quinta-feira, 20 de abril de 2017

A Lava-Jato é um ativo brasileiro

Não foi apenas o capitalismo de amigos que assolou o Brasil. Foi pior: uma mistura de dois desvios do capitalismo, o de amigos com o estatal.

A relação entre setores privados e governo existe em qualquer país capitalista, mesmo naqueles de menor presença do Estado na economia. As empresas sempre têm o que conversar com a administração pública, seja com o Executivo, seja com o Legislativo. Leis, regulamentos e burocracias afetam a atividade econômica, de modo que é normal o interesse das companhias privadas em participar de algum modo das decisões políticas.


A diferença é que essa relação pode ser legal e regulada — o caso do lobby nos Estados Unidos, por exemplo — ou, digamos, informal. Nas duas situações pode haver promiscuidade, mas é claro que a maior possibilidade de desvios ocorre no modo informal.

No mundo todo, hoje, está em curso um processo de normatizar as relações entre agentes públicos e privados. Em muitos lugares, chega-se a detalhes: os encontros devem ser públicos, com agenda oficial, o burocrata ou legislador não pode ter almoço grátis, nem presentes, e por aí vai.

Mas tudo isso é relativamente recente. Não faz muito tempo que multinacionais americanas e, sobretudo, europeias podiam abater como despesa as comissões pagas a agentes de terceiros governos, sempre de países emergentes.

Isso começou a acabar quando o governo americano se lançou num forte combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. O método principal foi seguir o caminho do dinheiro que financiava o crime. Nessa rota, os policiais, promotores e juízes chegaram aos paraísos fiscais e lá encontraram também pessoas e empresas normais, legais, mas que escondiam dinheiro do Imposto de Renda, por exemplo, ou para subornar governos, partidos políticos e seus agentes.

O primeiro grande embate internacional das autoridades americanas foi com os bancos suíços. Estes se recusavam a abrir as contas de cidadãos americanos acusados de sonegar impostos transferindo dinheiro não declarado para a Europa. Demorou, mas os bancos, punidos com multas no mercado de ações de Wall Street, acabaram entregando as contas.

Seguiu-se uma nova legislação na Suíça, na prática acabando com o sigilo bancário, assim acompanhando o que aconteceu em quase todo o mundo democrático. Isso ajudou, e muito, as operações da Lava-Jato.

(Em uma das delações da Odebrecht, um executivo explicou que a empresa fazia as “operações estruturadas” na Suíça, mas não nos EUA, onde a coisa era mais difícil. Pois a empresa acabou apanhada nos dois países, embora quase tenha conseguido tirar o dinheiro da Suíça).

Também entram em vigor os acordos internacionais que ampliam as relações e troca de informações entre polícias, órgãos da receita e bancos centrais. Leis de repatriação, como essas que tivemos no Brasil, foram editadas em diversos países. Como aqui, lá também os bancos e advogados recomendaram expressamente que seus clientes declarassem o dinheiro escondido.

Muitos bancos americanos e europeus simplesmente fecharam contas de brasileiros e mandaram um cheque para os clientes que se recusaram a declarar. Como sabiam disso? Exigiam cópias do IR no qual constasse os valores depositados no exterior.

Tudo isso para dizer que o combate à corrupção, ao dinheiro escondido, seja para qualquer fim, é universal e está em curso em toda parte. Ou seja, a Lava-Jato é um ativo brasileiro.

Vejam esta notícia de ontem: o presidente de Governo da Espanha, Mariano Rajoy, líder do Partido Popular, foi convocado como testemunha, para comparecer pessoalmente ao tribunal, obrigado a contar a verdade, com contraditório e publicidade. O processo: corrupção em obras públicas, seguida de financiamento ilegal de seu partido, que lá eles chamam de “caixa b” — sim, o nosso conhecido caixa 2.

No Brasil, essas regras sobre o comportamento dos agentes públicos e suas relações com as empresas privadas são recentes e nem sempre respeitadas. Mas depois da Lava-Jato, hoje são as empresas privadas aqui instaladas que mais se preocupam com a legalidade e a transparência de suas relações com o governo.

Têm medo da Lava-Jato e da justiça internacional. A Odebrecht está pagando multas nos EUA. Em outras palavras: se antes era lucrativo ser amigo do governo e dos partidos principais, agora ficou perigoso.

Mas o caso brasileiro é mais grave por causa do tamanho do capitalismo de estado. O governo não apenas é o maior contratante de obras e serviços, como controla boa parte do crédito, através de grandes bancos comerciais e de desenvolvimento, e é dono de empresas dominantes em setores cruciais, como a Petrobras e a Eletrobras. Tem muito espaço para os amigos.

Reduzir esse tamanho do Estado é também uma forma de combater a corrupção.

Carlos Alberto Sardenberg 

Nadando...


Não, o presidente não é um pato manco. Operando um sistema político doente, com auxiliares alvejados e reduzidíssima capacidade de enforcement, Temer é, por enquanto, apenas uma espécie curiosa de anatídeo com necessidades especiais. Nada, anda e voa ao seu modo desajeitado, mas se movimenta de qualquer forma.
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Se, de todo modo, qualquer avanço serve conquanto salve as aparências, vai em frente mesmo que seu movimento que não seja retilíneo nem uniforme. Vai com dificuldades, mas vai. Sabe que viver não é preciso; que preciso é saber nadar.Carlos Melo

Excluídos

De algum tempo para cá, a parte da sociedade que mora em favelas e bairros pobres é qualificada como "excluída". Ou seja, os moradores da Rocinha e do Vidigal, por exemplo, não vivem ali porque não dispõem de recursos para morar em Ipanema ou Leblon, e sim porque foram excluídos da comunidade dos ricos. E eu, com minha mania de fazer perguntas desagradáveis, indago: mas alguma vez aquele pessoal da Rocinha morou nos bairros de classe média alta e dos milionários? Afora um ou outro que possa ter se arruinado socialmente ou que tenha optado por residir ali, todos os demais foram levados a isso por sua condição econômica ou porque ali nasceram. Então por que considerá-los "excluídos", se nunca estiveram "incluídos"?

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No meu pouco entendimento, excluído é quem pertenceu a uma entidade ou a comunidade e dela foi expulso ou impedido de nela continuar. Quem nunca pertenceu às classes remediadas ou abastadas não pode ter sido excluído delas. Mais apropriado seria dizer que nunca foi incluído. Ainda assim, se não me equivoco, incorreríamos em erro. Senão, vejamos: a Rocinha, o Vidigal, o Borel e a favela da Maré fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, não fazem? Seria correto afirmar, então, quer seja do ponto de vista urbanístico, quer do demográfico e social, que o Rio são apenas os bairros em que reside a parte mais abastada da população? Se fizermos isso, então, sim, estaremos excluindo parte considerável do território e da gente que constitui a cidade do Rio e que, portanto, pertence a ela.

Consideremos agora a questão de outro ponto de vista. Nos morros e favelas da cidade residem cerca de 1 milhão de pessoas, que têm vida social ativa, pois trabalham, estudam, participam de organizações comunitárias e recreativas. A maioria delas trabalha fora de sua comunidade, no comércio, na indústria, no serviço público, ou desenvolve atividade informal. Logo, participa da vida econômica, cultural e esportiva da cidade. Em que sentido, então, essa gente estaria excluída? Não resta dúvida de que as famílias faveladas, na sua ampla maioria, vivem em condições precárias, tanto no que se refere ao conforto domiciliar quanto à alimentação, às condições de higiene e saneamento, educação, saúde e segurança. Mas não estão excluídas da preocupação dos políticos que, na época das eleições, vão até lá em busca de votos. Há, nessa comunidade, cabos eleitorais, pessoas que atuam em associações de bairro e fazem a ligação com os centros políticos de poder. É certo que a grande maioria dessa gente não participa da vida política, mas isso ocorre também com as demais pessoas, morem onde morarem. Por todas essas razões, somos obrigados a concluir que os pobres e favelados estão incluídos na vida econômica, social e política da sociedade.

No entanto, isso não significa que estejam em pé de igualdade com as pessoas das classes médias e ricas. Não estão e, na sua grande maioria, descendem de gerações de brasileiros que tampouco gozaram dessa igualdade. Muitos descendem de antigos escravos e de brancos pobres que, pela carência de meios e pela desigualdade que rege o processo social, jamais tiveram possibilidade de ascender econômica e socialmente. Eles não foram excluídos simplesmente porque jamais estiveram incluídos entre os mais ou menos privilegiados.

Por que, então, cientistas políticos, sociólogos e jornalistas, entre outros, falam de exclusão social? Por ignorância não será, já que todos eles estão a par do que, bem ou mal, tentei demonstrar aqui. Creio que, consciente ou inconscientemente, procura-se levar a sociedade a pensar que a desigualdade social não é conseqüência de fatores objetivos, do sistema econômico, mas sim resultado da deliberação de pessoas cruéis que empurram os mais fracos para fora da sociedade e os condenam à miséria.

Em vez de admitir que esse sistema, por visar acima de tudo o lucro e ser, por definição, concentrador da riqueza, é que dificulta, ainda que não impeça, a ascensão dos mais pobres, procura-se fazer crer que a desigualdade é fruto de decisões pessoais. Ignora-se que, no sistema capitalista, quem não tem emprego também está incluído nele, como exército de reserva de mão-de-obra, com a função de pressionar o trabalhador e limitar-lhe as reivindicações. A eliminação da miséria beneficia o sistema pois amplia o mercado consumidor. O empresário pode ser, como você ou eu, bom ou mau, generoso ou sovina, mas, como disse Marx, "o capital governa o capitalista". O problema está no sistema, não nas pessoas.

Ferreira Gullar

O grito


Meu país me faz sofrer; meu país amarga em mim 
Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)

O veneno da mentira e a educação

"Um país se faz com homens e livros", ensinou Monteiro Lobato ao Brasil de seu tempo, de maioria analfabeta. Por via de consequência, podemos afirmar que a construção de um país passa, também, por professores e livros didáticos. Estas verdades acacianas foram entendidas pelos totalitarismos, que sempre usaram o sistema de ensino para a indigna tarefa de moldar gerações segundo os devaneios de seus dirigentes políticos. E a missão prossegue, mesmo em regimes de feição democrática, mediante infiltração, para idêntico fim, de modo militante, nas mentes dos homens e na alma dos livros.

Não é só a escola, portanto, que deve ser sem partido. Também ao material didático impõe-se essa condição. Contam-se às dezenas de milhões os livros que os governos de esquerda e centro-esquerda enviaram às escolas para transmitir aos estudantes brasileiros visões distorcidas da política, da economia, da história, da vida social, do cristianismo e da Igreja Católica. Tivessem maior credibilidade os militantes da causa, não fossem tão escandalosamente sectários, não abusassem tanto do poder de ensinar que lhes foi outorgado, não fossem tão desautorizados pelos fatos, e o estrago teria sido muito maior.

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A mais recente edição do Fórum da Liberdade - "O futuro da democracia" - foi uma evidência de que nem tudo está perdido. Milhares de estudantes lotaram espontaneamente o auditório da PUC/RS, durante dois dias, para assistir e aplaudir, com entusiasmo, conferencistas nacionais e internacionais que discorreram sobre liberdades políticas e econômicas, autonomia do indivíduo, papel subsidiário do Estado, empreendedorismo e causas estruturais da pobreza e da riqueza. Chega a ser surpreendente que aqueles jovens procedessem de salas de aula nas quais apenas 20% dos professores se consideram politicamente neutros; onde 86% deles, na opinião dos alunos, transmitem um conceito positivo de Che Guevara, e 78% creem que seu principal papel seja o de "formar cidadãos" já se sabe para quê (aqui).

Mas não é só por livros didáticos e professores militantes que o veneno da mentira e da ocultação da verdade a serviço da causa se infiltra no meio estudantil. Tal prática parece correr solta, também, em sites com conteúdos escolares. É o de que me adverte um leitor, diante de matéria no portal "Brasil Escola". No meio de um texto que descreve a situação da Alemanha no período entre as duas grandes guerras e o surgimento do nazismo, o autor do conteúdo permitiu-se instalar este "jaboti":

"Em 1917, a Rússia, comandada pelo socialista Lênin, derrubou o governo do Czar Nicolau II e instaurou uma nova forma de governo democrático: o comunismo. Os países que baseavam suas economias no capitalismo e na exploração do trabalhador se viram ameaçados. Uma onda de movimentos antidemocráticos surgiu no cenário mundial, com o intuito de conter o crescimento do comunismo."

Se você enxerta uma opinião pessoal em meio a um relato histórico neutro, você amplia a credibilidade da propaganda que faz. Mutretas como essa saltam de livros didáticos, sites de educação, polígrafos, provas escolares, exames do ENEM, mostrando que Escola sem Partido é uma imposição da realidade. Para dizer como os "companheiros": é preciso problematizar essa falta de escrúpulos e de limites. O país não pode ficar refém do atraso e da perfídia de deseducadores.

Percival Puggina

Paisagem brasileira

Capela de São José, marco inicial de Cordisburgo (MG), Fábio Calvetti

Verdades e mentiras

Mago do cinema, Orson Welles nos mostrou que uma mentira pode parecer uma verdade forjada e materializada a ponto de o espectador ser incapaz de distingui-la. Não é à toa que paradigmas do cinema — a recriação do real, a reimaginação, o drama, o épico, mistério, o suspense, a investigação, a contemplação, o real e o imaginário — foram cada vez mais usados nas campanhas eleitorais. No filme Verdades e mentiras (Vérités et mensonges, 1973), um clássico do cinema, Welles utiliza a linguagem do documentário para questionar a verdade e mostrar como a mentira pode se parecer com a realidade.

O perseguido falsificador de quadros Elmir de Horry é retratado como um artista tão talentoso quanto aqueles que reproduz. O biógrafo Clifford Irving inventa uma biografia do excêntrico magnata norte-americano Howard Hughes. O próprio Welles é o cicerone das histórias, como uma espécie de arquétipo de ilusionista. O que é a verdade? Quais os limites entre a verdade e a mentira? O que é a realidade?

Na verdade, a fotografia e o cinema revolucionaram a arte e a percepção da humanidade. Vivemos a era do virtual, que contaminou irremediavelmente a política, primeiro com os programas de televisão no horário eleitoral; agora, com as redes sociais. A veracidade expressiva dos indivíduos é mais importante do que a veracidade dos fatos, principalmente nas campanhas eleitorais. Mas mentiras serão sempre mentiras.

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Ontem, Mônica Moura, a mulher e sócia do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confirmou o uso de caixa dois pelo PT para pagar os serviços do casal. Em 2010, uma parte foi paga pelo partido e outra pela Odebrecht. Em 2014, todo o caixa dois foi pago pela Odebrecht. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, segundo o depoimento de Mônica Moura, responsável pelas finanças do casal, acertou os pagamentos das campanhas do PT.

Era Palocci que a mandava pegar o dinheiro na Odebrecht. A empresa também teria financiado as campanhas do ex-presidente Lula (2006), Fernando Haddad (2012) e de Dilma (2010 e 2014). No exterior, Mônica Moura disse que a empreiteira também pagou por campanhas no Panamá, na Venezuela, em Angola e em El Salvador, mas isso nada teve a ver com Palocci e o PT. Somente em El Salvador foi a pedido de Lula, com pagamento acertado com Palocci.

João Santana, que também prestou depoimento, foi o grande artífice da espetacular vitória de Lula em 2006, depois de um mandato abalado pelo “mensalão”. Havia assumido o lugar de Duda Mendonça, responsável pela campanha de 2002, quando o petista derrotou José Serra. Depois da vitória, foi o grande gestor da imagem de Lula no segundo mandato e o responsável por dar asas ao “poste” Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, que virou mãe do PAC. No mandato da “presidenta”, mandou e desmandou no marketing do Palácio do Planalto e conseguiu reeleger Dilma Rousseff, cujo primeiro governo fora um desastre.

O marqueteiro também surfou o prestígio de Lula para conquistar contratos no exterior, pois as vitórias do PT eram seu cartão de visita e o ex-presidente, seu padrinho nas relações com líderes políticos aliados do petista. Por ironia, agora é um dos responsáveis pela desconstrução da imagem de Lula e, principalmente, de Dilma Rousseff, que circula pelo mundo afora como “presidenta constitucional” e se apresenta como honesta e competente. Diz que foi apeada do poder pelas forças que temiam a Operação Lava-Jato. Essa narrativa também cai por terra.
Santana também fez um mea-culpa ao depor: “Eu acho que nossas contradições constroem as nossas armadilhas. (…) Eu, mesmo sendo uma pessoa organicamente a favor das coisas bem-feitas, legais e honestas, criei um escudo em minha cabeça, um duplo escudo. Um, social externo, que era essa doutrina de censo comum do caixa dois, que não se faz campanha. E outro que era pelo trabalho honesto que estou fazendo”, afirmou. E concluiu: “Eu construí esse equívoco para mim mesmo, sem perceber que, ao fazer isso, eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo. Não estou aqui dizendo que eu não tinha culpa, que fui vítima disso. Não, eu fui agente disso. Mas quero alertar”, afirmou.

O que Santana não fala é que a “qualidade” do seu trabalho profissional estava diretamente associada às mentiras que ajudou a construir no imaginário popular, utilizando o poder de expressão de Lula como candidato e levando para a televisão um país imaginário, no qual muitos ainda acreditam, desde o sujeito isolado nos grotões ao professor universitário engajado no “nós contra eles”. Pode-se dizer que isso é uma exclusividade de João Santana e das campanhas do PT? Não, as fronteiras entre as verdades e as mentiras na política brasileira só agora estão sendo novamente demarcadas.

Túnel do Tempo

Vantagens devidas e indevidas?

Virou moda para esse monte de políticos de alto coturno, flagrados pelas delações da Odebrecht, defenderem-se jurando não ter recebido “vantagens indevidas” da empreiteira. Quer dizer que também há vantagens devidas?

Está classificada a roubalheira, verdadeira confissão de culpa de ministros, governadores, deputados e senadores. Uma evidência irrefutável do envolvimento de tantos ladrões.

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Indaga-se o que acontecerá com eles, se reconhecem haver recebido propinas oriundas de superfaturamento de obras, desvio de verbas e similares. Com ou sem foro especial, estão arcabuzados. Se alguns foram considerados candidatos presidenciais, hoje não são mais. Mesmo demorando, seu julgamento será irreversível.

Não é preciso expô-los a citações nominais. A maioria dos delatores tem apresentado provas até documentais da corrupção. Provavelmente venham a tornar-se inelegíveis por decisão dos tribunais, mas o principal é que lhes faltarão votos. Talvez até coragem para mostrar-se. Vestais de ontem, transformam-se em ratos de hoje e, certamente, condenados de amanhã.

Réus confessos cuja defesa torna-se impossível diante do próprio reconhecimento da prática deletéria da corrupção por anos a fio.

Pertencem a todos os partidos e roubaram em todos os Estados. Estarão em todos os ministérios, também. São aqueles considerados desconfortáveis pelo próprio presidente da República. Aliás, a propósito, estaria Michel Temer confortável em companhia de … (Cala-te boca!)

Corrupção desenfreada se tornou ameaça concreta à democracia

A divulgação dos vídeos das delações da Odebrecht realça de maneira peremptória a promiscuidade entre empresários e membros do Legislativo e do Executivo, que foram desmascarados na farra do Caixa 2. Homens e mulheres acima de qualquer suspeita, negociando propinas a pretexto de utilizarem recursos da mãe das empreiteiras no Caixa 2, subvertendo o processo eleitoral e viciando-o em detrimento dos candidatos que não disputaram as eleições em igualdade de condições. É incrível como a empreiteira-mor “doava” dinheiro a torto e a direito, oriundos do superfaturamento de obras públicas, vencidas em licitações e dirigidas pelos recebedores de propinas.
Um deputado exigiu propina pelo simples fato de ter operado no início do processo básico da obra, ainda no escopo inicial. Quando finalmente a obra já em andamento, em outro governo, pleiteou seu quinhão, da ordem de 1% do sacramentado na licitação. Na mesma obra, outro deputado exigiu 0, 5%, pelo singelo fato de não ter atrapalhado o prosseguimento da obra, quando poderia tê-la obstado. E um ministro exigiu 1% sobre o valor da obra, pois alegou que operou para incluí-la no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

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Agora, em suas defesas pífias, todos esses políticos alegam que receberam doações legítimas e aprovadas pela Justiça Eleitoral, portanto, dentro da legalidade institucional que rege as campanhas eleitorais.

Os executivos da megaempreiteira, com a maior simplicidade do mundo, alegam que pagavam as propinas sem pestanejar, porque o lucro era muito grande nas obras superfaturadas. Só recebia “doações” da empreiteira quem pudesse, de alguma forma, ajudar a organização, com alguma emenda, algum jabuti em medidas provisórias, um aditivo aqui outro ali, um financiamento no BNDES de pai para filho e longos anos para pagar, depois de ultrapassada a fase da carência.

E pasmem, senhores. Muitas empresas receberam isenções fiscais, não precisavam mais pagar determinados impostos. Justamente por isso, caiu a arrecadação, pois os governantes, ávidos por propinas, liberaram geral, concedendo o benefício aos doadores generosos, em troca de propinas substanciais.

A Odebrecht criou até um Setor de Operações Estruturadas, mais conhecido como “Departamento da Propina”, para controlar os repasses de recursos ordenados em dinheiro vivo ou em contas no exterior para os corruptos, evitando-se depósitos bancários no país, para não deixa rastros. Alguns repasses, da ordem dos milhões, eram entregues em mochilas, nas residências e escritórios dos corruptos e até em gabinetes públicos.

E ainda estamos apenas nos vídeos de uma das empreiteiras, a Odebrecht. Quando também vierem a público os relatos de executivos da OAS, da Andrade Gutierrez, da Camargo Correia, da Queiroz Galvão, Carioca Engenharia, Engevix, entre outras, o mundo virá abaixo.
Quantos hospitais públicos caindo aos pedaços, sem remédios e médicos suficientes para o atendimento digno da população, poderiam ser equipados com o dinheiro público desviado pela corrupção desenfreada?

A dilapidação da coisa pública era tão escancarada que os relatos dos delatores impressionam pela cafajestice, a ironia, o riso sarcástico, como se fosse a coisa mais normal do mundo. A fraude em licitações, o superfaturamento, o desvio de dinheiro público, a corrupção ativa e passiva, a promiscuidade com que se relacionavam empreiteiros e autoridades, tudo isso choca os que ainda acreditam no futuro dessa nação.

Depois da podridão que veio a público, não há mais que se falar em perdão pelo uso abusivo do Caixa 2, como sendo um crime de menor potencial e, portanto, passível de anistia pelas falcatruas efetuadas no passado, sendo então criminalizado daqui para frente, como pretendem deputados e senadores envolvidos no escândalo. Isso é um escárnio, um tapa na cara dos cidadãos de bem deste país. Estão brincando de fogo no paiol, que pode explodir a qualquer momento. Basta uma faísca e tudo vai pelos ares, se tentarem anistiar essa quantidade numerosa de corruptos e doadores canalhas.

É preciso manter a proibição de doações eleitorais das empresas, que de doação não tem nada, trata-se de dar com uma mão e receber com as duas, porque o contribuinte é quem sustenta essa hipocrisia das classes dominantes, incrustada nos três Poderes da República. De cada um milhão doado, quatro milhões entram na conta do empresário, por isso doavam tanto, com enorme facilidade e normalidade

Suplicamos, enfim, pela extinção do foro privilegiado e pelo cumprimento imediato do princípio jurídico de que a lei vale mesmo para todos os brasileiros, que estão nessa nau dos insensatos, para que não afunde e leve todos nós de roldão, num buraco sem fim. A pátria está em perigo, precisamos salvá-la do naufrágio.