sábado, 28 de janeiro de 2017

Paisagem brasileira

Mureta da Urca em Rio de Janeiro, RJ / assistir o pôr do sol ali é algo simplesmente mágico! :
Vista da Urca (Rio de Janeiro)

Campeão da roubalheira

A história da República registra proezas de cleptocratas extremamente proficientes na arte de meter a mão nos cofres públicos – que o diga a São Paulo dos tempos do ademarismo e do malufismo. O que talvez não se esperasse é que sobre os protagonistas daquelas épocas reinasse agora, impávido, um fantástico “campeão nacional” da roubalheira, cujas proezas levaram à falência todo um Estado da Federação, o Rio de Janeiro: o hoje encarcerado ex-governador Sergio Cabral, em seus melhores dias amigo do peito dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De acordo com o que foi até agora apurado pela força-tarefa da Lava Jato no âmbito da Operação Eficiência, o esquema de corrupção comandado por Cabral é simplesmente fantástico: pelo menos US$ 100 milhões foram encontrados em contas no exterior ligadas ao grupo criminoso, dos quais cerca de US$ 80 milhões pertenceriam ao ex-governador, dono também de US$ 1,8 milhão em diamantes que serão igualmente repatriados. Assim mesmo, segundo revelaram procuradores e delegados da operação, “o patrimônio da organização criminosa comandada por Cabral é um oceano não completamente mapeado”. Para o Ministério Público, “as cifras são indubitavelmente astronômicas” e “esses US$ 100 milhões são apenas uma parte do dinheiro do esquema”.

O jornal O Globo revela que Sergio Cabral, em 25 anos de carreira política, fez seu patrimônio crescer gradativamente, sempre por conta de recursos de origem suspeita. Como deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa fluminense, entre 1991 e 2002, inicialmente filiado ao PSDB e depois ao PMDB, Cabral acumulou um patrimônio de US$ 2 milhões em contas no exterior. Como senador, de 2003 a 2006, seu patrimônio não declarado fora do País já era de US$ 7 milhões. Como governador, de 2007 a 2014, a movimentação de suas contas secretas no exterior foi de US$ 152 milhões, o que equivale a inacreditáveis US$ 18,1 milhões por ano de governo. Dinheiro que financiou um alto padrão de vida não apenas para Sergio Cabral e família, mas também para parentes próximos, como um irmão, a ex-mulher e toda uma quadrilha que se encarregava da captação e distribuição dos recursos de origem escusa depositados em 12 contas no exterior. 


Essas novas descobertas foram feitas pela Operação Eficiência – e, mais uma vez, não se trata de coincidência – a partir de investigações que tinham como objeto o empresário Eike Batista, que, conforme já havia sido anteriormente descoberto, teria pagado a Cabral propina de US$ 16,6 milhões por “favores” diversos. Por ironia, as novas revelações sobre o ex-governador fluminense vêm a público simultaneamente com aquelas relativas ao empresário, que cinco anos atrás, surfando nas prerrogativas de “campeão nacional” do empreendedorismo a que fora elevado pelo lulopetismo, foi apontado pela revista Forbes como o sétimo homem de negócios mais rico do mundo. Só o BNDES contribuiu com US$ 6 bilhões para os planos mirabolantes de Eike Batista que se revelaram inexequíveis e o acabaram levando à falência.

A prisão de Sergio Cabral e seu bando não chega a ser um consolo para a população do Estado do Rio de Janeiro, que não consegue honrar suas contas, nem mesmo a obrigação elementar de pagar em dia seus milhares de funcionários. Mas, se essa desgraça pode ser atribuída, em boa parte, à corrupção deslavada de quem governou o Estado por mais de sete anos, o conjunto da obra é responsabilidade de um poder central que anos a fio vendeu ao País a ilusão da Pátria Grande lastreada na gastança irresponsável que alimentou programas sociais, necessários, mas insustentáveis, e a ilusão de importantes empreendimentos privados reservados para “campeões nacionais” politicamente escolhidos e descuidadosamente financiados por abundantes recursos públicos.

Essa foi uma experiência dispendiosa e frustrada da qual Eike Batista e seu império de fachada são um triste exemplo. Assim, o título de “campeão nacional”, que o lulopetismo não conseguiu garantir para empreendedores amigos de Lula e Dilma, é ironicamente ostentado agora – finalmente por direito de conquista – por um político corrupto que privava da intimidade do gabinete presidencial.

A lucidez perigosa

Resignação Diante do Irreparável - Ismael Nery:
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade –
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector

E aplaude (ou elege)...


A plateia adora um gigolô da bondade

Eike Batista, nem santo nem diabo

Eike Batista uma hora vai delatar. Não por maldade ou vingança. Não para crucificar a enorme lista de políticos que ele beneficiou, à vista de todos ou por baixo da mesa. Vai delatar porque nenhum empresário famoso consegue se manter “foragido da Interpol” por muito tempo, mesmo com passaporte alemão.

Vai delatar porque o ex-homem mais rico do Brasil, pai de Thor e Olin, ex-marido de Luma, se recusará a ser trancafiado em cela comum de presídio. Eike não concluiu o ensino superior de engenharia na Alemanha e, por isso, sem diploma, não tem direito a regalias. É o X do problema. Falência financeira, tudo bem, Eike já se reergueu com saídas mirabolantes. Falência moral é outra coisa para o filho do nonagenário Eliezer Batista.

Eike não se enxerga como chefe de quadrilha criminosa. Seus amigos e ex-funcionários tampouco o viam assim. Muitos ganharam e perderam dinheiro embarcando em seus delírios. Louco, visionário, audacioso, megalômano, empreendedor, místico e generoso – e até cafona e ingênuo – são adjetivos mais associados a Eike do que “bandido” ou “mau-caráter”, segundo quem o conhece bem. Era “mão-aberta”, não só em troca de incentivos fiscais. Não fazia segredo de sua carência maior: ser amado, especialmente no Rio.


Acusado de repassar e ajudar a esconder propina de US$ 16,5 milhões – um pingo no oceano que inundou as finanças do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral –, Eike é o alvo da hora da Operação Lava Jato. Mesmo antes de ter mandado de prisão preventiva contra ele, Eike já despertava misto de ódio e inveja. Era o 171 mais bajulado e contraditório do Brasil, recebido como Midas por banqueiros do mundo.

Hoje paga pela ostentação, pelos carrões na sala de sua casa no bairro do Jardim Botânico, os jatinhos, os barcos de corrida, os implantes de cabelo e Botox. Paga pela insistência em prever, com seu riso estranho, que se tornaria o homem mais rico do mundo. O povo não perdoa ricos exibidos.

O que me surpreende é que seus amigos não tenham coragem de vir a público defender seu outro lado. Uma vez testemunhei, no restaurante chinês Mr Lam, de sua propriedade, os efeitos de sua personalidade. O trabalho parecia ser sua maior diversão. Seus convidados, um bando de empresários orientais, só faltavam beijar seus pés. Ao longo de sua ascensão, vimos alguns admiradores ferrenhos de Eike.

“O Eike é nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil”, afirmou a então presidente Dilma Rousseff na inauguração do Porto do Açu, em São João da Barra, Norte Fluminense. Para Dilma, Eike tinha “capacidade de trabalho”, buscava “as melhores práticas”, queria “tecnologia de última geração”, percebia “os interesses do País” e merecia “o nosso respeito”.

Eike arrematou por R$ 500 mil o terno usado por Lula na primeira posse de janeiro de 2003. Era um leilão beneficente promovido pelo cabeleireiro da então primeira-dama, Dona Marisa, para arrecadar dinheiro para crianças do projeto Escola do Povo, na favela de Paraisópolis, em São Paulo.

Eike fez Madonna chorar, num jantar íntimo no Rio em sua casa, ao dar R$ 12 milhões para a Fundação SFK (Success for Kids), que ajudaria crianças brasileiras e suas mães vítimas de violência. Eike deu para a Santa Casa da Misericórdia um aparelho de ressonância magnética que custou quase US$ 2 milhões. “Todo mundo pede socorro ao Eike. Daqui a pouco vão ter de fazer uma estátua dele de braços abertos no alto de um morro”, afirmou o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho.

Uma vez, caminhando no Morro do Borel com o ex-secretário de Segurança José Mariano Beltrame, perguntei sobre o acordo entre o governo do estado e sete grandes empresários que criaria um fundo para infraestrutura nas favelas ocupadas. “Só o Eike Batista honrou esse acordo”, disse Beltrame. “Ele contribui com R$ 20 milhões por ano.” A sede azul e branca da UPP exibia carros reluzentes. “Viu as camionetes?”, perguntou Beltrame. “Todas compradas com a ajuda do Eike. As motos para coleta de lixo também.”

O ator Rodrigo Santoro disse que o apoio financeiro de Eike foi “o fator decisivo” para que o filme "Heleno de Freitas" acontecesse. Eike ajudou Arnaldo Jabor a financiar A suprema felicidade, ajudou Cacá Diegues a realizar Cinco vezes favela. Nunca vimos antes no Brasil um pilantra com essas conexões.

Eike começou comprando ouro no Xingu aos 22 anos, magrelo, com botas e chapéu. Terminou vendendo ilusões e pasta de dentes – seu negócio mais recente. Dizia, no auge, que seu sonho era nadar “numa Lagoa Rodrigo de Freitas limpa” e por isso deu milhões para a despoluição-fantasma. Seu pesadelo agora é a cela comum de Bangu.

 Clip com cenas de Tom Ewell no clássico "The Girl Can't Help It" (1956)

Um exemplo a seguir

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O general Juracy Magalhães deixou a embaixada do Brasil nos Estados Unidos, a pedido do presidente Castello Branco, para assumir o ministério da Justiça e editar o Ato Institucional número 2, que dissolveu os antigos partidos políticos e estabeleceu as eleições indiretas para presidente da República, entre outras monstruosidades. Estava disposto a enquadrar os jornais, que timidamente se insurgiam contra os desmandos do primeiro governo militar, e reuniu os proprietários dos principais. Apresentou-lhes uma lista de redatores e repórteres, exigindo que fossem demitidos “porque eram comunistas”. Foi quando se levantou Roberto Marinho, que tinha transformado O Globo no maior defensor da Revolução, e disse: “Olha aqui, Juracy, eu tenho muitos comunistas na minha redação, mas eles só escrevem o que eu quero. Nos meus comunistas, mando eu!”

Na mesma hora, retirou-se, para espanto dos outros donos de jornal, muitos que já estavam copiando a lista dos subversivos denunciados, prometendo demiti-los. Um dia depois, o dr. Roberto mandou convidar Franklin de Oliveira, recentemente demitido do Correio da Manhã, para tornar-se editorialista de seu jornal, apesar de notoriamente conhecido como comunista.

Esse episódio se recorda como exemplo de que quando se resiste contra a truculência e o arbítrio, a resistência costuma vencer.

O Globo continuou apoiando a Revolução, mas os governos nunca mais pediram a cabeça de um de seus jornalistas. Até ontem, quando não existem mais generais-governantes nem comunistas…

Quando a sujeira se acha 'purificada'...

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O Brasil precisa de um banho de democracia
Dilma Rousseff, em palestra na Universidade de Salento (Itália)

Humanos estão a caminho de extinguir todos os outros primatas

“Foi surpreendente descobrir que as cifras eram tão altas, porque sugerem que estamos chegando a um ponto de não retorno ou que talvez já tenhamos chegado”, lamenta o primatologista mexicano Alejandro Estrada, que há 35 anos estuda os primatas da América em seu habitat. As cifras às quais se refere são horripilantes: 60% dos primatas estão ameaçados de extinção. Dos gigantescos gorilas das montanhas, de 200 quilos, aos diminutos lêmures do gênero Microcebus, de 30 gramas, os primatas estão a caminho de desaparecerem para sempre na natureza por culpa da pressão que os humanos exercem através da agricultura, caça, exploração madeireira, mineração... “Vendo o reduzido tamanho das populações e a intensidade das ameaças, logo poderíamos viver uma cascata de extinções. Não podemos nos permitir isso!", alerta Estrada.

Um primata, o humano, parece decidido a extinguir os seus parentes mais próximos numa batalha sem trégua em que as forças estão completamente desequilibradas: em apenas 50 anos terão desaparecido três de cada quatro espécies de primatas, 378 das 504 registradas. Acabamos de saber disso graças a um macro estudo publicado na Science Advances, liderado pelo pesquisador mexicano, entre outros, e com a participação de 30 especialistas. “Estamos realmente muito preocupados, e nosso artigo é um apelo por uma ação global à comunidade científica em geral e ao público e aos políticos para que evitem isso”, afirma.


O estudo é muito rico em dados e informações detalhadas sobre esse extermínio. Na Ásia, 73% dos primatas estão ameaçados, cifra que sobe para 87% em Madagascar, o reino dos lêmures, na costa oriental da África. O orangotango da Sumatra perdeu 60% do seu habitat em apenas 20 anos e deve perder mais 30% nas próximas décadas por culpa do desmatamento (geralmente para a produção de óleo de palma) e da mudança climática.

Os pesquisadores foram muito minuciosos na sua descrição das ameaças que dizimam nossos parentes. Embora haja diferenças importantes entre regiões, a agricultura se destaca como principal problema, já que devorou 76% dos habitats dos macacos, micos, lêmures e afins. Entre 1990 e 2010, as práticas agrícolas consumiram 1,5 milhão de quilômetros quadrados nesses habitats, o equivalente ao Estado do Amazonas, e foram perdidos dois milhões de quilômetros quadrados de cobertura florestal. Mas o pior é o que está por vir: a expansão futura dos cultivos abrange dois terços da área que esses mamíferos habitam. “Isto provocará um conflito territorial sem precedentes com75% das espécies de primatas em todo o mundo”, conclui o artigo.

As práticas agrícolas não agem sozinhas. A caça representa 60% das perdas diretas desses animais, com um problema emergente: o da captura de primatas para consumo humano. Calcula-se que na Nigéria e em Camarões são comercializados anualmente 150.000 primatas no mercado alimentício. Além disso, o desmatamento afeta 60% dos habitats, e a pecuária, 31%. A mineração, apesar de estar muito concentrada em pequenos territórios, está mostrando uma capacidade destrutiva muito grave, porque contribui para o desmatamento, a degradação florestal e a poluição do solo e da água. Os garimpeiros de coltan na África Central caçam macacos para se alimentar, outra terrível e inesperada decorrência do ciclo consumista que cerca os telefones celulares.

Esse estudo, além de ser o primeiro a oferecer uma descrição global do estado de conservação dos primatas no mundo e das pressões antropogênicas contra eles, também fornece ideias e soluções para mitigar a perda local, regional e mundial de espécies. “Abordar as principais ameaças que afetam as populações de primatas é algo que exige políticas globais, mas um enfoque local seria construtivo”, diz Estrada, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México. “O desmatamento, a caça insustentável e o comércio ilegal poderiam ser rapidamente abordados, com o objetivo de sensibilizar a população das zonas urbanas e rurais de que os primatas são um componente importante do seu capital natural”, diz. “Que conservá-los com seus hábitats e deter o comércio ilegal significa investir no futuro."

Há um fator importante que ele ressalta ao analisar os contextos nos quais os primatas não humanos mais sofrem: a pobreza dos primatas humanos. “O denominador comum dessas regiões são os altos níveis de pobreza e desigualdade, a perda de capital natural devido às demandas do mercado global, a má gestão, a falta de segurança alimentar e a escassa alfabetização. Cuidar desses aspectos é uma prioridade para assegurar a conservação dos primatas”, defende o especialista.

A importância vai muito além da beleza dos primatas, de sua diversidade e de nossa capacidade de nos reconhecermos em seu olhar. “Devemos nossa humanidade a uma história evolutiva compartilhada”, diz Estrada. Numerosos trabalhos recentes certificam o papel fundamental que estes primatas desempenham em seus ecossistemas, e protegê-los seria investir no efeito guarda-chuva, pelo qual salvar uma espécie implica defender muitas outras, porque se mantém o equilíbrio do ciclo natural do seu entorno.

“Temos certeza de que em muitos casos a difícil situação dos nossos companheiros primatas não é conhecida pela comunidade global, incluídos os Governos locais e nacionais”, afirma o pesquisador, e essa é a razão pela qual publicaram esse estudo. As últimas frases do artigo científico são um alerta: “Temos uma última oportunidade de reduzir ou inclusive eliminar as ameaças humanas aos primatas e seus habitats, de orientar os esforços de conservação e aumentar a consciência mundial sobre a sua situação. Os primatas são extremamente importantes para a humanidade. Afinal de contas, são nossos parentes biológicos vivos mais próximos”.

'O político que multiplicava'

Estava feliz naquela noite de primavera, quinta-feira 7 de outubro de 2010. Há apenas quatro dias garantira a reeleição ao governo estadual no primeiro turno, com 66,08% votos. Agora seguia no voo 455 da Air France para descanso em Paris, com escala em Londres.

Escolheu um hotel no lado oeste da capital do Reino Unido, perto do Hyde Park, onde em 1855 Karl Marx subiu num caixote — para não pisar em solo inglês, conforme a tradição — , e discursou sobre a revolução proletária para uma plateia de ingleses reformistas.

Na suíte, telefonou ao Rio ordenando o envio de 20 mil libras esterlinas (cerca de R$ 80 mil hoje). O carioca Marcelo, um dos herdeiros da mesa de câmbio Hasson Chebar, passou numa agência do banco israelense Hapoalim, e levou o dinheiro ao governador reeleito. Na antessala, viu e cumprimentou a primeira-dama.

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“Mr. Santos", era o nome que registrara no livro de hóspedes do hotel. Ele gostava de disfarces. Vivia uma rotina de clandestinidade. Tinha outro codinome, que restringia às conversas por um telefone (21-9972-33315) na privacidade do Palácio Laranjeiras: Nelma. No catálogo telefônico, Nelma de Sá Saraça.

Santos e Nelma, na vida real, eram Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, que hoje completa 54 anos numa cela no presídio de Bangu, onde a temperatura de verão oscila acima de 40 graus.

Tinha metade desse tempo de vida quando emergiu das urnas como deputado, nos anos 90. Terminou o terceiro mandato com pelo menos US$ 2 milhões (ou R$ 6,8 milhões) em contas secretas no exterior, conforme descritos nos inquéritos e processos em andamento na Justiça Federal. Por cada ano na Alerj, recebeu em média US$ 166 mil de origem suspeita.

Elegeu-se senador com 4,2 milhões de votos. No período em Brasília (2003 a 2006), seu patrimônio oculto fora do país subiu para US$ 7 milhões (R$ 23,8 milhões). Como senador passou a receber US$ 1,2 milhão por ano — aumento de 653% em relação ao tempo de deputado.

Disputou e ganhou o governo estadual. Eleito, permaneceu entre 1º de janeiro de 2007 a 3 de abril de 2014. Passou o cargo ao vice, Luiz Fernando Pezão, nove meses antes do fim do segundo mandato. Não precisaria mais usar o codinome Santos para desfrutar a fortuna que Nelma arrecadara na solidão do Laranjeiras, ao telefone com executivos das empresas de Eike Batista e de Marcelo Odebrecht, entre outras.

Multiplicara sua riqueza 21 vezes no espaço de 84 meses. O movimento nas contas encobertas em bancos estrangeiros saltou de US$ 7 milhões para US$ 152 milhões (R$ 517 milhões). Como governador, coletou US$ 18,1 milhões, em média, a cada ano no palácio — 138% acima do patamar que alcançara quando era senador, e 10.803% mais que a arrecadação na Assembleia. No país do real, Cabral foi um meio-bilionário por um tempo. Voltou à realidade em Bangu-8.
José Casado