domingo, 4 de junho de 2017

Meu ministro de estimação

Como muita gente tem um “bandido de estimação” e fecha os olhos a seus crimes, repetindo o refrão “todo mundo sempre roubou” para justificar violações da ética e assaltos aos cofres públicos, eu tenho hoje meu ministro de estimação. E ele não faz parte do moribundo governo Temer.

Luís Roberto Barroso é ministro do Supremo Tribunal Federal desde junho de 2013. Sua atuação para acabar com a farra do foro privilegiado para bandidos comuns na política tem sido exemplar. Seu voto, como relator, na quinta-feira, dia 1º, foi acompanhado por três colegas – Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e a presidente Cármen Lúcia, que não costuma se antecipar dessa maneira, mineira que é. Cármen quis passar um sinal: estou atenta e de olhos bem abertos.

Os três juízes que votaram com Barroso não se deixaram constranger pela manobra de Alexandre de Moraes, que adiou a decisão. Moraes, colocado no STF por Temer, pediu vistas e falou no plenário por uma hora e meia para justificar o injustificável. Não teve tempo para estudar o assunto, Vossa Excelência?

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Barroso, ao contrário de Moraes, tem os dons da concisão e da contundência. “O sistema [atual do foro privilegiado] é ruim, funciona mal, traz desprestígio para o Supremo, traz impunidade. Eu penso que a impunidade em geral no Brasil é decorrente de um sistema punitivo ineficiente. Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes. No Brasil, as pessoas são honestas se quiserem, porque, se não quiserem, não acontece nada.”

Barroso não eleva a voz, não faz caras e bocas, não mexe na capa preta ou declama como se estivesse num palco. Não é boquirroto. Não percebo a vaidade extrema que caracteriza alguns de nossos juízes. E vocês sabem a quem me refiro. Barroso sabe dar alfinetadas elegantes. Insinuou que se opõe à blindagem de Moreira Franco, nomeado ministro por Temer após a delação da Odebrecht. Com Medida Provisória para que o “Angorá” não seja interrogado pelo juiz Sergio Moro.

Barroso não deu nome ao boi: “Basta verificar que distribuem-se cargos com foro no Supremo para impedir o alcance da Justiça de primeiro grau”. Ou seria “aos bois”, no plural? O governo se esforça para garantir foro privilegiado ao homem da mala Rodrigo Rocha Loures, imortalizado na história por sua corridinha com R$ 500 mil da JBS, após encontro com o assessor de Joesley Batista. Encontro avalizado por Temer.

Brasília é hoje cenário de uma imensa maquinação para garantir a impunidade geral, ampla e irrestrita, suprapartidária. Pode-se até aprovar o fim do foro no Congresso, mas será cancelada a prisão de deputados e senadores em casos de flagrante por crime inafiançável. Esses casos dependerão de voto nos plenários da Câmara e do Senado. Tudo é planejado para manter privilégios. Esperneiam para não ser punidos. Buscam brechas. Manipulam prazos.

No sistema atual, o foro protege não o cargo, mas as pessoas que exercem o cargo. É uma clara distorção de um mecanismo que a sociedade abomina, por perpetuar a desigualdade de direitos perante a Justiça. E para uma casta que não tem castidade nenhuma... Na visão de Barroso, “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas”. O que Alexandre de Moraes & cia. podem alegar contra isso?

Segundo Barroso, existem cerca de 500 processos criminais no Supremo, entre ações penais e inquéritos, a quase totalidade contra parlamentares. Ele informou que o STF leva um ano e meio para receber uma denúncia, enquanto um juiz de primeira instância recebe a denúncia, em média, em 48 horas. Essa diferença ocorre porque o procedimento nos tribunais superiores é muito mais complexo, explicou.

Barroso tem 59 anos e se especializou em Direito Constitucional, no tema da dignidade humana. Como advogado, defendeu as pesquisas de células-tronco embrionárias, a união entre homossexuais, o aborto de fetos anencefálicos. Defendeu a proibição do nepotismo no Poder Judiciário. No ano passado, na única decisão sua a que me oponho frontalmente, concedeu perdão a José Dirceu na pena de sete anos imposta pelo escândalo do mensalão.

Hoje, a escola de samba da impunidade tem como comissão de frente a ala que protege Temer, em enredo-exaltação chamado “acabou a recessão”. Se for substituído o diretor da Polícia Federal, Temer estará imitando o presidente americano Donald Trump, que demitiu o chefe do FBI em plena investigação. Ao dar posse ao novo ministro da Justiça, Temer disse que o país vive um “conflito institucional”. O conflito existe, mas não pelo “abuso de autoridade” de juízes e procuradores que tira o sono de Temer, Lula, Dilma, Aécio e outros. O conflito existe pelo abuso de poder dos políticos.

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