sábado, 21 de outubro de 2017

'Lirismo' na favela era só uma ilusão do pessoal da intelectualidade

Durante anos, muitos anos, ou mesmo décadas, intelectuais, literatos, músicos, compositores, jornalistas e artistas em geral louvavam o morro e as favelas cariocas em prosa, verso, músicas, contos, crônicas e romances. O verso, a prosa e a frase versavam todos sobre a doce vida no morro. A favela era lugar de beleza, de felicidade. Diziam eles. Essa turma dava o nome a isso de lirismo. Lirismo é o cacete. Aí apareceu a turma do funk e do punk e desmistificou essa história. Suas rimas e métricas tortuosas cantam a vida como ela é. Com todo o realismo que os cercam.

Não conheço ninguém que, se pudesse morar em outro lugar, não caísse fora desse lirismo em instantes. Vá lá na Favela do Arará, que faz parte do complexo de favelas da Barreira do Vasco no bairro de Bonsucesso, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Vá no Morro do Chapadão, na Pavuna. Quero ver alguém achar algum lirismo ali. É dura e cruel a vida por lá. O morador convive com a autoridade do bandido e a total ausência do Estado. O primeiro se faz presente, o segundo nem toma conhecimento.

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Com o Estado ausente, a crueldade, a selvageria, a insensatez, a barbárie e a ferocidade com que os vagabundos dominam as favelas faz parecer um exército jihadista. Quem viu as cenas de carnificina na Rocinha, no começo do mês de outubro de 2017, quando traficantes de um grupo esfolavam inimigos de outra facção, pode achar o Estado Islâmico moderado. Exagero meu na comparação, é claro. Lá como cá a violência e a fúria imperam.

Um ser humano foi esfolado diante de uma câmera, seu coração e língua arrancados a faca e exibidos como troféu. A imagem chocante não foi mostrada pelas TVs. Mas na internet sim.

Para provar que não há diferenças entre o Estado Islâmico e as facções de morros da cidade do Rio de Janeiro basta recorrer à leitura do livro “O Estado Islâmico – Desvendando o Exército do Terror” (Editora Seoman, 2015), de autoria dos jornalistas Michael Weiss, americano, ex-correspondente na cidade de Aleppo, na Síria, e editor chefe da revista Foreng Policy, e de Hassan Hassan nascido em Habu Kamal e hoje cidadão londrino que trabalhou para o New York Times e é editor do jornal inglês “The Guardian”.
Este livro é também um excelente manual para nossas forças de segurança. Impressiona pela coragem e pelo relato minucioso dos dois jornalistas. Eles descrevem o Estado Islâmico como “chacinadores, selvagens, agentes do caos, formados por convertidos e jihadistas cinco estrelas especializados em extorsões e recrutamento.

Através da força brutal, decapitações de reféns e selvageria chocou o mundo”. Ora bolas, eles nunca ouviram falar nos morros cariocas. Mas são iguais. Lá como cá eles se dividem em facções. Lá eles buscam um objetivo comum e aqui buscam múltiplos objetivos também com a violência gratuita através da qual passam a reinar.

Lá são estimulados pela fé e cobiça. Aqui pela miséria, abandono que se manifestam em assaltos, tráfico de drogas, balas perdidas, agressões, assassinatos e astúcias que se transformam em mortes de inocentes. Lá, vários exércitos os derrotam há anos. Aqui, há décadas, apenas as forças da Polícia Militar os enfrentam.

E os favelados só aumentam. São prisioneiros da desgraça, como nós do asfalto. Tolo aquele que acredita que o cidadão que habita as 1,2 mil favelas do Grande Rio prefere colaborar com a polícia.

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