terça-feira, 7 de março de 2017

G.R.E.S. Indecentes do Berço Esplêndido

O carnaval passou. Mas ainda não de modo a tornar vintage a imagem que proporei. É que gosto de comparar a República brasileira — o ambiente político-cultural em que vivemos — a uma alegoria de escola de samba.

O Brasil está todo ali, no corpo de um carro alegórico. Não importa a agremiação, se rica ou pobre, se tradicional ou fabricada, se poderosa ou boi de piranha, se Unidos da Tijuca ou Paraíso do Tuiuti: o país está todo representado ali. Está, claro, no que fica aparente, nas cores, na exuberância, nas eventuais soluções criativas, nas habituais soluções repetidas, no amontoado — raramente articulado — de referências, na tentativa desesperada de apresentar um enredo compreensível. Mas está, sobretudo, no que vai por baixo: na base, que atropela; nos pilares, que cedem e tombam; nos fundamentos, em cuja fragilidade raízes não vingam, não se aprofundam.

O que é, afinal, uma alegoria de escola de samba?

Uma estrutura precária — instável, requentada, soldada e ressoldada, concebida para uso breve, destinada ao desmonte, erguida sobre chassi velho de caminhão, que combina ferro e madeira reutilizados, e cuja engenharia irresponsável se equilibra entre improviso e sorte — sobre a qual se levanta um prédio de extravagância, de esplendor, com o qual se pretende impressionar pelo volume; um conjunto em que a habitual falta de ideias originais é defendida pela sobreposição de formas, pela colagem kitsch, pelo excesso de adereços, de penduricalhos, de fauna e flora de espuma, e por serpentes e dragões amazônicos de cujas bocas entram e saem (não reclamo) mulheres de seios impossíveis.

O que é, afinal, o Brasil?

Uma estrutura débil — instável, eternamente provisória, concebida para desmonte, de constituição pretensiosa, mas sempre remendada e pouco obedecida, erguida sobre moralidade tíbia, direitos muito mais que deveres, valores de ocasião que combinam tradições mal viajadas e autocrítica condescendente, e cuja engenharia impune se equilibra entre improviso e sorte — sobre a qual se constrói, com financiamento do BNDES, um edifício, um Palace II, de vanglória, de soberba; um conjunto em que a costumeira ausência de pensamento orgânico é protegida por delírios de grandeza, por pré-sais de futuro, por messias em causa própria, por jararacas de cujas bocas escorre a baba que contamina um velório de palanque.
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Estruturas inconstantes, que dependem da sorte, cedo ou tarde falham. Tanto faz se carro alegórico ou um país, ambos não evoluem — inclusive para atropelar — sozinhos. Dependem de um condutor, de um motorista, de um governante. São esses os que decidem, os que ordenam, dão o norte.

Estruturas incertas, que dependem da sorte, cedo ou tarde perdem o eixo. Tanto faz se carro alegórico ou um país, ambos não avançam sem comando — da mesma forma que revólver não dispara sem alguém que lhe aperte o gatilho. Dependem de um dirigente, de um responsável. São esses os que mandam ir em frente. São esses os que poderiam mandar parar.

No Brasil, tanto faz se na condução de uma alegoria ou se na gestão do país, também o modo como se dirige — sobretudo durante uma crise — é o mesmo: adiante, na fé, na raça; não interessa se sem vista do horizonte, se com o olhar limitado, é sempre avante, avante, avante. Porque o show não pode parar, não importa se são vários os feridos; porque é preciso continuar e concluir o projeto, não importa se cuspindo milhões no desemprego; porque tudo é marolinha e a recessão jamais tem pai; porque interromper e reformar é fracassar, e aqui o barato é empilhar puxadinhos, a existência como uma alegoria da Beija-Flor; porque frear, refletir e rever é perda de tempo, e o relógio está correndo; porque o fim da avenida é logo ali, e então tudo se ajeitará; e porque, se não se ajeitar, um jeito sempre se há de dar: vira-se a mesa de um lado, compondo e recompondo para que coisa nenhuma saia do lugar; de outro se elege um vencedor popular, de preferência um há muito sem glórias, molusco ou ave de rapina — pão e circo ideais para botar o povo feliz, logo esquecido, e já ansioso pelo próximo desabamento.

Cristo nunca volta no Desfile das Campeãs.

Carlos Andreazza

Trump provoca os jornais: 'As pessoas já não acreditam neles'

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, buscou o pior dos inimigos ao se confrontar com os meios de comunicação, que os britânicos qualificaram como “o quarto poder”. Tem sido mordaz e contundente: “As pessoas já não acreditam neles”. E acrescenta: “São inimigos do povo”.

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É curioso que todos os caudilhos populistas de esquerda ou direita apresentem uma mesma obsessão pelo povo e a mesma pretensão de denegrir a informação que gostariam de controlar.

Trump deveria saber que entrar em confronto com a mídia é brincar com fogo. O novo líder americano só conseguiria domesticar a imprensa americana dando lugar a um regime autoritário.

Nada, porém, está mais distante de um país como os Estados Unidos, que cultivaram ao extremo o culto à liberdade de expressão, e onde surgiu a maioria dos movimentos de libertação do planeta, da política à ciência, passando pelas artes.

Yuval Noah, em sua recente obra, Homo Deus. Uma Breve História do Amanhã, afirma que se os Estados Unidos “cresceram mais que a União Soviética”, e os americanos são mais saudáveis, ricos e felizes que os nigerianos”, por exemplo, isso se deve à “liberdade de informação”, que sempre foi a bandeira dos Estados Unidos.

Pertenço aos jornalistas que sofreram a censura, quando personagens muitas vezes iletrados, verdugos do governo, se arrogavam, durante a ditadura franquista, o direito de corrigir ou censurar meus artigos.

Nunca partidos ou políticos saíram, porém, ilesos de suas tentativas de amordaçar os jornais. Aqui mesmo no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) está pagando hoje o preço de ter tentado, durante seus governos, impor um ambíguo “controle social da mídia”. Não funcionou. A mídia acabou ganhando a batalha.

A ex-presidenta Dilma Rousseff deve ter notado, pois quando ganhou pela primeira vez as eleições afirmou em seu primeiro discurso: “Prefiro o barulho dos jornais ao silêncio das ditaduras”. Uma afirmação que se foi esfarrapando pelo caminho, sobretudo em seu segundo mandato, talvez pressionada por seu próprio partido.

E o atual e liberal presidente, Michel Temer, acaba de dar também um escorregão contra o direito sagrado à informação, ao proibir alguns jornais brasileiros de publicar uma notícia que se relacionava com sua esposa.

A afirmação de Trump de que as pessoas já não acreditam nos jornais, embora falsa, deveria nos fazer, porém, refletir sobre a categoria, já que até os melhores jornais podem perder sua credibilidade, algo que se conquista dia a dia.

O jornalismo tampouco está imune às críticas que hoje as instituições sofrem. Como escreveu sobre os jornais Victor Sampedro, catedrático de Ciências da Comunicação: “Estamos em trânsito. Não é fácil ver para onde se vai”. Ele se refere ao novo protagonismo que estão adquirindo as redes sociais, onde os cidadãos “também criam notícias”.

Será preciso, então, reinventar o jornalismo ou deveria ser esta a hora de defender a ideia pétrea para a qual nasceu?

Podem mudar as plataformas, as formas de escrever e as novas sensibilidades do cidadão moderno. O que permanecerá imutável são os princípios da informação, que exigem contar a verdade sem manipulá-la.

Não são as redes sociais que se alimentam, em boa parte, dos jornais de referência do mundo? Muitas vezes encontro notícias no Facebook nas quais se especifica, por exemplo, “publicado no New York Times” ou “Le Monde”, como garantia de credibilidade.

É possível que a gritaria de Trump contra os jornais acabe como uma tempestade de verão. A imprensa não é, contudo, “inimiga do povo”, como ele diz. Pelo contrário, são os poderes autoritários que preferem que esse “povo”, tão idolatrado por eles, continue sem ler os jornais.

Paisagem brasileira

Parque Estadual José Lutzenberger - Torres, RS ©Germano Schüür:
Parque Estadual José Lutzenberger,Torres (RS)

Monopólio da política


Para que o país possa reencontrar o rumo do desenvolvimento, terá que fazer escolhas difíceis. O grande problema é que os políticos acreditam que têm o monopólio da política.
 
Temos, porém, uma Constituição democrática, um calendário eleitoral e uma democracia de massas, com 145 milhões de eleitores. Se a Constituição for respeitada, sempre haverá uma saída democrática, mesmo se houver uma implosão do sistema partidário por causa da Lava-Jato
Luiz Carlos Azedo

Ensinar o povo a se apropriar dos serviços de saúde é um dever

Por que os governos têm dificuldade de implementar os conselhos estaduais e municipais de saúde? E digo implementar porque, obrigatoriamente, para acessar os recursos do SUS, cada Estado e cada município é obrigado a ter conselhos estaduais e municipais de Saúde.

Conforme pesquisa do Ministério da Saúde, “Perfil de Conselhos de Saúde no Brasil” (2007), “todos os municípios possuíam conselhos de saúde: dessa forma, eram 5.565 conselhos municipais e 27 estaduais, sendo cerca de 87 mil os conselheiros”. E mais, a mesma pesquisa constatou que, dos 5.565 municípios, cerca de 81% não tinham sede, 34% não possuíam telefone, 62% não dispunham de computador e, dentre os que possuíam computadores, 31% não tinham acesso à internet. Em relação ao orçamento, 57% tinham receita própria, mas não apresentavam autonomia para gerenciar o orçamento.

Tem sido habitual o descumprimento da lei pelos governantes: “As três esferas de governo garantirão autonomia administrativa para o pleno funcionamento do conselho de saúde, dotação orçamentária, autonomia financeira e organização da secretaria executiva com a necessária infraestrutura e apoio técnico” (Resolução 453, de 2012, p. 4).

Diante do solene descaso dos governos estaduais e municipais em relação aos conselhos de saúde, uma das conclusões é que governadores e prefeitos, em geral, não toleram o caráter deliberativo deles! Então, sabotam!

É um escárnio, porque privam o povo de apropriação dos serviços de saúde, uma necessidade só concretizada com um conselho municipal de saúde exercendo de fato o controle social, competência maior dos conselhos de saúde: “Fortalecer a participação e o controle social no SUS, mobilizar e articular a sociedade de forma permanente na defesa dos princípios constitucionais que fundamentam o SUS”, além de anualmente “deliberar sobre a aprovação ou não do relatório de gestão”; e “deliberar, elaborar, apoiar e promover a educação permanente para o controle social, de acordo com as diretrizes e a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social do SUS”. Tudo de acordo com leis específicas para os conselhos de saúde: 8.080, de 19.9.1990; 8.142, de 28.12.1990; o Decreto 5.839, de 11.6.2006; e a Resolução do CNS 453/2012.

Para não tentar inventar a pólvora, reproduzirei, literalmente, trechos de Alexsandro M. Medeiros, professor assistente da Universidade Federal do Amazonas e membro do Conselho Municipal de Saúde de Parintins(AM) entre 2013 e 2016:

“O conselho de saúde é uma instância colegiada, deliberativa e permanente do SUS em cada esfera de governo integrante da estrutura organizacional do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, com composição, organização e competência fixadas na Lei 8.142/1990”.

“Os conselhos de saúde são espaços instituídos de participação da comunidade nas políticas públicas e na administração da saúde” (Resolução 453, 2012, p. 1).

“Os conselhos são estratégias institucionais que objetivam a participação social e abrem as portas do SUS à sociedade civil organizada” (Souza, 2012, p. 13).

“Têm por objetivo criar uma nova cultura política participativa, tendo como princípios fundamentais a equidade, a integralidade e a universalidade dos serviços públicos de saúde prestados à população brasileira” (Labra, 2002).

Lutar pela revitalização dos conselhos locais e municipais de saúde significa lutar contra a “prefeiturização” deles, como tem sido a regra geral em todo o país.

Imagem do Dia

Zhangye Danxia (China)

Começar tudo de novo

Fica estabelecido que só por milagre a chapa Dilma-Temer será separada pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento dos abusos e excessos praticados nas eleições presidenciais de 2014. Ambos formam uma só unidade, quer dizer, os argumentos para a cassação de uma se estenderão para o outro. Dilma terá pouca coisa a lamentar, apenas a perda de seus direitos políticos por oito anos. Como já não tinha mesmo vontade nem condições de retornar à vida pública, continuará onde está, ou seja, no ostracismo perpétuo.

Com Michel Temer é diferente. Tem a perder o poder maior, a presidência da República. Claro que a decisão da corte eleitoral poderá ser revista pelo Supremo Tribunal Federal. Confirmada a sentença, no entanto, três hipóteses se armam: assume o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para convocar eleições indiretas ou completar o mandato até 31 de dezembro de 2018; o segundo colocado nas eleições anteriores, Aécio Neves, é convocado e ganha o direito de governar o país; ou serão antecipadas as eleições e começará tudo de novo.
Uma dúvida insere-se nessa última opção: qual a duração do período de governo? Quatro anos, como estabelecido na Constituição, extinguindo-se a coincidência de mandatos legislativos com o de presidente da República ou esticando-se o período de deputados e senadores?

Mais oportuna seria a última possibilidade, capaz de passar o rodo na crise que nos assola. Em meio à decisão do TSE, que não se sabe quando acontecerá, melhor seria apagar o quadro-negro. Em especial porque no meio do cipoal bem que o Congresso poderia promover a tão anunciada e jamais concretizada reforma política.

Também surge a alternativa de não acontecer nada, se Michel Temer conseguir protelar o julgamento até o final de seu mandato. Só que não decidir poderá ser pior do que qualquer decisão…

A tragicomédia

Trump não é uma pessoa. É um resultado. São séculos de uma ideologia religiosa que, do puritanismo inicial, passou para um rancoroso ódio contra a complexidade social e política. Trump é o porta-voz de uma gangue da América silenciosa que detesta a democracia e que tomou o poder numa eleição “rigged” (fraudada) – exatamente aquilo de que ele acusou Hillary. Os republicanos estão no poder com esse escroto.

O republicano não ri nunca, como se o riso fosse uma fraqueza, um pecado. O republicano ostenta uma tristeza militante e nunca nos premia com um olhar amigo; se ele nos olha, é para nos condenar com um espelho morto, como aquele olhar do casal puritano no célebre quadro de Grant Wood “American Gothic”.


Vivem um paradoxo: querem mudar tudo para que nada mais mude nunca. Os republicanos moram na certeza, na eternidade, como os suicidas de Osama. Os republicanos acham que os democratas são cães infiéis, como pensam também os muçulmanos fanáticos. O que nos choca nisso tudo é a inatualidade do fenômeno. Os republicanos têm algo de revolta animal contra a cultura e a civilização, algo na base de “vamos deixar dessas frescuras liberais e voltar ao pau puro...”. Lembram quando eles quase faliram as contas da América para ferrar o Obama?

“Abaixo a inteligência, viva a morte!,” gritou o general fascista na Espanha de Franco, em 1936.

Trump é o eco. Em potencial, ele pode ser a coisa mais grave que nos aconteceu desde Hitler.

Trump vinha para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Trump é um detergente. Ele e seus asseclas encarnam o pensamento de milhões de idiotas que jazem entre o hambúrguer e o sofá diante da TV – eles acham que problemas se raspam, que dissidências se esmagam, que complexidades devem ser achatadas, que o múltiplo tem de virar “um”.

Eu já morei nos Estados Unidos, na Flórida, e conheço bem essa estupidez. É diferente da estupidez brasileira, pois não é fruto de analfabetismo ou de cultura zero. Lá a boçalidade tem mais chão, é mais sólida e forma uma rede ideológica que prospera na classe média do país todo. Lá, a boçalidade tem fundamentos. São monoglotas que nada sabem do mundo exterior. E, com o mundo cada vez mais global e intrincado, os estúpidos tendem para o isolacionismo mental, para certezas totalitárias. Metade dos Estados Unidos é republicana. Mas há também um grão da obsessão republicana na outra metade. Quando o Bush (ah... nunca pensei que sentiria saudades dele...) foi reeleito, o “The Guardian” publicou a seguinte manchete na capa: “Como podem 60 milhões de pessoas ser tão estúpidas?”. Hoje, creio mesmo que eles gostam da mentira e do ridículo desse cara, como se a grossura fosse uma espécie de “coragem”.

Por isso, a política democrática está virando um parafuso espanado que não gira mais a vida social.

Todos os homens sensatos do mundo sabem que Trump vai fazer um estrago. Mas ele quer justamente isso – ele quer ir contra a sensatez dos homens do mundo. Ele quer quebrar as regras do jogo, quer nossa ira, quer nosso escândalo.

Acho mesmo que estamos vivendo um pesadelo humorístico na história atual. O planeta está sendo governado por bufões e palhaços assassinos como o Kim, o porquinho atômico, o assassino Putin, o outro assassino Assad, o carrasco Duterte nas Filipinas, o violento repressor Erdogan e até o pequeno bigodinho do repulsivo Maduro. E o Trump veio para chefiar a todos na tarefa de paralisar o mundo.

Hitler não era cômico, seu rosto ostentava a expressão de ter sido vítima de alguma terrível injustiça, e foi o vingador da Alemanha molestada pela Primeira Guerra. E Hitler tinha um “ideal” dentro de sua psicose, sonhava com um milênio ariano. Mussolini tinha uma queixada arrogante, um corpanzil desafiador, lá com sua luta por uma Itália fascista organizada. Franco, com seu bigodinho de avô mesquinho, acreditava no anticomunismo, numa Espanha controlada com garrotes vis.

Trump, não. Sua cara não denota coisa alguma, a não ser uma proposital careta de sapo atrevido, a zombar dos democratas e nos impingindo sua figura – a caricatura vergonhosa dos republicanos, sua única utilidade.

Trump serviu ao menos para alertar que a democracia na América tem de ser aperfeiçoada com instrumentos de controle mínimo, que impeçam malucos de tomar o poder. Trump também é um alerta – a desinformação política americana é muito maior do que se pensava. Delicio-me vendo as caras, as fuças boçais típicas de seus eleitores. Em seus rostos há o nada. Também adoro ver as mulheres deles, todas iguais: cabelos louros de chapinha, sorriso parado na boca, gostosas louras-burras. Toda perua é republicana. É a rebelião dos imbecis...

A estupidez volta a governar a Terra. Procurando algum consolo, a única utilidade do rato talvez seja provocar uma autocrítica nos democratas, ingênuos crentes de que a democracia globalizada era para sempre. Bobearam. Em nome da democracia permitiram que o grande canalha xingasse o tempo todo Hillary de “vigarista”, bloqueando suas falas nos debates com sua barriga. Não houve um democrata para meter o dedo na cara do biltre. A única linha justa era a do Robert de Niro, que disse que Trump era um porco e que ele queria arrebentar-lhe a cara. Se o candidato fosse o Joe Biden, teriam vencido.

A democracia tem de estar sob uma eterna vigilância, porque é muito difícil de ser entendida por bilhões de pessoas – é complexa, precisa de sentimentos raros como compaixão, respeito ao outro, preservação da liberdade.

O povo entende melhor o autoritarismo boçal e machista: os dirigentes canalhas descobriram isso e estão se alastrando.

No plano geral dessa mixórdia, creio que vivemos uma tragicomédia. Sempre pensamos que o mundo poderia se ferrar por horrendos desastres, que poderia acabar (T.S. Eliot) “não com uma explosão, mas com um gemido”... Hoje vemos que tudo pode ser arrasado com um mugido, um zurro, com uma gargalhada boçal de psicopatas.

A vez da 'Jararaca'

O PT tenta ir para o tudo ou nada. Na base do “salvem Lula” a qualquer preço. No QG da sigla, nas conversas de filiados, principalmente entre os simpatizantes ideológicos atávicos – mesmo na corriola de algumas cabeças coroadas da chamada elite pensante – dar sobrevida à “Jararaca” significa colocá-la novamente no poder, de volta à presidência da República, para acabar com essa “perseguição odiosa e sem sentido algum” contra os líderes da agremiação. O comandante da operação salvamento e presidente do Partido, Rui Falcão, sonha que só assim os compadres correligionários Dirceu, Vaccari e Palocci conseguem a liberdade. Para aprontar de novo, imagina-se! A ação do PT pró-Lula começa a ser urdida nos gabinetes para ganhar, em breve, as ruas e programas de TV. Existe até um “plano econômico” sendo alinhavado às pressas para tirar o País da crise. Crise que o próprio partido criou, diga-se de passagem. Não é brincadeira! O “salvador da pátria”, perseguido e injuriado por seus adversários, na versão edulcorada que faz de si mesmo, busca se safar pela via da reeleição. A lendária artimanha do PT de converter e distorcer fatos a seu favor, de abusar de chavões para vitimar os aliados, de convencer a população de que tudo não passa de grande armação e injustiça, entrou em vigor. Um manifesto com a assinatura de 400 artistas e participantes de movimentos sociais pede o lançamento imediato de Lula. E ele mesmo se convenceu disso. É a corrida contra o tempo, sem dúvida. Ou contra a ameaça crescente da prisão, mais do que esperada, do cacique petista. A situação mostra-se esdrúxula. Um réu em cinco processos (a caminho do sexto), acusado de liderar uma quadrilha criminosa, de atentar contra o patrimônio público, prepara a sua candidatura para tentar virar, novamente, mandatário do País. Agora imagine o cenário no qual o personagem em questão, Lula, que se autoproclama a alma mais honesta do mundo – tal qual Jesus Cristo, nas palavras dele próprio – eventualmente saia vitorioso numa futura eleição e a seguir seja, no trâmite moroso do Judiciário, condenado pela série infindável de crimes que lhe pesam sobre as costas? Nesse quadro surreal, melhor seria fechar o Brasil para balanço. A mera hipótese de tê-lo com chances de disputa é, por demais, grotesca. Amontoam-se investigações e provas que, na condição de um cidadão comum, já teria levado Lula às grades há tempos. Vários dos que lá estão, em virtude dos desdobramentos da Lava Jato, foram parar ali por muito menos. Lula esculhamba com o Judiciário, tenta desacreditar o juiz Sérgio Moro, usa e abusa de artifícios legais para protelar os processos e segue impávido na sua cruzada política. Pelos prazos médios de julgamento, pela quantidade e profundidade das ações, pelo arco de provas e indícios apresentados, ele pode ficar inelegível apenas durante a campanha de 2018, lá pelos idos de julho do ano que vem, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que valida condenação em segunda instância. Ninguém deseja tamanha balbúrdia na corrida sucessória. O País não aguenta mais. Passa do tempo e da hora dessas investigações contra o ex-presidente ganharem celeridade. A pergunta que todo mundo faz e não encontra resposta concreta é: exatamente o que está faltando para uma sentença definitiva ou para várias, diante dos laudatórios documentos, indícios e testemunhos contra Lula? Embora ele tente agir como se nada de errado exista para atrapalhar seu caminho, poucos discordam – até intramuros do Partido – que nas barras da Justiça chegou a hora da “Jararaca” prestar contas.

A pergunta que não quer calar

Palavras faladas voam, escritas permanecem

No dia 7 de dezembro de 2015, parece que foi ontem, tal a velocidade da época que se vive no Brasil, o então vice-presidente Michel Temer escreveu uma famosa carta à então presidente Dilma Rousseff.

Destacou 11 pontos, provavelmente inspirado por Bertrand Russel, que recomendou aludir a fatos diante de interlocutores ou temas complicados, que suscitam dúvidas em excesso. Outro antigo provérbio lembra que “contra fatos não há argumentos”.


A frase, porém, que o então vice escolheu para epígrafe de sua Carta foi o provérbio que é título deste artigo, cuja versão original em latim é “verba volant, scripta manent”, que ele deu com a tradução entre parênteses, provavelmente por saber a quem se dirigia.

Estas frases famosas são conhecidas por diversas designações: máximas, provérbios, sentenças e também brocardos. Brocardo porque um bispo alemão chamado Georg Burckard, que viveu no século XI, organizou uma série destas frases em vários volumes. Elas já existiam em grande quantidade nos fins do primeiro milênio.

“Ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore” é outro brocardo muito conhecido e muito citado.

Michel Temer, o agora presidente, recorreu ao ‘verba volant, scripta manent”, que, ele homem de saber jurídico, deve ter retirado de algum compêndio de Direito, ambiente em que tais ditos célebres são muito citados.

Mas por que ele terá recorrido ao Latim? Só o Presidente poderá esclarecer o verdadeiro motivo, mas este escritor e professor aventa a hipótese de que poderá ter sido para indicar, entre tantas diferenças, que ele, um constitucionalista, prezava e preza o Direito. E que ele só assumiria a presidência se o afastamento da então presidente, já muito mais do que um rumor, obedecesse aos atos litúrgicos constitucionais desta passagem, sempre dolorosa e sempre sujeita a controversas interpretações.

Ministério da Fazenda como centro da 'propinocracia' supera qualquer ficção

— Quem é o ‘Italiano’ referido no e-mail?, inquiriu Sergio Moro

— A gente sabia que o 'Italiano' era o Palocci, respondeu executivo da Odebrecht Fernando Sampaio Barbosa.

— A gente sabia quem?, insistiu Moro.

— Eu sabia. Eu tinha sido informado pelo Márcio Faria, acrescentou Fernando Sampaio, citando outro executivo da Odeebrecht.

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Arrolado como testemunha de Marcelo Odebrecht, Fernando Sampaio prestou depoimento nesta segunda-feira. Foi a primeira vez que um operador da Odebrecht reconheceu em juízo que ‘Italiano’ é mesmo o apelido de Antonio Palocci nas planilhas do departamento de propinas da construtora. De acordo com os investigadores, Palocci atuou como coletor de pixulecos para o PT enquanto foi ministro da Fazenda de Lula. Beliscou pelo menos R$ 128 milhões. Foi sucedido no ministério e nas planilhas da Odebrecht por Guido Mantega, o ‘Pós-Italiano’.

Se a Era do PT no Poder fosse um filme de James Bond, o serviço secreto britânico descobiria uma caverna nos subterrâneos da pasta da Fazenda. Dentro dela, protegida por paredes de aço, um sofisticado centro tecnológico de gerenciamento de interesses espúrios e captação de verbas tóxicas. No comando, uma dupla de personagens satânicos de vida dupla. Nos porões, eram gênios do mal, dedicados a comprar o PMDB e assemelhados, para dominar o mundo. Na superfície, não passavam de ministros inocentes, empenhados em defender os cofres da República.

Por azar, a realidade brasileira superou qualquer ficção. Faltou à nação petista um 007 capaz de explodir com uma caneta a laser a caverna instalada sob a Fazenda antes que os vilões transformassem o sistema político nacional numa propinocracia pós-ideológica. Num filme, Bond exterminaria os vilões e livraria a humanidade de suas ameaças. No Brasil real, o PMDB cavalga a Presidência de Michel Temer como se não tivesse nada a ver com o governo comprado pela Odebrecht. E Lula é candidato a um terceiro mandato. Talvez um quarto. Quem sabe um quinto… O que diferencia o Brasil da ficção é que a ameaça dura muito mais do que o intervalo de um filme.

São todos PCCs?

Congresso
Evidencia-se a podridão do regime dominante, envolvendo quase todas as agremiações e seus figurões. Os partidos criadores, diante da agonia de suas criaturas, vão, como sempre, fugir de suas responsabilidades, tentar minimizar, individualizar os procedimentos suspeitos, proteger os seus, sem um mínimo de autocrítica - o que até empresas players do esquemão espúrio, como a Odebrecht, andam fazendo

A suruba continua

Tem razão o desbocado Senador Romero Jucá: a suruba continua, e cada vez maior, mais agitada e perigosa, contagiando todos os poderes da república. Vejam o escore da recente votação na segunda turma: Toffoli 4 x Fachin 0, que tirou Sarney das garras do juiz Sergio Moro. Se processo no STF significa impunidade, como está pintando, não vai acontecer nada com o líder dos “Honoráveis Bandidos” (Palmério Dória, Geração Editorial). Há quem diga que ele é, na realidade, o decano da corrupção, e não o tal Jorge Luz que, em parceria com seu filho Bruno, movimentou a módica quantia de 40 milhões de dólares do antigo e tradicional propinoduto brasileiro. Sarney deve ter amealhado fortuna incalculável nas suas várias décadas de intensa atividade no submundo do crime contra o patrimônio público.

A Sonia Racy escreveu que consultou um importante jurista sobre esta infame decisão do Supremo, que lhe disse: “se essa jurisprudência se aplicar aos demais, é o início do fim da Lava Jato”.

Como querem os políticos.

Congresso
A esta altura do campeonato, o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve estar profundamente arrependido de não ter contratado os serviços do advogado Kakay para livrá-lo da rápida e implacável justiça de primeira instância, que já o transformou em réu. Afinal, Sarney, como Lula, não tem foro privilegiado. Ou melhor: não tinha.

O odor de pizza que exala do Supremo aguça o apetite de um montão de criminosos, especialmente daqueles que se escondem sob o manto escuro do nojento, repulsivo e execrável foro especial por prerrogativa de função, uma aberração tupiniquim que não existe em nenhum outro país do mundo, à exceção da Espanha, como o famigerado Renan Calheiros. Dos crimes que ele praticou em 2004, um já prescreveu por conta da demora na tramitação do processo. E há grande probabilidade de haver prescrição dos outros, o que fará com que o “ilustre” parlamentar não seja punido pelos malfeitos que cometeu. Que tal? Processo no Supremo cheira ou não a impunidade?

A bocarra faminta por injustiça não é só desses cidadãos de primeira classe, mas de tantos outros que, como nós, são de segunda: ao menos 50 alvos da Lava Jato sem foro privilegiado estão cozinhando no forno lento e brando do STF. Ninguém sabe quando serão servidos à sociedade, que gostaria de comê-los crus, se desse.

A esbornia é mesmo geral e irrestrita. Nosso STF, ainda na quinta-feira, adiou a sessão sobre a necessidade ou não da assembleia estadual autorizar que um governador seja processado pelo Supremo, o que liberta, pelo menos por enquanto, o petista Fernando Pimentel, acusado de várias falcatruas.

Temos que concordar com Romero Jucá: a bacanal continua mesmo a todo vapor. Agora vem o ex-ministro Henrique Eduardo Alves dizer que não sabe como que quase um milhão de dólares foram parar na sua conta. Incrível. Enquanto o povo passa fome, governantes e políticos abrem contas bancárias onde brota dinheiro.

A festança não para. Vide o “trailer” da delação da Odebrecht, no qual Marcelo informa que mais de 150 milhões de reais do total de 300 “disponibilizados “ para o PT foram repassados à chapa Dilma/Temer na campanha de 2014.

O PSDB deve estar com remorso de ter proposto a ação de anulação desta chapa no TSE, já que agora faz parte do governo.

A esculhambação é geral e irrestrita.

Quando forem divulgadas as 77 delações dos executivos da maior empreiteira do país, a “imundície” vai atingir o ventilador e espalhar “dejetos” por todos os lados. Não vai sobrar quase ninguém, se sobrar alguém.

Diante de tudo isso, a sociedade precisa reagir.

Afinal, quem não se lembra do refrão da famosa música “Vira, vira”, grande sucesso dos Mamonas Assassinas, que inspirou Romero Jucá, e que era cantada de norte a sul, por crianças e adultos?

Chega de nos passarem impunemente a mão no traseiro.

Vamos às ruas dia 26 de março exigir que os meliantes que vem roubando o Brasil sejam condenados.

Até lá.

Faveco Corrêa