segunda-feira, 17 de abril de 2017

O famigerado Caixa 2 ou a tolerância delitiva

Há alguns decênios se ouve falar em Caixa 2 em campanhas eleitorais. Muitos não se deram ao trabalho de investigar o conceito. É abstrato e muito fluido. Os atores desta algaravia contábil é que sabem precisar a profundidade da farsa.

Agora, com a investigação promovida pelo Ministério Público Federal acolitado pela ágil Polícia Federal, é que os brasileiros ficaram conscientes da extensão deste dano moral, cívico e legal que representa o Caixa 2, e se aperceberam de que, de fato, ele existe, e tem muito mais de concreto, material (e nocivo) do que imaginava nossa vã inocência.

Pois é, o patriarca da Odebrecht (hoje ela monopoliza o noticiário), com sua autoridade de empresário vitorioso, com largos anos de janela – empreiteiro engalanado mundo afora – sem o mínimo constrangimento ante uma inquisição do investigador destas tramoias, disse, com todas as letras, que o uso do Caixa 2 é do tempo das calendas, isto é, de quando se escrevia farmácia com ph. Em todas as campanhas realizadas, de norte a sul do país, o interrogado deixou bem claro para o ouvinte esta verdade - sim, porque é um relato que encerra verdade nua - que provoca, que incomoda, é certo, os custodiantes da lei e os garantidores de um processo eleitoral legítimo. A vigilância da autoridade importa em que a vontade do eleitor seja suprema (ou devia ser), para que selemos a atividade eleitoral como livre de todo vício que possa tisnar o sufrágio do eleitor.

Resultado de imagem para congresso m ruíndas  charge
Esta afirmativa de Emilio Odebrecht converge para o noticiário subsequente, que informa o brasileiro da reação dos políticos incluídos nesta lista de centenas de figuras receptoras de colaborações, nela citados nominalmente o ex-presidente Fernando Henrique e outros menos votados, que, até o momento, não haviam sido apedrejados. Agora, todos se mobilizam, ensaiando uma resposta, material se possível, à sociedade brasileira. Ora, então, se o ministério público provocou a delação, haverá preço a pagar pela verdade. Se o Caixa 2 era um exercício reiterado em todas as frentes, por todos os grupos e em todo o território, há tantos decênios, era forçosamente uma estratégia eleitoral consentida. E se tal manejo extracontábil era da ciência da autoridade eleitoral ou judiciária, constava quase como uma prática tolerada, ou mesmo consentida, e então converter-se num costume, daí sim, o que apazigua a ilicitude, ou diminui o potencial ofensivo. 

Vivemos muito tempo no Brasil testemunhando os costumes políticos, desde o coronelismo, a predizer que em política o que não se permite é perder eleição, e esta ordem foi emanada de um grande estadista e homem público que foi Juscelino Kubitscheck. Suas hostes souberam bem cumprir este comando. O depoimento levado a público valeu como uma cutucada em todos, e todos acordaram para esta resultante: como me julgar culpado por uma prática quase institucionalizada, tolerada, consentida ? Que se rasgue esta fantasia e se mostre aos moços, estes que não conhecem o passado desta República, que, até hoje, não se condenou ninguém pela infração do Caixa 2, e esta prática exorbitou para a propina e para a corrupção generalizada porque, na falta de apuração ou de pena, ela se disseminou.

No tempo da escravidão, os negros eram vendidos, comprados, surrados, maltratados, seviciados, mortos. Não ocorria pena para o senhor, embora, quando pouco, houvesse o direito natural a impedir e condenar aquelas barbaridades. Os possuidores de escravos não se envergonhavam diante da sociedade por seus abusos e nem a sociedade os cobrava por algo. E mesmo após o emblemático maio de 1888, a escravatura era constatada (e tolerada) até os albores do século XIX.

Não valeu a pena para o esforço investigativo veicular a afirmativa incontestável de Emilio Odebrecht.

José Maria Couto Moreira

Nenhum comentário:

Postar um comentário