quinta-feira, 2 de março de 2017

Fora Temer, quem mais os petistas odeiam?

Todo mundo que participa do seu governo (ilegítimo, inconstitucional, fisiológico, entreguista, feio, bobo, golpista etc).

Compactuo do horror que os petistas têm ao Temer, ao seu governo, aos seus ministros.
Com a ressalva de que eu não votei no Temer.
Eles, sim.

O Temer me caiu de paraquedas, me foi enfiado goela abaixo.
Os petistas, ao contrário, escolheram-no.
E não uma vez só, mas duas.

Aceito o Temer como quem aceita uma injeção de Benzetacil.
Não quero, não gosto, é horrível – mas ou é isso ou a infecção generalizada.
Respiro fundo, prendo o choro, xingo a mãe do moço da farmácia e toco o barco.


Como os petistas, não suporto olhar para a cara do Edison Lobão, nobre presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Mas, ao contrário dos petistas, eu também não o suportava quando ele era Ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma.

Compartilho com os petistas uma profunda antipatia pelo Presidente do Senado, Eunício Oliveira.
Só que eles o achavam simpaticíssimo quando era Ministro das Comunicações de Lula.

Eliseu Padilha, braço direito do golpista, quem consegue confiar nesse sujeito?
Os petistas, certamente – pelo menos enquanto foi Ministro da Aviação Civil da finada Presidenta.

Como não me solidarizar com os petistas no asco pelo Geddel Viera Lima, o do apartamento com vista pro mar em Salvador?
Mas o asco deles é recente, só desabrochou depois que ele deixou de ser Ministro da Integração Nacional do viúvo de D. Marisa.

Ah, Romero Jucá, o surubático Romero Jucá...
Impossível não ser tomado de ojeriza ao vê-lo, ouvi-lo, imaginá-lo.
Exceto os petistas, que surubaram com ele sem pudor algum enquanto era Ministro da Previdência Social do Lula.

E Silas Rondeau, encalacrado na Lava Jato, indiciado por tráfico de influência?
Abominável, diriam os petistas - e eu concordo.
Mas os petistas só acham isso depois que ele deixou de ser Ministro de Minas e Energia.
De quem?
Ganha um sítio em Atibaia quem adivinhar.

E tem ainda Moreira Franco, estrategicamente nomeado pelo nefasto Temer apenas para adquirir foro privilegiado.
Se bem me lembro, ele teve o mesmo foro como Ministro de Assuntos Estratégicos de Dilma, e ninguém falou nada.

Eu não gosto do Temer, mas desde sempre.
Os petistas, esses só começaram a desgostar quando ele se cansou de ser um vice decorativo e resolveu partir para novos desafios e se reposicionar no mercado.

Por isso entendo quando entram transe (e em loop) com seu mantra “Fora, Temer”.

É que levaram cinco anos para perceber que ele existia (e que existiam Moreira Franco, Jucá, Eunício, Rondeau, Padilha, Geddel), e só aí começar a ladainha.

Sabe como é, ficha de petista demora um pouco a cair.
Texto compartilhado ainda sem autor definido

Paisagem brasileira

Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais (MG):
Parque Nacional da Serra do Cipó (MG)

Humanos, esses animais

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Não entendia aquele cachorro se esfregando na grama enquanto eu resolvia questões de física. Entretido apenas com o mato, rodava, mordia o ar, caçava algo que não existia. Achei uma vida muito besta a do cão, essa de enfiar o focinho na lama, rodopiar sem motivo, rosnar à toa. Quando voltei a calcular o local em que o trem partindo do ponto X a oitenta quilômetros por hora colidiria com o outro que se movia duas vezes mais rápido, fui acometido por uma desagradável surpresa: pior sou eu, preocupado em decorar fórmulas para solucionar problemas que não me dizem respeito. Deixei que os trens se chocassem onde bem entendessem e fui brincar com o bicho, muito mais sábio que seu dono apesar da baba. A partir de então, abandonei o topo da pirâmide alimentar para olhar os animais de uma maneira diferente:

Cientistas de Washington descobriram que corvos têm um cérebro invejável e são capazes de memorizar feições humanas. Significa que se você ameaçar um deles, vai ficar com a cara marcada no bando como elemento indesejável – e que, é claro, estão sempre julgando seu penteado e sua maquiagem malfeita.
*

Ainda sobre aves americanas, um parente do gaio-azul é capaz de planejar o amanhã, estocando alimentos conforme a necessidade que terá. Mais ou menos como nós investimos na poupança. O conceito de futuro é tão complexo que não havia sido registrado em outras aves. O mesmo pássaro, quando um dos seus morre, faz um tipo de funeral sonoro para dar a notícia aos outros. Cientes do amanhã e da morte, basta esperar que nenhum destes passarinhos faça a conexão entre os conceitos, pelo bem da saúde mental da espécie.
*

Um porco, quando se depara com o espelho pela primeira vez, fica cerca de meia hora tentando interagir com a própria imagem, até se dar conta de que ele não é tudo aquilo que pensava, e desiste. Alguns humanos levam a vida inteira para chegar à mesma conclusão.
*

Terá havido entre os coalas um passado de pavoroso genocídio? Brigam os camelos há muitas gerações pelo direito a um pedaço do deserto? Por acaso os castores se empenharam na construção de uma grande represa para segregar seus iguais? Os gatos desprezam-se uns aos outros pelos sotaques dos miados? Ou será que só os humanos são uns animais?
*

Enquanto nós faríamos de tudo para apagar algumas memórias, as planárias, simpáticos vermezinhos vesgos capazes de se regenerar, não têm opção: mesmo quando decapitadas, as lembranças antigas voltam com a nova “cabeça” que se forma. A punição divina imposta para este tipo de imortalidade é conviver, para sempre, com os fantasmas do passado. Felizmente, os registros indicam que as planárias não são dadas a relacionamentos afetivos, nem costumam se arrepender de suas escolhas, que no geral se limitam a questões de sobrevivência, nunca de amor.
*

Quando os incas viram chegar os espanhóis a galope para arrasar suas terras, pensaram que se tratava de alguma divindade de quatro patas e duas cabeças, pois nunca tinham visto equinos. Os cavalos, porém, não deram a mínima e não pensaram em nada.
*

Já os elefantes que enfrentaram o exército de Alexandre, o Grande em Gaugamela, acharam um pouco de graça em ver o tamanico daquele homenzinho vestido de metal.

Guilherme Tauil

Hora que anda para trás

Pesquisa da consultoria Euromonitor Internacional concluiu que, entre 2005 e 2016, o valor da hora de trabalho paga no Brasil caiu de US$ 2,90 para US$ 2,70, na média, enquanto na China triplicou no mesmo período, chegando a US$ 3,60
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Ora, a Constituição

Já estão aparecendo as “soluções fáceis": se o consumo das famílias está baixo, a resposta deve ser um bom aumento real para o salário mínimo.

A proposta está naquela categoria das “soluções simples e erradas”. Mas, para complicar o quadro, vou acrescentar um argumento, digamos, constitucional. Quer dizer: o atual salário mínimo, de R$ 937, é inconstitucional.

Isso mesmo. Está lá no artigo 7º:

"São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV — salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".

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Considerem uma família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando no Rio ou em outra região metropolitana, e está na cara que o valor atual não dá.

Qual seria o valor constitucional? O Dieese faz o cálculo todos os meses. Para janeiro último, a estimativa alcança exatos R$ 3.811,29.

Isso é mais de 300% acima do mínimo atual. E é 85% superior ao salário real médio dos trabalhadores brasileiros, medido pelo IBGE, que chegou a R$ 2.056 em janeiro passado.

Assim, se o STF mandar pagar os R$ 3.811, vai ser uma festa nacional. A imensa maioria dos trabalhadores terá um gordo reajuste imediato. E muitas famílias ficarão em situação mais do que confortável.

O mínimo tem que ser nacional, um mesmo valor no país inteiro. E precisa atender às necessidades descritas na Constituição. Logo, é preciso fazer a conta para as famílias que moram nas áreas em que o custo de vida é o mais caro. Resultado: os R$ 3.811 vão dar em cima para os trabalhadores de São Paulo, Rio ou Brasília, e vão sobrar para os moradores, por exemplo, do interior do Piauí.

Em um dado momento, havia no Brasil salário mínimo regional, uma tentativa de adequar a remuneração às enormes disparidades de custo de vida. Mas, na Constituição de 88, sob o argumento de que não se poderia discriminar, determinou-se que todos deveriam receber a mesma coisa. O que é falso. Os mesmos R$ 937 valem muito mais em determinados locais. Assim, há uma discriminação contra os moradores das áreas urbanas.

De todo modo, quais seriam as consequências do salário mínimo constitucional?

Arrasaria as contas públicas. Considerando que cada real a mais no salário mínimo representa uma despesa anual de R$ 300 milhões só para o governo federal (23 milhões de aposentados e pensionistas recebem pelo piso), o custo daquele reajuste, partindo dos atuais R$ 937, seria de nada menos que R$ 862 bilhões — mais de seis vezes superior ao déficit previsto para este ano.

Isso daria em aumento de impostos e da dívida, a qual, aumentando o risco de calote, provocaria a imediata elevação das taxas de juros.

As prefeituras do interior não teriam como pagar o mínimo constitucional. As empresas teriam que repassar os custos mais altos para os seus preços. Como todas fariam isso ao mesmo tempo, a inflação daria um salto. E muitas empresas simplesmente passariam para a informalidade, eliminando os trabalhadores com carteira assinada.

Isso fecha o ciclo: todo o ganho dos trabalhadores que continuassem empregados seria comido pela inflação generalizada, pelos impostos mais elevados e pelas taxas de juros mais altas nos crediários.

Ou seja, o mínimo de R$ 3.811 rapidamente seria de novo inconstitucional, exigindo-se novo reajuste pela letra da lei. Pode existir uma norma constitucional mais estúpida que esta?

A rigor, deveria ser imediatamente eliminada, mas qual parlamentar ou qual governo tomaria a iniciativa de propor isso? Mesmo que alguém fizesse, a coisa acabaria no STF.

É verdade que a Corte tem dado umas decisões estranhas, mas é difícil imaginar que os ministros fossem irresponsáveis o suficiente para deliberar a favor de uma catástrofe econômica e social como aquela aqui descrita. Por outro lado, o inciso IV do artigo 7º. da Constituição está em vigor. Logo, Suas Excelências, se provocadas nesse caso, precisarão de uma ginástica jurídica para dizer que certas letras da Constituição não valem em determinadas circunstâncias.

E caímos de novo em duas questões: uma, a das leis que são e as que não são respeitadas; outra, de como a Constituição brasileira permite tudo, até dizer que o salário mínimo e o déficit da Previdência são inconstitucionais. E depois reclamam quando o brasileiro comum também resolve que certas leis não precisam ser respeitadas.

Carlos Alberto Sardenberg

Você

Roberto Menescal com Adriano Giffone (baixo elétrico), João Cortez (bateria), 
Adriano Souza (piano) e Jessé Sadock (trompete ) no  Instrumental SESC Brasil no Teatro Anchieta Você

O ensaio geral do bloco dos sabotadores da Lava Jato

Em 7 de fevereiro, o onipresente Gilmar Mendes sacou do coldre o trabuco retórico para anunciar o recomeço do duelo com o juiz Sérgio Moro e a força-tarefa do Ministério Público engajada na Operação Lava Jato: “Temos encontro marcado com essas alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, avisou o ministro do Supremo Tribunal Federal que também preside o Tribunal Superior Eleitoral. Em vez de ao menos lamentar a indolência cúmplice de quem demora a julgar e só absolve, Gilmar se enfurece com homens da lei que investigam, provam, condenam e prendem.

Em 20 de fevereiro, o senador Romero Jucá, líder do governo no Congresso, sucumbiu ao medo decorrente da aproximação do camburão e, disposto a tudo para continuar sob as asas do foro privilegiado, pariu a Teoria da Suruba: “Se acabar o foro, é para todo mundo”, comunicou. “Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”. Nessa linha de raciocínio, o STF é uma espécie de casa de tolerância reservada a meliantes incomuns. Por exemplo, gente como Jucá, um prontuário à espera de uma gaiola desde os tempos do bercário.


Em 24 de fevereiro, o ministro Marco Aurélio Mello resolveu infiltrar um recado à Lava Jato, tão enviesado quanto impertinente, num trecho da justificativa para a soltura do goleiro Bruno: “A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7 meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória”. (Horas depois, o advogado Wasley Vasconcelos reivindicou ao Supremo Tribunal Federal que o indulgente parecer de Marco Aurélio fosse estendido a seu cliente Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, amigo de Bruno e seu comparsa na execução e ocultação do cadáver de Eliza Samudio, ex-namorada do então jogador do Flamengo).

Em 26 de fevereiro, domingo de Carnaval, o onisciente Gilmar Mendes aproveitou uma entrevista ao Estadão para endossar a tese do senador que preside o PMDB. “Eles têm razão: se se quer acabar com o foro, é para todos”, pontificou o artilheiro do time da toga. (“Eles” são os jucás). À caça de explicações menos mambembes, o ministro acabou ampliando o acervo de aberrações que recomendam a imediata interdição da suruba: “Falam de 22 mil autoridades com direito a foro privilegiado. Ora bolas, 17 mil são juízes. E quanto serão os membros do Ministério Público?” Como engolir um privilégio com tamanha multidão de beneficiários togados? “Quando se fala que o grande problema do Brasil é o foro privilegiado, é irresponsável”, delirou o entrevistado, sem esclarecer onde ouviu tamanha bobagem. Quem luta pela revogação desse foro inconstitucional e imoral nele enxerga não a origem de todos os males da nação, mas um dos muitos tumores que infestam o sistema legal. “Só 8% dos homicídios são desvendados no Brasil”, foi em frente o ministro. “Os processos não andam em várias instâncias. As pessoas só são investigadas quando passam a ter foro privilegiado”. Se os supremos sherloques do de fato investigam, nunca encontram nada: o índice de condenações no STF é inferior a 1%.

Em 27 de fevereiro, dois dias depois do advogado de Macarrão, Rui Falcão descobriu que a rota de fuga pavimentada por Marco Aurélio e inaugurada por Bruno poderia ser percorrida por uma trinca de bandidos de estimação engaiolados em Curitiba. “Diante do excesso de prisões preventivas, sem motivo e prolongadas no tempo para forçar delações, o rigor jurídico do ministro Mello para um homicida confesso deveria estender-se ao conjunto das sentenças do STF”, caprichou no cinismo o presidente do PT num artigo publicado pelo site do partido. “Afinal, por que manter presos João Vaccari, José Dirceu e Antônio Palocci – e há outros em situação semelhante — contra os quais só existem delações e nenhum prova consistente? É hora de cessar a parcialidade nos julgamentos, dar um fim à perseguição politica promovida por certos juízes e procuradores e libertar Vaccari, Dirceu e Palocci”. Rui Falcão, quem diria, enfim confessou que o PT é um viveiro de goleiros brunos que, em vez de uniformes de times de futebol, trajam o modelito imposto à população carcerária.

Conjugados, os cinco episódios confirmam que, enquanto o País do Carnaval se distraía, começou neste fevereiro o ensaio geral do bloco dos sabotadores da Operação Lava Jato. O enredo carece de ajustes, a bateria vive atravessando o samba, a ansiedade atrapalha a harmonia, os destaques sofrem frequentes surtos de exibicionismo. Mas seus integrantes já não escondem o rosto nem recorrem a fantasias para enganar a plateia. Para manter confinado na área de concentração o bloco da infâmia, é preciso que as multidões que representam o Brasil decente voltem às ruas e renovem a advertência: ninguém vai deter a Lava Jato.

É essa a bandeira que mobiliza, aglutina e une o país que presta. É essa a palavra de ordem que afugenta e isola tanto extremistas de direita quanto devotos do lulopetismo que espreitam as manifestações programadas para o fim deste mês, decididos a deformá-las com reivindicações absurdas, deliberadamente cretinas ou apenas equivocadas. Os idiotas estão por toda parte. Assumirão o controle das ruas se a resistência democrática embarcar na nau dos insensatos.

Odebrecht marcou Dilma e Temer na bochecha

O hábito de esconder arcas clandestinas nos porões das campanhas eleitorais é velho como as caravelas. A novidade é que a Lava Jato deu ao dinheiro por fora uma visibilidade jamais experimentada na história da República. Em situações assim, o grau de civilidade da democracia é medido pelo tamanho da punição.
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O Tribunal Superior Eleitoral dispõe de duas alternativas: ou revitaliza a política nacional ou mergulha a chamada vida pública numa decadência irreversível
Josias de Souza

Imposto nos outros é refresco

Em fevereiro de 2016, parlamentares do PSDB encheram o Congresso de placas com a inscrição “Xô, CPMF”. Eles combatiam a ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras. Era a última cartada do governo Dilma Rousseff para tentar tapar o rombo nas contas federais.

O deputado Luiz Carlos Hauly despontava entre os críticos mais ácidos da proposta. Em entrevista à rádio Câmara, o tucano anunciou uma oposição radical ao imposto de quatro letras, que classificou como “inaceitável” e “inadmissível”.

“As pesquisas estão aí: rejeição total à recriação da CPMF. Com a oposição também não há diálogo”, avisou o paranaense. “Nós somos radicalmente contra”, reforçou.

O deputado lançou mão de um discurso em voga na época: o contribuinte não aguentaria mais pagar impostos ao governo. “A sociedade rejeita o aumento de impostos, e nós da oposição estamos em linha com a sociedade brasileira”, disse.

As barricadas funcionaram, e Dilma não conseguiu recriar a CPMF. O resto é história: o país foi rebaixado pelas agências de classificação de risco, a crise fiscal se agravou, as manifestações de rua engrossaram e o Congresso derrubou o governo.

Um ano depois, Hauly e a CPMF estão de volta ao noticiário. A novidade é que o tucano mudou de discurso. Escolhido para relatar a reforma tributária, ele abandonou as críticas e se converteu num entusiasmado defensor do imposto.
“A CPMF vai substituir o IOF”, disse o deputado na semana passada, ao sair de uma reunião no Palácio do Planalto. “A contribuição será mínima, como antigamente. E tudo é para o bem e para fazermos com transparência”, acrescentou.

Em nome da transparência, Hauly poderia explicar como uma contribuição “inaceitável” no governo Dilma poderá ser recriada “para o bem” na gestão de Michel Temer. O pato da Fiesp não foi encontrado para comentar o assunto.

Batman e as pequenas coisas

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O policial usava uma peruca afro que irradiava as cores do arco-íris. Seu colega andava com uma mochila de turista. À paisana, disfarçados de foliões, caçavam gente vendendo ingresso em frente ao sambódromo: misturavam-se entre as pessoas e esperavam até alguém oferecer um. Os organizadores do desfile querem evitar que alguém revenda seus ingressos – especialmente por um preço além do valor original.

No Sambódromo, em um quartinho nos fundos, há um pequeno tribunal. Para lá, são levados os casos de pequenos crimes, como a venda ilegal de ingresso. Para lá, se dirigiram os policias com suas presas: quatro pobre-coitados da periferia. Eles teriam tentado passar seus ingressos para outras pessoas. Ofereciam principalmente alguns ingressos de cortesia, distribuídos por escolas de samba em seus redutos. Não queriam receber muito: 10 reais por cada.

No Sambódromo também atuam cambistas profissionais: aqueles que compram os ingressos para grandes eventos e os vendem na porta por dez ou 20 vezes mais. Tais profissionais também foram pegos pela polícia neste dia. "Mas esse pequeno grupo parecia ter acabado de dormir na selva", contou Larissa Davidovich, a defensora pública de plantão no Sambódromo. "Eram os mais pobres dos pobres. Contei ao juiz a história deles. Um dormia na rua porque tinha acabado de se separar de sua mulher. Justiça tem algo a ver com empatia sim!"

É um argumento complicado. Muitos juristas reagiriam da forma diferente: a Justiça não depende da empatia, mas dos fatos. É preciso mostrar exemplos, ou seja, punir para assustar os futuros infratores. O direito tem que tratar a todos igualmente. E o que os policiais vão pensar disso? Para que então ficar atrás de pistas e pegar os vendedores ilícitos, se a Justiça os liberta logo depois?

De uma forma ou de outra, a defensora obteve sucesso. Os pobres puderam sair em liberdade sem a punição de pagar uma "cesta básica”, que gira em torno de 200 a 400 Reais. No entanto, eles devem sumir do entorno do Sambódromo. A decisão do juiz não teve tanto a ver com empatia, mas sim com a dúvida com relação aos fatos: qual é a infração contida no ato de revender entradas de cortesia, se nem sequer o preço original é pedido? E qual foi o prejuízo? Os quatro homens teriam realmente cometido um crime contra a economia popular, como o promotor queria acusá-los?

Mais tarde conversei longamente com a defensora Larissa. "Temos uma tendência terrível neste país", afirmou. "Alguns policiais parecem querer vestir a capa do Batman – em todo lugar enxergam um criminoso para caçar", diz. "E a tendência em nosso sistema também é a de criminalizar pequenas coisas e lotar as prisões. É um sistema que gera muita injustiça." Os afetados são, segundo ela, em sua maioria os indefesos – pobres, moradores da periferia, minorias. Ela não pode provar. Mesmo assim, ainda não viu um branco de classe média sequer no tribunal do Sambódromo.

No momento Larissa está preparando, junto com oito amigas de variadas profissões, um blog para trazer reflexões e um novo olhar sobre conflitos como esses. Não crê que nos últimos anos eles tenham aumentado na sociedade brasileira, ao contrário de alguns sociólogos. "Mas acredito que estamos perdendo a capacidade de resolver problemas através da discussão e compreensão mútua." Na época das redes sociais, todo mundo quer ter uma opinião pronta, e raramente está disposto a mudá-la, o que seria uma condição para se chegar a um êxito.

A defensora entende que, por isso, mais conflitos acabam indo para a Justiça, e que o Estado por sua vez também reage em exagero. "Há pouco tempo, em um jogo de futebol, fiz um policial desistir de uma queixa-crime contra um torcedor do Vasco", disse. "O torcedor o havia xingado muito, porque o policial não havia liberado a entrada dele com a bandeira no estádio".

"Você merece mais reconhecimento pelo seu trabalho", disse a defensora para o policial, "mas multar o torcedor do Vasco vai solucionar esse problema?" No fim, o torcedor pediu desculpas sinceras. O policial achou isso um gesto decente. Não prestou queixa.

Thomas Fischermann