sábado, 25 de março de 2017

Ultraje

A resposta da ministra Cármen Lúcia à pergunta do jornal O GLOBO — “E agora, Brasil?” — exprime de forma luminosa a gravidade do momento que estamos vivendo. “E agora, brasileiros? O que vocês, incluindo todos nós, vão fazer para mudar? Este é o momento de despertar, como em outras oportunidades que tivemos”.

A apresentação da lista de Janot é um destes momentos raros na vida das nações em que sentimos com um misto de exaltação e inquietação que a história se acelera e que estamos jogando o nosso destino. À frente, uma encruzilhada: um salto em direção ao futuro ou a regressão ao charco em que o país agonizava sem que soubéssemos. Chegou a hora da verdade.

Carne Fraca

A denúncia do procurador-geral revela a metástase da corrupção que devastou o Brasil. O sistema político implodiu, fez-se um campo de ruínas. Exacerba-se o desespero dos políticos que, desmascarados, não pensam em nada senão em salvar a própria pele, custe o que custar. Da tentativa de aprovação a toque de caixa de uma autoanistia à adoção do voto em lista fechada para assegurar sua reeleição e foro especial, as tramoias urdidas no Congresso provocam uma sensação de náusea.

Vivemos tempos de “italianos” e “amigos”, todos amigos dos amigos, tempos de mafiosos, bandidos com codinomes, batizados por empresas criminosas. O que explica o sorriso meio irônico, meio Mona Lisa, do insondável Marcelo Odebrecht.

O Brasil tem um vasto capital de homens e mulheres dignos. A respeito da autoanistia, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto foi cristalino: “Não existe a figura da autoanistia. O Estado não pode perdoar a si mesmo, é inconcebível, um disparate, um contrassenso, uma teratologia. É a negação do estado de direito”.

A introdução do voto em lista fechada, controlada pelos caciques dos partidos e com lugar reservado para os detentores de mandato, expropria o eleitor do seu direito de escolha e os cidadãos do direito de se candidatar. Garante a esta gente seu foro privilegiado ainda que à custa de mumificar a representação política, impedindo toda e qualquer esperança de renovação. É este objetivo escuso que está por trás da manobra, e não qualquer preocupação com a reforma do sistema eleitoral.

O desfecho do processo de reconstrução nacional, que é o sentido profundo da Lava-Jato, está à vista. A afirmação de que ninguém está acima da lei vence a descrença e muda o Brasil. Daí a violência da reação destes que sentem seu poder e seus privilégios ameaçados. Já não têm mais nada a perder, nem honra, nem dignidade. Em suas próprias palavras, sua única preocupação é “estancar a sangria”. Comportam-se como feras acuadas, dispostas a tudo.

A desfaçatez dos políticos à cata de impunidade contém outro imenso risco, o de deixar intactos os múltiplos esquemas de corrupção ainda não alcançados pela Lava-Jato. É provável que o que já veio à tona seja apenas a ponta de um iceberg cuja parte ainda submersa se espraia por todos os níveis da administração pública, estatais, fundos de pensão, agências reguladoras, enfim, por todo e qualquer espaço em que haja recursos públicos a serem saqueados.

Há os que argumentam que a investigação e a punição dos culpados abrem uma crise institucional que desestabiliza a economia. Nonadas. O que destroça a economia é o megassistema de corrupção. O que gera instabilidade é a impunidade. A volta por cima que estamos dando só valoriza nossa imagem e lugar no mundo.

Há que dar um basta às tentativas de impunidade sob pena de perpetuação do sistema de corrupção. Como alertou um dos procuradores da Lava-Jato, uma noite no Congresso pode destruir tudo o que se vem construindo nos últimos anos. Autoanistia e ameaças a juízes e procuradores representam um último ultraje à população que exige decência. São aberrações que não podem passar sob pena de desmoralização da democracia.

Atenção às palavras da ministra Cármen Lúcia. “Acho que talvez estejamos quase na ruptura de um modelo político-institucional em que passavam-se coisas que não vinham a público e, se viessem, dava-se um jeitinho. Agora, não. Agora o jeito é aplicar a lei, e será aplicada! Há juízes no Brasil para aplicar a lei, e ponto. Podem acreditar nisso!”

Acreditamos. Agora, mais do que acreditar, é preciso agir. Os que queremos a redenção do Brasil não podemos ser espectadores, temos que ser protagonistas. Cada gesto conta, cada palavra dita ou escrita, cada opinião compartilhada em conversas, redes e blogs, cada protesto público. Se assim for, a impunidade não passará.

Rosiska Darcy de Oliveira

Por que não se calam?

Vai completar dez anos aquela célebre interrupção de Juan Carlos I, na época rei da Espanha, ao presidente venezuelano, Hugo Chávez: “Por que não se cala?” Pronunciada durante o fechamento da Cúpula Ibero-Americana, em 10 de novembro de 2007, deu a volta ao mundo viralizada na Internet. Eu me lembrei da história por causa do momento de ruído que vive o Brasil. Estamos na era da comunicação global, onde todos falamos ou gritamos ao mesmo tempo, na maioria das vezes sem nos escutar. Não seria mais sábio apostar em um pouco de silêncio?

Os políticos brasileiros citam repetidamente Deus em seus discursos. Muitos têm a Bíblia em seus escritórios. Lembro que a vi também no do então presidente Lula. Por isso, poderíamos trazer aqui as palavras do rei Salomão que escreveu no Eclesiastes: “Há tempo de ficar calado e tempo de falar” (Eclesiastes 3) Palavras que podem ser aplicadas também para a política brasileira, à qual parece faltar tempo para refletir. Trata-se de um momento crítico para a democracia do país, conquistada com tanto esforço por aqueles que lutaram pelas liberdades e por uma justiça para todos, sem privilegiados.

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Herman Benjamin, membro do Supremo Tribunal Eleitoral, alerta no jornal O Estado de S. Paulo, que quando as pessoas não acreditam mais na justiça “as consequências podem ser imprevisíveis e até violentas”. Cabe, para dar tempo para que os mares se acalmem e para recuperar a sensatez, que aqueles com maior responsabilidade nos destinos do país se dediquem a refletir e agir, em vez de querer estar sempre no palco. Estou me referindo aos que exercem o poder político e judicial. A todos: juízes, magistrados, procuradores, ministros, congressistas e políticos em geral, já que é possível perceber o desassossego por parte da sociedade com o excesso de declarações e julgamentos pessoais fora de texto e de contexto, que levam as pessoas a falar: “Por que não se calam?”

E não excluo nenhum poder. Tampouco o dos meios de comunicação, considerados como o quarto poder, onde sobram muitas vezes rumores e excessiva urgência de exclusivas, enquanto falta ponderação e seriedade informativa. A sabedoria não tem tempo. Foi analisada e exaltada desde a antiguidade. Não será sua ausência que está incendiando este país, onde os valores foram invertidos: se calam aqueles que deveriam falar e gritam aqueles que deveriam armar consensos em vez de semear discórdia? Talvez tenhamos chegado à urgência de reunir pedaços de sensatez em vez de continuar “jogando pedras uns nos outros”.

O texto bíblico que nos serviu para escrever esta coluna diz também que “a irritação injusta não se poderá justificar”. Nada pior, realmente, para o Brasil no momento atual que tentar justificar a ambição dos injustos (leia-se corruptos), ou a de trabalhar, desde as altas esferas da responsabilidade, para tentar salvá-los. A Bíblia lembra que “quanto maior a sabedoria, maiores as preocupações” e que “aumentar os conhecimentos traz consigo o aumento de aflições”. Às vezes, no entanto, aqueles que supostamente deveriam ter muita sabedoria e ciência, em vez de preocupações preferem os louros, e em vez das aflições do silêncio preferem o deleite dos aplausos.

E é, por fim, o autor do Eclesiastes que afirma: “Observei também isto sobre a Terra: é que a maldade reina onde o direito deveria ser aplicado e onde deveria ser feita justiça.” Um ditado diz: “Tanto barulho por nada?” O melhor da História costuma ser encontrada em seus silêncios.

Autoridades sem compostura no país da desesperança

Os brasileiros estão muito irritados com os dirigentes atuais e a crise político-econômica. O país nunca foi exemplo de eficiência, justiça e amparo à população, mas tudo extrapolou por uma vertente mais negativa nos últimos anos, escancarando a desigualdade social, a infraestrutura obsoleta, os desequilíbrios regionais e as antigas mazelas do atraso, do mandonismo e da demagogia. Assim, enquanto outras nações vêm alcançando alto patamar de desenvolvimento econômico e bem-estar social, vivemos às voltas com analfabetismo, moradia vulnerável, insalubridade, insegurança e precária mobilidade entre casa e trabalho. O retorno de enfermidades, que tinham sido erradicadas no início do século XX, expressa dolorosamente a distância do Brasil em relação, por exemplo, ao Japão, à Nova Zelândia e ao Chile, apesar de nossa privilegiada dimensão territorial e populacional.

Os segmentos instruídos reconhecem que estamos perdendo tempo para garantir um futuro promissor às novas gerações e percebem as causas primeiras do descalabro socioeconômico. Muitos permanecem, entretanto, acomodados, porque são beneficiários do subdesenvolvimento, pelo baixo custo da mão de obra para tocar seus negócios e pela proximidade dos poderosos, sempre sensíveis às demandas de prováveis cabos eleitorais. Assim, ninguém nega que as classes privilegiadas curtem aqui opulência maior do que nos países desenvolvidos; por isso, rejeitam propostas para um amplo processo de modernização, especialmente no que se refere às relações de trabalho.

Há poucos líderes para lutar pelas mudanças, dentro do Congresso Nacional, no qual os parlamentares honestos são dependentes de espaço cedido pelo grupo que exige a preservação do establishment. Assim, aqueles aceitam as migalhas que lhes são oferecidas para usufruir alguma vantagem e sobreviver politicamente. Durante as negociações para eleger as diretorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por exemplo, extinguiu-se a barreira entre situação e oposição, suplantando o pudor pelas diferenças ideológicas. Importava apenas buscar um entendimento que garantisse a governabilidade, cuja pauta era do Poder Executivo, sempre impositivo sobre a representação popular.

A situação está se tornando insustentável porque vieram à tona informações sobre a conduta criminosa de muitos políticos, que têm, infelizmente, apoio de outras esferas do Estado. Sua imagem está irremediavelmente comprometida, mas eles propõem medidas para que as ações oficiais estejam ajustadas a seus interesses pessoais, buscando a autoproteção, como o voto em lista fechada, a anistia do caixa 2 e o controle dos “abusos de autoridade”. São todas manobras deletérias porque ignoram a vontade popular e querem manietar outras instituições do Estado que estão lutando para reconstruir a democracia. Essas iniciativas não terão acolhida na população, farta de propostas que não sinalizam um país harmônico, justo e soberano.

Imagem do Dia

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Lingchuan (China)

Lula tem razão, o PT mudou a história do país

O PT realizou nesta sexta-feira um seminário com tema sugestivo: “O que a Lava Jato tem feito pelo Brasil”. Foi como se os enforcados se reunissem para apertar o nó da corda. Principal orador, Lula declarou que o partido foi criado “para mudar a história desse país.” Se era esse o objetivo, é preciso reconhecer que o PT tornou-se um sucesso. Acertou errando. Desvendou os crimes do poder cometendo-os. Deixou pistas em profusão, para ser flagrado. Numa palavra: fez uma revolução.

O petrolão é a principal evidência do êxito retumbante do PT. Excetuando-se a época do mensalão, outra página memorável escrita pelo petismo, nunca antes na história desse país o Estado investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. No momento, estão em cana, entre outros: o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas e o gestor de arcas partidárias João Vaccari.

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Há também três ex-presidentes e um presidente-tampão encrencados. Lula é réu em cinco ações penais. José Sarney será interrogado por ordem do Supremo Tribunal Federal sob a acusação de tentar embaraçar investigações. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e está prestes a virar matéria-prima para as sentenças de Sergio Moro. E Michel Temer convive com o risco de cassação no Tribunal Superior Eleitoral. Como se fosse pouco, foram à alça de mira dos investigadores os pajés do PMDB do Senado, e os presidenciáveis do ninho tucano. Tudo isso porque o PT se absteve de maneirar.

No seu discurso, Lula mostrou-se abespinhado com o procurador da República Deltan Dellagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Desqualificou-o por ter afirmado que o PT é uma organização criminosa. “O que aquele moleque conhece de política?” Se Lula afirma que seu partido não é uma quadrilha, lavrem-se as atas! Quem ousaria discutir com um especialista?

De resto, Lula continua acreditanto que Lula é a pessoa mais honesta que ele conhece. “Nem o Moro, nem o Dallagnol, nem o delegado da Polícia Federal têm a lisura, a ética e a honestidade que eu tenho nestes 70 anos de vida.” Modesto, Lula esqueceu de mencionar que se tornou um colecionador de amigos. Usa o sítio de um amigo, que foi reformado por outro amigo, em parceria com uma empreiteira-companheira. Outra construtora-solidária, para agradar Lula, reformou um tríplex que nem era dele. E bancou o aluguel do garda-volumes para suas tralhas. Juntas, as construtoras-amigas fizeram de Lula um homem rico, remunerando suas pseudo-palestras. Não é todo dia que aparece um ser humano assim, tão especial.

Josias de Souza

Tá na hora

O papel do STF é vital. Mas para que o exerça é preciso que funcione. E isso, diante da insuficiência estrutural que decorre da presente conjuntura, não lhe oferece alternativa senão a que sugerimos: requisitar, dentro do que a lei lhe faculta, todos os recursos humanos disponíveis da magistratura, para que atenda à demanda que aí está. A hora é da (e de) Justiça
Claudio Lamachia

Operação Carne Fria do Ibama autua JBS, mas governo tenta abafar

Por coincidência, e mais azar do governo de Michel Temer, em pleno turbilhão da operação Carne Fraca, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deflagrou na última segunda-feira, outra operação que atinge gravemente a indústria da carne no país, inclusive a JBS, a maior empresa do ramo, dona das marcas Friboi, Seara e Swift.

Ninguém combinou, mas o Ibama chamou a sua operação de Carne Fria. Nessa ação, autuou 14 frigoríficos no Pará, Bahia e Tocantins que compraram 58 mil cabeças de gado, produzidas em 26 fazendas com áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal na Amazônia.

Dentre os frigoríficos, estavam as unidades de Redenção e Santana do Araguaia, no Pará, pertencentes à JBS.

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Feitas as autuações, o Ibama estava pronto para divulgar o sucesso da talvez mais técnica operação que já realizou, e uma das mais bem-sucedidas em flagrar grandes infratores.

Isso não aconteceu, porque, em seguida, e de Brasília, o governo começou uma operação para tentar abafar a divulgação em nível nacional – vários sites de notícias regionais já publicaram notas a respeito. Segundo apurou ((o))eco, Suely Araújo, presidente do Ibama, ensaiou duas vezes convocar uma coletiva de imprensa, mas acabou não indo em frente. A mais formal delas aconteceria nesta sexta-feira, em Belém, e seria feita em conjunto com o Ministério Público Federal, que apoiou a operação.

A reviravolta ocorreu porque nem mesmo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) estava bem informado sobre a Carne Fria. Quando o Planalto tomou conhecimento do que estava acontecendo foi cobrar satisfações do Ibama pelo novo desastre de comunicação e tentar adiar a sua publicidade. Tarde demais. A tentativa de conter danos não funcionou porque o Ibama havia avisado sobre a ação a repórteres da Rede Globo e Repórter Brasil.

No meio do inferno astral da Carne Fraca, da Polícia Federal, a Carne Fria, do Ibama, é um repique do desgaste que o governo e a indústria estão passando. E dessa vez, por uma razão muito mais difícil de consertar: destruição de bioma. A operação torna público que pelo menos uma grande exportadora de carne brasileira está comprando animais criados em áreas de desmate ilegal. E áreas de pasto para gado representam cerca de 60% do desmatamento acumulado na Amazônia.

É mais fácil tirar um lote de carne estragada do supermercado do que regenerar partes destruídas da floresta mais famosa do planeta. As unidades da JBS de Redenção e Santana foram autuadas pelo crime ambiental de "adquirir produto de área embargada", o que significa, no caso, área desmatada fora da lei.

A Carne Fria começou a ser planejada há cerca de um ano, em 2016. Em vez de fiscalização em campo, a operação usou um esforço de inteligência para pegar os infratores. A sua primeira etapa ocorreu em janeiro de 2016, quando o Ibama notificou os frigoríficos a entregar ao instituto os documentos que mostram a procedência do gado que adquirem.

O documento mais importante para a investigação foi o chamado GTA (Guia de Trânsito Animal), usado para controle sanitário, em especial da febre aftosa. De posse do GTA é possível saber qual o percurso do gado, das fazendas que criam e as que engordam até chegar à porta do frigorífico. Os dados dos frigoríficos foram comparados com os fornecidos pela Adepará (Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Estado do Pará). Por sua vez, a Adepará só forneceu esses dados depois de pressionada pelo Ibama e pelo Ministério Público. Uma vez de posse dos dados da indústria e da agência fiscalizadora, o cruzamento apontou os infratores.

Uma consequência da operação do Ibama, segundo apurou ((o))eco, foi a queda do superintendente interino do instituto no Pará, Luiz Paulo Printes, um dos responsáveis por preparar a Carne Fria. Ele foi destituído do cargo na manhã desta 4a feira, 22/3.

Agora, além de fraca, a carne é fria e envolve crime ambiental: mais desmatamento na Amazônia.

Carne podre e envenenada

Sempre disse: o Brasil chegou ao máximo que pode chegar – como nação e como civilização. Não estamos diante do abismo, estamos diante da linha de chegada. Construímos em 517 anos uma civilização regressista, atrasada, que, como dizia o Darcy, prefere construir presídios a escolas decentes para a juventude. Uma civilização incapaz de oferecer saúde, transporte, segurança a uma população espoliada: ou está desempregada ou está empregada pagando impostos para manter uma máquina estatal mastodôntica.


Um país onde todos – podendo - roubam. Somos campeões em atraso educacional e cultural. Vivo em Brasília, a capital da República dos Balangandãs, cuja vida cultural não tem a altura do meio-fio. Uma cidade de um único jornal, de baixa qualidade. Pouco saio – prefiro ficar em casa lendo (livros), ouvindo música e escrevendo. Meus filhos acham que devo fazer exercícios, mas onde? Outro dia fui a uma academia perguntar o valor da mensalidade, horários – quando ouvi uma música tipo bate-estaca, altíssima, que, segundo a jovem que me atendia, estimula os exercícios. Agradeci – e fui embora. Ficar uma hora numa esteira, como se fosse um hamster, e ser obrigado a ouvir aquela música – jamais!

Agora essa: carne podre, envenenada e misturada a papelão. Bem, o Velhote do Penedo não come carnes vermelhas, nem determinados embutidos. Come carne branca: peixe e peito de frango. Agora terá que corta o peito de frango. Empresas enormes, multinacionais e servidores públicos (fiscais) – uma quadrilha poderosa, em grana e abrangência encarregava-se de envenenar silenciosamente a população. Que fazer com essa gente? Defendo prisão perpétua. Ontem, a justiça soltou a mulher do Sérgio Cabral – amanhã vão soltar o próprio, duvidam?

O que me impressiona é que, mesmo diante da Lava Jato, as quadrilhas brotam em todos os escaninhos da vida brasileira – quadrilhas que acham que nunca serão pegos. Outro dia, conversei com um administrador de uma universidade privada. No momento em que as universidades caem aos pedaços, estão arruinadas, as universidades privadas vão bem com a grana que recebem dos alunos, via Fies e Prouni. Ou seja, ao invés de bancarmos as universidades públicas, facilitamos a vida das universidades privadas – usando um truque ideológico: com o Fies e o Prouni os jovens pobres puderam fazer o ensino superior, afirmam os ideólogos. O que fazer?

Gente fora do mapa

Na casa sem teto, na chuva descoberto, na rua sem chinelo, comer o que não tem, sem ninguém, más com o coração do bem!:

O universo paralelo do PT

As denúncias da semana, centradas no depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, movimentaram a cena política de Brasília, mesmo não revelando, a rigor, nada que já não se soubesse.

Não significa, porém, que nada acrescentaram ao contencioso da organização criminosa (denominação dada pelo ministro Celso de Melo, do STF) que governou o país por treze anos – e que subsiste em parte no atual governo. Afinal, todos os ministros afastados do governo Temer (e os que restam por segui-los) serviram a Lula e Dilma. O PMDB, vale o lembrete, era o segundo escalão do PT – e somente por isso o sucedeu. Os que pedem “fora, Temer” são exatamente os que nele votaram e permitiram que lá esteja.

Com relação às denúncias, o impacto deriva do fato de que confirmam e dão detalhes da rapina, mostrando método, estilo e linguagem nas relações entre os criminosos, públicos e privados.

Há sempre uma excitação mórbida em contemplar os bastidores do crime, de onde deriva o sucesso dos filmes de gângsteres e suspense policial. Não faltam, nos depoimentos, cenas de forte impacto, ao ponto de alguns bradarem contra o vazamento, tendo em vista possivelmente o teor obsceno dos relatos, impróprios para menores e pessoas nervosas.

Compreende-se, por aí, o zelo de alguns ministros do STF, do TSE, dos partidos envolvidos e de intelectuais petistas. Num sucinto relato, eis parte do que está em detalhes nos depoimentos.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Entre 2006 e 2014, o departamento de propinas da Odebrecht pagou 3,4 bilhões de dólares - mais de R$ 10 bilhões – a políticos de diversos partidos, a maior parte ao PT, secundado pelo PMDB e PP, parceiros carnívoros nos governos Lula e Dilma.

Lula era titular de uma “conta corrente” no departamento de propinas da Odebrecht. De um saldo de R$ 23 milhões, em 2012, sacou R$ 13 milhões. Tinha ainda R$ 10 milhões de saldo, de que já não poderá dispor. Dilma sabia de tudo, enviou emissários a Marcelo Odebrecht - inicialmente Antonio Palocci e depois Guido Mantega - para cuidar dos repasses e teve sua campanha bancada com dinheiro roubado da Petrobras. Os detalhes estão no noticiário.

Sobrou lama para todos, desde o revolucionário PCdoB, que vendeu por R$ 7 milhões o seu apoio e tempo de TV, junto com o PDT e outros dois partidos nanicos, até o PSDB, também beneficiário do caixa dois. Há, claro, gradações. Como diz FHC, “não se pode comparar um homicídio com uma surra”.

Mas a turma da surra está agora unida aos homicidas em busca de uma saída, via Congresso. E a ideia central é anistia. O único temor são as ruas. Amanhã, quando está convocada nova manifestação em todo o país, será possível dimensionar o tamanho da reação popular. O temor é que já haja fadiga com o tema.

O PT investe nisso. Não havendo defesa, parte para o ataque.

Ontem, quando jornais, telejornais e internet reverberavam as denúncias de Odebrecht, Lula, com a habitual veemência, jurava: “Tenham a certeza que nunca ninguém vai dizer que eu pedi dez centavos”. Ninguém duvida: Lula jamais pediu dez centavos

Num evento intitulado “O que a Lava Jato tem feito pelo Brasil”, ontem, em São Paulo, a cúpula do PT e alguns intelectuais aliados mostraram aos céticos que existe de fato um universo paralelo. E é lá que habitam. Quanto mais provas e evidências vêm à tona, mais eles afirmam o contrário. Palavras de Lula:

“Nós, do PT, fomos criados para mudar a história do país e não para ficar com medo. Quem errou pague pelo erro.”

O PT, de fato, mudou a história do país. Levou as piores tradições da política nacional a tal paroxismo que a implodiu. Provocou uma diarreia cívica, cujos efeitos ainda não cessaram, mas hão de ter desfecho purificador. Já estão tendo.

Quanto ao desafio de cobrar punição a quem errou, é exatamente o que está em curso, embora Lula não se reconheça na fita, mesmo sendo seu protagonista. O presidente do PT, Rui Falcão, dá uma pista do que se passa na cabeça dos seus correligionários. Considerou “uma burrice” penalizar as empreiteiras corruptas.

São suas palavras:

“Esquece-se que até mesmo as empresas que sediaram a corrupção contribuem para a riqueza nacional. Penalizá-las é uma vingança infantil, para não dizer simplesmente burra.”

Lênin ensinava que a moral revolucionária não devia respeito à moral burguesa e a nenhum outro código legal. Roubar em nome da causa não constituiria vergonha, senão cumprimento do dever.

O PT governou sob essa inspiração – ou a pretexto dela -, o que o levou a unir-se a companheiros de viagem que, embora desprovidos do manto ideológico, partilhavam do mesmo objetivo. Alguns ainda sobrevivem no atual governo; muitos estão no Congresso – e outros já estão na cadeia.

Trabalhador pode pagar conta da crise

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de terça-feira (22/03) um projeto controverso sobre terceirização e trabalho temporário, que vinha se arrastando no Congresso desde 1998 e que o governo Michel Temer defende como necessário para gerar empregos.

Parte dos esforços do governo para recuperar a confiança na economia e acelerar a retomada do crescimento, a legislação provocou uma série de críticas de grupos da oposição e de sindicatos, que temem uma precarização do mercado de trabalho do país.

Segundo Katharina Hofmann, vice-diretora da Fundação Friedrich Ebert no Brasil, a lei "deve mudar o Brasil" de uma forma radical e é "perigosa", sobretudo por seu efeito sobre as greves - a medida autoriza empresas a substituir funcionários em paralisação por trabalhadores temporários.

"O governo está promovendo um retrocesso", afirma a vice-diretora da Friedrich Ebert, organização ligada ao Partido Social-Democrata alemão e que mantém vínculos com a CUT.

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Hofmann afirma que promover a terceirização "é ainda mais preocupante no contexto brasileiro, já que o país não conta com uma rede de apoio social ampla para amparar trabalhadores que ganham pouco". Segundo Hofmann, a "a própria ideia de terceirização é algo antissocial, que não permite criar relações estáveis".

Para Beate Forbriger, diretora da Fundação Friedrich-Naumann no Brasil, de tendência liberal, os políticos brasileiros deveriam era pressionar por reformas na CLT em vez de passar leis que tentem contornar a atual legislação, que ainda conserva muitos aspectos da década de 1930.

"A legislação trabalhista precisa ser flexibilizada e acompanhar as mudanças do Brasil, mas estamos falando da CLT", opina. "Projetos como esse da terceirização apenas contornam o problema e podem ter efeitos imprevisíveis. É preciso reformas que flexibilizem e incentivem a contratação, e não mecanismos que podem ter o efeito oposto."

No momento, a terceirização em empresas só é permitida para as chamadas atividades-meio, empregos que não são diretamente ligados à atividade final da companhia ou instituição. Isso permite que uma montadora de automóveis, por exemplo, tenha faxineiros ou guardas terceirizados, mas não operários da linha de produção.

A responsabilidade sobre esses trabalhadores terceirizados é hoje solidária, ou seja, dividida entre a empresa terceirizada e aquela que usa seus serviços. Assim, um trabalhador terceirizado também pode cobrar pagamento de direitos trabalhistas da contratante.

A regulamentação atual também só permite a contratação de trabalhadores temporários por um período máximo de três meses. Hoje esses contratos só podem ser aplicados para substituir trabalhadores doentes ou em férias ou quando há aumento da demanda - por exemplo, quando uma loja precisa de mais trabalhadores no período de compras de Natal.

Lula, Dilma e o rio: Exército Brancaleone no Nordeste

Mal (ou bem?) comparando, só faltou, no domingo passado, o grito de guerra “Branca! Branca! Branca!, Leon, Leon Leon”, para a extemporânea encenação político eleitoral misturada com patético e desesperado ataque à Lava Jato e ao juiz Sérgio Moro se completar, no esturricado sertão nordestino, no final do verão brasileiro de 2017.

O ambiente fica cada vez mais parecido – principalmente depois da Operação Carne Fraca – com o cenário medieval da fabulosa comédia do cinema italiano, “O Incrível Exército Brancaleone”.

Basta observar, com um mínimo de atenção e distanciamento crítico e ideológico, para logo se constatar: o que se tem visto nas últimas semanas na localidade de Monteiro, e em áreas próximas na Paraíba, Pernambuco e Ceará, não passa – apesar de todos os penduricalhos e disfarces jornalísticos, geopolíticos, antropológicos e intelectuais - da mais completa e deslavada imitação do memorável filme de Mario Monicelli – uma notável paródia a Dom Quixote, que satiriza também a própria situação da Europa no século XI.

No cinema, Brancaleone (magnificamente encarnado por Vittorio Gasman) e os quatro miseráveis famintos que acabam se tornando seu exército de desesperados “confrontam boa parte das grande polêmicas da Baixa Idade Média. Percorrendo o longo caminho até Aurocastro no lombo do pangaré Aquilante (referência ao Rocinante de Quixote”, como sintetiza um crítico de cinema.


No caso da comédia nacional do século XXI, temos no centro do cenário – ou no palanque principal, para ser mais exato -, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao seu lado, a mandatária deposta Dilma Rousseff (uma espécie de representação feminina de Sancho Pança) na encenação com dois propósitos: um, declarado, de “fazer a inauguração popular das obras de transposição das águas do São Francisco (visivelmente exangue e, em alguns trechos de seu leito, já devastado e sem água para ele próprio se manter vivo); outro implícito, de demonstração de força política preservada no Nordeste). “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu um lugar carregado de simbolismo para lançar de vez sua pré-candidatura à presidência em 2018”, diz o jo rnal espanhol El Pais em reportagem sobre o fato.

E acrescenta: o petista reuniu uma multidão no sertão da Paraíba em uma espécie de comício, onde Dilma afirma que “há interessados em impedir que ele se candidate”, numa referência velada às ações que responde na Justiça, incluindo as da Operação Lava Jato. E ainda nem se conhecia o teor devastador do depoimento de Emílio Odebrechth ao TSE, segundo o qual a ex-mandatária sabia da “dimensão” das doações por meio de Caixa 2 feitas pela empresa que ele presidia até ser preso e condenado pelo juiz Sérgio Moro, à campanha da petista à reeleição.

Em volta do palco em Monteiro, o regimento de curiosos somados a militantes, chamados de “multidão” pelos oradores e mestres de cerimônia, parecem tão fora da realidade quanto os que os estimula a gritar palavras de ordem do tipo “Lula lá” e “É golpe”. Melancólica expressão farsesca das multitudinárias manifestações políticas realizadas pela militância petista e seus aliados nos anos de mando Lula - Dilma.

Tudo isso ao sol fervente do fim do verão, na beira de uma obra inacabada – prevista para custar R$ 4 bilhões, mas que já engoliu mais de R$ 8 bilhões desde o seu lançamento em 2007. Desde então, irriga fortunas de muita gente e sucessivas campanhas eleitorais; municipais, estaduais e presidenciais. Dias antes da “festa de Lula”, fora precariamente entregue à população em outro comício (regado a farta propaganda), pelo mandatário da vez, Michel Temer, acompanhado de ministros, parlamentares, líderes regionais e claque providenciada pelo claudicante governo do PMDB e grupos que o apoiam.

Ao tempo em que acompanho as manobras políticas, às custas do sacrificado rio da minha aldeia, no agreste nordestino, escuto em Salvador, capital da Bahia, os alertas do governo estadual petista de Rui Costa, sobre dificuldades no abastecimento de água, pela Embasa, seguidos de pedidos para a população economizar o líquido, jogando a culpa na seca, histórico vilão de maus governos sustentados pela propaganda. Quase "absurdado", palavra da hora para resumir o espanto diante dos desmandos em todas as áreas, assisto, da janela do meu apê, e no entorno, num bairro classe média, mais pra A, a movimentação de "carros-pipas" botando água nos tanques dos prédios, escolas e etc. O inusitado me transportou, estarrecido, ao tempo da minha infância, em Macururé, em pleno coração do chamado Polígono da Seca. - Meu divino São J osé! Meu glorioso Santo Antonio, - rogava-se então, para enfrentar tal agrura.

“Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”, repito a irônica frase dos franceses, nesta semana em que se comemorou o Dia Mundial da Água. E relembro, também: o São Francisco é o rio da minha aldeia. Nasci em um antigo arraial, pequena localidade na sua margem baiana, a apenas 6 km de distância da cidade pernambucana de Cabrobó, no chamado Marco Zero da obra de transposição, que, vigilantemente, acompanho desde o primeiro dia. Tudo o que se relaciona ao rio que me viu nascer, me toca de perto e, apaixonadamente, me emociona. Espero jamais ficar alheio à sua morte ou ser cúmplice dos que exploram, roubam e estão matando "o maior rio genuinamente brasileiro", como aprendi na escola, "ao pé dele".

Paisagem brasileira

Dunas do Rosado (RN)

Cano necessário

Você sabia que a cada dia morrem, neste tão rico Brasil, 20 crianças por conta de doenças causadas pela falta de saneamento básico? São 600 por mês, entra ano e sai ano. E quase ninguém fala nisso. Aliás, são poucos os que realmente se preocupam com este quadro.

Vamos aos números: recente matéria da ONU nos alertava para o fato de que 52% dos brasileiros ainda não tem coleta de esgoto, e apenas 38% deste são tratados - isto em um país riquíssimo, que gasta fortunas com, por exemplo, publicidade institucional.


O mais grave, porém, foi o que revelou um estudo da Confederação Nacional da Indústria: a manter-se o quelônico ritmo atual, o saneamento básico somente chegará a todos os brasileiros após 2050. Já imaginou quantos brasileirinhos mais morrerão até lá? Seria possível Herodes ter tantos seguidores neste país?

Eis que, há poucos dias, deparei-me, enquanto brasileiro, com um raio de esperança. Um Promotor de Justiça moveu uma Ação Civil Pública a fim de obrigar a Administração a implementar, em dada cidade do Espírito Santo, serviço de esgoto. Esta iniciativa encontrou eco no Poder Judiciário, através de um jovem Juiz de Direito que, em brilhante sentença, julgou procedente o pedido - decisão esta confirmada pelo Tribunal de Justiça.

Chamou-me a atenção, vivamente, o fato, registrado pelo julgador, de que o sistema de esgotamento sanitário do município atende apenas 8,8% da população, restando implícito que mais de 90% dos dejetos são lançados diretamente nos cursos d’água que o abastecem. Isto acontece em pleno século XXI, nesta tão rica terra!

E tanto pior quando este quadro é tratado pela Constituição Federal e por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, segundo a qual "os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados diretamente nos corpos receptores após o devido tratamento". Esta norma data de 2011 - o que foi feito desde então? Seria esta mais uma regra que "não pegou", ao custo da saúde, e até da vida, de tantos inocentes?

Não pode caber ao Poder Judiciário - e fique isto muito claro - sobrepor-se à Administração. Porém, diante de um quadro gravíssimo de desrespeito a direitos os mais básicos, merece aplauso uma decisão que, ao fim do cabo, resgata um pouco da dignidade da tão desconsiderada Constituição Federal.

Pedro Valls Feu Rosa

Um cenário ingrato

A turma que tenta melar a Lava Jato ganhou mais um motivo para sonhar. O ministro Gilmar Mendes sugeriu que a delação da Odebrecht pode ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal. Seria um tiro fatal nas investigações sobre os repasses da empreiteira a políticos. O motivo alegado por Gilmar é a publicação de informações sigilosas na imprensa. Ele acusou a Procuradoria-Geral da República de tratar o Supremo como “fantoche” e afirmou que o vazamento de informações é “eufemismo para um crime”.

“Cheguei a propor no final do ano passado o descarte do material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente e divulgadas ilicitamente. Acho que nós devemos considerar esse aspecto”, afirmou Gilmar.

As declarações irritaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Numa reação furiosa, ele sugeriu que o ministro padece de “decrepitude moral” e “disenteria verbal”.

“Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder”, acrescentou o procurador, numa referência à presença constante de Gilmar em almoços e jantares com o presidente Michel Temer.

A troca de amabilidades é lamentável, mas questão que importa é outra: afinal, a delação pode mesmo ser anulada pelo Supremo? Em conversas reservadas, três ministros da corte garantem que não. A divulgação de uma lista de investigados não comprometeu a Lava Jato, e a sociedade não aceitaria que a sujeira revelada pela operação fosse varrida para baixo do tapete.

Além disso, a anulação do caso poria em risco todas as investigações em curso no país. Daqui para a frente, os advogados passariam a adotar um método infalível: vazar provas contra os próprios clientes e pedir sua absolvição sumária. Seria um cenário ingrato até para os criminalistas, que se veriam obrigados a baixar o valor dos honorários.

A revolta e a volta dos bandoleiros

A um ano e meio das eleições nacionais de 2018, o cenário é desalentador. Está em curso a rebelião dos escroques da República. Em fileira cerrada, ombro a ombro, bandoleiros da oposição e do governo avançam contra as leis penais e eleitorais, qual gatos a livrar e lamber o próprio pelo. As listas de Janot estão recheadas de nomes fortes para disputar vagas no entrevero político do ano que vem. E só um intenso trabalho de resistência às mudanças legislativas, de conscientização e informação poderá prevenir os grandes riscos de que, por escabrosos meios, se reproduzam os mandatos da Orcrim. Ao mesmo tempo, é paradoxal: se entrevistado, o mesmo eleitorado que tenderá a reeleger os quadrilheiros manifestará seu descontentamento com a representação política do país.

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A cada pleito, parecem brotar do ventre da terra, para se emaranharem nos altares do poder, personagens cada vez mais interesseiros, mais medíocres, menos honestos, menos comprometidos com o bem comum. Há quem conclua, dessa observação, que a política seja exatamente a lavoura onde se cultivam tais produtos e da qual nada melhor se haverá de colher.

Convido o leitor para uma sincera análise dessa realidade. Quantos eleitores trocam seus votos por dinheiro, rancho, jogos de camiseta, brindes, favores concedidos, ou promessas feitas às respectivas instituições e associações? Quantos votam por preferências clubísticas e esportivas? Quantos se deixam sensibilizar por atitudes assistenciais como distribuição de cadeiras de rodas, óculos, remédios e caixões de defunto? Quantos são conduzidos pela publicidade ou pela presença na “telinha” e nos microfones? Quantos votam contra algo ou alguém, transformando a eleição num ato de ódio ou protesto? Quantos votam catando do chão um “santinho” qualquer ou em alguém que lhe seja indicado na boca da urna? Quantos votam porque o candidato é defensor vigoroso de sua corporação? Quantos votam porque o candidato é vizinho, amigo da família, manda cartões de Natal, conseguiu ou diz que vai conseguir emprego ou bolsa qualquer? Ora, eleitores displicentes, interesseiros e venais elegem, simetricamente, políticos omissos, mercenários e corruptos.

Pelo viés oposto, pondere comigo: quantos eleitores têm como exigências a serem simultaneamente cobradas a formação moral e intelectual do candidato, a imagem que construiu com sua história pessoal, seus valores, sua dedicação ao bem comum, sua capacidade de influenciar e liderar outros, suas idéias e propostas para o município, o estado e o país?

Pois é, pois é. Faltam-nos estadistas porque nos sobram votantes com péssimos critérios. No produto dos escrutínios eleitorais, a quantidade de bons políticos eleitos será, sempre e sempre, diretamente proporcional ao número de bons eleitores.

Percival Puggina