terça-feira, 17 de outubro de 2017

Olimpíadas de sangue do povo sem saúde, educação e segurança

Fernando Martins, jornalista, diretor da ANJ (Associação Nacional de Jornais) no Rio, conhecia o Salgueiro de “Chão de Estrelas” de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. Ia passando na boca do morro, um velho e um rapaz carregavam uma moça.

– O que é que ela tem?

– Está passando mal. Vamos levar para o hospital do INSS em Andaraí.

– Entrem aqui no meu carro.

E Fernando Martins saiu em disparada para o Hospital de Andaraí.

Branca como uma nuvem, os olhos enormes saltando das pálpebras roxas, a moça tossia desesperadamente. O rapaz apertava a cabeça dela contra o peito e pedia baixinho:

– Calma, Gracinha, calma.

Trânsito ruim, Fernando furava o sinal, dava contramão, guardas apitando, anotando.

Ligou o rádio para distrair a moça. Elisete Cardoso cantava “Chão de Estrelas”:

– “Minha vida era um palco iluminado / Eu vivia vestido de dourado / Palhaço das perdidas ilusões.”

E a moça tossindo, sufocada. E Elisete cantando:

– “Cheio dos guizos falsos da alegria / Andei cantando minha fantasia / Entre as palmas febris dos corações.”.

A moça deu um gemido fundo, grunhiu forte. O rapaz, desesperado, o rosto lavado de sangue que saia do peito dela, golfadas esguichando, ensopando o tapete do carro.

E Elisete cantando: – “A porta do barraco era sem trinco / e a lua furando nosso zinco / Salpicando de estrelas nosso chão. / Tu, tu pisavas nos astros distraída / sem saber que a ventura desta vida / é a cabrocha, o luar e o violão.”


O velho apenas bateu com a cabeça. E passou os dez dedos calosos na testa da filha. O rapaz ficou soluçando baixinho, contido, beijando as pálpebras roxas. Tinha nos olhos o espanto dos loucos. E Elisete cantando:

– “Meu barraco no Morro do Salgueiro / Tinha o cantar alegre de um viveiro. /Foste a sonoridade que acabou./ E hoje, quando do sol a claridade / Forra meu barracão sinto saudade / Da mulher, pomba-rola que voou.”

Depois da correria, Fernando Martins chega ao hospital do INSS, em Andaraí. A moça tinha recebido alta algum tempo antes naquele mesmo hospital. Voltava morta. Apenas 21 anos, uma filha de dois meses. Comida pela tuberculose, a doença da fome.

Elisete já não cantava “Chão de Estrelas”.

O jogo tem que mudar. O relativo sucesso esportivo e cultural das Olimpíadas e das Paralimpíadas no Rio de Janeiro, de 2016, não pode apagar os desmandos e as roubalheiras de autoridades e dos dirigentes das federações esportivas brasileiras. A governança das entidades e de muitos clubes no Brasil é um desastre. Uma vergonha!

Pelo menos duas ações devem ser imediatamente apoiadas diante de tão grande número de escândalos no COI, na CBF e outras entidades: primeiro a apuração total e irrestrita da malversação dos recursos financeiros. E, segundo, buscar uma lei que limite ao máximo em dois mandados cada cargo de dirigente de federação e de time de futebol. Nada melhor para a gestão do que alternância de poder.

É hora de fechar o ralo do desperdício e da roubalheira para realizar as Olimpíadas da Saúde, da Educação, da Segurança, do Saneamento e da Pobreza. A vida do povo está em jogo.

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