sábado, 1 de abril de 2017

A verdade da pós-verdade

Há palavras que se tornam senhas. E muitos as repetem sem saber bem por quê: para se enquadrar no seu tempo, suponhamos. Agora, por exemplo, pós-verdade: ao que parece, é como se este ano os políticos tivessem começado a manipular a informação e, por meio da informação, as pessoas. Edward Bernays teria rido às gargalhadas.

Edward Bernays nascera em Viena e em 1891. Sua mãe era irmã de Sigmund Freud; seu pai, irmão da esposa de Sigmund Freud: era sobrinho de Freud por todos os lados. Mas seus pais emigraram para Nova York pouco depois; sua relação com seu grande tio foi distante e frutífera.

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Muito jovem, ainda estudante em Cornell, começou a lê-lo. Dessas leituras herdou a ideia de que os homens reprimem instintos obscuros, perigosos, sempre ameaçadores – e, de outras e de si mesmo, a convicção de que é necessário conduzir os homens transformados em massa para que esses instintos não produzam as piores catástrofes. Não que não acreditasse na democracia, dizia, e no direito de escolher. Suponha que essas eleições tinham de ser guiadas por pessoas com ideias mais elevadas. Para isso era preciso desenvolver as técnicas que otimizassem essa ação.

Bernays começou a buscar maneiras de influir nas multidões. Tinha 25 anos quando propôs a Woodrow Wilson, o presidente norte-americano, que justificasse sua entrada na Primeira Guerra Mundial dizendo que a América queria “levar a democracia a toda a Europa”. Seu slogan foi um êxito absoluto. Quando a paz irrompeu, imaginou que poderia usar sua habilidade para outros fins.

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Em 1920 um fabricante de cigarros considerou que estava perdendo a metade de seu mercado –as mulheres não podiam fumar em público– e o contratou. Bernays consultou um psicanalista, que lhe disse que as mais audazes veriam o ato de fumar como uma rebelião contra o machismo. Bernays poderia ter projetado uma publicidade, mas, em vez disso, inventou uma notícia: pagou dez garotas para que fumassem em meio a um grande desfile na Quinta Avenida, disse-lhes que chamassem seus cigarros de “tochas da liberdade” e convidou jornalistas. No dia seguintem suas tochas estavam na capa de todos os jornais.

Bernays insistiu nessa linha, e avançou: montou uma empresa, ganhou muito dinheiro, escreveu livros, tornou-se uma figura de destaque –e chegou a emprestar dinheiro a seu tio em um momento de dificuldades. Não quis definir sua atividade como propaganda porque a palavra era associada com o inimigo alemão: ocorreu-lhe que poderia chamá-la de “relações públicas”. Agora, a noção de relações públicas faz parte de nossa ideia de mundo: que certas empresas ou pessoas precisam de profissionais que tornem sua imagem colorida. Bernays fazia isso para grandes corporações e, como é lógico, foi se escorando cada vez mais à direita. O anticomunismo da Guerra Fria teve nele um grande incentivador. Nos anos cinquenta trabalhou para uma empresa chamada United Fruit, que controlava países caribenhos como feudos –daí a expressão republica de bananas–, e conseguiu convencer os norte-americanos de que um presidente guatemalteco, Jacobo Árbenz, que queria cortar os privilégios dessa companhia, era um perigoso comunista. Os Estados Unidos mandaram derrubá-lo.

Edward Bernays viveu muitos anos mais e nunca deixou de escrever, aconselhar, manipular: pós-verdades de próprio punho. Morreu em 1995, aos 103 anos, entre perplexo e satisfeito: seu invento já parecia tão natural que ninguém se lembrava de que ele, certa vez, o havia inventado. (E permanece e dura: esta coluna, com seu título enganador, talvez lhe tivesse agradado).

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