domingo, 25 de junho de 2017

Cadê o povo?

Com quantos poderes se faz a República? Constitucionalmente falando, a gente aprende que são três: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E na prática? Bom, aí “vareia”, como diria, inspirado no humor de Didi Mocó, o povo (do qual, segundo ensina a nossa Carta, emana o poder). Numa conjuntura em que o Legislativo, desmoralizado, corrompido, vem perdendo o que resta de sua representatividade; e na qual o Executivo, sub judice, opera num bunker — o povo, impedido de exercê-lo através de seus eleitos, deveria constituir um poder à parte. E, como assegura seu direito constitucional à manifestação e ao protesto, ir às ruas exigir as devidas providências.

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Como o povo, por um motivo difícil de avaliar, encontra-se em estado de hibernação cívica diante dos fatos assustadores que vêm à tona em velocidade de tempo real, fica o Judiciário (aquele poder que é alçado por vias indiretas emanadas do processo democrático), em perigosa distorção, com a tarefa não só de zelar pela Constituição, mas de intervir a toque de caixa, numa arena de luta livre contra as forças do Executivo e do Legislativo, empenhadas em manter seu status quo.

Haverá sempre quem diga que a mídia é o quarto poder. São pessoas que, ou se esquecem de como é viver sem imprensa, ou que nunca aturaram estados de exceção. Tradicional, alternativa ou mesmo individual, é a mídia, em que pesem seus acertos e erros, naturais de qualquer atividade humana, que assegura a circulação de informação e a possibilidade de se refletir sobre os fatos. Sem informação e debate, a democracia é sequestrada e se começa a evocar o poder dos tanques, outrora único e despótico.

Não se deve esquecer do poder do capital, que está, por sinal, no centro do grande disparate em que nos encontramos, pela simbiose que se criou entre seus interesses e os do Estado.

Considerando que cada poder, constitucional ou dinamicamente constituído, está aí no seu quadrado no xadrez da República conflagrada, pergunto: onde é que está o povo? O que foi feito da sociedade civil? Como se explica, por exemplo, que se tenham enchido as avenidas das capitais às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, no maior protesto da História do país, e que, agora, as ruas estejam vazias de cidadãos indignados com o que se passa?

Vamos analisar. A popularidade de Michel Temer é similar ou menor que a da então presidente. Sobre ele pesam as mais graves acusações, calcadas em evidências cada vez mais aviltantes, e o grupo político ficha suja que o apoia é de dar calafrios. A base que insiste em sustentá-lo nas casas do Congresso promove um espetáculo vergonhoso. A Lava-Jato, tão incensada pelas ruas, é metralhada diariamente em ações capazes de unir PT, PMDB, PSDB e parte do próprio Judiciário numa contraforça-tarefa. A recessão persiste, sendo que os tímidos sinais de melhora não surtem qualquer efeito no bolso do cidadão.

As reformas estão claudicando sob força da crise entre poderes e da recusa do presidente investigado em considerar o tal gesto de grandeza enfim exigido pela voz rouca de FH. Neste panorama, e tendo-se em conta as proteções constitucionais das quais indivíduos com cargos eletivos desfrutam, sem uma palinha do povo Temer é capaz de ficar, sim, até 2018, não importa o quanto o intrépido Janot, empenhado em seu sprint final, venha a fatiar as acusações.

Por que o povo está inerte? Aguarda a carta na manga definitiva? Espera, diante das páginas, da TV, do computador, do celular, que as coisas cheguem a um nível de escárnio e teimosia que destravem a fúria represada e pranteada no silêncio do lar? Anseia que tropas aliadas russas cheguem ao Planalto e que os americanos desembarquem em Ipanema? Espera que Temer dê uma banana para o público, às gargalhadas, em rede nacional, ladeado por Aécio, Lula e algum juiz garantista?

Qual a diferença entre quem foi às ruas exigir a deposição de Dilma e quem está em casa agora, sem dar um pio? Ora, não era o povo, naquela ocasião? Onde está a coerência postural das forças que organizaram aqueles movimentos? O curioso é que até as Centrais estão pianinho. Será que durante todo esse tempo, quem foi às praças em ocasiões muito precisas eram agentes alienígenas de forças ocultas? Precisaremos de um espectro de Jânio Quadros, trazendo uma hipótese maluca para explicar o imobilismo? A voz rouca, de repente, ficou afônica, atingida por ventos encanados machadianos trazidos pela fúria invernal?

Ou será que, simplesmente, o povo está cansado de guerra, ou de não ir à guerra, de levar na cabeça as consequências de suas escolhas, devoto da tese de que, ajoelhou, tem que rezar, e agora aguarda que um novo salvador da pátria, ou um destruidor definitivo, um pastor, um monstro racista, militarista e homofóbico, um führer canarinho, se apresente às urnas?

O que foi feito, afinal, do povo?

Arnaldo Bloch

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