domingo, 16 de abril de 2017

Brasil

No picadeiro

Os brasileiros não param de ouvir, já faz um certo tempo, advertências informando a todos que é preciso tomar muito cuidado com o que estão ouvindo por aí. Essa história de dizer que os políticos são uma completa desgraça em sua conduta e em seus resultados, por exemplo, é um perigo. Segundo os autores dessas recomendações de cautela, não se podem desmoralizar os políticos, pois isso desmoraliza as “instituições”, e aí vai tudo para o diabo — sem eles e sem elas, como ficaria o país? O Judiciário, então, é um tema mais delicado ainda: por mais absurdo que esteja se tornando o Brasil que constrói passo a passo com as suas decisões, como fazer pouco dos nossos mais altos magistrados? Além dos políticos e dos juristas, é preciso prestar muita atenção, também, antes de falar mal dos partidos, das lideranças nacionais e dos homens públicos em geral. Por piores que sejam, não há democracia sem a presença de todos eles – a única solução, portanto, é aguentar. Tudo bem, mas os personagens desse elenco fazem o possível e o impossível para despertar contra eles, como diria o ex-deputado Roberto Jefferson, os instintos mais primitivos da população. Fica difícil desse jeito.

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Seu último prodígio, uma obra de autoria coletiva que soma os esforços de juristas, políticos e partidos, é o que poderia se tornar conhecido como “o Caso da Chapa”. A assinatura oficial da obra é da “Justiça Eleitoral” – uma das peças mais notáveis do acervo em exibição no Museu de Horrores do Estado Brasileiro, com o seu Tribunal Superior Eleitoral, os 27 tribunais regionais, mais de 20 000 funcionários e funções desconhecidas em qualquer democracia bem-sucedida do mundo, onde jamais se julgou necessário criar uma “justiça eleitoral” para fazer eleições. O Tribunal Superior Eleitoral, como se sabe, está examinando desde o fim de 2014 um processo para decidir se a chapa vencedora das eleições presidenciais, de Dilma Rousseff e Michel Temer, recebeu dinheiro ilegal na campanha. É um fenômeno: esse delito tornaria “inelegível” uma chapa que já foi eleita dois anos e meio atrás, deporia de novo do cargo uma presidente que já foi deposta e mandaria para a rua o presidente atual, que termina o mandato já no ano que vem — o que obrigaria o Brasil a ter mais um presidente aleijado e de vida breve, o terceiro de 2015 para cá. Para piorar ainda mais a qualidade da charada, o relator do processo julgou necessário escrever um relatório de 1 032 páginas sobre o caso — mais que isso, só a Bíblia. Na semana passada, sempre na esperança de fazer esse disparate desaparecer pelo cansaço, ou pela sua própria falta de nexo, o TSE resolveu deixar tudo do jeito que está.

Depois de todo o tempo que já passou desde o começo do caso, os ministros acharam que seria preciso dar ainda mais uns dias aos advogados de Dilma para que apresentassem sua defesa; para garantirem que nada aconteça, resolveram também que as partes ainda podem chamar testemunhas — enfim, acabaram de adiar tudo de novo, e o caso, que ninguém já levava a sério, entrou definitivamente na área da palhaçada. Mais uma vez, como vem ocorrendo nos últimos 500 anos, “prevaleceu o bom-senso”, como observou um dos marechais de campo da tropa política de Brasília. Nem é preciso avisar: quando o cidadão ouve alguma figura pública brasileira dizer que prevaleceu o bom-senso, pode ter certeza de que estão lhe batendo a carteira. O que prevaleceu, mesmo, foi o interesse de cada um. Ninguém gosta do presidente, ou diz que não gosta, mas todos querem que o presidente fique. O PT finge que está em guerra com o governo: na rua, os militantes gritam “Fora, Temer”, na conversa para valer, os chefes do partido dizem “Fica, Temer”. O PSDB, que começou a ação para anular a chapa Dilma-Temer, reduziu sua cobrança pela metade: como Dilma já foi, quer que Temer fique. O senador Renan Calheiros, ninguém menos que ele, se transformou de vinho em água e todo dia requisita os jornalistas para dizer-lhes que é agora um homem da oposição, aliado de coração do ex-presidente Lula e inimigo mortal de Michel Temer. Ninguém, enfim, quer o que diz — nem o TSE quer julgar coisa nenhuma. Estão todos pensando, apenas, em como tirar proveito do que pode acontecer em 2018, e em permanecer fora do xadrez até lá. É o circo marambaia.

Se você não percebeu quem os políticos, ministros de tribunais, gênios dos partidos etc. escolheram para fazer o papel de palhaço nesse picadeiro, pense um pouco. Em menos de um minuto vai ver que o palhaço é você.

Regenerar a democracia

Vivemos uma crise na democracia representativa: os eleitores não se sentem representados pelos eleitos. A revelação da profundidade e extensão das manobras corruptas, em sua maioria ligadas ao financiamento das campanhas eleitorais, leva a concluir que a soma de mentira e roubalheira tem servido para desvirtuar completamente o ideal de governo do povo, pelo povo e para o povo.

Além disso, não conseguimos mais ouvir o outro. Pessoas que deviam estar acima de qualquer suspeita, por seu histórico comprometimento democrático, de Chico Buarque a Fernando Henrique, têm sido desqualificadas apenas por divergências de opinião.

No entanto, mais que nunca, a História nos desafia a clarear nosso pensamento. O sistema político-eleitoral em que vivemos não está atendendo às exigências democráticas e precisa ser regenerado. Se não conseguirmos ordenar as ideias sobre o que queremos e não queremos nesse campo, os espertalhões se aproveitarão para salvar a própria pele e nos deixar diante de fatos consumados, travestidos de leis pilantras que deverão nos reger.

Pelo menos alguns pontos terão de ser decididos já, uma vez que, a partir de outubro, não mais se aplicarão às eleições de 2018. Outros poderão esperar, menos premidos pelo calendário eleitoral. Mas é bom pensar que estarão no horizonte, a fim de que possamos saber para onde estamos indo.

Refletir sobre isso é tarefa coletiva. Construir conhecimento sempre é. Os cientistas cognitivos Steven Sloman e Philip Fernbach sustentam que a espécie humana é basicamente social e evolui num contexto de colaboração, como uma colmeia, em que o pensamento individual é limitado.

Temos a ilusão de conhecer coisas simples que usamos, da geladeira ao zíper, mas só temos ideias gerais a respeito. Para construí-las foi preciso somar vários saberes especializados e um histórico de tentativas e erros.

Como queremos então conceber sistemas complexos como o eleitoral (ou de saúde, educação, previdência, segurança pública) apenas repetindo superficialidades que não resistem a um exame? Apenas porque nosso grupo de pessoas numa mídia social reforça convicções baseadas em fé e não em fatos ou conhecimento? Vamos acreditar literalmente que a fé move montanhas? Ou vamos trocar ideias e somar pensamentos?

Pessoalmente, tendo a ser parlamentarista — entre outras coisas, pela eficiência de seu mecanismo de recall do chefe de governo e pela intensidade com que força a busca de consenso. Mas reconheço dois fatos incontestáveis. Com esses parlamentares que temos, é inviável. E sua adoção no Brasil já foi rejeitada duas vezes. Então, deixo de lado essa discussão agora. Mas isso não me impede de querer melhorar o Congresso.

Diminuir o número de partidos. E o de deputados. Acabar com suplentes de senadores como são hoje. Impedir coligações eleitoreiras. Eliminar o foro privilegiado.

Urgentíssimo é o barateamento das campanhas. Em vez de ser controlado, o financiamento por empresas foi proibido. Acabou. Como limitar o poder de outras “entidades” (igrejas, facções criminosas) nos bastidores? E como funcionaria um fundo público que Dilma triplicou e agora se propõe multiplicar por 5? Ou seja, 15 vezes mais do que era quando houve toda essa corrupção que estamos descobrindo.

Dinheiro dos nossos impostos. A ser gerido pelos caciques partidários, em paralelo a uma absurda lista fechada de candidatos? Raridade mundial em presidencialismo, como lembra a OAB-SP. E o eleitor, sem escolha, só poderá votar em quem os cardeais decidirem?

Como rejeitar e sair dessa enrascada? O mais lógico seria por meio do voto distrital, puro ou misto. O eleitor votaria em quem conhece, no seu bairro ou região. Mas isso só com emenda à Constituição — e PEC exige duas votações em cada Casa do Congresso. Para dar tempo, precisa começar já esse processo.

Nelson Motta sugere a possibilidade de candidaturas individuais independentes, sem partido. De que modo? Pode ser fecundo discutir isso. Várias democracias adotam esse sistema. Por sua vez, Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, surpreende ao propor acabar com a representação e adotar um sorteio de representantes, e deliberação digital contínua, em vez de eleição.

Tenho curiosidade de ver como esmiuçaria a proposta. Algo a se aproveitar? Há quem fale em plebiscitos frequentes. Dá para confiar? Se houver uma consulta sobre pena de morte, alguém duvida dos resultados?

Uma sugestão óbvia é baratear campanhas. Já estão mais curtas, mas seria bom se livrar de marqueteiros. Talvez ter debates frequentes na TV, em grupos pequenos de candidatos, sobre temas específicos: cada um expõe seus projetos e se compromete com um programa, em confronto com outros. Sem horário reservado a partidos.

Precisamos pensar em eleições sem espírito de vingança nem busca de solução salvacionista. Aproveitar a oportunidade de reflexões plurais, que podem viabilizar ações para melhorar a situação do país. E a vida de todos nós.

Ana Maria Machado

Gente fora do mapa

Manila, Philippines. "I could not remember this little girls name. But she was very curious of my camera. She requested me to take a photo of her playing the hula hoop. She was so happy to be photographed and kept asking for more photos. Kuya, photo me, Kuya photo me! I remember her sweet voice. At the end I hugged her and swing her around like a hula hoop. She was overjoyed...":
Manilha (filipinas), Leila Phaelante 

A salvação da lavoura política

A dose é cavalar: 320 pedidos de investigação feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. 180 políticos. De 2006 até 2016, o departamento de “operações estruturadas”, também conhecido como “departamento da propina”, do Grupo Odebrecht, movimentou R$ 3,3 bilhões. Esta é a grande fatura da Operação Lava Jato pela contabilidade da retumbante lista Fachin.

O que poderá acontecer com os nomeados, políticos de todas as instâncias federativas?

A primeira imagem que vem à mente é a de um imenso funil: o volume despejado não sai todo pelo cano. Grande parte sai pelas bordas. E outras pelos buracos ao longo do percurso.


Ao final de um longo processo de depuração, sobrará uma parcela pequena de pessoas condenadas, com uma parte aliviada pela prescrição de casos, outra sendo arquivada, ainda na fase de denúncia, por falta de provas, enquanto um terceiro grupo deverá se safar da condição de réus.

Ademais, um remédio chamado alongol atenuará a dor de cabeça de bom número de implicados, eis que o processo para reunir provas e contraprovas, colher depoimentos, interpor e acolher recursos junto às instâncias superiores e chegar ao julgamento final, atravessa uma distância oceânica. E a temperatura, naquele momento, será bastante diferente do clima fervente do início da temporada investigativa.

Analisemos, agora, o impacto da bomba Fachin sobre o universo da política. De início, ressalta-se o fato de que os estilhaços fazem furos em todos os partidos, particularmente nos grandes e médios, o que os iguala na moldura das imagens. Significa aduzir que não há vantagem de um em relação a outro. Todos entraram na antecâmera do inferno.

O cidadão, mesmo o mais ilustrado, não conseguirá distinguir os tipos de acusação – corrupção passiva, corrupção ativa, caixa dois e lavagem de dinheiro. Tudo é ilícito, tudo é motivo para condenação. A classe política, que já frequenta o patamar mais baixo da imagem, aprofunda seus eixos na lama.

O que resta fazer para que os políticos obtenham avaliação menos negativa? Não adianta gesto isolado de uns tentando negar participação no balcão da propina. Notas para a imprensa dizendo “confiar na justiça”, “os delatores mentem”, “nunca participaram de conluios”, não conseguirão aliviar a posição no ranking da negatividade. Por isso, qualquer grande gesto na retaguarda da defesa precisa ter uma identidade coletiva.

Os políticos não terão guarida fora do sistema de decisões voltadas para o bem- estar das pessoas. A tese é a de que a ‘salvação da lavoura’, para usar uma expressão popular, dependerá das chuvas que cairão na roça da economia.

Traduzindo em miúdos: o resgate da economia e a consequente melhoria dos padrões de vida dos brasileiros, tanto frequentadores das margens quanto os do meio da pirâmide, aliviarão o ônus gerado aos políticos pela Operação Lava Jato.

A economia funciona como locomotiva da vida cotidiana. Ela puxa o “animus animandi” da sociedade, seus humores, seu bem-estar, seu mal-estar. Se os consumidores engordarem o bolso, terão barrigas mais satisfeitas e cabeças menos nervosas. O espírito punitivo dos agentes da Justiça entraria em refluxo, com menor disposição para punir e prender.

Essa tese receberá questionamentos, mas este analista aposta na tese de que um país com maior grau de satisfação tende a ser mais complacente com a esfera política.

Portanto, não haverá “salvação” aos políticos fora do esforço para colocar o país nos trilhos. Significa intuir que os agentes carecem fazer mais que um acordo pela governabilidade: um pacto pelas reformas. Daí a necessidade de uma linguagem homogênea, integrada, com o mínimo de dissensões, com foco na aprovação de medidas que possam redundar em benefícios gerais.

A aprovação do marco regulatório da Terceirização começa a dar resultados. O segmento do Trabalho Temporário, cujo prazo foi ampliado para contratos de 180 dias, reage.

Empresários do setor informam que, nos últimos dias, demandas ao setor chegam a 40% de aumento. A reforma da legislação trabalhista colocará o Brasil em larga trajetória, onde as novas modalidades de trabalho consolidarão a tendência de reforço da empregabilidade.

A reforma da Previdência, em processo de debate, apesar de mais enxuta, ampliará o grau de confiança de investidores. A arrumação do país, que foi jogado no mais profundo buraco da recessão, deverá oxigenar a vida produtiva. Mas, para que essa meta seja completada, a classe política não pode continuar no balcão de barganhas, fazendo pressão, cobrando espaços na máquina governamental, exigindo cargos. A atitude mais lógica é perfilar ao lado do programa reformista, sugerindo aperfeiçoamentos, apoiando e votando.

A Operação Lava Jato tem um encontro marcado com a turma que alistou em suas fileiras. Esse encontro poderá ser mais alegre ou mais fúnebre. Vai depender do clima a se respirar nos próximos tempos.

Nesse caso, o próprio núcleo da política funcionará como boa fornada de meteorologistas. Se souberem entender a dinâmica dos astros, os políticos escolherão, desde já, as medidas para aliviar as altas temperaturas do amanhã. Que tal, por exemplo, escolher instrumentos mais adequados para balizar o pleito de 2018?

Se adotarmos critérios racionais e condizentes com a ética e a moral, certamente os políticos subirão no ranking do respeito (hoje praticamente no grau zero) do eleitorado. Se nada for feito nesse capítulo, é bem provável que enfrentaremos a campanha mais surpreendente desses turbulentos tempos.

Ao Executivo cabe a liderança do processo. Urge fazer forte articulação para integrar propósitos entre as reformas que promove, as demandas reais da população, os altos interesses da Nação e o pragmatismo da classe política. O presidente é um homem do diálogo, que prima pelo bom senso.

Resumo da história: a Operação Lava Jato faz um bem enorme ao país. Passa uma borracha na sujeira e ainda obriga cada protagonista da política a cumprir bem o seu dever.

A responsabilidade de Lula

Há quem veja nas delações da Odebrecht e nas centenas de inquéritos delas decorrentes, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como na primeira instância, a confirmação de que toda a política nacional está corrompida. A disseminação da corrupção seria de tal ordem que já não teria muita serventia a identificação dos culpados. Com leves variações de tons, todos os políticos seriam igualmente culpados. Ou, como desejam alguns, todos seriam igualmente inocentes.

Como corolário desse duvidoso modo de ver as coisas – como se a deformação da política tivesse pouca relação com a atuação desonesta de pessoas concretas –, há quem entenda que as descobertas mais recentes da Lava Jato desfazem a impressão, tão forte nas primeiras etapas da operação, de que Lula e sua tigrada tiveram uma participação especial na corrupção no País. Eles seriam tão somente um elo a mais na corrente histórica de malfeitos. A responsabilidade por tanta roubalheira caberia, assim querem fazer crer, ao sistema político.

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Longe de relativizar a responsabilidade do PT na crise ética da política, as revelações sobre os ilícitos da Odebrecht, delatados por seus diretores e executivos, confirmam e reforçam o papel deletério de Lula na política nacional. Seu papel foi decisivo e central para o abastardamento da vida política brasileira. Foi ele o autor intelectual e material do vil assassinato do interesse público nos dias que vivemos.

A corrupção levada a cabo nos anos do PT no governo federal não é mera continuidade de um sistema corrupto. Há um antes e um depois de Lula na corrupção nacional, capaz até de assustar Emílio Odebrecht. “O pessoal dele (de Lula) estava com a goela muito aberta. Estavam passando de jacaré para crocodilo”, disse o presidente do conselho de administração da empreiteira, em relato por escrito à Procuradoria-Geral da República.

É evidente que já existia corrupção antes de Lula da Silva chegar à Presidência da República. A novidade trazida pelo ex-sindicalista foi a transformação de todos os assuntos estatais em negócio privado. Sem exagero na expressão, Lula da Silva pôs o Estado à venda. A Odebrecht e outras empresas envolvidas no escândalo apenas compraram – sem nenhuma boa-fé – o que havia sido colocado na praça.

Ao perceber que todos os assuntos relativos ao governo federal poderiam gerar-lhe benefícios, pessoais ou ao Partido dos Trabalhadores, Lula da Silva procedeu como de costume e desandou a negociar. Com alta popularidade e situação econômica confortável – o País desfrutava então das reformas implementadas no governo anterior e das circunstâncias favoráveis da economia internacional –, Lula não pôs freios aos mais escusos tipos de acordo que sua tigrada fazia em seu nome, em nome do governo e em nome do partido, como restou provado no mensalão e no petrolão.

Lula da Silva serviu-se do tradicional discurso de esquerda, de ampliação da intervenção do Estado na economia, para gerar novas oportunidades de negócio à turma petista. São exemplos desse modo de proceder as políticas de conteúdo nacional e da participação obrigatória da Petrobrás nos blocos de exploração do pré-sal. Aquilo que era apresentado como defesa do interesse nacional nada mais era, como ficaria evidente depois, que uma intencional e bem articulada ampliação do Estado como balcão de negócios privados.

Lula não inventou a corrupção, mas criou uma forma bastante insólita de fazer negócios escusos. Transformou a bandalheira em política de Estado. Com isso, corruptos, velhos e novos, tiveram ganhos nos anos petistas que pareciam não ter limites. Não foi por acaso nem por patriotismo, por exemplo, que o governo petista estimulou as empreiteiras a expandir sua atuação para novas áreas, como a exploração de petróleo. Assim, incluía-se mais uma oportunidade ao portfólio de negociatas da tigrada de Lula.

Todos os inquéritos abertos a partir das delações da Odebrecht merecem especial diligência. Seria equívoco não pequeno, no entanto, achar que o envolvimento de tanta e diversificada gente nas falcatruas de alguma forma diminui a responsabilidade de Lula da Silva pelo que aí está. A magnitude dos ilícitos descobertos pela Lava Jato, da Odebrecht e de tantas outras empresas e pessoas, só foi possível graças à determinação de Lula da Silva de pôr o Estado à venda. Não lhe neguemos esse mérito.

Não precisamos de nova Constituição

A convocação de uma Constituinte não é ideia nova, mas ganhou força nesta semana em que a lama recolhida pela Lava-Jato esparramou e subiu acima da linha do pescoço de políticos de todos os matizes. Virou a panaceia da vez. Como se a questão de fundo fosse a lei, e não o desrespeito a ela.

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Com formatos diferentes – independente e popular, a exemplo da exposta no Manifesto à Nação assinado pelos juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias --, ou exclusiva para a reforma política, desejo da presidente cassada Dilma Rousseff e de parcela do PT, a nova Carta Magna começou a ser debatida como se o país fosse incapaz de sobreviver sem ela.

Há até os que preconizam a tese defendida por Tancredo Neves logo depois do Colégio Eleitoral, em 1985, de um texto-base elaborado por notáveis, desta vez modernizada pela submissão do trabalho ao julgamento popular, via plebiscito.

E, claro, os enlameados, que estimulam o debate por mera tergiversação.

Fala-se de uma nova Constituição como reação à corrupção e à crise de representação, como se um conjunto renovado de leis tivesse o condão de colocar na linha aqueles que não cumprem as leis.

Os escândalos cotidianos são didáticos quanto a isso: caixa 2 é proibido, venda de legenda e compra de votos em plenário, também. Lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, tudo isso é crime, previsto no Código Penal. E a elite política do país praticou todos eles sem qualquer constrangimento.

Embora contra a lei, o ex Lula fez e continua fazendo campanha eleitoral antecipada à Presidência da República - e nada acontece. Nem mesmo a punição constitucional prevista para o impeachment foi aplicada à presidente cassada Dilma Rousseff, que acabou não tendo seus direitos políticos suspensos.

Ou seja, uma coisa é lei – e até a Constituição --, outra coisa é a observância a ela.

É certo que o Livro de 1988 é extenso, detalhista, com promessas de mundos e fundos que o Estado não tem como garantir ao cidadão. Não raro, é contraditório, criando excepcionalidades de gênero e de categorias que traem o princípio pétreo da igualdade (homens e mulheres são iguais, mas não tão iguais quando se trata de aposentadoria ou de prestação de serviço militar, por exemplo).

Nada que não possa ser corrigido ou suprimido, até com a anuência plebiscitária.

A Constituição já foi alterada quase uma centena de vezes. Ao contrário do que muitos dizem, não há mal algum nisso, até porque, para fazê-lo, é preciso maioria qualificada por duas votações na Câmara dos Deputados e no Senado.

Sabe-se ainda que, por questão de sobrevivência, parlamentares – incluindo aí os compráveis – acabam votando a favor de temas com forte apelo popular, mesmo quando têm de enfiar a faca no próprio peito. Foi assim com a Lei da Ficha Limpa.

Ao fim e ao cabo, tudo se resume em mobilização. Fazê-la em nome de uma nova Constituição no momento em que o país se vê roubado e clama por Justiça pode ser um apelo genérico demais, confuso. Com probabilidade de fracasso, assim como as mais recentes manifestações contra a corrupção, que se exauriram em uma avalanche conflituosa de palavras de ordem e bandeiras.

Sem contar o quanto a ideia está imatura. Mesmo os defensores mais bem intencionados da convocação de uma Constituinte não apontam como seus integrantes seriam eleitos em plena crise de representatividade, com mais da metade dos partidos políticos esmagada pela Lava-Jato. Mais: quem convocaria a Constituinte? O atual governo? Assinaturas populares com regras da Constituição considerada obsoleta? O povo? Como?

A questão central é que por mais estarrecedora que seja a corrupção revelada, não há ruptura institucional que justifique a elaboração de uma nova Carta. Um país sério não troca de Constituição diante de um cataclismo, por maior que ele seja. Ao contrário. Usa a sua Lei maior para debelar as crises e se fortalecer. Não estimula casuísmos.

Mais do que novas leis, o cidadão exige o fim da impunidade.

E não bastam vir à tona delações, vídeos com acusações, listões de citados.

Mais do que novas leis, o cidadão quer que a Justiça faça valer a lei, com celeridade e precisão – a única chance de o país se reconstituir.

Um musical clássico

A peste

Obra prima do escritor e filósofo franco argelino Albert Camus, o romance A Peste, publicado em 1947, conta a história de uma epidemia que assola Oran, pequena cidade argelina, cujos habitantes levam uma vida monótona até o flagelo dizimar considerável porcentagem da população. O livro é uma alegoria da ocupação nazista e do colaboracionismo na França durante a guerra, que causou grande polêmica entre os intelectuais franceses na década de 1940. O autor foi agraciado com Premio Nobel de Literatura em 1957. Morreu em 1960, aos 47 anos, em um desastre de automóvel.

A peste bubônica, uma zoonose causada pela bactéria Yersinia pestis, é transmitida ao ser humano pelas pulgas dos ratos pretos. A bactéria entra por meio de invisíveis quebras na integridade da pele, espalhando-se para os gânglios linfáticos, onde se multiplica. Em poucos dias surge febre alta, mal-estar gastrintestinal e gânglios linfáticos hemorrágicos e edemaciados devido à infecção. Formam manchas-se escuras na pele e as bactérias invadem a corrente sanguínea, onde se multiplicam, causando hemorragias sépticas em vários órgãos.

“Na manhã do dia 16 de abril, o Dr. Bernard Rieux saiu do consultório e tropeçou num rato morto, no meio do patamar. No momento, afastou o bicho sem prestar atenção e desceu a escada” — assim começa a narrativa da invasão que quebrou a monotonia da pequena cidade. “Foi mais ou menos nessa época que nossos concidadãos começaram a inquietar-se com o caso, pois, a partir do dia 18, as fábricas e os depósitos vomitaram centenas de cadáveres de ratos. Em alguns casos, foi necessário acabar de matar os bichos, pois a agonia era demasiado longa. Mas, desde os bairros exteriores até o centro da cidade, por toda parte onde o Dr. Rieux passava, por toda parte onde nossos concidadãos se reuniam, os ratos esperavam em montes, nas lixeiras ou junto às sarjetas, em longas filas”, continua.


“A partir do quarto dia, os ratos começaram a sair para morrer em grupos. Dos porões, das adegas, dos esgotos, subiam em longas filas titubeantes, para virem vacilar à luz, girar sobre si mesmos e morrer perto dos seres humanos. À noite, nos corredores ou nas ruelas, ouviam-se distintamente seus guinchos de agonia. De manhã, nos subúrbios, encontravam-se estendidos nas sarjetas com uma pequena flor-de-sangue nos focinhos pontiagudos; uns, inchados e pútridos; outros, rígidos e com os bigodes ainda eriçados (…) Vinham, também, morrer isoladamente nos vestíbulos das repartições, nos recreios das escolas, por vezes nos terraços dos cafés. Nossos concidadãos, estupefatos, encontravam-nos nos locais mais frequentados da cidade”, descreve Camus.

No livro póstumo Quando os fatos mudam, o historiador britânico Tony Judt revisita a obra do escritor francês, ao fazer resenha da tradução para o inglês de Robin Buss publicada pela famosa editora Penguin. Judeu, reconstitui o grande incômodo que o livro causou aos intelectuais franceses quando foi lançado e atribui o fenômeno à insistência do escritor em “situar a responsabilidade moral individual no centro de todas as escolhas públicas”. Camus é um moralista, mas não é um moralizador. Distingue claramente a diferença entre o bem e o mal, porém, trata com certa compaixão os que duvidam e aceitam fazer concessões, pelos motivos e erros de uma humanidade imperfeita. Ao mesmo tempo, revela desprezo pelos que relativizam as situações ou trocam de opinião de acordo com as conveniências do momento.

Autor de outros romances famosos, como O estrangeiro e O homem revoltado, Camus era um mito por causa da participação na Resistência, como editor do diário clandestino Combat, que continuou a circular depois da França libertada. Seus editoriais formavam a opinião da esquerda francesa. Mas foi muito criticado por Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre por causa da “moderação e tolerância desiludidas” que revela na alegoria de A Peste. Quando o livro foi publicado, os franceses começavam a esquecer os constrangimentos e as soluções de compromissos dos quatro anos de ocupação alemã. O marechal Philippe Petain havia sido julgado e preso, outros colaboracionistas haviam sido executados, e cultivava-se o mito de uma gloriosa resistência nacional, alimentado por políticos de todos os matizes, do marechal Charles De Gaulle ao líder comunista Maurice Thorez.

Camus era um herói nacional, mas não gostava da apologia à Resistência e atribuía à inércia e à ignorância a incapacidade de ação da maioria dos franceses durante a ocupação nazista. Judt destaca que, em condições extremas, raramente encontramos categorias simples e reconfortantes de bem e mal, culpado e inocente. Os personagens de A Peste mostram que as pessoas “podem vir a fazer a coisa certa a partir de uma combinação de motivos e podem, com a mesma facilidade, cometer atos terríveis com a melhor das intenções — ou sem intenções de tipo algum”. Citando Camus, Judt destaca que o bacilo da peste nunca morre ou desaparece inteiramente e pode chegar o dia em que “a peste convocará seus ratos e os enviará para morrer em alguma cidade que se mostre satisfeita consigo mesmo”. É inevitável uma analogia com a situação que o Brasil está vivendo. Quantos foram cúmplices, omissos ou prevaricaram?

PT e PSDB amavam Odebecht enquanto fanáticos se odiavam em praças públicas

PT e PSDB monopolizam as eleições presidenciais no Brasil há mais de duas décadas. Com o passar do tempo, as disputas foram adquirindo um quê de briga de pátio de colégio. Na sucessão de 2014, a coisa descambou. O tucanato dizia que o petismo roubara no mensalão e no petrolão. E o petismo respondia que o tucanato é que assaltara no mensalão mineiro e no escândalo dos trens paulistas. De repente, os delatores da Odebrecht esclarecem que os dois lados têm razão. E os torcedores fanáticos, que pareciam dispostos a matar e morrer por uma honra inexistente, percebem que fizeram papel de bobos. Não sabem onde enfiar o ódio que estocaram para alimentar suas lacraias interiores.

Há dois anos e meio, quando Dilma foi reeleita, Aécio era o principal líder da oposição e Lula se jactava de ter dado à luz um poste pela segunda vez —algo nunca antes visto na história do país. Hoje, Dilma é matéria-prima para Sergio Moro, Aécio divide com o notório Jucá o título de campeão de inquéritos da lista de Fachin e Lula nunca esteve tão próximo da cadeia. Legenda de um líder só, o PT está no brejo sem cachorro. Com Alckmin e Serra no mesmo pântano, o PSDB ficou num mato com João Doria. O tucanato, incorporado ao governo de Michel Temer, virou força auxiliar de um apodrecido PMDB. O PT, devolvido à oposição, derrete como sorvete exposto ao sol.


A lição primeira da hecatombe produzida pela colaboração da Odebrecht deveria ser a de que todas as premissas sobre as quais o eleitor brasileiro construiu as suas ilusões políticas depois da redemocratização do país precisam no mínimo pegar um pouco de ar. Para que o desastre servisse de aprendizado, seria preciso que os brasileiros se convencessem de que a industrialização do ódio pior do que uma sandice, é um erro. A maluquice se apaga com o esquecimento. O erro exige reflexão e correção.

Enquanto os fanáticos se odiavam em praça pública —ou nas redes sociais, que muitos acreditam ser a mesma coisa— petistas e tucanos amavam a Odebrecht no escurinho do departamento de propina da empreiteira. Parte da torcida ainda tenta fechar os olhos para a realidade. Mas está cada vez mais difícil. Os 78 delatores da Odebrecht azucrinam os fanáticos em toda parte. Eles estão na tevê, no rádio, na internet, no jornal, na revista…. E não adianta ignorar o noticiário. A voz de Marcelo Odebrecht pode invadir o grupo da família no aplicativo do celular, exigindo uma reação do fanático. Pode ser uma cara de nojo.

Há também a opção de continuar enxergando a democracia como o regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria, tratando a eleição como uma loteria sem prêmio e encarando o voto como um equívoco que pode ser renovado de quatro em quatro anos. De resto, aqueles que preferem odiar alguém a amar o país, podem odiar-se a si próprios. Como diria Nelson Rodrigues, um dia o sujeito acaba arrancando a própria carótida e chupando o próprio sangue, como um vampiro de si mesmo.

Sumiram os candidatos

Fosse realizada ampla pesquisa nacional para saber quem decepcionou mais o cidadão comum, em meio às delações reveladas na semana que passou, qual seria o vencedor? Existem os tradicionais, tipo Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, e José Dirceu, condenados cumprindo pena de cadeia, mas o que dizer das vestais até pouco tidas como acima de qualquer suspeita, como Aécio Neves, Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando Henrique e outros? Sem esquecer o Lula.

A coincidência é de que nas preliminares dessa consulta, a maior parte é integrada por ex-futuros candidatos presidenciais. Gente que vinha mantendo acesa a chama da esperança e agora, da noite para o dia, sumiram. Deixaram de ser hipóteses futuras. Dificilmente se recomporão.

A dúvida, agora, parece ser a busca de novos pretendentes ao palácio do Planalto. Alguns açodados supõem espaço para João Dória Júnior. Outros imaginam a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia. Por que não o juiz Sérgio Moro? E o ex-ministro Joaquim Barbosa.

O primeiro requisito para integrar essa nova bateria é não fazer parte da lista da Odebrecht ou de outras empreiteiras. De preferência, também, não pertencer a nenhum dos chamados grandes partidos. Experiência administrativa, talvez. Reputação ilibada, certamente.

O problema é o vazio. E o risco de algum aventureiro surpreender. De qualquer forma, não adianta procurar no ministério.

Paisagem brasileira

A Igreja Matriz, no município de Duas Barras (RJ), construída no período de 1850 a 1855. Segundo consta, as despesas realizadas com a construção da Matriz foram custeadas quase que exclusivamente pelo Comendador Francisco Alves Ribeiro. Dentre as doações que ornamentam a atual Matriz, ressalta a imagem da Padroeira dada pelo cidadão Manoel Cornélio dos Santos.   Foto: Daniel Valencia Solarte:
Duas Barras (RJ)

Os perigos da vida

Vão se passar muitos anos antes que tudo isso chegue ao fim. Nesse meio tempo, serão feitas separações entre graus diferentes de culpas dos políticos brasileiros. Há os que venderam a função pública, trocaram o financiamento eleitoral por vantagens em contratos públicos ou sobrepreço em obras. E merecem condenação. Há os que, além disso, enriqueceram. E isso será imperdoável.


Nem todos os políticos têm o mesmo grau de culpa, mas só a Justiça saberá fazer a separação. Muitos nomes que apareceram na lista terão seus inquéritos arquivados, outros serão julgados e condenados. Há os que serão punidos por crime eleitoral, e outros fizeram muito pior.

A primeira dúvida é sobre o tempo necessário para essa separação. O mensalão tinha 30 réus e exigiu seis anos do Supremo para se chegar ao julgamento. Nessa avalanche de pedidos de inquérito, quanto tempo o STF levará? Os nomes na lista Janot-Fachin ainda não são réus, mas a partir de agora começará uma complexa investigação.

Os inquéritos serão comandados pelo próprio Supremo. A investigação será feita pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, mas o STF decidirá quem será ouvido, se vai aceitar ou não os pedidos de diligência: oitivas, coleta de depoimento, busca e apreensão, quebra de sigilo, tudo terá que ser pedido ao STF. Concluída a investigação, a PGR decidirá se denuncia ou se considera que não houve produção suficiente de provas e então pedirá o arquivamento. Poderá também pedir que seja investigado em outra instância. Toda essa triagem é trabalho para anos. Quando a denúncia for feita e acolhida, o investigado passará à condição de réu. E só então começa o processo criminal.

Os tempos da Justiça não combinam com os tempos da política, que têm eleições a cada dois anos. O eleitor então terá que escolher nas urnas entre políticos sobre os quais há suspeição. Os graus de culpa são diferentes, como disse, mas o manto da dúvida encobrirá todos os citados.

Nos próximos dias e meses vão se alastrar duas sensações igualmente perigosas. De um lado, a ideia de que os políticos são todos iguais e devem ser afastados da vida nacional. Uma democracia sem políticos não é possível e esse raciocínio abre espaço para os aventureiros e autoritários. De outro lado, pode avançar a ideia de que, se todos são culpados, ninguém é culpado. O risco neste caso será o do fortalecimento da impunidade da qual estamos tentando nos livrar. O conformismo com a corrupção trará de volta o “rouba mas faz”.

De tudo o que foi dito nas delações da Odebrecht — e em todas as outras — há dois grandes grupos de investigados. Os que receberam caixa dois, mas não foi identificado nenhum crime vinculado a essa doação irregular. E os que trocaram essas doações clandestinas por vantagens em obras e contratos públicos.

Foi isso que, com boas ou más intenções, alguns líderes políticos propuseram separar. O risco de tentar fazer essa separação em projeto de anistia de caixa dois é que os políticos encontrarão uma forma de, em parágrafos e incisos da lei, perdoar o crime de corrupção. Essa é a armadilha em que o país está. Qualquer movimento de anistiar quem recebeu recursos através de caixa dois, mas não fez nada além disso, será transformado na anistia ampla, geral e irrestrita à corrupção.

Todo caixa dois tem origem em algum crime antecedente. No mínimo de sonegação. Mas a culpa é maior daqueles que usaram o cargo ou mandato para desviar dinheiro dos cofres públicos, através de fraudes em contratos ou obras, para compensar a empresa doadora. Tudo fica ainda pior quando há os casos de enriquecimento ilícito.

Não será fácil o caminho que os brasileiros terão que trilhar neste momento. Há muitas armadilhas pela estrada. E o Brasil não pode perder a noção de que nesta travessia o mais importante será preservar a democracia. O risco é ouvir o canto fácil dos que dirão que não são políticos e por isso têm uma inocência original que os faz merecedor do voto do cidadão. O país tem que punir criminosos e, ao mesmo tempo, renovar o sistema político, evitando os aventureiros e vendedores de poções milagrosas. Não será fácil. Mas nunca foi fácil manter e aperfeiçoar a democracia.

Expurgo, mas à brasileira


Não creio que esse expurgo da classe política assuma a mesma proporção que assumiu na Itália (após a Operação Mãos Limpas, nos anos 1990). Vai ser forte, mas não com a radicalidade da situação italiana.

Acho muito difícil que partidos mais enraizados, como PT, PSDB e PMDB, saiam do mapa. Acho que eles ficarão, porque inclusive fora deles não há nada de novo surgindo

Luiz Werneck Vianna, professor de Ciência Política da PUC-RJ

'Águas subterrâneas do rio Doce também estão contaminadas'

Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Greenpeace, revelou que, além do Rio Doce, as águas subterrâneas da região estão contaminadas com altos níveis de metais pesados. A água dos poços artesianos locais apresentaram níveis desses metais acima do permitido pelo governo brasileiro. Os pequenos agricultores são os mais prejudicados, já que não têm outra fonte de água para a produção e para beber.

As águas do Rio Doce foram contaminadas pelo rompimento da Barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, no município mineiro de Mariana, em 5 de novembro de 2015. O incidente devastou a vegetação nativa e poluiu toda a bacia do Rio Doce, atingindo outros municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram e diversas comunidades foram destruídas. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.

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Após o desastre, agricultores familiares recorreram a poços artesianos para irrigar suas plantações e ter água para beber. As amostras coletadas pela equipe da UFRJ apresentaram altos níveis de ferro e manganês, que prejudicam o desenvolvimento das plantações e oferecem riscos à saúde, no longo prazo, segundo os pesquisadores. Um dos objetivos do estudo do Instituto de Biofísica da UFRJ, em parceira com o Greenpeace, foi avaliar se os agricultores, impossibilitados de utilizar em suas plantações as águas do Rio Doce contaminadas pelo desastre, poderiam empregar com segurança os poços artesianos como fonte de irrigação e consumo.

Pesquisadores analisaram a presença de metais pesados na água em 48 amostras coletadas de três regiões diferentes da bacia do Rio Doce: Belo Oriente (MG), Governador Valadares (MG), e Colatina (ES). As amostras foram coletadas em poços, em pontos do rio e na água tratada fornecida pela prefeitura ou pela Samarco. A cidade de Belo Oriente apresentou cinco pontos de coleta com níveis de ferro e manganês acima do estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão do Ministério do Meio Ambiente. Em Governador Valadares foram identificados 12 pontos e, em Colatina, dez pontos com os valores acima do permitido.

Segundo o estudo, a água desses locais não é adequada para consumo humano e, em alguns casos, também não é recomendado o uso para irrigação de plantas – situação de alguns pontos de Governador Valadares e Colatina. A contaminação do Rio Doce se deu pelos rejeitos que vazaram com o rompimento da barragem. No entanto, os pesquisadores disseram não poder afirmar que os poços sofreram a contaminação por conta da lama vinda da barragem, por falta de estudos prévios na região. “Contudo, podemos afirmar que a escavação dos poços e sua posterior utilização se deu por conta do derramamento da lama na água do rio, que porventura, a inutilizou”, diz o relatório.

E se Jesus Cristo vivesse na era da internet?

Peço permissão para fazer tal analogia, guardado o respeito a um personagem sagrado e universal. Mas diante da passividade e embotamento que a civilização vai se submetendo diante do avanço tecnológico, maquinizado e escravizado por eletrônicos, me pus a pensar sobre o papel de um doutrinador e evangelizador em tempos de conectividade ilimitada. Poderia ser Buda, Maomé, Confúcio também.

Usaria Jesus para propagar seus ensinamentos as redes sociais? Teria página no Facebook, Instagram? Tuitaria o dia inteiro em sábias frases de 140 caracteres?

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Faria uso de um canal do YouTube, em que relataria suas andanças por Canaã, sua decepção em Nazaré, ou suas palestras em Jerusalém? Teria com seus discípulos e seguidores um grupo de WhatsApp e de forma obsessiva mandaria e receberia textos cheio de abreviaturas e emojis? Mandaria e-mails reveladores correndo o risco de hackers roubarem seu conteúdo? Ok, é divagar muito não é? Mas, com tantos memes, radicalização, fofocas violentas virtuais, com certeza a vida dEle não seria fácil. A velha expressão “nem Cristo agradou a todo mundo” adquiriria dimensões impensáveis. Haveria uma guerra virtual com os romanos que dominariam o mundo internáutico, leões invejosos e raivosos devorariam os seguidores e curtidores cristãos. Ciberbullyng e montagens photoshopadas se multiplicariam a tal ponto que o conteúdo e essência de suas lições e falas se perderiam no ódio virulento que as multimídias propagam. Ufa! Temeria por adjetivos que o perseguiriam mais que os ortodoxos judeus ou romanos colonialistas e ditadores: charlatão, falso profeta, picareta entre outras pérolas, acompanhariam suas doutrinações. Nas caóticas aparições públicas amplamente noticiadas, encontraria fãs enlouquecidos e vaias homéricas. Perderia, com razão, a paciência com as imprudentes e incontáveis selfies.

E correndo o risco de ser chamado de arrogante, mal-humorado. Em entrevistas, bastaria uma palavra mal colocada ou uma edição distorcida de suas palavras para um tsunami de críticas ostentar manchetes. Suas curas e milagres seriam questionadas e ridicularizadas: cego voltar a enxergar, morto levantar do túmulo, água virar vinho? Céticos, cientistas, blogueiros em geral o reduziriam a pó. Seria crucificado diariamente, sofreria processos em todas as áreas jurídicas, seria chicoteado virtualmente num massacre midiático incalculável. Deus realmente sabe o que faz e 2.000 anos depois é um milagre que o “Verbo” sobreviva. Aliás, percebam o termo para dimensionar nosso empobrecimento pós internet: “Verbo”!

Sim, meus caros, a palavra sempre foi o instrumento de compreensão mútua, de ensinar e aprender novos conceitos e mudar a mente. É a fonte que nutre nosso conteúdo mental, a matéria-prima que ao formular pensamentos, emoções e desejos permite que a doutrina que Cristo nos passou tenha se eternizado. Mas, convenhamos, se fosse contemporâneo teria sido quem foi? Sem contar o carisma que desaparece nas telas, pois é uma energia que só o presencial nos permite.

Há na vida elementos que deveriam ser degustados, experimentados com calma e tempo, assim são as sensações. O mundo deveria entrar em nós pela audição, visão, olfato, paladar, tato. Ainda bem que milagres foram registrados há séculos. Hoje seriam chacotas, viralizaria em piadinhas nas redes.

Tudo isso para concluir: como é difícil ser líder ou exercer novas ideias num universo virtual internáutico tão caótico e fútil. E olha que estamos carentes de lideranças.

Algum aplicativo poderia nos acolher?