça para protelar as suas culpas. Não há inocentes no palco, só culpados e cúmplices. Alheios à estética imunda da conquista, os desbravadores das fronteiras morais prometem presentear o país no final com um futuro radiante. Ah, nada como o passado para fazer o brasileiro desacreditar do futuro. Ele sempre parece estar ali na esquina, mas acaba tropeçando. E nunca chega. Escândalos que explodem em ritmo epidêmico ajudam a explicar o por quê de o Brasil ter virado o mais antigo país do futuro de todo o mundo.

A Lava Jato pode conduzir o Brasil à Renascença ou à Idade Média. Não há por que temer o futuro. Ele nunca roubou ninguém. Terrível mesmo é o passado ou, pior, o presente. Ou o Brasil aproveita a oportunidade para adotar o regime de tolerância zero com a corrupção ou as futuras gerações recordarão, com nostálgica melancolia e um certo fascínio antropológico, das palavras pronuncidas na época do encontro do sistema político nacional com os seus limites, o sangrento rompimento desses limites e a sobrevivência dos velhos valores depois do rompimento: “É normal, é natural, é adequado!”

A generosa folha de pagamentos do Estado

A imagem do Estado brasileiro é de um ente de avantajadas dimensões, insaciável na arrecadação de impostos junto à população, para arcar com despesas crescentes. Não há reparo a fazer. Os números das contas públicas e estatísticas econômicas em geral correspondem à imagem.

São mais de 100 empresas estatais, com dezenas de milhares de empregos, e que movimentam bilhões em compras e vendas. Algumas têm ações em Bolsa, o que não impede que o sócio controlador, a União, tome decisões de gestão políticas, sem preocupação com os acionistas. Vide a Petrobras. Outras, incapazes de gerar lucros, vivem de dinheiro do Tesouro, ou seja, do contribuinte, numa relação incestuosa nada transparente.

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Por qualquer ângulo que se olhe o Estado brasileiro, veem-se excessos. Na edição de domingo, o GLOBO trouxe o tamanho da folha de pagamentos pública, do Estado como um todo — salários do funcionalismo da União, estados e municípios, benefícios sociais, bolsas, pensões, aposentadorias. Ao todo, 57,9 milhões de pessoas, 28% da população, dependem, em alguma medida, dos governos. Quase a soma das populações de Argentina e Chile.

De servidores ativos e inativos da União, estados e municípios, são 10 milhões que recebem cheques mensalmente; aposentados e pensionistas do INSS somam 33,8 milhões e há ainda 13,4 milhões no Bolsa Família. Esta folha de pagamentos, de R$ 941 bilhões no ano passado, representa 15% do PIB.

Especialistas garantem não haver paralelo em qualquer país desenvolvido. Além dos aspectos econômicos e financeiros, há o político. Porque esta enorme massa de dinheiro nas mãos de governantes lhes confere um poder incomensurável. Num país de cultura patrimonialista como o Brasil — em que dinheiro público é usado para atender a interesses privados, de partidos e pessoas —, poder usar a caneta que abre esses cofres é passe livre para tentativas de perpetuação no poder, e a construção de mitos populares. A história atual do Brasil ilustra bem este ponto.

Muitos equívocos administrativos se explicam a partir deste Estado provedor. Está aí a causa da demora excessiva para a realização da reforma da Previdência. A despesa com o INSS chega a 7% do PIB, índice elevado para um país com população ainda jovem. Mas o político populista prefere não atualizar as regras à nova realidade demográfica. Opta por não contrariar os milhões de segurados (e eleitores) do sistema.

É outra balela que este gigantesco guichê funciona para reduzir desigualdades. É o oposto, ele concentra renda. A Previdência é exemplo cristalino: os 28 milhões de aposentados e pensionistas do INSS consomem 7% do PIB, mas os apenas 4 milhões de servidores públicos inativos levam 4% do PIB.

Se há algo positivo na crise fiscal, é chamar a atenção para esses porões do Estado brasileiro. Confisca cerca de 35% do PIB em impostos, a mais alta carga tributária entre os emergentes, uma das mais elevadas do mundo, e usa o dinheiro de forma a agravar desníveis de renda, e deixa em plano inferior despesas com investimento, por exemplo. O Estado é usado para atender a demandas que garantam votos ao governante de turno, como se não houvesse um futuro de carências que requerem a tomada de decisões hoje. Mas estas não garantem apoio eleitoral imediato, e assim perpetuam-se as carências. Esta é a fórmula do subdesenvolvimento econômico, social e político.

Imagem do Dia

Casa do Arco em Óbidos (Portugal), João Alves de Sá

País rico

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Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba.

Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico…

Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico.

Anualmente cerca de duas mil mocinhas procuram uma escola anormal ou anormalizada, para aprender disciplinas úteis. Todos observam o caso e perguntam:

– Se há tantas moças que desejam estudar, por que o governo não aumenta o número de escolas a elas destinadas?

O governo responde:

– Não aumento porque não tenho verba, não tenho dinheiro.

E o Brasil é um país rico, muito rico…

As notícias que chegam das nossas guarnições fronteiriças, são desoladoras. Não há quartéis; os regimentos de cavalaria não têm cavalos, etc., etc.

– Mas que faz o governo, raciocina Brás Bocó, que não constrói quartéis e não compra cavalhadas?

O doutor Xisto Beldroegas, funcionário respeitável do governo acode logo:

– Não há verba; o governo não tem dinheiro.

– E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios.

O Brasil é um país rico…

Lima Barreto, "Marginália", 8-5-1920

Prioridades de um Estado falido

As demandas sociais não cabem mais no orçamento do Estado. Como a restrição a investimento público é grave, é preciso eleger prioridades.

A prioridade tem que ser investir nos mais pobres e criar leis e políticas que incentivem empresas a expandir, que induzam empreendedores, de todos os tamanhos e setores, a abrirem novos negócios, para gerar emprego, trabalho e renda.

Investimento em infraestrutura urbana; com prioridade absoluta para saneamento, mobilidade e habitação; em infraestrutura produtiva, portos, estradas e ferrovias; e em tecnologia de comunicação e informação são parte essencial do conjunto de ações de desenvolvimento, que tem como base dinâmica negócios, emprego e trabalho.

É igualmente importante implantar políticas públicas que ampliem o acesso de empreendedores de pequeno porte a serviços de desenvolvimento e a fatores essenciais de produção, como crédito, tecnologia e bens de capital (máquinas e equipamentos).

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Empresas têm de acabar com o medo de empregar e de investir. É preciso facilitar a abertura e o fechamento de negócios, simplificar e dar mais racionalidade aos impostos, dar segurança jurídica às negociações, contratações e investimentos, particularmente os de longo prazo, simplificar as leis trabalhistas e dar flexibilidade ao empregador e ao empregado para negociarem como quiserem. É, sobretudo, fundamental acabar com o mito do trabalhador vulnerável e hipossuficiente (como diria o Ancelmo, hipossuficiência é o cacete!). Há que se respeitar o trabalhador e suas aspirações. As leis devem garantir ao trabalhador instrumentos transparentes e claros para negociar o melhor acordo, respeitadas suas necessidades, as do seu empregador e do setor de atividade.

É preciso acabar com a regressividade (ou injustiça) das políticas públicas no Brasil. O Estado só pode direcionar o gasto público para aumentar o bem-estar da população, com foco nos mais pobres, e em políticas de desenvolvimento que alcancem todos os empreendedores e negócios, de todos os tamanhos e setores, inclusive os informais, para apoiá-los no seu esforço para crescer e se formalizar, porque será necessário ao seu crescimento. Chega de eleger vencedores, em geral investidores de grande porte e ricos, e de subsidiar suas empresas, que têm acesso ao mercado de crédito, brasileiro e internacional.

As reformas da Previdência e das leis trabalhistas não são o que se costuma chamar de “pacote de maldades”, ao contrário, dão esperança de mais investimentos em políticas públicas focalizadas na população que mais precisa, dão segurança de receita futura aos aposentados e aos que vão se aposentar, e dão mais segurança às empresas que querem e podem contratar mais trabalho.

O crescimento demográfico não se freia; tem vida própria. Em 33 anos o Brasil só poderá contar com 2,9 trabalhadores para cada aposentado ou pensionista. A conta não fecha. Além do ajuste previdenciário, uma política ativa de imigração vai ser indispensável. É bom para o mundo, é bom para o Brasil e é excelente para o Rio de Janeiro.

O futuro do trabalho é conhecimento e criatividade. O trabalho repetitivo está na estrada do desaparecimento. Veículos autônomos, robôs, serviços de atendimento público equipados de inteligência artificial, comércio eletrônico e a automação de processos e serviços administrativos e de distribuição vão destruir uma quantidade enorme de empregos e eliminar muito trabalho, mas criarão muito trabalho de outra natureza e em outras áreas. Sem ajustar o sistema educacional para essa realidade, o Brasil condenará as próximas gerações à pobreza e à dependência de transferências de renda governamental, que não terá receita suficiente para arcar com o programa.

Cada dia de espera vai requerer ajuste proporcionalmente maior. Está na hora de parar de adiar a decisão e fazer o que precisa ser feito.

Manuel Thedim, diretor executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade

Apesar da crise, é preciso entender que o Brasil ainda é um país viável

O Brasil vive um momento de surrealismo político realmente singular, nunca houve nada igual em nenhum outro país. Enfrenta uma macro investigação que atinge os três poderes da República, pois o Judiciário também já está entrando na roda e as apurações estão apenas começando. Tem um governo repleto de ministros envolvidos diretamente em corrupção, cujo índice de aprovação é de apenas 9%, mas a cúpula administrativa tenta desconhecer essa realidade. A atividade econômica continua estagnada, com desemprego ainda crescente, a desindustrialização é uma realidade palpável, a dívida pública segue aumentando de forma assustadora, deveria estar despertando uma preocupação absurda, mas vive-se num país do faz-de-conta, no qual o governo finge que não está acontecendo nada de errado e tenta propagar que tudo ser resolverá num passe de mágica, bastando reformar a Previdência e diminuir direitos trabalhistas, vejam que desfaçatez.

Como perguntava Noel Rosa, “pra que fingir?”. Afinal, por que o novo governo não aproveitou a oportunidade surgida com o impeachment da presidente Dilma Rousseff para construir um projeto de recuperação nacional, no estilo tão bem introduzido por Itamar Franco, que em 1992 conclamou todos os partidos a participar, e apenas o PT ficou de fora com seus aliados, e alguns depois se arrependeram, como o PCdoB.

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Michel Temer tentou seguir o exemplo de Itamar e abriu o leque partidário, mas a grande diferença é que se cercou de grande número de corruptos e entregou a gestão econômico-financeira a um representante dos banqueiros, e tudo isso em nome de uma governabilidade que não existe, pois o governo atualmente se dedica a comprar por 30 dinheiros a consciência de deputados, em meio a pressões e ameaças públicas.

A maior dificuldade é que não há debate verdadeiro sobre os grandes problemas nacionais, com o governo explorando ao máximo a tese de que a estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem o resultado que se pretende obter. No caso da Previdência, por exemplo, o governo apresenta ao Congresso e à opinião pública uma conta altamente manipulada, na qual somente entra a arrecadação das contribuições de trabalhadores e empresas, sem levar em conta as demais receitas constitucionais da Previdência Social (art. 195), como Cofins, Contribuição Social, Loterias e importação de bens e serviços.

Deveria haver debates, mas seria necessário que fossem precedidos de auditorias. Mas o governo Temer, que assumiu o poder em meio à maior crise da História, não providenciou nenhuma auditoria, seja na Previdência, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, na Petrobras, na Eletrobras, na Receita Federal, no BNDES, nada, nada. Também não demonstrou o menor interesse em auditar a dívida pública, principal responsável pelo engessamento da economia, porque isso não interessa aos bancos, que no Brasil cobram cerca de 500% de juros anuais em atraso de cartão crédito, para uma inflação que este ano está prevista para míseros 4%. Ou seja, o bancos atuam livremente na agiotagem oficial, como se não existisse governo.

O Brasil é tudo isso e muito mais. Quinto país em população e território, na verdade tem o maior potencial, porque Rússia, Canadá, Estados Unidos e China são visitados anualmente pelo chamado General Inverno. Possui as mais extensas áreas agricultáveis do planeta, em condições ideais de luminosidade (duas ou mais safras anuais, dependendo da cultura), com maior volume de água doce em bacias hidrográficas e aquíferos. Riquezas minerais ainda incomensuráveis, a maior biodiversidade do planeta, uma indústria muito diversificada, mão de obra especializada e barata, é um nunca-acabar de potencialidades.

Então, por que o país não dá certo. Ora, é por causa da baixa qualidade de seus governantes, que não sabem planejar nada. Há cerca de 40 anos não se traça um programa de planejamento econômico-social. A exceção ocorreu em 2003, quando Carlos Lessa e Darc Costa, ao comandaram o BNDES no início do governo Lula, chegaram a planejar o país e plantaram os alicerces que levaram a economia a altos patamares de crescimento. Mas os dois grandes gestores foram afastados, para que Lula pudesse transformar o BNDES num braço político do PT, em seu sonho/pesadelo de eternidade no poder. Foi isso que aconteceu.

PS – Há fortes razões para que se continue a acreditar no Brasil. Todos os nossos problemas são solucionáveis. O que nos falta é um governo que seja competente, em todos os sentidos. Apenas isso. No ano que vem teremos eleições e poderemos nos livrar desses supostos governantes, que nem sabem o que estão fazendo no Planalto, apenas fingem que trabalham pelo país, confiantes na cumplicidade dos brasileiros, como diria o genial escritor francês Victor Hugo, aquele que se preocupava com os miseráveis. 

Paisagem brasileira

Laranjeiras, Sergipe - Brasil:
Laranjeiras (SE)

O abismo entre reforma e mudança

O país do futuro, preconizado por Stefan Zweig, nos idos de 1940, não tem futuro, no momento. Será preciso se libertar de vez do ranço criminoso do privilégio para estabelecer seus rumos numa tentativa de chegar ao século XXI. É obra para abismar todo o mundo numa superação ainda não vista. Deixar de lado a sujeira de décadas, a podridão de conceitos ancestrais, limpar-se de ideologias mantidas a naftalina, será a o primeiro passo. E infelizmente não se vê com brevidade o desejo de mudar. E cada dia enlameado e desanimado pelas sucessivas revelações que tornaram o país um brejo, fica tudo mais difícil. Será preciso a refundação do país, proeza bem maior do que a recauchutagem para parecer novo.

No momento se dividem as opiniões a favor e contra reformas, lembrando um velho dito que se divide para melhor dominar. Discute-se a reforma da Previdência jogada na mesa pelo Poder, não a reforma que deve ser feita para todos com divisão equânime dos chamados sacrifícios. Uns, a maioria, serão sacrificados como cordeiros para que outros, minoria privilegiada e ligada ao Poder, continuem a pagar menos por muito. E por que não se reforma para o futuro com o passado de trambolho.

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Por maior que seja a doutrinação, inclusive da mídia, algumas vezes incensando o desastre de amanhã, está em debate o futuro do país com um saco de gatos, por sinal, bem selvagens. Ou não seria a reforma da Previdência mais um abismo clamoroso entre o público e o privado? E algumas “novidades” da reforma trabalhista se chocando com o Código do Processo Civil que podem abarrotar a Justiça proximamente?

Por trás das mudanças tão alvissareiras como se propaga, está o mercado financeiro que nunca foi bonzinho, tanto que sequer se voltou a comentar sobre a reforma financeira. Já não é mais necessária? Bem mais do que as discussões atuais, e com maior impacto quase imediato sobre as contas públicas, a reforma financeira seria uma alavanca econômica que, essa sim, acionaria o aumento de empregos. Mas o governo não vai mexer no vespeiro do mercado financeiro, com todas as rimas, apesar de anúncios sutis de que fará proximamente. Mas o perto está ainda muito longe como a coragem da covardia.
Luiz Gadelha  

Direito torto

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Um direito penal absolutamente incapaz de atingir qualquer pessoa que ganhe mais de cinco salários mínimos criou um país de ricos delinquentes, em que a corrupção passou a ser um meio de vida para muitos e um modo de fazer negócios para outros
Ministro Luís Roberto Barroso, do STF,  em palestra na universidade London School of Economics and Political Science, durante o Brazil Forum

Reallity show de pobre

Não dá para escapar, tipo como a gente faz com os BBBs da vida. Não adianta trocar de canal. Na internet é a mesma coisa. Nem adiantaria mudar de cidade, Estado ou país. Não adianta. Espalhou-se. Não se fala em outra coisa. Todo mundo sabendo, o mundo inteiro está acompanhando, talvez nem com tanto interesse quanto a gente, mas está. Especialmente na América Latina, que está vendo por que esse continente nunca sai da miséria. Só entra nela, como no caso da Venezuela
Mais de dois anos. O novelo da novela começou a se desenrolar e agora parece que não vai acabar é nunca mais. Cada vez se embaraça, trança mais gente. Não me lembro de um dia sequer que não tenha havido notícias, mentidos e desmentidos. Depois, como agora, chegam na tevê mais elaboradas, com imagens, sons e até - pasmem - duas câmeras ambiente, como foi a gravação do depoimento daquele senhor arrogante e convencido chamado Lula e o seu séquito de advogados de uma família só. Pai, filha, genro. O pai, Roberto Teixeira, o compadre de velhas denúncias que jamais foram bem esclarecidas; por exemplo, a da nebulosa venda da Varig. O genro, o enjoado Cristiano Zanin, agora famoso, finalmente, figura tinhosa, casado com a empertigada Valeska, ex-gorda, como ela própria declarou à época dos embates com Denise Abreu, que foi quem em 2008 mostrou as provas do conluio e que já apontava que eles usavam Lula para tudo.

Se à época das denúncias sobre a venda estas tivessem sido levadas a sério como deveriam, babau. Não teria havido Dilma presidente, e o ciclo da lambança talvez não alcançasse em um estágio tão sério assim. Já havia mensalão, a maldição da Casa Civil, fatos questionáveis como os da área de energia por onde também Dilma passou. E passou Lobão, Os Três porquinhos, outros chapeuzinhos vermelhos. Mas o vento soprou e a casa caiu. Ou melhor, está caindo, lentamente, desmoronando, caçando um a um em todos os aposentos.

São capítulos imperdíveis, narrados com cenas pitorescas que atiçam nossa imaginação. Estamos assistindo diariamente a um seriado sobre como funcionam os intestinos do poder. O que comem, como processam, como se reproduzem, e o que regurgitam. Mais a parte que usaram para criar a gordura dos seus luxos, os excessos que os deixavam felizes e ao qual chamavam Projeto de Poder. Projeto de poder popular, alguns ousavam dizer. Pior, tem por aí quem ainda acredite nisso.

Quando pensávamos que Lula seria o ápice, surpresa! Tem mais. Vai ao ar uma descontraída Monica Moura que, ao lado do marido, João Santana, privou da maior intimidade com todos eles, já que foram os responsáveis, ao fim e ao cabo, por tê-los posto lá. Agora sabemos melhor o quanto custou sermos enganados durante mais de uma década pela propaganda. Vê-los ganhar mais de uma campanha presidencial mentindo, jogando areia nos olhos, prometendo mundos com nossos fundos.

Nesse reality só está faltando edredom. Quero dizer, está faltando que saibamos detalhes, porque no meio da história já apareceram vários casos bem amorosos, com apelidos bastante significativos.

Feche os olhos. Imagine que beleza o João Santana e o Delcídio do Amaral, nus, dentro de uma sauna, batendo papo e combinando ações. O Fernando Pimentel, atual governador de Minas, sempre suspeito, chegando com uma malinha recheada de dinheiro em um flat, e Monica Moura, linda e loura, lá, só esperando ele chegar para contar a bufunfa que lhe era devida.

Também gostei de imaginar a cena dela passeando com Dilma pelos jardins do Palácio, imaginar a confusa Dilma (no caso, Iolanda) escrevendo um e-mail em código tentando avisar algo. Adorando imaginar o Zé Eduardo Cardozo se contorcendo de ódio porque foi dito o óbvio sobre o vazamento (para os alvos) das operações. E o sisudo Franklin Martins? Até sumiu para não ter de explicar os milhões de dólares que cobrou para ir sacanear as campanhas lá na África.

Quanta coisa já vimos ou ficamos sabendo nesses últimos tempos, enquanto por causa disso tudo temos de tentar, com muita dificuldade, nos manter com a cabeça fora d´água.

A política toda está de cabeça para baixo e não sei se as pessoas se deram conta do significado disso e do quanto penaremos ainda para reconstruir o país e a confiança nesses tempos tão agitados. Como nos reality shows mais conhecidos, teremos de eliminá-los, um a um.

Mas sem vencedores, porque esses participantes já levaram escondido o prêmio de muito mais de um milhão, um milhão e meio. Pensam em dólares. E já ganharam casas, apartamentos, lanchas, sítios, viagens com tudo pago.

Deve ter sido tudo obra da Dona Marisa.

Marli Gonçalves

Se privilégios continuarem, a injustiça não tardará a cobrar seu preço

O Brasil é um pais profundamente injusto. Essa injustiça não é fruto do acaso, mas sim consequência do modo como construímos nossas instituições.

Um exemplo de mecanismo que tem contribuído para cristalizar o obsceno padrão de desigualdade brasileiro foi apresentado esta semana pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, ao analisar os dados sobre o Imposto de Renda de 2016.

Embora a Constituição determine que o Imposto de Renda tenha caráter progressivo (artigo 153), as regras infraconstitucionais subvertem esse mandamento. De acordo com os dados da Receita, a alíquota média aplicada ao 0,1% dos contribuintes mais ricos, que têm renda mensal acima de R$ 135 mil, é de apenas 9,1%. Entre aqueles que ganham entre 3 e 5 salários mínimos, 90% da renda tributável foi paga em impostos, contra 30% daqueles que estão no topo da pirâmide. Quanto menor for o rendimento, maior será essa alíquota. A explicação para essa mágica é simples: boa parte dos rendimentos dos mais ricos não advém dos salários, mas de lucros e inúmeras aplicações financeiras beneficiadas por isenções de imposto de renda.

Boa parte desses rendimentos, importante salientar, decorre das mais altas taxas de juros do planeta, regiamente asseguradas por governos de direita e de esquerda. O Brasil concebeu, assim, uma das mais azeitadas máquinas de transferência de riqueza do mundo. No caso: transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. Desses privilégios não se fala.

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Quando olhamos para a Previdência, o quadro não é diferente. Os altos estamentos do funcionalismo obtêm benefícios imensamente maiores que o restante da população. Enquanto a aposentadoria de um membro do Ministério Público ultrapassa os R$ 30 mil, os demais aposentados recebem em média cerca de R$ 1.600. Como aponta Marcelo Medeiros a partir de dados do IBGE, 50% dos recursos da Previdência vão para os 10% mais ricos.

Há, portanto, uma enorme agenda de reformas para aqueles que não aceitam uma sociedade estruturada a partir de privilégios. A previdenciária é urgente, até porque tem um forte impacto sobre o crescimento da dívida pública. E quando o Estado não consegue pagar suas contas, os juros sobem e os serviços públicos essenciais declinam, ampliando ainda mais a desigualdade.

Indispensável, portanto, reformar a Previdência. O problema é que algumas das mudanças aprovadas penalizam exatamente os mais pobres, deixando os estamentos mais ricos de fora. O que mais chama a atenção é a necessidade de combinar 25 anos de contribuição com 65 anos de idade. Como os mais pobres têm muito mais dificuldade de conseguir carteira assinada e contribuição ininterrupta, quando chegarem aos 65 anos, serão punidos com desconto em suas aposentadorias.

O equilíbrio das contas públicas é essencial. No entanto, se os esforços das reformas não forem associados à adoção de regras mais justas de distribuição de riqueza, tanto no campo previdenciário como tributário, a tensão política e social somente aumentará. Caso nossas instituições continuem sendo utilizadas para preservar privilégios e extrair riqueza dos mais pobres, a injustiça não tardará a cobrar o seu preço. Ela é a base da revolta, assim como do fracasso das nações.