quarta-feira, 14 de junho de 2017

A Era do Centro

Se a Era dos Extremos, com suas catástrofes, crises econômicas, guerras, revoluções e polarização ideológica, teve como marco temporal a Sarajevo de 1914 e de 1991, é bem possível que a larga maioria conquistada por Emmanuel Macron nas eleições para a Assembleia Nacional Francesa venha a ser entendida, no futuro, como o limiar da Era do Centro.

Nela, os extremos expressam contratendências regressivas, que tendem a perder densidade por não responderem aos desafios de um planeta em reorganização.

A base material do mundo está em mutação, as classes sociais se fragmentaram, o “chão de fábrica” é inteiramente diferente da época do fordismo, a ideia de rupturas perdeu sentido, mas as forças tradicionais, à esquerda e à direita, não percebem que “uma nova mudança em breve vai acontecer e que o passado é uma roupa que não nos serve mais”, como já cantava o visionário Belchior, em 1976.
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Com um programa abertamente reformista, pró Europa e globalizante, Macron é o primeiro político a responder às profundas mudanças no modo de produzir, de pensar e de agir desse início do século vinte e um, e a criar uma alternativa à grave crise dos partidos paquidérmicos. O futuro é a França de Macron, não é a América de Donald Trump. Não é a América voltar a ser grande, mas sim “o nosso planeta tornar-se grande”.

Os números da eleição parlamentar da França falam por si só. Há um mês, quando Macron se elegeu no segundo turno, a estimativa era de que provavelmente teria de fazer um governo de coabitação, pois não conseguiria maioria na eleição para a Assembleia Nacional.

As urnas revelaram exatamente o inverso.

Enquanto a Liderança República Em Frente conquistará de 415 a 455 cadeiras, o secular Partido Socialista, de centro-esquerda, obterá entre 20 a 30 cadeiras, cerca de um décimo das 284 cadeiras atuais. Os Republicanos de De Gaule e Sarkozy também levaram um tombo, vão cair de 199 assentos para 70 a 110 cadeiras.

A extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon, em aliança com o Partido Comunista Francês, terá de 8 a 18 deputados, portanto, condenada ao gueto. E a Frente Nacional de Marine Le Pen, o fantasma que rondava a França, poderá ter 1 ou 5 assentos. O pífio desempenho da extrema-direita francesa não é um fato isolado. Na eleição inglesa da semana passada a UKIP – o líder do Brexit – teve desempenho vexaminoso.

“Macron reduziu a pó a eterna polarização esquerda-direita e sua vitória pode ser entendida como uma nova revolução francesa”, como a definiu Marcos Cavalcanti, da UFRJ e membro fundador do The New Club of Paris. Segundo ele, os franceses “não estão ‘cansados da política’”. Eles estão cansados desta política “velha e ultrapassada” e “o resultado das eleições francesas é mais um sinal evidente de uma revolução em curso o advento da sociedade do conhecimento, em rede e o fim da hegemonia do pensamento cartesiano e dual”.

No caso do Brasil, a crise do pensamento bipolar e de representação tem os mesmos componentes estruturais da crise dos partidos tradicionais da França, adicionada de nossas particularidades – temos uma constelação de legendas disformes e desprovidas de conteúdo – e agravadas pela profunda crise política, ética e econômica.

Há no país um amplo leque cansado de polarizações esquerda-direita, PT-PSDB, nós contra eles –, mas o centro democrático se encontra disperso, sem constituir um polo aglutinador. Não nos falta apenas um Macron, falta também um projeto capaz de empolgar às amplas parcelas que foram às ruas nas jornadas de 2013 ou as do impeachment de Dilma Rousseff, e de ser o elemento oxigenador da vida política nacional.

Em decorrência da ausência desse polo renovador, a equação da atual crise passa pela institucionalidade que está dada e por seus partidos. Mas há aqui um grande risco.

Como abordamos por diversas vezes aqui neste espaço, os partidos tradicionais não entenderam o fenômeno que se espraiou pelo mundo e chegou ao Brasil em 2013, com suas manifestações multitudinárias. As ruas daquele ano foram o ápice desse fenômeno, cujas características são a horizontalidade de suas manifestações e de seus coletivos, a diversidade de suas tribos, bandeiras tangíveis e alta interatividade; virtual e presencial.

A dissintonia entre o sentimento da sociedade e o mundo formal da política pode levar a que a descrença se manifeste de forma negativa em 2018, com 50% ou 60% da população optando pelo voto nulo, abstenção ou em branco. Aí a crise se prolongará, o país continuará sendo retardatário, vivendo ainda na Era do Extremo. Temos apenas um ano para construir um ingresso virtuoso do Brasil na Era do Centro.

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