terça-feira, 19 de setembro de 2017

Quadrilha

Parodiando Carlos Drummond no seu clássico “Quadrilha” (de “Alguma poesia”, 1930), peço desculpas por trocar o nome de pessoas simples do povo por “homens públicos” denunciados ou presos por corrupção:

“Temer amava Cunha que amava Geddel que amava Moreira que amava Padilha que amava Henrique que amava Loures que amava Joesley que não amava ninguém. Temer está em apuros, Cunha e Geddel na Papuda, Moreira morrendo de medo, Padilha negando a “famiglia”, Henrique recolhido ao xadrez, Loures em prisão domiciliar e Joesley, encarcerado por ter feito delação seletiva, preferia não ter nada a ver com a história e reza o terço para salvar sua vida...”


A segunda denúncia da Procuradoria Geral da República, no apagar das luzes da gestão de Rodrigo Janot, é robusta e ampla. É nutrida por um alentado histórico da montagem do esquema de saque ao Estado Brasileiro, através do conluio privado-público. O doleiro Lúcio Funaro, também na cadeia, detalhou muitas transações. A peça descreve, em 245 páginas, a indicação de figuras afinadas com o propinoduto – que rendeu ao menos R$ 587.101.098,48! – para cargos importantes em ministérios e diretorias de estatais. Revela como o interesse de grandes grupos econômicos, notadamente a JBS, era atendido mediante contrapartidas, mercantilizando a administração do país. Tudo continua e se agrava quando o PMDB, “o partido da moral homogênea”, assume totalmente as rédeas do governo central.

O documento do Ministério Público reitera que não há objetivo de “criminalizar a política” e “não questiona o fato de um governo conquistar ampla base política e ter êxito na aprovação de suas medidas no Parlamento”. O que se revela é que, “no lugar de negociações políticas, temos negociatas ilícitas nas quais a moeda de troca não era simplesmente divisão de poder para governar, mas sim a compra de apoio político com a utilização de dinheiro público”.

A peça é uma descrição crua de como funciona o capitalismo de compadrio, ou de máfias, no Brasil. Explica como são abocanhados nacos do Orçamento Público em favor de interesses patrimonialistas e esquadrinha o aviltamento criminoso sofrido por estatais e órgãos públicos importantes como Petrobras e Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministérios da Integração Nacional e da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

Por mais profunda que seja a investigação, dessa e de várias outras operações, há, até aqui, um estranho silêncio em torno de instituições financeiras e de algumas figuras. Uma delas é Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central na era Lula e atual poderoso Ministro da Fazenda. Ele foi, durante quatro anos, presidente do Conselho de Administração da J&S, holding controladora da JBS. Nunca percebeu nada?

Assim como não é aceitável o velho “rouba mas faz”, nem o repaginado “rouba mas é pela causa”, é preciso também repudiar o “rouba mas implementa as ‘reformas’ que o mercado quer”.

Em qualquer país com mínimo padrão político civilizatório, um governo que sofresse tal grau de acusação sairia rapidinho pela porta dos fundos do palácio. Aqui será preciso crescente clamor popular para escorraçá-lo. Ou um Geddel colocando tudo às claras.

Em tempo: o general da ativa Antonio Mourão defendeu a possibilidade de uma “intervenção militar para impor uma solução para a crise”. Que aposente a farda e apresente suas propostas, disputando cargo eletivo. Golpe não!

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