quarta-feira, 19 de abril de 2017

Um Brasil comprado

O que está acontecendo com o Brasil? Será que essa nova onda de pornopolítica tem uma origem? É nova ou sempre aconteceu?

Saber a origem é importante porque toda gênese pressupõe um apocalipse. Afinal, tudo que começa, acaba.

Será que hoje vivemos o apocalipse que finalmente sinaliza um limite? Será estamos testemunhando o esgotamento de um estilo de lidar com as coisas públicas e com a falada e amada República?

Será que o Brasil continua sendo nosso mesmo depois de saber que ele foi vendido pelo governo Lula-Dilma a uma grande empresa que não é ianque, britânica, inglesa ou francesa, mas tão baiana quanto a Baixa do Sapateiro?

Quero me convencer que sim.


Acho que essa crise na qual os Srs. Emílio e Marcelo (pai e filho) e seus associados abrem o bico e falam com a serena superioridade dos doadores, obriga a um denso exame de nós mesmos.

Não é só um capitalismo de compadres. É também um capitalismo ajudado por uma democracia de compadres. O que salta aos olhos é como a república — centrada em leis impessoais teoricamente válidas para todos — funciona seguindo uma renovada e imaginativa cartilha imperial. Nela, a etiqueta das simpatias dos baronatos mistura-se ao mercado e suspende a competição para os amigos. A mão invisível de Mr. Smith vira um escancarado abraço do lulo-dilmismo com a ambição germano-baiana da Odebrecht. A luta de classes foi desmoralizada pela simpatia pessoal. Nossa revolução é a da malandragem. Nada contra. Mas ela — eis crise que nos envergonha — também tem limites.

Como acreditar em esquerda e direita se ambas bebem o mesmo uísque comprado com o meu, o seu, o nosso dinheiro como diz o meu colunista favorito, o Ancelmo Gois?

Educados exclusivamente na linguagem da política, da fofoca e da economia, não sabemos o que fazer com esses favores e presentes tão bem analisados nas suas implicações sociopolíticas por Marcel Mauss. Toda democracia que se preza vigia a lógica do favor ou do dar-para-receber. Em todo lugar, quem é parlamentar, ministro e, principalmente presidente da República não pensa só na sua biografia, mas sabe que é um servidor do cargo que lhe foi concedido.

É preciso muita vontade de querer desconhecer-se a si mesmo para imaginar que narcisistas (esse traço marcante dos chamados políticos) possam resistir aos poderes inerentes a certos papéis sem um rigoroso código de ética. Sem politizar não apenas decisões e projetos, mas os cargos que constituem a estrutura de uma nação ordenada debaixo da liberdade e da igualdade, mas vergonhosamente desigual.

Nosso problema não é apenas de legislação, mas de uma revolução nas práticas sociais marcadas por toda sorte de privilégio. Nosso berço é a aristocracia branca patriarcal misturada com a orfandade da escravidão negra.

Sem esforço, vamos continuar recaindo — tal como fazem os hermanos latino-americanos — na velha estadolatria, estadopatia e estadofilia. Na crença inocente de que podemos mudar nossas rotinas de poder sem transformar radicalmente nossa sociedade com os recursos da sociedade que deve englobar o Estado e o governo.

O enriquecimento escandaloso não é o do mercado. É o que usa a ética maussiana do “dar-receber-retribuir” (base, aliás, da sociabilidade humana) sem controle e como um instrumento consciente de embolsar a riqueza nacional. É esse enlace incestuoso entre o pessoal e o impessoal, entre a igualdade legal e as hierarquias tradicionais que legitima as brutais ultrapassagens naquilo que Livia Barbosa estudou magistralmente como o “jeitinho” e este vosso cronista denunciou na desmontagem sociológica do “Você sabe com quem está falando?”, em 1979.

Um desmonte que só veio a ter resultados práticos para seus usuários na Lava-Jato. Na operação que tem denunciado como crime a aliança entre ocupantes de cargos privilegiados e as doces amizades que fazem parte do nosso estilo de exercer e matar cordialmente quem discorda de nós.

Aqui, o “capital social” do Bourdieu casou-se com o “capital espoliador” do Marx. O padre conscientizado foi o petismo, os padrinhos e madrinhas, a velha elite que sempre aprisionou a sociedade negra e ex-escravocrata, com normas controladoras.

Nosso erro é pensar que sociedade não tem normas, estilo ou cultura. Esquecendo que entre o estado e a sociedade existe um “governo” e que nele estão nossos parentes, partidários e amigos, supomos que leis podem suprimir velhos hábitos. E quanto mais fabricamos leis, mais sofremos reações corporativas vindos de nossa própria rede de relações pessoais. Aí, amigos, está a chave da mudança ou da permanência. Do uso ou do abuso.

Agora que descobrimos como um presidente do povo e eleito pelo povo virou, como afirma tranquilamente o patriarca Emílio, um empregado de luxo da Odebrecht, talvez se comece a enxergar que o assunto é muito mais sério e o poço muito mais fundo.

O centro da coisa jaz em deixar que normas impessoais e válidas para tudo e todos sejam englobadas pela ética particularista, intimista e pessoal cujo axioma garante que cada caso é um caso.

Nada além do trivial que Weber e Tocqueville, com ajuda de Marcel Mauss descobriram.

Roberto DaMatta

Palanque de quadrilha

Humildes bagres brasileiros

Em 2007, o então presidente Lula foi chamado a um canto por seu parceiro Emílio Odebrecht, que se queixou de que o Ibama estava dificultando a concessão de licença ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. O Ibama alegava que as enchentes, os desbarrancamentos e o cimento despejado no rio Madeira, equivalente à construção de 40 Maracanãs, poriam em risco os bagres do rio. Emílio Odebrecht disse a Lula: "O Brasil precisando de energia e vai ser paralisado pelo bagre? O senhor precisa tomar uma decisão!".

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Lula entendeu a ordem e assumiu o discurso de Odebrecht, até nas menores inflexões. Pela posição de Lula a favor da usina e contra o bagre, a então ministra do Ambiente Marina Silva começou ela própria a desbarrancar e acabou saindo. Depois de muitos estudos e concessões dos dois lados, o Ibama concedeu a licença. A construção da hidrelétrica foi completada em fins de 2016, ao custo de R$ 20 bilhões e, calcula-se, R$ 80 milhões em propinas para muita gente boa. Já o bagre está pagando para ver.

Apesar de sua importância para a população ribeirinha e o equilíbrio dos rios e igarapés da região, o bagre não tem prestígio político. Quando se trata de discutir os grandes problemas da Amazônia, seus colegas, o tambaqui e o tucunaré, têm lugar de destaque à mesa de reuniões da elite. O pirarucu, então, nem se fala —espalha os seus 200 kg numa poltrona na primeira fila.

Ao bagre resta a companhia da piranha, outra marginalizada, no fundo da assembleia.

Mas o preocupante na história é o que, graças às delações em curso, estamos sabendo agora —que Emílio Odebrecht só faltava dar ordens a Lula em questões de interesse nacional.

Se as piores previsões se confirmarem, quem vai pagar pelo extermínio de milhões de humildes bagres brasileiros?

Recado papal

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Não posso deixar de pensar em tantas pessoas, sobretudo nos mais pobres, que muitas vezes se veem completamente abandonados e costumam ser aqueles que pagam o preço mais amargo e dilacerante de algumas soluções fáceis e superficiais para crises que vão muito além da esfera meramente financeira
Papa Francisco em carta a Michel Temer

Vencer as dificuldades

Justiça seja feita, contanto que sem prejuízo aos milhões de inocentes que aguardam a volta da normalidade institucional e da confiança necessária ao desenvolvimento do país.

O sofrimento que deriva da instabilidade do sistema deve ser levado em consideração e priorizado em relação aos castigos dos delinquentes. Mais que vingança cega, é preciso enxergar a recuperação do prejuízo.

A justiça se faz com misericórdia, e a misericórdia, com justiça, não brutalmente. A justiça deve minorar e reparar, em primeiro lugar, o sofrimento ao qual a nação foi submetida pelos desvios. Os mesmos que apequenaram a saúde, a educação e as soluções sociais.


Estamos em estado de grave calamidade, o PIB encolheu no Brasil 15% nos últimos 40 meses, espantaram-se os investimentos, e instalou-se a pior recessão já enfrentada no país, assolado pela instabilidade, pelo desemprego e pela miséria.

Os orçamentos municipais se fizeram apertados, como os dos Estados e o da União, sinalizando um prazo de sete ou oito anos para recuperar o nível de 2012. Temos como encurtar esse prazo? Sim.

Embora a delação da Odebrecht seja apenas a primeira de largo espectro que revela a criminalidade generalizada do sistema público, será seguida por outras dezenas igualmente estarrecedoras. A exposição de um volume nunca imaginado de figuras de proa da política, o dito alto clero, sinaliza um prazo infindável para que a justiça se cumpra. Dez anos de investigações, processos e recursos jurídicos não serão suficientes. Deixarão o país sangrando, instável e depreciado, enquanto tribunais abarrotados consolidarão que o Brasil é um caos de indignidades.

Mais de 10 mil ações vão atingir uma multidão de indiciados sem saída, desde que não haja dilatação de prazos, prescrição e expedientes que adiem o julgamento. Isso, se houver, inexoravelmente, atrasará a recuperação de bilhões de reais que fazem falta para acelerar a recuperação do país.

A maioria dos indiciados trocaria a liberdade e um fim manso em qualquer canto do planeta para evitar dividir as celas com Zé Dirceu, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Eike Batista etc. Vale a pena ir até um fim? Um fim que não se sabe quando chegará?

Apenas a Odebrecht esvaziou os túmulos das “operações estruturadas”, e falta ainda uma dúzia de grandes empreiteiras, provavelmente centenas de recalls de delações. Isso para confirmar o óbvio, que o modus operandi da maior empresa do Brasil era comum ao das demais. Já se tem certeza. Os esquemas revelados pelos 74 delatores do grupo Odebrecht contemplam desde cacique de tribo indígena até presidente da República.

Não se trata de exceções, mas de uma geleia geral que interliga e nivela partidos, siglas, comandantes e presidentes. Segundo a Odebrecht, 75% das verbas eram de caixa 2; o resto, mesmo sendo de caixa 1, tinha contrapartidas, embora com aspectos legais, mas essencialmente imorais, pagas com superfaturamentos e vantagens extraídas dos erários nos contratos de concessões públicas, aeroportos, ferrovias, navios, estádios, hidrelétricas, termoelétricas, plataformas e até submarinos. Nada escapou.

Quanto tempo ficará o país sangrando, aguardando o fim desse drama marcado de estrepitosas bandalheiras?

Quais são as soluções para nos livrarmos dos efeitos colaterais, das demoras?

São várias e ainda justas quando apontam o benefício da nação.

Atenção, a anistia não é um perdão! Pode ser atenuação de parte da penalidade, desde que se produza um enorme ganho para o país.

Devolver os valores subtraídos e seguir para exílio deixando o patrimônio para um leilão são alternativas, assim como a liquidação de todos os ativos para pagamento e multa de 30% das receitas de obras públicas dos últimos 16 anos, enfim priorizando as vantagens sociais.

Ainda se pode criar um tribunal especial, como se fez em Nuremberg, ao fim da Segunda Guerra Mundial, para crimes de corrupção, com poderes e ritos especiais para passar os contratos federais, estaduais e municipais desde o ano de 2000.

A corrupção já nos fez pagar um preço caríssimo. A hora é de recuperar o tempo perdido e de se livrar das sementes que reproduzem a delinquência.

Para as figuras políticas que transitaram em cargos públicos no mesmo período, haveria possibilidade de antecipar confissão e devolução das propinas arrecadadas – com isso lhes seria possibilitado a venda do patrimônio possuído antes do ingresso na vida pública e seguir para o exílio ou prestar trabalhos sociais remunerados por salários mínimo ao longo de dez anos. Há muitas soluções que podem servir.

É preciso cortar esse nó górdio da corrupção, resgatando-se as oportunidades perdidas. Vacinar o Brasil, extinguindo grupos fundados em relações criminosas, exercer o confisco de seus patrimônios com o expurgo de dinastias de transgressores.

A confiança voltaria a benzer o Brasil, um surto de desenvolvimento surgiria para apagar grande parte do sofrimento atual. Os resultados das recuperações seriam vinculados a obras essenciais e destinados em partes iguais a União, Estados e municípios.

Essa pode ser a volta por cima.

Gente fora do mapa

Village Well - Thar Desert, India ♡ ✦ ❤️ ●❥❥●* ❤️ ॐ ☀️☀️☀️ ✿⊱✦★ ♥ ♡༺✿ ☾♡ ♥ ♫ La-la-la Bonne vie ♪ ♥❀ ♢♦ ♡ ❊ ** Have a Nice Day! ** ❊ ღ‿ ❀♥ ~ Thur 27th Aug 2015 ~ ❤♡༻ ☆༺❀ .•` ✿⊱ ♡༻ ღ☀ᴀ ρᴇᴀcᴇғυʟ ρᴀʀᴀᴅısᴇ¸.•` ✿⊱╮:
Deserto de Thar (Índia)

Seja feliz com o 'hygge', método de bem-estar dinamarquês

O imprescindível filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard advertia que a maioria de nós busca o prazer com tanta velocidade que, nessa pressa, passamos por ele sem perceber. Com certeza essa é uma boa base para começar a buscar o hygge. Nós o temos mais perto do que pensamos. Na verdade, ele sempre esteve aqui. Ok, mas o que é? O que significa? Bem, essa não é uma pergunta tão simples, porque hygge é uma palavra que nem sequer tem tradução em nosso idioma, embora exista uma aproximação: comodidade, familiaridade, conforto... Quando um dinamarquês tenta nos explicar o que é o hygge, costuma recorrer a uma cena como esta: imagine que você está sentado numa poltrona em frente a uma lareira, tomando uma xícara de chá enquanto lê um livro envolto numa dessas mantas que conforta a nossa vista só de olhar para ela. Isso é o hygge, e essa é a ideia: transformar qualquer lugar num lugar cálido, confortável e agradável onde seja possível curtir o momento em total confiança. E quando dizemos qualquer lugar, é qualquer lugar. Porque o hygge não se pratica só em casa. Pode ser no local de trabalho, numa reunião de amigos no bar, numa noite solitária num pequeno hotel e, claro, nesse lugar em que vivemos sempre: nosso corpo. Porque hygge é sair com uma roupa confortável, não com uma que nos faça sentir embutidos, tensos e com predisposição para o mau humor. Todos sabemos do que estamos falando, e isso é o legal do hygge, porque tudo o que temos de saber para sermos um pouquinho mais dinamarqueses já sabemos. Tudo o que temos que ter já temos. E está em nossas mãos colocar um dinamarquês em nossa vida para nos ajudar a viver de forma mais... hygge.

Façamos de qualquer lugar o nosso refúgio. Não por acaso, o hygge nasceu num país com um clima adverso. Invernos longos, duros e exigentes que obrigaram os dinamarqueses a olhar para dentro de seus lares a fim de se sentirem seguros e confortáveis, experimentando a familiaridade.

Essa mudança de direção no olhar, para o interior, permitiu-lhes não apenas trabalhar no desenho dos espaços e das coisas que os habitam, mas também nas relações e seus círculos de amizades para ampliar o conceito de refúgio onde quer que se encontrem. Talvez lá fora caia neve e estejamos a 20 graus negativos, mas não em nosso refúgio. Talvez o mercado de trabalho seja inclemente e não tenha sentimentos, mas em nosso círculo não é assim. E é possível que estejamos fora de casa, passando a noite num hotel, mas podemos buscar a familiaridade e encontrá-la ao desfrutar desse momento. Porque talvez o mundo seja cruel e imprevisível, por vezes frio e impessoal, mas nesse lugar onde estamos podemos nos esforçar para sermos geradores de bem-estar ativo.

O bem-estar ativo é, simplesmente, realizar de forma consciente aquilo que nos faz bem. Pode ser tomar uma xícara de chá, comprar o romance que nos chamou a atenção ou respirar um pouco de ar puro num passeio noturno. Cada um saberá o que é, mas o que todos sabemos é que, para sermos geradores de bem-estar ativo, precisamos ser caçadores de momentos especiais que acontecem aqui e agora. Celebrar o cotidiano como parte de um momento que não se repete, conectar com essa parte de nós que gosta de calma, sossego, tranquilidade. Mesmo que seja só de vez em quando, poder frear a ânsia da hipercomunicação, do hiperconsumismo e da hipervelocidade dos nossos dias para curtir o momento. Porque, no final das contas, como dizia Cesare Pavese, não recordamos dias; recordamos momentos. E esses momentos são nosso melhor refúgio.

A cordialidade como princípio, começando por nós mesmos. Hoje, o hygge está tão na moda que podemos encontrar velas hygge, calças hygge, mantas hygge e agências de viagem hygge. É o sinal do nosso tempo: qualquer coisa se transforma em bem de consumo. Mas, além das exigências do mercado, o grande segredo hygge é a cordialidade, e isso não podemos encontrar em nenhuma loja. Devemos buscar em nosso interior. Essa é a grande mudança de olhar que devemos fazer. Ser cordiais, começando por nós mesmos. Dar-nos esse gesto simples e possível que nos arranque um sorriso. Cuidar de nossa alimentação, sem que por isso tenhamos de abrir mão de tudo continuamente. Ser cordiais com nosso corpo, dando-lhe de presente, de vez em quando, essa massagem que nos faz tão bem ou esse banho que nos relaxa. Ser cordiais com os demais, fazendo com que se sintam confortáveis – isso também é ser cordial consigo mesmo. Ser cordiais com o meio ambiente, com os animais e com tudo o que nos cerca. A cordialidade é o princípio do hygge porque, a partir dela, é possível construir um refúgio onde habitar. E a cordialidade em grandes quantidades ampliará nosso refúgio até abranger todos os âmbitos de nossa vida. Isso é o hygge – e todos nós podemos ativá-lo agora mesmo. Ou, melhor dizendo, conectar com isso porque está mais dentro de nós que nas coisas que nos rodeiam, como costuma acontecer com tudo aquilo que nos faz sentir, simplesmente, bem.

A Bomba mãe e a lanterna de Diógenes

A mãe de todas as bombas – a delação da Odebrecht – gerou a maior escuridão na vida política nacional desde o advento da República. Nela, todos os gatos parecem ser pardos, embora haja matizes de cinza entre eles.

Tal qual Diógenes, o cínico que percorria as ruas de Atenas com uma lamparina em busca de um homem honesto, também estamos à cata de uma saída. Não apenas de uma figura proba, mas de uma solução concertada e transparente para a superação da maior crise ética da nossa história.

Para onde apontar a nossa lanterna de Diógenes, eis o dilema. Em meio a tanto breu alguns vislumbram luz em um acordão que salvaria a tudo e a todos.

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O quanto há de especulação ou de realidade, ainda está por ser conferido. Em boa hora, Fernando Henrique Cardoso negou peremptoriamente qualquer articulação com outro ex, Lula, e o atual presidente, Michel Temer.

Mas que há forças empenhadas em um grande acordo, não há dúvidas.

Na verdade, negocia-se com o que não se tem: a garantia de Lula na cédula de 2018. Ora, tais fatores fogem ao controle da esfera política. Seria necessária a anuência do STF, da PGR, da Justiça Federal, sem falar na aquiescência da sociedade.

E quais são os blocos de forças interessadas no acordão?

O primeiro é o lulopetismo. Como as delações da Odebrecht desnudaram Lula e deixaram expostas as vísceras do PT, o comissariado passou a defender um “grande entendimento nacional”, disposto a fazer um gesto “generoso” e se compor com quem até ontem chamava de golpistas.

Como sempre, douram a pilantragem com argumentos sofisticados. Ora, dizem, se Luiz Carlos Prestes se compôs com Getúlio Vargas assim como Winston Churchill com Josef Stalin, será absolutamente legítimo um acordo com Temer, face à “emergência nacional”.

Há um lado esquizofrênico na tese. Acusam Temer de ser ilegítimo para promover as reformas previdenciária e trabalhista, mas teria legitimidade para comandar um pacto político.

O discurso do risco da ditadura do “Partido da Lava Jato” é tão sem pé nem cabeça como o foi a retórica de que a Lava Jato nasceu para exterminar o PT e blindar o PSDB. Agora ampliaram o leque: acusam a Operação de querer exterminar a política e todos os partidos.

O discurso soa como música nos ouvidos do segundo bloco interessado num acordão. A delação da Odebrecht acendeu o sinal vermelho para forças patrimonialistas. Elas começam a ver na candidatura do Lula, de goela larga e couraça grossa, o crocodilo que pode abocanhar a Lava Jato.

Negar o acordão não é sinônimo da negação do diálogo aberto e transparente, com vistas a construção de outro padrão de se fazer política, pautado por valores republicanos. É da nossa cultura a busca de soluções pactuadas, como aconteceu na transição da ditadura para a democracia, em 1985, para dar o exemplo mais recente.

A diferença é que não há um precedente em nossa história de uma crise institucional decorrente principalmente da erosão ética do seu sistema político e de suas instituições. Esse não foi o fator determinante para o fim da República Velha, do Estado Novo, da ruptura democrática de 1964 e do fim do regime militar, muito embora a manipulação da bandeira da anticorrupção tenha sido um dos ingredientes das crises de 1954 e 1964.

Esse componente inusitado atingiu fortemente os principais atores políticos, subtraindo sua legitimidade para selar uma pactuação palatável à sociedade.

Mesmo dando razão à afirmação do ex-ministro do STF Célio Borja, segundo a qual “a generalização é a salvação dos canalhas”, é inescapável a pergunta: quem sobrou com estatura e legitimidade para avalizar um novo pacto político?

Idealmente, o Congresso deveria ser o sujeito coletivo para a consecução desse objetivo. Mas dá para apostar no espírito patriótico de quem opera, antes de tudo, com o espírito de corpo? E se não for o Congresso, quem desempenhará esse papel, uma nova Constituinte?

Ainda não há respostas para as incertezas. Com a mãe de todas as bombas, inicia-se o fim de um ciclo inaugurado pela Constituição de 1988. São os estertores - ora melancólicos, ora dramáticos - da chamada Nova República, o período que compreende as presidências de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer.

O velho sistema político morreu, mas o novo ainda não apareceu.

Enquanto isto não acontecer estaremos como Diógenes e sua lanterna, perambulando pelas ruas em busca da saída que nos tire das trevas.

Temer tenta retirar cartolas de dentro do coelho

É dura a vida de Michel Temer. No comando de um governo precário e lotado de suspeitos, o presidente se esforça para convencer um Congresso desmoralizado a aprovar reformas impopulares. Diante desse desafio estupendo, Temer ostenta o melhor discurso que pôde arranjar. Em encontro com deputado governistas, ele disse que é preciso “resistir” à situação delicada criada pela Lava Jato por meio do trabalho. Afirmou, com outras palavras, que o Congresso precisa se mostrar útil, para atenuar a desmoralização.

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Temer parece tirar inspiração de uma conversa que teve com Fernando Henrique Cardoso. Numa fase em que o Supremo Tribunal Federal ainda não tinha jogado as delações da Odebrecht no ventilador, FHC disse a Temer que é nos momentos de caos que o Brasil costuma avançar. Foi assim, segundo ele, no governo Itamar Franco. O país vinha de um impeachment, o governo era de transição e o escândalo dos anões do Orçamento ardia nas manchetes. Com tudo isso, aprovou-se o Plano Real.

Temer vende aos aliados a tese de que a aprovação das reformas fará o PIB brasileiro crescer como um foguete. Com sua retórica exagerada, tenta convencer sua tropa de que é melhor servir o remédio amargo agora do que chegar às eleições de 2018 ainda sob os efeitos do câncer da recessão. Temer sabe que, se fraquejar no Congresso, seu governo perde o sentido. Disse à infantaria governista que não é hora de acoelhar-se. A imagem do coelho é sugestiva. Se Temer fosse um mágico, não bastaria tirar coelhos da cartola. Teria de tirar cartolas de dentro do coelho.

Paisagem brasileira

                                              Igreja de Nossa Senhora do Amparo , Diamantina

Mãos sujas


É doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores no Brasil – que implantou medidas significativas – simplesmente não pôde manter as mãos fora da caixa registradora.
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Juntou-se à elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, tomou parte no esquema e desacreditou-se
Noam Chomsky, "o maior ícone do marxismo"

Um pelego de aluguel

Para qualquer sindicalista, da direção ou da base, que militasse nos anos 70 no movimento operário, a mais forte condenação feita a um adversário era chamá-lo de pelego. Afinal, de acordo com o Dicionário Houaiss, a palavra designa “agente disfarçado do governo que procura agir politicamente nos sindicatos”. O sentido original do termo remete à “pele de carneiro com a lã, colocada sobre os arreios para tornar o assento do cavaleiro mais confortável”. Ou, por extensão, “indivíduo servil e bajulador, capacho, puxa-saco”.

Dificilmente alguém que conhecesse, então, a fama de Luiz Inácio da Silva, o Lula, eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje do ABC) em 1975 com 92% dos votos e principal líder das greves da categoria na virada dos 70 para os 80 do século 20, o desqualificaria dessa forma. Afinal, foi eleito com o apoio do então presidente Paulo Vidal, fundador do chamado sindicalismo autêntico, contra os pelegos comprometidos com a máquina estatal desde o Estado Novo e seus adversários comunistas, leais à linha moscovita do marxismo-leninismo. Reeleito por força própria em 1978, também com quase a unanimidade de votos, construiu sua biografia alheio à herança populista de Getúlio e com fama de líder operário que não dava trégua ao patronato.

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Dá, portanto, para imaginar o espanto nacional ao ver e ouvir, no último fim de semana, de um dos mais poderosos e agora sabidamente corruptos e corruptores burgueses brasileiros, Emílio Odebrecht, “patriarca” da empreiteira herdada do pai, Norberto, e passada para o filho, Marcelo, que a empresa lhe pagou propina sistemática (por isso, corruptora) nestes últimos 37 anos. Com dinheiro furtado da Petrobrás e de outras estatais (daí, corrupta), a construtora contratada para prestar serviços financiou campanhas eleitorais do ex-dirigente sindical nas disputas políticas para presidente da República. Isso após haver conseguido os favores dele na condução de greves da categoria em seu Estado, a Bahia.

À noite, em redes nacionais de televisão, de manhã nas edições dos jornais e ao longo de todo o dia nas emissoras de rádio, o empreiteiro bilionário contou um caso de assustar todos os brasileiros. “Foi uma greve que estava perdurando, com problemas seriíssimos. E eu sei que ele não só me ajudou, como criou uma relação diferenciada com o sindicato na área da Bahia, do petroquímico em particular. Isso, para nós, foi importante, tendo em vista o crescimento do petroquímico e tal. Então, você tem um processo de convívio com ele, quase que institucional. De quando em quando, duas, três, quatro vezes... talvez até em determinados anos mais”, disse Emílio Odebrecht literalmente, sem tugir nem mugir.

Brasileiros de todas as regiões, fés religiosas, idades e convicções políticas têm sido informados “noturna e diuturnamente”, como diria sua discípula favorita e sucessora, Dilma Rousseff, de que para manter o seu Partido dos Trabalhadores (PT) no governo o herói proletário permitira o diabo sob sua gestão. E não apenas para ganhar eleições, mas para ficar no poder. Sob sua égide, a referida senhora e seu vice, Michel Temer, protagonizaram a maior fraude eleitoral da História, que está sob julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E pelo que foi apurado até agora dá para perceber que, nos três mandatos e meio dos petistas, nenhum cofre da República ficou incólume: todos foram esvaziados.

O delegado Romeu Tuma Jr., filho do homônimo ex-diretor do Dops e da Polícia Federal, revelou em seu livro Assassinato de reputações (Topbooks, 2013) que o mais popular líder político da História do País foi informante de seu pai nos movimentos sindicais. Pode até não ser verdade. Só que até agora ninguém desmentiu oficialmente os argumentos usados pelo policial, ex-secretário de Segurança do Ministério da Justiça no primeiro mandato do indigitado.

Os depoimentos dos 78 executivos e ex da Odebrecht, já chamados de delação do fim do mundo e agora também do mundo todo, de vez que abrangem todo o espectro ideológico e político do País, trazem novas informações e documentos que jogam no pântano sua pretensão a ser o brasileiro mais honesto de todos os tempos. E conforme foi revelado agora, constata-se seu papel de “pelego enrustido” (apud Houaiss, dissimulado), eis que sempre atuou a serviço daqueles que publicamente execrava nas assembleias, nos palanques, nos meios de comunicação e nos pronunciamentos oficiais. Emílio contou que a Odebrecht participou da redação do documento mais importante da campanha histórica que levou ao poder pela primeira vez na História do Brasil um operário braçal, ele próprio: a Carta ao Povo Brasileiro.

E não ficou nisso. No livro O que Sei de Lula (Topbooks, 2011), registrei a versão muito comum, disseminada por empresários que conviveram com um dos ideólogos do golpe militar de 1964, o general Golbery do Couto e Silva, de que o metalúrgico teve a carreira apadrinhada por este. Fê-lo para evitar que seu inimigo, Leonel Brizola, encampasse os sindicatos de esquerda na redemocratização. Emílio Odebrecht contou o seguinte: “Eu fui pedir ajuda ao Golbery, conversar essas coisas todas para lhe pedir uma orientação e na conversa vai, conversa vem, vem o negócio de Lula. E ele chegou e fez um negócio que me marcou. ‘Emílio, Lula não tem nada de esquerda’. Foi-lhe, então, perguntado: ‘Nada de esquerda?’ E Emílio explicou: ‘Nada de esquerda. Ele é um bon-vivant. Olha, e é verdade. Ele gosta da vida boa’.” Pois é.

Réu em cinco processos na Justiça e alvo de mais seis petições remetidas pelo relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, a várias varas da primeira instância, Lula já tem problemas de sobra para enfrentar. Só faltava a revelação de que o herói da classe trabalhadora nunca passou de um pelego enrustido, alugado pela corrupta burguesia nacional.

Substituíram o Congresso

Nesse festival de horrores que a televisão apresenta todos os dias, por conta das atividades da Odebrecht, o primeiro prêmio vai para os parlamentares aquinhoados com propina por terem aprovado medidas provisórias favorecendo a empreiteira. Vale o mesmo para a votação de projetos de lei. Quer dizer, na Câmara e no Senado existem ratos que votaram legislação beneficiando negócios escusos, recebendo milhões pelos serviços prestados. Valeria à pena o governo identificar que medidas provisórias e que leis foram editadas dentro desse modelo. Não só para revogá-las, mas, em especial, para obter o ressarcimento do roubo.

Seria bom, também, identificar os líderes dos partidos comprometidos com a tramitação dos projetos fajutos.

O grave nessa substituição das obrigações parlamentares por dirigentes empresariais é que muitos deputados e senadores aprovaram sem saber a origem e os interesses daquilo que votaram. Alguns imaginaram estar prestando favores ao governo. Outros sequer cogitaram saber por quê. Os bandidos, porém, não se esqueceram de cobrar pelos votos.

As investigações começaram a chegar aos governos estaduais. São de estarrecer. Também não escapam as prefeituras. Ninguém se espante se alguém gritar “teje todo mundo preso!”