domingo, 21 de maio de 2017

Adeus às ilusões

A sensação que sinto diante disso tudo é de enorme desalento. Sempre me surpreendi com quem só pensa no poder, nunca entendi direito esse desejo doentio de mandar nos outros. E, de preferência, em todos. Mas nunca deixei de aceitar a necessidade de um governo, de uma concertação em torno da vida em comum, num mesmo espaço geográfico e cultural a que chamamos nação. Não tem outro jeito.

Essa ideia abstrata de nação é que nos mantém juntos, em torno do projeto simples de sermos felizes, uns com os outros. Por isso que o fracasso da nação nos faz tanto mal, nos faz sofrer tanto. Porque ele é a constatação de que fomos incapazes de realizar o sonho a que estávamos generosamente destinados. Essa distância entre destino e logro, entre o que almejamos e o que conseguimos, nos faz penar porque ainda acreditamos (ou acreditávamos) em nós mesmos.

Resultado de imagem para começar do zero
Não vamos perder tempo com os exemplos históricos. Eles começam lá atrás, talvez com a Independência, feita pelo príncipe colonial para que tudo continuasse como sempre esteve; passam pela República, proclamada pelos senhores de terras, latifundiários que assim se vingavam da Abolição imperial; e vão até o acerto cordial para o fim da recente ditadura. Tudo se mistura sem formar caráter, como numa sopa sem gosto.

Diante de tantos graves erros políticos e morais de todas as tendências e partidos, não temos mais onde depositar nossa esperança, não vemos mais a quem confiar a nação. Não achamos mais nem mesmo por quem torcer, como no futebol, coisa que sempre nos fez respirar e sobreviver.

Mesmo numa dolorosa experiência política, como a do golpe de 1964, sempre podíamos sonhar com uma saída e torcer por nossos possíveis heróis. Enquanto os militares instalavam o poder autoritário, ouvíamos dizer que Brizola preparava a reação no sul, nos sussurravam que Marighella e sua gente se armavam, nos garantiam que a esperteza de Ulysses e Tancredo não ia nos deixar nessa por muito tempo.

Hoje, da nossa arquibancada cívica, assistimos a um jogo secreto que, de vez em quando, só nos revela incompetência e propinas. Sempre com muito escândalo. Mas talvez seja essa a esperança que nos resta — agora, que não temos mais por quem torcer e vamos depender exclusivamente de nós mesmos, temos que tentar reconstruir o país como se estivéssemos começando do começo, começando de zero.

Cacá Diegues

Nenhum comentário:

Postar um comentário