sábado, 21 de outubro de 2017

Aécio por trás da persiana, espanto e desafio de Macunaíma

Em votação aberta no plenário do Senado, pelo elástico e expressivo placar de 44 x 26, foi consumada a ardilosa (já havia escrito o termo neste artigo, pouco antes do senador tucano o utilizar em seu discurso de retorno) operação triangular com atuação ativa e decisiva de figuras poderosas do Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto e Congresso – a começar pelos respectivos presidentes dos três poderes maiores da República - , de salvação do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

O fato principal desta semana, de dias cada vez mais temerários e drásticos, devolveu à plenitude de sua atuação política, pessoal e parlamentar, o mais novo e reconhecido herói sem caráter do País de história e cultura tão marcada por personagens do tipo. Na melhor e mais completa tradução de Macunaíma, seja no original e referencial romance de Mário Andrade, seja na magistral adaptação produzida pelo cineasta Joaquim Pedro de Andrade, no filme marco do tropicalismo no cinema nacional.


Os incomodados com a comparação (sei que são muitos espalhados pelo Planalto Central e Brasil afora) que me perdoem, mas é esta a primeira e mais veemente recordação que me ocorreu.

Não só depois da proclamação do resultado da votação pelo presidente do senado, Eunício de Oliveira, mas principalmente no dia seguinte, do constrangedor retorno do senador ao convívio de seus pares, no Senado, e de seu pronunciamento da volta da curta temporada de retiro em seu apartamento, determinada pelo Supremo. Mais constrangedor ainda.

Aliás, por falar nisso e antes que eu me esqueça, o senador cearense que substituiu o também macunaimico Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Congresso para tocar o desconcerto parlamentar da crise da vez, é outro personagem de cinema.

Figura típica de tragicomédias anos 60/70, ou de produções ainda mais antigas do filme noir, na França e nos Estados Unidos do tempo da Lei Seca.

Matreiro e enigmático, sempre a um passo do implausível, navegando nas sombras das estranhas transações negociadas nos gabinetes do Congresso, e fechadas em almoços, jantares e visitas fora da agenda presidencial no Alvorada ou no Jaburu.

Eunício tem sido um figurante que parece talhado sob medida para atuar em filmes clássicos do diretor italiano Federico Fellini, que dá cartas no senado da República, no terreiro às margens do Lago Paranoá, neste outubro de operações casadas, para salvar Aécio Neves (a dele já realizada com sucesso esta semana) e, em seguida, o mandatário Michel Temer.

Manobra ainda em andamento, mas com todos os sinais apontando, até aqui, que a decisão do plenário qu e livrará o maioral de ser investigado, pelo Supremo e pela PF, nas contundentes acusações da PGR, por graves crimes de organização criminosa e tentativa de obstrução da justiça (nesta segunda denúncia), é só uma questão de tempo.

Nisso tudo, no entanto, só um motivo de espanto, de verdade, para o rodado jornalista, pelo impacto visual e simbólico inesperado: o flagrante jornalístico espetacular registrado na foto de Luiz Nova, do Correio Braziliense, digno de prêmio nacional de fotojornalismo.

Obtido pouco depois da votação, que logo ganharia o espaço merecido no alto do site digital do CB, e, em seguida, das edições digitais dos jornais, dos blogs políticos nas redes sociais, antes de correr o mundo nas asas das agências internacionais de notícias, para ocupar espaço de destaque em importantes jornais estrangeiros.

No site blog que edito na Bahia elegi o magnífico trabalho de Nova como A Imagem do Dia, e a reproduzi com o título: “Tucano mira a rua por trás da persiana”. E escrevi na legenda: “Aécio Neves observa a movimentação da rua da janela da casa, no Lago Sul, logo após o resultado da votação que o beneficiou no Senado”.

É, sem dúvida, um flagrante raro e de alta competência profissional. O fotógrafo “escreve com a luz”, para citar um texto biográfico do autor do registro, de acordo com jornalista e pesquisador atento que fez a descoberta e a publicou em primeiro lugar.

Mas para mim é aí que explode a lembrança do senador tucano de Minas Gerais, transfigurado em Macunaíma dos dias que correm no Brasil. A figura de Aécio, escondida sob as sombras das persianas semi-cerradas da janela.


E o foco genial de repórter fotográfico pondo em destaque o olhar (quase sinistro) de preocupação e desafio do parlamentar.

É como, de repente, estar de volta ao momento antológico do berro de Macunaíma ao chegar à cidade grande com os irmãos Jiguê e Maanape: “agora é cada um por si e Deus contra todos”. Só resta dar tempo ao tempo, para descobrir se o romance e o filme se repetirão como farsa ou como tragédia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário