terça-feira, 25 de abril de 2017

Literatura de cadeia

Nunca se leu tanto nos presídios federais. De um lado, por causa da elevação do nível de escolaridade dos detentos; de outro, porque o projeto de remição de penas pela leitura do Ministério da Justiça estimula bastante esse tipo de atividade entre os presos. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), por exemplo, resenhou mais de 60 livros antes de ter a pena perdoada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, seis meses após passar para o regime semiaberto. A pena foi extinta em razão de indulto concedido pela ex-presidente Dilma Rousseff no fim de 2015.

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Na contabilidade do Ministério da Justiça, os cinco livros mais lidos são clássicos da literatura universal e brasileira. O campeão, o título já diz tudo, é Crime e Castigo, do escritor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881), seguido de Incidente em Antares, do gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975); Sagarana e Grande Sertão: Veredas, os dois do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967); e Dom Casmurro, a obra mais traduzida do carioca Machado de Assis (1839-1908), considerado um clássico da literatura universal. Cada livro resenhado vale por quatro dias de cadeia.

A preferência por Crime e Castigo, e não por livros de autoajuda, tem explicação óbvia: o sentimento de culpa do protagonista do livro, o jovem Raskólnikov. Ele dividia os indivíduos em ordinários e extraordinários, numa tentativa de explicar a quebra das regras em prol do avanço humano. Seguindo esse preceito, Raskólnikov planeja e concretiza a morte de uma velhinha agiota. Flagrado na cena do crime pela sobrinha da vítima, comete mais um assassinato. Rouba joias, mas não chega a se beneficiar disso; com medo de ser descoberto, as esconde.

A polícia prende um inocente, que se intitulou culpado devido à pressão que sofria, porém, Raskólnikov, tomado de remorsos, é influenciado pela namorada Sônia e pela descrição da ressurreição de Lázaro no Novo Testamento, e acaba por confessar o crime. Não suportara o peso da própria consciência e das suspeitas de parentes.

No fundo, não era uma daquelas pessoas que julgava extraordinárias, porque seriam capazes de tudo sem culpa alguma. Graças à confissão, ao arrependimento e à falta de antecedentes criminais, sua pena é reduzida a oito anos em uma cadeia na Sibéria.

Curiosamente, Recordações da Casa dos Mortos, o livro de Dostoiévski que fala da cadeia, não faz o mesmo sucesso nos presídios. Seria como falar de corda em casa de enforcado, embora a situação carcerária no Brasil só não seja tão degradante quanto a das antigas prisões siberianas por causa do nosso clima. Os presídios da Papuda, em Brasília, e de Pinhais, perto de Curitiba, onde estão os presos da Lava-Jato, nem de longe se parecem com a masmorra descrita pelo escritor russo.

Recordações da Casa dos Mortos é um romance autobiográfico, que fez muito sucesso quando foi lançado, logo após a volta do escritor a São Petersburgo, em 1862. Ele havia passado quatro anos encarcerado na Sibéria, dos 10 em que esteve no exílio. Como os prisioneiros eram proibidos de escrever memórias e relatos, Dostoiévski disfarçou a obra como ficção, dizendo-a ser o diário de um homem preso por assassinar a esposa em crise de ciúmes. Por isso, até imaginaram que autor fora preso por assassinato e não por razões políticas.

Dostioévski descreve a vida abjeta e brutal na prisão e seus personagens. Fala da tortura e da diferença de comportamento entre o carrasco profissional e o torturador voluntário. Também destila desprezo pelos delatores: “Como me repugnava aquele eterno sorriso trocista daquele quasímodo moral, daquele monstro”. O que será que se passa na cabeça do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, o mais importante líder petista depois de Lula, Dilma Rousseff e José Dirceu, que negocia a sua delação premiada? Não deve estar sendo nada fácil a convivência entre os delatores da Lava-Jato que ainda aguardam a prisão domiciliar e os delatados presos na Papuda e em Pinhais.

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