sexta-feira, 24 de março de 2017

'Hoje a máfia é ainda mais perigosa. Está nas instituições e nas empresas'

Era o domingo de Reis de 1980 e Letizia Battaglia (Palermo, 1935) estava voltando para casa depois de uma reunião, passeando com o fotógrafo Franco Zecchin e sua filha Patricia. Na rua Libertà encontraram um grupo de gente gritando em torno de um Fiat 132 com os vidros quebrados. Eles se aproximaram, ela colocou instintivamente a câmera pela janela do motorista e disparou praticamente às cegas. A imagem –que se tornou um marco documental da história recente da Itália, mostra um homem puxando pela outra porta o cadáver do político democrata-cristão Piersanti Mattarella, assassinado minutos antes na frente da mulher e da filha quando iam à missa. Quem puxava laboriosamente o corpo era seu irmão Sergio, atual presidente da República Italiana. O mesmo homem que no domingo passado, 38 anos depois e diante de dezenas de vítimas com a ferida aberta, reconheceu que a máfia continua muito viva na Itália.

Battaglia, de 82 anos – olhar e espírito da rebelião daqueles anos de chumbo na Sicília–, está de acordo. A face do mal se transformou. “Hoje a máfia é ainda mais perigosa. Está dentro das instituições, nas empresas, manda os filhos estudar nos EUA. Está interessada apenas no dinheiro, na corrupção. É mais perigosa porque não dá medo e se matam apenas entre eles. Estão nas holdingse, é claro, não só na Sicília”, explica por telefone de sua casa em Palermo. Por isso aquele mundo construído sobre cadáveres ensanguentados, policiais e prisões de chefões, mas também sobre a dignidade de promotores e juízes assassinados, como Giovanni Falcone, se tornou hoje tão difícil de fotografar. “Está fora dos estereótipos. O mafioso tem o rosto de um pai de família, de um irmão ou filho. Já não tem os traços do mundo da violência. É como se toda a sociedade tivesse se mafiosizado”.


Prisão do chefe mafioso Leoluca Bagarella (1980) - Letizia battaglia
Weegee, o emaciado e indiscreto fotógrafo de fait divers nova-iorquino, considerava inevitável se sujar com a crônica negra das ruas. Mas nas imagens de Battaglia, mãe de três filhas e que em seus anos como fotógrafa do jornal L’Ora vivia colada ao rádio da polícia para chegar sempre em primeiro lugar, não há rastro de nenhum adorno de sangue. Seus retratos –podem ser vistos em uma grande retrospectiva no Museu MAXXI, em Roma, até 17 de abril– vão além do acontecimento, são também uma viagem ao submundo cultural de Palermo que perdia e recuperava o ânimo ao ritmo de suas festas e tradições. Mas também as prostitutas, as crianças brincando com armas no Dia dos Mortos, os traficantes ou a marginalização festiva dos transexuais. Um retrato, em suma, da devastadora pobreza econômica e cultural de um povo massacrado pela indiferença de um Estado que se escondeu durante décadas atrás do álibi da distância para esquecer os problemas do sul.

E talvez o mal seja inevitável, mas a contribuição política nesse cenário, dizem as fotos de Battaglia, foi crucial. “Como é possível que enquanto nos matavam em Palermo o Estado não nos ajudasse? Como é possível que um Estado com três tipos de polícia não conseguisse pegar quatro chefões que havia nos anos cinquenta? Um governo nunca, nunca... teria aceitado isso se não fosse por seus próprios interesses. Queriam ter um sul pobre e ignorante que votasse nos partidos do Governo. A máfia obrigava os pobres a votar nesses políticos”.

Elementos de uma história nos quais, como dizia Diane Arbus sobre suas fotografias, ninguém teria reparado se não tivessem cruzado na câmera simples com grande angular que Battaglia ainda leva pendurada. Hoje, um promotor siciliano investiga a ligação entre o Estado e a máfia, a fotógrafa fala dele com devoção. Como se não estivesse claro o que pensa dessa suposta contemporização, ela mostra na exposição um Giulio Andreotti –então primeiro-ministro italiano– desfocado, granulado, de pé ao lado do mafioso Nino Salvo. Mas também estão aqueles que se comprometeram, como o artista Renato Guttuso, fumando um cigarro com Leonardo Sciascia, um dos escritores que melhor descreveu a névoa moral e política siciliana em romances como O Dia da Coruja (1961) e A Cada um o Seu (1966).

Aquela literatura tenha dado origem a outros cronistas do mesmo mundo, como Roberto Saviano e seu icônico Gomorra. Battaglia tem sentimentos misturados. “É complicado, muito complicado. Saviano é um cara muito bom e escreveu um livro maravilhoso. No entanto, as versões de televisão sobre a máfia ou a camorra me assustam porque colocam em cena personagens fascinantes. Em Gomorra, por exemplo, há dois ou três tipos que são interessantes e podem ser um modelo para rapazes mais pobres que não estudaram e não sabem resolver seus problemas. Sou a favor da liberdade de pensamento e artística, mas temo que as camadas mais frágeis da sociedade possam ficar fascinadas por esses filmes”.

Ninguém que coloca o nariz nisso, como o próprio Saviano, escapa da ameaça. E nesse contexto é impossível escolher não ter medo, conta Battaglia. Resta, isso sim, não mostrá-lo. Talvez seja por isso que nunca tocaram nela. “Não acho, eu não era tão incômoda. Os que incomodam são aqueles que tocam diretamente nos interesses da máfia, mas não com elementos culturais como eu fazia. Hoje talvez sejam mais cultos e educados e entendam isso. Mas na época não tomavam conhecimento de nada. Roubaram três vezes a minha casa e nunca levaram fotos ou negativos. Mas é bom que não tenham me matado, não acha?”.

Há muito mais em jogo do que as reformas

Adivulgação de nomes envolvidos nos 83 pedidos de abertura de inquérito encaminhados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF, com base nas delações da Odebrecht, deixou Brasília em polvorosa. Ministros e parlamentares citados preparam-se agora para o desgaste adicional que poderá advir da divulgação do real teor das delações.

É natural que o clima de alarme que se estabeleceu no Congresso tenha dado alento a temores de que, em condições tão adversas, o Planalto não consiga aprovar as reformas que pretende tramitar na curta janela de oportunidade, de pouco mais de seis meses, com que ainda conta. Já no início de outubro, o encerramento do prazo legal de refiliação partidária deverá deflagrar desarticulação de parte substancial da base aliada, na esteira do reposicionamento de forças políticas para a disputa das eleições de 2018.


Em meio a esses temores, vem ganhando força a ideia de que o país estaria diante de inescapável dilema. Ou bem leva o combate à corrupção às últimas consequências ou bem aprova o programa de reformas que garantirá a saída da colossal crise em que foi metido. E não falta quem já se disponha a arguir que, nessas circunstâncias, as urgências do combate à corrupção deveriam ceder o passo ao avanço da agenda de superação da crise econômica.

O que se alega, com os eufemismos de praxe, é que o Congresso precisa ser “tranquilizado”. E em que consistiria tal tranquilização? Desde que o STF se dispôs a investigar a lisura de doações eleitorais de caixa 1, o nome do jogo no Congresso já não é mais tentar legalizar às pressas as de caixa 2. A saída mais promissora passou a ser apostar na prescrição de penas, tendo em vista a incapacidade da PGR e do STF de dar vazão a número tão grande de inquéritos e processos.

Mas, para estarem aptos a persistir nessa aposta, os parlamentares sob investigação não podem perder o foro privilegiado. Terão de ser reeleitos, custe o que custar. E aqui reside a dificuldade. Como um parlamentar com imagem devastada por processos baseados em delações amplamente divulgadas poderá disputar com sucesso as eleições de 2018?

No Congresso, já se trama a solução. Uma reforma eleitoral a toque de caixa para introduzir um sistema de listas fechadas. Reformas nessa linha vêm sendo aventadas no Congresso há muitos anos, especialmente pelo PT. E até têm seus méritos. Mas o que agora despertou súbito fascínio dos demais partidos pelo sistema de listas fechadas é a perspectiva de que possa ser usado para garantir a reeleição de quem precisa se esconder dos eleitores.

Para não ter de se apresentar de cara limpa ao eleitorado, o parlamentar se apresentaria veladamente, sob o manto de uma lista de nomes preordenados pelas cúpulas partidárias, com lugar assegurado entre os primeiros candidatos arrolados. A lista fechada propiciaria uma espécie de burca para que o candidato sob investigação possa ser eleito sem ter de se expor ao eleitorado.

Antes de deixar suas digitais na trama da tranquilização, em nome da aprovação das reformas, o Planalto deveria refletir sobre as reais proporções dos desafios que ainda terá de enfrentar para manter a economia na rota de saída da crise.

Para que o plano de mudança paulatina do regime fiscal funcione, não basta que as reformas contempladas para 2017 sejam aprovadas. É fundamental que o país possa vislumbrar, de forma crível, que o esforço de ajuste fiscal terá seguimento no próximo mandato presidencial. O que exigirá formação de coalizão política eficaz em torno de um candidato a presidente comprometido com a consolidação fiscal. E com boa chance de vitória em 2018.

Tanto o Planalto quanto os partidos que se creem capazes de lançar um candidato com esse perfil precisam ter em conta que, na campanha de 2018, a questão da corrupção deverá atrair muita atenção do eleitorado. Especialmente se a trama da tranquilização tiver tido sucesso. E, nesse quadro, a eleição de candidato a presidente vinculado a partido conspurcado por envolvimento nessa trama está fadada a se tornar missão impossível.

Rogério Furquim Werneck

Imagem do Dia

Picturesque water mill in Sao Miguel, Azores Islands #Portugal True sustainable power 24/7:
São Miguel (Açores)

Sobre a Lei de Abuso de Poder

Por motivos de saúde, estou tendo que me abster de duas coisas que adoro: chocolate e sorvete. Sei lá se vale a pena, na minha idade, me privar do que mais gosto. Para viver mais um tantinho? Na verdade, o que me leva a obedecer meu médico e grande amigo é respeitar meu filho e não dar a ele mais trabalho do que normalmente os idosos já dão aos seus.

Mas juntar a esse sacrifício a dor de ver o Brasil caminhar a passos largos para um buraco sem fundo? Saber que as crianças que amo não terão o país de nossos sonhos, um país limpo e decente, mas o país dos enrascados nas teias da corrupção?
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Não, não estou biruta. Não estou misturando as estações. Estou usando toda a minha sinceridade para tentar convencer quem me lê que estamos jogando fora, sem pejo, a maior bênção que Deus podia nos dar, a nós que talvez não a merecêssemos, por desprezar toda a luta que foi chegar até aqui, tudo pelo que passamos, tudo que sofremos.

Como assim? Simples: se não lutarmos contra o abuso de poder que o Congresso quer nos impor do modo mais abjeto. Que modo é esse? Votando justamente a Lei de Abuso de Poder!

Não é, como o nome pode sugerir, o abuso do poder do guarda da esquina contra o moleque que fura um pneu. Ou que agride o sujeito que assalta um passante. Ou o que destrata o infeliz que foi violento com sua amante ou seu irmão.

Não, essa lei hedionda que está para ser votada na CCJ do Congresso Nacional quer acabar com o poder da Operação Lava Jato, quer impedir os procuradores do Ministério Público de levar a cabo as investigações sem as quais jamais nos livraremos dos corruptos, dos malfeitores, dos safados.

A começar pelo nome que confunde o povo. Abuso de Poder. O nome confunde pois o projeto a ser votado no início de abril o que faz é ampliar o poder de quem não merece ocupar uma cadeira no Congresso. Dá mais poder aos que não merecem representar nosso povo, aos que ignoram o muito que o Ministério Público e a Polícia Federal têm feito pelo Brasil.

A Operação Carne Fraca entusiasmou os que fogem da Operação Lava Jato como o diabo da Cruz. Houve erro ou precipitação em sua divulgação? Talvez tenha havido. Mas queriam o quê? Que à vista do horror que é saber que os fiscais permitiam a venda de carne podre a PF ficasse calada, preocupada com o golpe nas finanças do Brasil e ignorando o que era servido nas mesas de nossas famílias?

Esse projeto de Lei o que pretende é acabar com a Operação Lava Jato se, para nossa infelicidade, conseguir vencer as barreiras que ainda há de enfrentar. Querem, os próprios beneficiados, anistiar os que se valeram do Caixa 2, que é crime, por mais que queiram “cobrir com o manto diáfano da fantasia a nudez crua da verdade” (Eça de Queiroz).

Se não morrer na praia, como seria o ideal, o projeto deveria ser rebatizado: Lei do Abuso de Cinismo.

O político do Brasil

A política da carne

Escândalos, como esse da carne, às vezes me alcançam no interior, com precária conexão. Na falta de detalhes, começo pelas ideias gerais. Por exemplo: como alimentar quase 10 bilhões de pessoas no meio do século?

Já é uma tarefa muito complexa – no meu entender, impossível – sem a produção de proteína animal. Há quem discorde disso e acredite que seria possível substituí-la. Mesmo assim, sempre haveria gente comendo carne por escolha.

Vegetarianos e carnívoros estão muito mais unidos do que se pensa quando se trata de segurança alimentar.

Em 2006, na Califórnia houve uma grande contaminação do espinafre produzida pela bactéria Escherichia coli (E.coli). Outras se verificaram nos EUA e no mundo.

O sistema de produção e distribuição de alimentos conseguiu ampliar a oferta, reduzir os preços e certamente livrou o planeta de muitas fomes. Já se produzem 20% mais calorias do que as necessárias para alimentar todo o mundo, apesar de um em cada sete habitantes do planeta ainda não ter o que comer.

Essa conquista mundial não seria possível sem produção em grande escala. E exatamente essa característica, que levou ao triunfo, é que revela seu ponto fraco: a vulnerabilidade diante de certo tipo de contaminação.

Segundo o escritor Paul Roberts, autor do livro A Fome que Virá, as mesmas cadeias de produção que constituem o supermercado mundial, e são capazes de colocar frutas, hortaliças e carnes nos dois Hemisférios em qualquer estação do ano, são um campo favorável para a expansão de patógenos alimentares como E.coli e salmonela.

O problema revelado pela Operação Carne Fraca ainda é de uma fase mais atrasada. É da corrupção de fiscais, algo que também já aconteceu em muitos países do mundo.

O abalo na credibilidade do sistema brasileiro foi inevitável, por vários fatores. O primeiro é que existe insegurança planetária mesmo quando o controle é honesto. E os dados lançados pela Polícia Federal são graves, por diversos aspectos.

As maiores empresas do Brasil estavam envolvidas. Elas podem dizer que casos de contaminação da carne são isolados. Mas suas ligações com a política são sistêmicas: a JBS, sobretudo, despeja milhões em campanhas eleitorais.

O relatório da Polícia Federal foi atacado por suas fragilidades: mistura da carne com papelão, algo que não parece viável, assim como apontar o ácido ascórbico como fator cancerígeno. No entanto, no mesmo relatório havia denúncias graves.

Uma delas é a presença de salmonela na carne. O governo afirma que é um tipo de salmonela tolerado. Duvido que os consumidores aceitem comer uma salmonela inofensiva – o que é até contestado cientificamente.

Houve outra denúncia, que passou em branco: o uso para consumo humano de animais não abatidos, mas mortos em outras circunstâncias. Isso é grave e, sobretudo depois da vaca louca, tem de ser fiscalizado com rigor.

Para sair dessa maré negativa no mercado internacional serão necessárias firmeza e transparência. Seria bom descartar teorias conspiratórias. Em 2006 vivemos um momento em que havia realmente algo inventado lá fora. Foi quando o Canadá insinuou que havia doença da vaca louca no Brasil. Foi uma pequena batalha diplomática. Lembro-me de que, apesar de vegetariano, participei de uma comissão que visitou a embaixada, foi ao Itamaraty e se preparava até para defender a carne brasileira lá mesmo, no próprio Canadá.

Esporadicamente, com uma ou outra notícia esparsa de febre aftosa, novas pressões vieram sobre o Brasil. Eram pressões positivas. Pediam o rastreamento do gado, um chip que contivesse as informações essenciais sobre o animal que seria abatido.

Alguns reagiram com a teoria conspiratória, pensando que era algo imposto por concorrentes para encarecer a carne brasileira. Uma década depois, os chips de rastreamento são vendidos à vontade, até pela internet. E fortalecem o sistema de controle.

Quando ficar claro, se ficar, que o problema é a escolha de fiscais por partidos políticos e essa relação for detonada, creio que o caminho para retomar a credibilidade se abre. De nada adianta impressionar os compradores estrangeiros com nossa estrutura física. Se acharem que a fiscalização depende de políticos, a desconfiança vai prevalecer.

De Luiz Eduardo a Petrolina, da Chapada dos Veadeiros ao Vale do Gurgueia, o agronegócio brasileiro que tenho visto é uma história de sucesso. Mas as empresas da carne que compram fiscais vão no sentido oposto de quem se garante pela competência. Isso pode representar um lucro. Mas estrategicamente conduz a um prejuízo sistêmico, a um abalo na exportação nacional. Ao darem as mãos aos partidos políticos, os grandes produtores de carne escolheram o caminho oposto ao da credibilidade.

É impressionante a cultura da dependência no Brasil. Mesmo um setor que poderia passar sem o governo não só se financia com dinheiro público, como destina uma parte para o processo eleitoral.

As delegações estrangeiras conhecem o equipamento instalado no Brasil para a produção da carne. O grande problema é a confiança na fiscalização local.

Dificilmente um país pode controlar todas as suas exportações. Segundo Paul Roberts, dos 300 milhões de toneladas de alimentos que os Estados Unidos importam, apenas 2% são fiscalizados. Não há fiscais para tudo.

Mas não é apenas a carne brasileira que está em foco, e sim o caráter dos funcionários do governo. Tanto no petróleo como na carne existem equipamentos e competência técnica. No entanto, os dois setores foram abalados pela corrupção política. Se Michel Temer quiser dar um na passo na recuperação da credibilidade, deve levar os embaixadores a uma churrascaria e dizer, como Rubem Braga diria: “This is not a pizza, this is a beef...”.

Brasília em transe

Além de tentar salvar a pele da Lava-Jato e uma anistia ao caixa 2, nossos representantes no Congresso dizem que estão tentando fazer uma reforma política, mas querem mesmo é encontrar um jeito de fazer as suas campanhas eleitorais em 2018 às custas do contribuinte. No ano passado, as primeiras eleições sem doações de empresas tiveram centenas de milhares de doações irregulares, ilegais ou fraudulentas flagradas pelos tribunais eleitorais. Mas nada aconteceu para eleitos e doadores.


Agora, eles querem um financiamento público bilionário, distribuído em proporção ao tamanho das bancadas. Para dar mais a quem já tem mais? Não seria mais justo, digamos, metade do fundo eleitoral ser dividido igualmente entre os partidos que sobreviverem à cláusula de desempenho, e metade proporcionalmente às bancadas?

Quanto ao sistema de voto em lista partidária, pode ser uma boa ideia. Desde que:

Os candidatos sejam escolhidos por voto direto pelos filiados ao partido (que estiverem em dia com suas mensalidades... rsrs). E a lista eleitoral obedeça à ordem dos mais votados e ponto final.

Que não existam candidatos “natos”, como os que já têm mandato, ou “preferenciais”, como os dirigentes partidários. Ou “honorários”, como medalhões do partido. Mulheres terão cota na lista? E negros? E LGBT? Sem democracia interna, a lista se torna só um instrumento da elite partidária para exercer sua vontade.

Os caciques aceitarão a lista dos candidatos eleitos pelos filiados? Mesmo se obrigados a fazer prévias, encontrarão formas de fraudá-las? Vão filiar gente para comprar-lhes os votos?

Ou seja, o voto em lista é uma boa ideia, mas para os políticos, não para os eleitores.

Falando em reforma eleitoral, a quem interessa o voto dos que votam por obrigação? Em quem votam essas pessoas que votam de má vontade? Quem elas ajudam a eleger? Os piores, é claro!

Dizem que elas têm que aprender a votar, votando, mesmo contrariadas. Não, elas não aprenderão, porque não querem aprender, só vão contribuir para enfraquecer o peso dos votos mais conscientes e baixar o nível dos eleitos.

Nelson Motta

Gente fora do mapa

Apanhadora de lenha:

Que justiça é essa?

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A foto mais nojenta que vi, nos últimos tempos, mostra um rapaz com algumas crianças num campo de futebol. Não há nenhuma violência explícita naquela foto ou qualquer coisa que chame a atenção. Na verdade, ela não teria nada de demais se o rapaz não fosse o goleiro Bruno, e as crianças não fossem pequenas fãs, admirando o seu ídolo e lhe pedindo autógrafos. Ela resume o principal ponto de várias discussões que venho tendo desde que ele foi solto: o autor de um crime hediondo não pode ter emprego de herói, ponto. Ressocialização é uma coisa, elevar facínoras a lugar de destaque é outra.

— Ah, mas é o trabalho dele, é o que ele sabe fazer.

Lamento. Matar um semelhante traz certos inconvenientes ao criminoso, ou deveria trazer, entre eles o de permanecer em relativa obscuridade. A mensagem que a libertação e a contratação desse delinquente passam à sociedade é que a celebridade é mais importante do que a decência e que liquidar uma pessoa com requintes de crueldade é um ato perdoável: sequestre, torture, mate, alimente os seus cães com o cadáver, passe meia dúzia de anos na cadeia e retome a vida como se nada tivesse acontecido. A fama aguarda, benfazeja.

É isso mesmo? É isso que queremos ser como sociedade? É isso que queremos ensinar às nossas crianças?
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Para mim, o principal culpado por esse gigantesco equívoco moral é o ministro Marco Aurélio Mello, que autorizou a libertação de Bruno. Sim, eu entendi as inúmeras reportagens que li: há respaldo na lei para a decisão do ministro. Pudera não! O mínimo que se espera da decisão de um ministro é que ela tenha respaldo legal. Mas justiça não se faz apenas com respaldo legal e argumentos técnicos. Se fosse só isso, ninguém precisaria de juízes: bastaria criar um banco de dados com correspondência entre crimes, penas e circunstâncias, e estaria tudo resolvido. Com muita rapidez e incalculável economia para os cofres públicos.

Juízes existem porque cada caso é um caso e porque a lei não é ciência exata. Juízes existem para que a sociedade perceba que há limites para certas ações e que há quem cuide para que a ordem seja mantida. O assassino Bruno solto e mais uma vez glorificado, tirando selfies com fãs e dando autógrafos para crianças, é tudo o que o Brasil não precisa neste momento — um momento em que, para cada lado que se olhe, há um criminoso se dando bem e zombando da coletividade.
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Anteontem a mulher do goleiro assassino postou uma longa tirada religiosa no seu Instagram, seguida das hashtags que traduzem o sentimento do casal: “#chorarecalque #aceita #amoesouamada #beijinhonoombro #Deusémais #Deuséconosco #desculpefoiDeusquemmedeu #tchauquerida #xôhipocrisia”

Parabéns, ministro Marco Aurélio. Aí está a sua justiça.
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Adriana Ancelmo é uma espécie de goleiro Bruno na sua modalidade: há a mesma falta de humanidade e de empatia num roubo tão despudorado do dinheiro público quanto no esquartejamento de um corpo dado como alimento aos cães. A madame não sujou as mãos de sangue diretamente, mas foi responsável por mais miséria e mais mortes do que o goleiro. A diferença — por enquanto — é que ela, felizmente, foi impedida de sambar na cara da sociedade.

— Ah, mas e as crianças, coitadas? Estão com pai e mãe presos, essa é uma situação pouco comum.

Lamento. Lamento muito mesmo, de verdade. Muito. Nenhuma criança no mundo deveria ter pais tão canalhas, que em momento algum pensaram em como as suas ações poderiam se refletir na alma e no futuro dos filhos. A primeira preocupação com o bem-estar dessas crianças deveria ter partido deles: que exemplo estavam dando, que tipo de cidadãos imaginavam estar criando?

Pai e mãe presos, vale dizer ausência de ambos os pais, não é, porém, uma situação incomum. Quantas crianças cujas mães estão presas não têm pai em casa? Arrisco dizer muitíssimas. Arrisco dizer também que a família Cabral tem muito mais condições para sustentar as crias dos seus parentes encarcerados do que 99,9% das famílias das demais presidiárias.

No mais, a valer essa interpretação da lei, ter filhos pequenos seria salvo conduto para cometer qualquer crime. Se a madame for para casa, todas as outras presas, cujos crimes nem se comparam aos seus, deveriam também ir para casa.

O juiz Marcelo Bretas que me perdoe, mas mandar Adriana Ancelmo para a sua prisão domiciliar com privada japonesa é a mesma coisa que soltar o goleiro Bruno num time de Varginha. Além da desfeita que isso significa para o povo, será que ele acredita que ficar afastada de telefones e de internet é punição suficiente para quem desviou tanto dinheiro público? E será que ele acredita mesmo que, num universo de babás, motoristas, cozinheiras e porteiros amigos, ela ficaria sem celular? Sério isso? E as crianças, estudariam como? Ficariam, elas também, sem computador? Sem uma única linha de comunicação com o mundo? Sem poder ligar para os amigos e para os parentes? Elas merecem isso? E se acontecesse alguma emergência com uma delas, quem ligaria para o médico?

Bem pensada a sua sentença, juiz Bretas, parabéns.

E obrigada, desembargador Abel Gomes. É bom constatar que ainda há bom senso no Judiciário. 

E a saída?

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O abismo não nos divide. O abismo nos cerca
Wislawa Szymborska

A República sequestrada

A Fundação Joaquim Nabuco realizou um seminário sobre o Segundo Centenário da Revolução de 1817 em Pernambuco. Durante 75 dias, o Brasil foi uma República cinco anos antes da Independência, quase 70 anos antes de adotarmos a República hoje sequestrada.

Sequestrada pelo corporativismo que divide a sociedade: cada grupo e classe social tentando abocanhar o máximo do produto da economia, sem um sentimento comum, sem respeito aos demais segmentos, sem um destino coletivo que empolgue o conjunto da sociedade, aprisionando o país ao seu presente, formando uma República sem coesão social e sem rumo histórico. Refém de associações de classe e sindicatos.

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A República está sequestrada pela burocracia de sua máquina estatal e pelo emaranhado de leis que não permite seu funcionamento eficiente. As decisões tomadas esbarram na vontade de burocratas do sistema administrativo ou dos inúmeros representantes do sistema legal.

Está sequestrada na baixa produtividade de sua economia, que condena a sociedade à pobreza, agravada pela má distribuição da renda que divide o país em dois; amarrando a República no peso da exclusão de mais de 100 milhões de brasileiros.

Nossa República está sequestrada pela corrupção que contamina a política em todos os níveis; refém da violência urbana, que pode ser caracterizada como uma guerra civil que provoca o peso de 600 mil prisioneiros. Também pela falência da lógica e da falta de diálogo nos debates políticos que não levam a entendimentos para realizar a causa comum dos brasileiros.

Há décadas, o sistema bancário atende a voracidade por empréstimos tanto para financiar gastos e desperdícios do Estado quanto para financiar o consumismo, criando o trágico endividamento que sequestra nossa economia, cobrando o resgate por juros absurdos e altos superávits primários. O sistema previdenciário agora amarra o futuro da República, exigindo reformas que não têm o apoio da população, dividida entre os que desejam manter os direitos e privilégios atuais e aqueles que precisarão de direitos no futuro. A República está sequestrada pela falência das finanças públicas e pela falta de investimento na infraestrutura, pelo Estado descomprometido com a causa pública, pela tragédia das “monstrópoles” em que foram transformadas nossas cidades.

Sequestrada, sobretudo, pelo indecente e insano quadro de uma população em que 13 milhões são analfabetos adultos e 60% de jovens não terminam o ensino médio, deixando raríssimos brasileiros em condições de compor uma elite intelectual compatível com as exigências do “século do conhecimento”.

Duzentos anos depois da ousada aventura de um grupo de patriotas pernambucanos, quase todos fuzilados, enforcados e esquartejados, o Brasil tem uma República incompleta porque está sequestrada por seus erros e por cada uma das minirrepúblicas em que sua população se divide.

Odebrecht faz de Dilma uma pobre sem-verdade

As revelações feitas por Marcelo Odebrecht à força-tarefa da Lava Jato, repetidas em depoimento à Justiça Eleitoral, retiraram de Dilma Rousseff o último patrimônio político que ela imaginava ostentar: a presunção de superioridade moral. Ela já havia perdido a pureza ideológica ao encabeçar coligações eleitorais que incluíam do arcaico ao medieval. Perdera a aura de gerentona e a poltrona de presidente da República após reduzir a economia nacional a escombros. Agora, é submetida a um ritual de emporcalhamento que aniquila o que lhe restava de individualidade, integrando-a à baixeza geral. Foi para o beleléu a diferença heroica.

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Em síntese, o príncipe das empreiteiras contou: 1) Dilma sabia que João Santana, seu marqueteiro, era remunerado pela Odebrecht no caixa dois. 2) Madame sabia também que Antonio ‘Italiano’ Palocci e Guido 'Pós-Italiano' Mantega faziam dupla jornada como ministros e coletores de fundos para suas campanhas presidenciais. 3) Reeleita, a soberana foi informada pelo próprio empreiteiro de que as contas abertas no estrangeiro para pagar o marketing do seu comitê estavam ao alcance dos investigadores da Lava Jato.

Em nota de sua assessoria, Dilma tachou os segredos de Marcelo Odebrecht de “novas mentiras”. Ainda não se deu conta de que suas verdades é que estão se transformando numa espécie de latifúndio improdutivo que os delatores da Odebrecht invadem. A nota sustenta que Dilma “jamais pediu recursos para campanha” a Marcelo Odebrecht. Tampouco “solicitou dinheiro para o Partido dos Trabalhadores”. Ora, mas o delator disse exatamente a mesma coisa.

Dilma não precisou pedir nada. Tinha quem solicitasse em seu nome. “[…] Quem pediu os valores específicos era o Guido, eu me assegurava que ela [Dilma] sabia mais ou menos da dimensão do nosso apoio”, contou Odebrecht ao TSE, falando num idioma parecido com o português. “Ela dizia que o Guido ia me procurar, mas eu nunca falei de valor. A liturgia, a questão de educação, você não fala com o presidente ou o vice-presidente a questão do valor.”

Em 2010, contou Odebrecht, Dilma não teve que se preocupar com as arcas da campanha. Lula, o “amigo” da Odebrecht, se encarregou de tudo, com o luxuoso auxílio do grão-petista Antonio Palocci. Dilma “praticamente nem olhou as finanças, acho que todos os pedidos de doação foram feitos por Lula, Palocci. Ela nem se envolvia em 2010”, esmiuçou o empreiteiro.

Dilma soube do que se passava na bilheteria porque Lula se encarregou de informar, contou Marcelo Odebrecht. As verdades de Dilma sobre questões relacionadas à tesouraria foram, por assim dizer, herdadas de Lula. O tamanho dessas verdades vem sendo questionado desde o mensalão. Sempre que a conjuntura exigiu garantias, verificou-se que, além de improdutivas, as verdades do petismo estavam assentadas sobre um gigantesco brejo.

De repente, Dilma descobre que não é a dona da verdade. Bem ao contrário. A colaboração judicial da Odebrecht transformou-a numa sem-verdade. Parte das informações do empreiteiro já haviam sido descobertas pelos investigadores. A Lava Jato apalpou os extratos da conta de João Santana na Suíça antes que o herdeiro da construtora cogitasse suar o dedo. Não é razoável supor que Dilma, centralizadora a mais não poder, estivesse alheia ao que se passava nos porões do seu comitê.

Considerando-se que uma ex-guerrilheira jamais cogitaria a hipótese de se tornar uma delatora, restam Dilma duas escassas alternativas: ou aceita sua parcela de culpa ou funda o MSV (Movimento dos Sem-Verdade), assumindo a liderança da cruzada nacional por uma reforma semântica que devolva algum sentido a quem já não tem nenhum.

Paisagem brasileira

Paisagem carioca (1940), Eugenio Latour

Febre amarela volta por desatenção com lições da História

A febre amarela que reapareceu no Estado do Rio de Janeiro semana passada e voltou a espreitar áreas urbanas foi um dos principais desafios de saúde pública do Brasil do século 19 para 20. Eliminar a doença das cidades era condição essencial para abrir os portos ao comércio marítimo e a imigrantes estrangeiros e propagar a imagem de um país "moderno".

As lições deixadas por décadas de esforços para erradicar a doença e seu vetor, entretanto, foram ignoradas por governos recentes, dizem historiadores ouvidos pela BBC Brasil.

Serviço de Profilaxia da Febre Amarela
Ao longo do século 20, o combate à febre amarela impulsionou a pesquisa científica e o desenvolvimento de vacinas no Brasil e incluiu capítulos vitoriosos como a gradual eliminação da doença de áreas urbanas e a erradicação temporária do Aedes aegypti.

A última epidemia urbana no país foi registrada em 1942, no Acre. Na mesma década, uma grande campanha regional capitaneada pela Organização Pan-Americana de Saúde começou a mobilizar governos na América Latina para se unir na luta contra o vetor - e declarou, em 1958, ter conseguido livrar onze países do Aedes aegypti, inclusive o Brasil. Em 1967, o mosquito reapareceu no Pará e reconquistou, gradualmente, o território nacional.

"Naqueles tempos, todo mundo conhecia alguém que tinha morrido de febre amarela, não importava a classe social", conta o historiador.

A última epidemia de febre amarela no Rio foi entre 1928 e 1929, quando um surto inesperado na cidade e em 43 localidades do Estado deixou 436 mortes.

Foi um choque para a população e a comunidade científica. Acreditava-se que a cidade tinha se livrado da doença em 1907, após as campanhas bem-sucedidas de Oswaldo Cruz.

Na última semana, a notícia de três casos de febre amarela no Estado do Rio - no município de Casimiro de Abreu - levou a população da capital fluminense a correr para postos de saúde atrás da vacina, acendendo o alerta na cidade e o temor de reurbanização da doença.

Na segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar que turistas que visitem os Estados do Rio e de São Paulo se vacinem contra a doença. A nova recomendação exclui as principais áreas urbanas, não se estendendo ainda a Rio, Niterói, São Paulo e Campinas.

'A rede social dá voz a alguns imbecis'

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Com exceção da condução coercitiva – aquela em que o cara é obrigado acompanhar a polícia para depor – não vejo nada demais na decisão do juiz Sergio Moro em intimar o blogueiro paulista Luiz Guimarães para depor sobre vazamento de informações da Lava Jato. O mais grave, no entanto, não é a convocação, mas a facilidade com que o blogueiro entregou a sua fonte nos primeiros minutos do depoimento na Polícia Federal. Isso só mostra que o escriba não tem respeito por seus informantes protegidos constitucionalmente. Deduz-se daí que não basta apenas ocupar as redes sociais para soltar seus torpedos indiscriminadamente, é preciso, antes de tudo, proteger a fonte mesmo quando acuado e acossado por seus inquisidores. E isso, infelizmente, Guimarães não o fez.

O blog do Luiz Guimarães é um entre as centenas que existem – ou existiam – numa ampla rede para defender a organização criminosa de Lula/Dilma e seus comparsas. Essas viúvas petistas, hoje desoladas, perderam os níqueis dos contribuintes que ajudavam na sobrevivência de cada um. Uma dessas viúvas, Paulo Henrique Amorim, porta-voz da Igreja Universal, defensor intransigente dos malfeitos petistas, agora vive mendigando doação para manter o seu “Conversa Afiada”. Ao pegar carona no PT quer, inclusive, tardiamente, agregar gotículas ideológicas à sua biografia. Coitado, acha que os petistas são de esquerda.

Ao contrário do que pensam os militantes histéricos petistas que saíram em defesa de Guimarães nas redes sociais, não o considero um jornalista, mas também não o censuro por escrever no seu espaço o que vem à cabeça. O papel aceita tudo, qualquer coisa. Condeno-o, no entanto, quando ele usa o espaço para ameaçar as autoridades que investigam a Lava Jato e defender os gangsters envolvidos no assalto aos cofres públicos. No ano passado, esse senhor foi intimado a depor em outra investigação por fazer veladas ameaças ao juiz Sérgio Moro. No twitter, onde postou as ofensas, ele chama o juiz de psicopata e diz que os “delírios do magistrado vão custar sua vida, seu emprego”.

Com a liberdade de expressão na rede social que transforma todo mundo em “jornalista”, muita gente, surpreendentemente, tem se revelado bons escritores, bons contadores de história e bons repórteres, desmitificando a ideia de que apenas jornalista é que sabe escrever e investigar. O senhor Guimarães, além de blogueiro é filiado ao PCdoB e, por esse partido, foi candidato derrotado a vereador por São Paulo. Tem usado frequentemente seu espaço na internet para intimidar os investigadores e juízes da Lava Jato.

Foi conduzido sob vara para depor porque a Justiça considera que ele desempenha um papel de obstrução aos trabalhos da Lava Jato quando antecipou no seu blog a condução coercitiva do ex-presidente Lula pra depor na Polícia Federal de São Paulo. Ora, apenas por ter noticiado isso não é motivo para ser intimado. Mas quando ele ameaça as autoridades, rotulando-se de jornalista evidentemente tem que pagar pela irresponsabilidade. Trata-se de um panfletário que empunha a bandeira de seu partido e de outros aliados para defender suas convicções ideológicas. Está longe evidentemente de ser um jornalista imparcial que vive e se sustenta da profissão.

Diante da celeuma que causou a ida do senhor Guimarães à Polícia Federal, a Justiça Federal do Paraná divulgou uma nota para dizer que “não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”. Concordo.

O caso do blogueiro Luiz Guimarães se encaixa muito bem na frase do escritor italiano Umberto Eco, ao lançar o livro Número Zero, sobre a redação de um jornal: “A internet pode tomar o lugar do mau jornalismo, mas as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”.

Reforma da Previdência é um crime hediondo contra a cidadania brasileira

No dia 17 de fevereiro, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, deu 10 dias para que o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos presidentes da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão Especial que analisam a PEC da reforma da Previdência, explicassem por que não há estudo atuarial que comprove o alegado déficit da Previdência e por que a PEC não foi pré-aprovada pela Comissão Nacional de Previdência Social. Bem, já se passaram quase 40 dias e até agora… nada.

O ministro solicitou as explicações ao examinar Mandado de Segurança impetrado por 28 deputados de partidos da oposição (PT, PSOL, PTB e PMB), contrários à proposta do governo Temer que altera a idade e o tempo de contribuição para a aposentadoria.


No requerimento ao Supremo, os parlamentares da oposição pedem uma liminar para suspender o andamento da proposta e reivindicam que seja anulada de votação da admissibilidade da PEC na Comissão de Constituição e Justiça. Também querem que o presidente Michel Temer seja obrigado a promover debates no Conselho Nacional de Previdência Social, antes de enviar novamente a proposta.

O governo não atendeu ao relator Celso de Mello nem irá atender, porque não existem estudos atuariais sobre a Previdência. Isso demonstra uma irresponsabilidade total no trato de uma questão que interessa a todos os brasileiros.

É óbvio que se deve reestudar os critérios hoje adotados,, mas isso precisa ser feito com calma e segurança, sem esse furor uterino que o governo demonstra. Além de não existir cálculo atuarial, a reforma está sendo feita sem que sejam apontadas as causas do crescente déficit previdenciário. Uma delas é a terceirização.
 O exemplo da Petrobras explica de forma cabal o prejuízo do INSS com as terceirizações, que agora podem ser irrestritas, segundo o projeto criminosamente aprovada pela Câmara nesta quarta-feira. Os últimos números disponíveis mostram que em 2014 a Petrobras tinha 360 mil terceirizados e apenas 80 mil concursados.

O prejuízo do INSS é brutal, porque os empregados são vinculados a falsas cooperativas ou ONGs e OSs fajutas, a terceirização embute expressiva sonegação fiscal, todo mundo sabe disso, são fatos públicos e notórios, mas quem se interessa? Se a Lava Jato desse uma geral nessa terceirização da Petrobras, com facilidade identificaria o festival de corrupção que enriquece altos funcionários da estatal, que criaram as falsas cooperativas.

Essa praga se disseminou pelo país inteiro, reduzindo o número de empregados com carteira assinada e arrasando a arrecadação da Previdência, com a sonegação nos 20% sobre a folha salarial da empresa, reduzida vertiginosamente pela terceirização, que entra no balanço como despesas operacionais. E os terceirizados também costumam reduzir a contribuição, que é feita na falsa condição de autônomos.
 Outra praga é a contratação de empregados que se transformam em falsas pessoas jurídicas. Hoje, neste país, só existem trabalhadores bem sucedidos no serviço público, em cargos de destaque e bem-remunerados de Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os trabalhadores que deram certo e se tornaram altos executivos ou dirigentes de empresas de todo tipo, inclusive bancos, financeiras, indústrias e organizações comerciais e de serviços, todos eles se tornaram pessoas jurídicas para sonegar INSS e Imposto de Renda.

Basta dar uma geral na TV Globo, por exemplo, e logo se constatará o gigantesco prejuízo da Previdência e do Imposto de Renda. Todos os, grandes artistas, diretores, roteiristas, apresentadores e executivos da emissora, todos eles são pessoas jurídicas, não têm carteira assinada e não existem na vida profissional.

Não há nenhuma novidade neste artigo. Tudo isso é mais do que sabido, e a crise da Previdência é culpa do governo, que se omite, do Congresso, que não aprova leis saneadoras, e do Judiciário, cuja jurisprudência leniente acabou por aceitar a terceirização e a transformação de pessoas físicas em jurídicas.

São esses três podres Poderes (como diz Caetano Veloso) que agora querem punir trabalhadores e servidores civis e militares, submetendo-os a uma reforma da Previdência que é um saco de maldades e jamais será discutida em sua verdadeira essência, porque nossos homens públicos são os maiores criminosos deste país – jamais levam em conta os interesses nacionais, defendem apenas os próprios interesses.